E chegamos ao final de mais uma história. Obrigado pelos comentários e incentivos. É muito prazeroso escrever e contar histórias. Eu reeditei "Amor de Peso", que conta a história de Yuri e Zedu. É algo que criei em 2012 e fez bastante sucesso aqui. Espero que vocês possam conferir.
Agradecimentos: santa14, pil.lan, Geosant, Koroagato e Xandão Sá. Obrigado pelos comentários e interatividade.
***
Lá estou eu. De frente para o notebook, as mãos trêmulas e o coração batendo tão forte que parecia querer escapar do peito. Cada batida ecoava no meu ouvido, como um tambor anunciando o momento que poderia mudar tudo. Estava esperando o Fernando, que voltava do trabalho. Ele insistiu que eu não visse a nota sozinho. "Caso você tenha um treco, vou estar lá para te acudir", ele brincou, mas eu sabia que era mais do que isso. Ele queria estar ao meu lado, independente qual fosse o resultado.
Escutei a chave girando na fechadura e, em seguida, a porta se abriu. Fernando entrou, molhado da chuva, com a mochila nas costas. Ele a jogou no sofá com um suspiro cansado, mas logo seu rosto se iluminou ao me ver.
— Oi, lindo — ele disse, se aproximando e me dando um beijo rápido, mas carregado de afeto.
— Tô com medo — confessei, a voz saindo mais fraca do que eu gostaria.
Fernando me olhou com aquela expressão que sempre me acalmava, como se dissesse: "Eu estou aqui, e tudo vai ficar bem".
— Ei, você acertou todas as perguntas. Existem diversas maneiras de você entrar na universidade com uma nota boa — ele lembrou, colocando a mão no meu ombro e apertando com firmeza, como se quisesse transferir um pouco da sua segurança para mim.
— Ok — murmurei, tentando acreditar nas palavras dele.
Entrei no site, e foi como se o mundo ao meu redor desaparecesse. Tudo o que existia agora é a tela do notebook e o meu coração acelerado. Coloquei a senha com dedos que não queriam obedecer ao meu comando, e o tempo parecia se arrastar, cada segundo uma eternidade. Cliquei em "Resultado".
Na tela, aparecem meu número de inscrição, meu nome e meu CPF. Mas o que importava mesmo eram os números que vêm logo abaixo. Eu os leio, uma, duas, três vezes, como se precisasse confirmar que não era sonho.
Linguagens, códigos e suas tecnologias - 720,5
Ciências Humanas e suas tecnologias - 650,6
Matemática e suas tecnologias - 584,2
Redação - 900
Levantei de um salto, a mão cobrindo a boca, como se pudesse conter a onda de emoção que me invadia.
— E agora? — perguntei, olhando para Fernando, que estava com um sorriso tão largo que parecia dividir o rosto ao meio.
— Você vai fazer um curso gratuito, Joel. Em breve, eles vão começar a anunciar os projetos que aceitam a nota do Enem. Já tem uma ideia do que quer fazer? — ele perguntou, mas eu mal conseguia pensar.
— Não sei. Psicologia ou pedagogia. Sempre sonhei em ser professor — respondi, a voz ainda trêmula.
— Com um notão desses? Cara, vaga garantida — ele afirmou, se aproximando e me dando um beijo que senti até na alma. — Parabéns, Joel. Estou muito feliz com essa conquista. Já sei. Vamos comemorar?
— Amor, acho que não... — comecei a dizer, mas ele não me deixou terminar.
— Não. Hoje é o Dia do Joel. Vai tomar um banho, homem. Vou levar o meu namorado para um jantar especial.
Entrei no chuveiro, ainda tremendo com a notícia. A água quente caia sobre mim, mas não conseguia lavar a sensação de incredulidade que me tomava. Como assim? Eu consegui. Eu realmente consegui.
Nesses momentos de vitória, era impossível não olhar para trás. Enquanto a água escorria pelo meu corpo, minha mente viajava para o passado. Quantos jovens estão agora mostrando orgulhosos suas notas para os pais? Quantos estão sendo abraçados, celebrados, amados? E eu... eu não tive essa sorte.
O basculante do banheiro estava aberto, e a vista da cidade me chamava. Meu kitnet ficava no segundo andar de um prédio pequeno, mas dali consigia ver o mundo lá fora, as luzes piscando, as pessoas seguindo suas vidas. E eu me perguntava, como sempre faço nesses momentos:
— Será que eles sentem falta de mim?
A pergunta saia baixa, quase um sussurro, mas ecoava dentro de mim como um grito. E então, as lágrimas vieram à tona. Não pude segurá-las. Escorreram pelo meu rosto, misturadas à água do chuveiro, como se fossem parte dela.
— Cadê o meu amorzinho? — ouvi Fernando cantarolar, entrando no banheiro. Mas ele parou ao me ver. — Ei.
— Eu tô bem — menti, limpando as lágrimas, mas ele sabia que não era verdade.
— Você sente falta deles, né? Dos seus pais — ele disse, e eu apenas acenei, sem conseguir falar.
— Eu sinto que estou tentando provar algo, sabe. Provar algo para pessoas que me abandonaram. — coloquei para fora, as palavras saindo entre soluços. — Eles me deixaram em um orfanato, Fernando.
Ele se aproximou, e eu vi os olhos dele marejados.
— Isso não é fácil, amor. Eu não tenho ideia das coisas que você sente, mas talvez tenha sido a forma que eles acharam de te dar um lar melhor — ele aconselhou, limpando minhas lágrimas com os dedos. — Infelizmente, você não encontrou uma família, amor. Porém, olha onde você chegou, cara — agora era ele quem chorava, a voz embargada. — Você não tem noção de como estou orgulhoso.
Ele me abraçou, e eu me segurei a ele como se fosse a única coisa que me mantivesse de pé.
— Eu te amo — me declarei, apoiado em seu pescoço, sentindo o cheiro dele, a segurança que ele me trazia.
E, por um momento, o mundo parou. As lágrimas, as dúvidas, o passado... tudo desapareceu. Porque, no fim das contas, eu tinha algo que nunca tive antes: alguém que me amava, que acreditava em mim, que estava ao meu lado.
Após o banho, coloquei minhas melhores roupas e passei um perfume que o Fernando me deu no último aniversário. Era um cheiro suave, que ele sempre dizia combinar comigo. Olhei-me no espelho, tentando me convencer de que estava pronto para a noite. Com o passar dos meses, o Fernando acabou levando algumas coisas para minha casa, e eu para a dele. Vez ou outra, a gente dormia na casa dele, principalmente nos fins de semana, mas eu morria de medo de encontrar os pais dele. Nada contra meus sogros, mas estava querendo evitar confrontos. Eu não sabia como eles se sentiam sobre o escândalo do posto, e a última coisa que queria era causar mais problemas.
O Fernando colocou o endereço no GPS e seguimos para o local. Olhei pela janela do carro, observando a cidade passar. As luzes das ruas e os prédios iluminados criavam um cenário quase mágico. Eu estava tão feliz, apesar de tudo o que aconteceu no último ano. A nota do Enem tinha me dado uma nova perspectiva, uma sensação de que, finalmente, eu estava no controle da minha vida.
Depois de um tempo, chegamos à Avenida Augusta. Conseguimos estacionar o carro com muito custo, mas o Fernando, como sempre, manteve a calma. Caminhamos pela calçada, e eu via diversos jovens indo e vindo, todos sorridentes, em grupos animados. Chegamos na frente de um bar, e eu estranhei. O Fernando tinha dito que íamos jantar, mas aquilo parecia mais um lugar para festas.
— Aqui? — perguntei, confuso.
— Confia — ele respondeu, com um sorriso misterioso.
Entramos, e foi como se o mundo parasse. Um cartaz enorme escrito "Parabéns, Joel!" estava pendurado na parede. Havia doces, bolos, balões e bastante bebida. E, para minha surpresa, todos estavam lá: Murillo, Lucas, Paloma, os amigos do posto e até a Jaqueline, a assistente social do orfanato. Eu não consegui esconder a felicidade, que naquele momento veio em forma de lágrimas.
— O Fernando nos convenceu a fazer essa festa para você. Eu vim obrigado — gritou Lucas, tentando competir com os aplausos.
— Parabéns! — celebrou Murillo, me abraçando com força. — Você merece.
— Amigo, parabéns. Você alcançou seu objetivo — disse Paloma, com um sorriso largo.
— É tão bonito ver os meninos do instituto conseguirem essas vitórias — afirmou Jaqueline, tirando os óculos e secando as lágrimas com um lenço.
Eu olhei para o Fernando, que estava ao meu lado, orgulhoso.
— Você fez isso? — perguntei, ainda sem acreditar.
— Claro. Você merece ser celebrado, Joel.
Naquele momento, eu percebi que não precisava de uma família tradicional. Quer dizer, eu meio que já tinha uma família. Ela era disfuncional, caótica e única, mas era minha. A partir daquele dia, a gente passou a se ver mais, apoiando e cuidando uns dos outros.
Os meses foram passando, e a minha nota do Enem realmente fez algo inédito na minha vida: me deu a chance de escolher um caminho. Eu pude decidir a melhor maneira de entrar na universidade e onde estudar. Naquele mês, consegui um emprego em uma loja de celulares, e a comissão era muito boa. Por isso, decidi estudar em uma faculdade que ficava a apenas um metro de distância da minha nova casa. Isso mesmo, eu me mudei para a casa do Fernando.
Já tive alguns encontros com a família dele, e tudo correu dentro do normal. Inclusive, fomos convidados para o casamento do irmão dele. O Fernando também se inspirou em mim e decidiu estudar algo que sempre quis: design de games.
Neste mês, a gente vai se mudar para outro apartamento, um lugar menor, mas que podemos chamar de nosso. Algo que possamos decorar com a nossa personalidade. Engraçado os caminhos que a vida nos leva.
— O que o meu pedagogo tá fazendo parado? Tem diversas caixas para encher aqui — o Fernando me trouxe de volta à realidade.
— Quem tem 500 funkos? — respondi com outra pergunta, olhando para a pilha de caixas cheias de bonequinhos colecionáveis.
— Sou culpado — ele ergueu as mãos, se rendendo.
Foi uma semana puxada. Mudança de apartamento (pela segunda vez), início da faculdade e o novo emprego. Sabe quem está trabalhando perto de mim no shopping? O Lucas. A gente faz de tudo para almoçar juntos. Ele está em um relacionamento aberto com o Murillo, que agora está fazendo um preparatório para entrar para a Polícia Militar.
A Paloma abriu uma loja de doces junto com a mãe. A gente até foi para a inauguração. Agora, a "Doce Vida" é uma parada obrigatória para qualquer evento nosso.
A rotina de casal com o Fernando é tudo o que eu sempre quis. Nos mudamos para o novo apartamento, e cada canto tem um pedaço de nós. Na universidade, fiz novas amizades, participei de trabalhos e palestras. Em um final de semana, eu estava fazendo um trabalho de um lado, enquanto o Fernando estava do outro, concentrado no seu projeto de design.
De repente, um gatinho pulou em cima do meu notebook.
— Link! — gritei, assustado.
— Tá perturbando o papai, Link? — questionou o Fernando, rindo.
— Essa delicinha não aprende — eu o abracei, sentindo o ronronar dele contra meu peito.
Link era mais uma adição à nossa família disfuncional, mas ele se encaixou perfeitamente. E, olhando para tudo o que conquistamos, eu percebi que, finalmente, eu tinha encontrado meu lugar no mundo. Um lugar cheio de amor, apoio e, claro, um pouco de caos. Mas era o meu lugar. E eu não trocaria por nada.
***
O Carnaval deste ano foi um dos melhores que já vivi. Passei os dias ao lado do Fernando e dos meus amigos, em uma mistura de alegria, música e dança. Foi uma daquelas épocas em que você sente que a vida está te abraçando, sabe? A gente pulou, cantou e riu até não aguentar mais. O Lucas, claro, estava no centro de tudo, com aquela energia contagiante que só ele tem. Até o meu namorado, que normalmente é mais reservado, se soltou e acabou dançando no meio da rua com o Murillo. A Paloma, como sempre, era a alma da festa, arrastando todo mundo para a pista. Foi um Carnaval que marcou, não só pela diversão, mas por sentir que, finalmente, eu pertencia a algo maior.
E logo depois do Carnaval, veio a Páscoa. O Fernando, sempre cheio de surpresas, preparou uma caça aos ovos em casa. Eu acordei com bilhetes espalhados pelo apartamento, cada um com uma pista para encontrar os chocolates escondidos. No final, com a ajuda do Link, ele me deu um ovo de Páscoa gigante, feito especialmente por ele. Sim, ele aprendeu a fazer chocolate só para me surpreender. Eu não sabia se ria ou chorava de emoção.
Mas a cereja do bolo foi a viagem de férias que fizemos para o Rio de Janeiro. Fomos eu, o Fernando, Lucas, Murillo e a Paloma. Foram dias maravilhosos, com muito sol, água do mar e risadas. A gente acordava cedo, pegava uma praia, almoçava em quiosques à beira-mar e à noite saía para explorar a cidade. O Fernando, é claro, arrumou um jeito de transformar tudo em uma aventura. Uma noite, ele nos levou para uma festa à fantasia em Copacabana, e eu acabei vestido de pirata, enquanto ele estava de Link. Adivinha quem ganhou a melhor fantasia? Foi hilário e incrível ao mesmo tempo.
O Rio foi um respiro, um momento para recarregar as energias e aproveitar a vida ao lado das pessoas que eu amo. E, de alguma forma, aquela viagem nos aproximou ainda mais. Voltei de lá com o coração cheio e a sensação de que, não importa o que aconteça, eu tenho uma rede de apoio que nunca vai me deixar cair.
O inverno chegou, e com ele o fim de mais um período na faculdade. Desta vez, consegui me destacar na turma e pegar só notas 10. Foi uma sensação incrível, saber que todo o esforço valeu a pena. Mas, como sempre, não paro por aí. Agora, estou me preparando para fazer um concurso de um banco. A ideia é aumentar a renda até a formatura chegar. O Fernando tem me apoiado muito nisso, até montou um cronograma de estudos para mim. Ele é assim, sempre pensando em maneiras de me ajudar a crescer.
E, falando em Fernando, não dá para não mencionar como o nosso relacionamento tem evoluído. O sexo entre a gente é incrível, sempre foi, mas ele começou a trazer coisas novas para o nosso quarto. Brinquedos sexuais, cosplay, experiências que eu nunca imaginei que iria gostar. Não vou mentir, o sexo teve um papel importante na minha vida. Foi um despertar, uma forma de descobrir mais sobre mim mesmo e os meus limites. E continua sendo, porque o Fernando é lindo, gostoso e sabe exatamente como me fazer sentir bem.
É incrível como a gente consegue se conectar de tantas formas diferentes. Às vezes, é algo mais intenso, cheio de fogo e paixão. Outras vezes, é mais doce, carinhoso, como se fosse uma extensão do amor que a gente sente um pelo outro.
Eu nunca imaginei que poderia ser tão feliz. O Fernando me mostrou que o amor não é só sobre grandes gestos, mas também sobre os pequenos detalhes do dia a dia. Ele é a minha família, o meu porto seguro. E, juntos, estamos construindo uma vida que eu sempre sonhei, mas nunca achei que seria possível. Aos poucos, o meu mundo cinza começava a ganhar novas cores.
E, cara, eu estava amando isso.