Todos temos defeitos, mas o meu ultrapassou os limites quando veio uma sensação estranha de inveja, ciúme ou os dois. Tentava imaginar o quanto Caio era importante pra Léo, pra ele ficar daquela forma. Era uma atitude imatura e egoísta, mas era o que eu sentia. Tentava imaginar que era mais importante que Caio. Calculava mentalmente reações ou atitudes que poderiam dar peso ao sentimento dele por mim. Achava a situação lamentável, mas só pensava em me nivelar a Caio.
Os dois eram conhecidos há muito mais tempo que eu. Bobagem a minha pensar que poderia ter algum espaço igual a seu amigo de meses. Em contrapartida conheci Léo há uma semana e só tive contato direto com ele em menos de 24 horas. Ouvi-lo, ter aquele contato íntimo na madrugada passada e sobretudo termos criado uma conexão me fazia sentir que estava em pé de igualdade com Caio. Minha carência era alimentada a cada segundo que sentia sua nuca em meu abdômen. Ainda sou jovem, mas hoje sei dizer que naquela época, tudo é mais intenso pra todos nós.
O que eu vivenciara ao seu lado, foi desastroso do ponto de vista moral. Toda aquela combinação de sexo e drogas, era sem dúvidas cruel pra minha idade e pra meu histórico de criação. Apesar de meu pai ter uma ótima condição financeira e nunca me negar dinheiro pra o que precisasse, nunca fui um play boy. Não conseguia me sentir melhor que ninguém por estar naquele lugar. Caso eu não tivesse sido tão bem educado por ele, aquela experiência poderia ter me levar a um caminho sem volta, mas eu tinha convicção que seria passageiro.
A cocaína não entraria mais em minha vida. Minha preocupação era reduzida a zero em relação a isso, mas e Léo? O que seria dele? poderia ser ele na mesma situação que Caio. Se não foi hoje, poderia ser amanhã ou depois. Será que havia algo que eu pudesse fazer pra ajudar? Eu queria ser mais que aquele abraço pra ele. Gostaria de pensar que o conheci por algum motivo.
Observando a neblina se intensificando e preso nesses pensamentos, não havia notado que Léo massageava minha mão direita como que brincando; mexia meus dedos e por fim entrelaçou-a em sua mão esquerda, fechando-a. Não havia como saber o que se passava em sua mente. Só observava.
-Pedro... Mano posso trocar uma ideia?
- Fala, Léo. Claro que pode!
- O que você acha de mim? Você acha estranho isso tudo que tá acontecendo?
Eu não estava preparado para aquela pergunta. Não sabia definitivamente o que responder. Se naquele momento que decidi subir as escadas lá de casa alguém me dissesse que eu estaria pavimentando um caminho que me levaria aquele momento intimo e em publico com outro homem, certamente iria dizer que sim, mas as coisas foram acontecendo de maneira tão natural. Não sei dizer se foi destino. Nem sei se acredito nisso. Quanto ao que eu achava dele? Tinha tantas coisas pra dizer. Pontos de vistas que se moldavam a cada momento que estava com ele. Era tudo muito fluido o que imaginava sobre Léo. A única coisa que sabia com toda certeza era que ele mexia comigo. Ele mudava todo meu conceito de sexualidade. Eu não conseguia externalizar isso pra ele, então respondi repetindo a pergunta em tom de que estaria pensando no que dizer. Logo ele se virou em lateral encostando seu rosto em meu peito e me abraçando.Queria parar o tempo. Aquele abraço era um contato tão precioso pra mim. Eu me sentia importante pra ele. Assemelhava-se brevemente a um pai confortando um filho, mas quem olhasse de fora acharia que éramos íntimos há anos, ou até mesmo que namorávamos.
Nunca fui de estar naquele local de pessoa que conforta. Nunca tive problemas sérios com solidão ou perda, apesar da solidão me fazer companhia as vezes. Até com minha mãe nunca fui próximo, já que ele se separaram há muitos anos. Sempre foi eu e meu Pai. Apesar da rotina dele sempre ser puxada não me faltava atenção e carinho quando o coroa tinha tempo. Cresci como uma pessoa feliz, porem com um vazio dentro de mim. Era algo que me faltava. Em alguns momentos com Léo eu conseguia preencher esse vazio. É como se minha vida fosse completa por alguns instantes. E não me refiro ao sexo e sim a companhia dele. Seu jeito, sua maneira de sorrir, de falar. O estilo dele era muito maloqueiro, mas não dava a ele esse estereotipo. Além da inteligência. Eu sabia do potencial dele. Essas primeiras impressões poderiam ser confundidas a um personagem que uma pessoa incorpora ao usar drogas, mas não, pois essas conclusões eu tirei pós noite.
Antes de conseguir formular uma resposta ele continuou:
- Deixa quieto. O que importa é que você está aqui e não tem vergonha de mim.
- Por que eu sentiria vergonha de você?
-Sei lá, mano. Eu sou um viciado. Drogado. Sem nada na vida.
-Esse home acha tudo isso de você? Sai dessa. você é maior presença (Pra quem não conhece dê um google, ele parece muito com o Leonardo Safra.) - Sem falar que só importo com o que meu pai pensa.
-Poxa! Bom ouvir isso desse home. - Beijou meu peito rapidamente. - Valeu!
A neblina forte já estava se tornando chuva quando eu perguntei se não era melhor a gente voltar pra barraca.
- Quero ficar mais um tempo com você.
Havia uma falésia um pouco afastado de onde estávamos, daria uma caminhada legal, mas valeria a pena e certamente hoje não iria ter ninguém lá. Quem iria pra praia com chuva? Conhecia um local lá que a chuva atingia muito pouco, pois era coberto por uma rocha, não chegava a ser uma caverna mas era um bom lugar pra se abrigar e ficar à vontade. Então o chamei pra lá. Logo nos levantamos.
Não tinha certeza se Marcelo saberia onde a gente tinha ido, mas acreditei que ele seria esperto suficiente, caso demorássemos e precisasse nos procurar, pois já havíamos mencionado sobre esse ponto uma vez em que estivemos lá em dona Lucia.
Dessa vez caminhamos separados, porem muito próximos. Perguntei se estava se sentindo melhor.
- Apesar de Caio ser um idiota, ele tava comigo nos últimos meses. Foi com ele que enfrentamos esse caminho sem volta. Se acontecer algo com ele eu não teria resistência pra continuar.
- Ele vai ficar bem. O Marcelo disse pra você não se preocupar. - Falei batendo levemente em seu ombro.
- É muito zoado aquilo que aconteceu. Seu pai estava acompanhado de drogados na mesa. Logo a cidade vai estar cheia com isso.
- Não se preocupe com isso não. Pai conhece todo tipo de gente. E alguns amigos dele usam também. Já vi algumas vezes. E todos sabem que meu pai hospeda pessoa lá em casa. É de boa.
- Eu também acho que agora que a gente não vai mais se ver mesmo. Seu pai vai sacar que também sou usuário. Nunca vai deixar eu me aproximar de você novamente.
- Você ainda precisa conhecer o coroa. Ele não é assim não.
- Sei!
Léo balançava a cabeça quando escutamos um grito. Era Marcelo de longe correndo em nossa direção só de sunga.
- Vocês vão aonde? - gritava pra ser ouvido.
A gente cobria o rosto da chuva com a mão inclinada na testa enquanto ele se aproximava.
- A gente tá indo lá pra falésia. Vamos lá também.
-Na coberta?
-É sim - respondi e ele concordou depois de dar uma rápida olhada pra trás, mas certamente ele se decepcionou ao ver que a chuva não possibilitava visão clara de muita coisa.
Marcelo foi nos acompanhando enquanto dizia que meu pai ligou e falou que Caio já tinha sido atendido e já estava fora de perigo. Estava tomando soro e dormido. Talvez só recebesse alta tarde da noite. Ele havia usado muita droga.
-Perguntou se eu podia ligar pra o Luiz ir pra lá. Pra ele poder voltar e nos levar pra casa.
- O que você disse? - perguntei.
- Falei que ele estava dormindo e que dificilmente acordaria com a ligação. Aí ele falou que a gente ficasse aqui ate a chuva diminuir. Ele ficaria mais tranquilo...
- Fez bem. Luiz não iria mesmo. Ele tá pouco se fudendo pra gente. - Léo interrompeu.
- Que é isso, cara? O Luiz tem defeito, mas não deixaria vocês na mão não!
- É? Você acha isso dele? Então pede pra ele deixar eu seguir minha vida... - Léo gritava com raiva - Conseguir um emprego que nem você conseguiu. Tentar ser gente.
- Do que você tá falando Léo? Você pode sair quando quiser. - Marcelo respondeu inocentemente.
Leo não respondeu e virou de costas balançando a cabeça. Eu não manifestava nenhuma reação, apenas o segui. Marcelo desacelerou o passo me segurando pela mão enquanto Léo adiantava a nossa frente.
- Você sabe do que ele tá falando né? Hoje você me disse aquilo de chantagem. Eu tô pegando as coisas. Vai me falar ou não? - sussurrava, mesmo sem precisar.
- Não! Isso é pessoal dele. Você não pode fazer nada e não tem nada a ver com isso.
- Tem certeza que eu não posso fazer nada?
Encarei Marcelo com o rosto fechado, mas no fundo via um deslumbre de esperança. Léo olhou pra trás e mandou a gente se apressar.
- Pedro, você pode até tentar se enganar, mas eu sei que você tá gostando de Léo. E, de verdade, cara: está tudo bem isso acontecer. Se for importante pra você ajudar o Léo, é pra mim também. Deixa eu ajudar. Eu te devo essa.
- Vamo logo, mano! Antes que Léo fique desconfiado de alguma coisa. Ele pode pensar que você está escondendo a situação de Caio. – Tentei correr, mas fui parado por Marcelo novamente.
- Pedro, eu posso ajudar! - insistia.
- Vou pensar cara. - falei pra encerrar o assunto.
- Você sabe que vou amanha trabalhar. Não sei nem se um dia eles vão voltar aqui na cidade ou ate se seu pai vai aceitar Luiz lá depois de hoje.
- Mano, se eu decidir contar, você vai saber a hora.
Então demos uma leve corrida pra alcançarmos Léo. Quando chegamos ao abrigo natural nos sentamos um ao lado outro, Marcelo entre nós. Os três de joelhos dobrados com os braços em volta das pernas com o frio. Passamos um bom tempo só deslumbrando o torrencial se confundir com mar. Era uma vista inconfundível.
-Que droga de dia hein? (Léo)
-Ainda não acabou... (Marcelo)
-E pai? Vai ficar lá mesmo?
-Ele disse que não ficaria à vontade de sair do hospital sem um parente de Caio lá. (Marcelo)
-Típico do coroa.
-Né isso. (Marcelo)
- Ele não desconfia do Luiz não? Ele engoliu mesmo aquela historia dele ser nosso tio? (Léo)
- Douglas não liga pra essas coisas. (Marcelo)
Eu permaneci calado. Se eles soubessem o quanto o coroa é esperto...
-Então a gente vai ficar quanto tempo aqui? Essa chuva vai demorar. E logo anoitece. (Léo)
- Eu vou voltar pra Barraca. Deixar vocês à vontade. Acho que tô atrapalhando. (Marcelo)
O meu constrangimento não foi maior, por Marcelo ter dito aquilo com tanta espontaneidade que me veio a sensação de acolhimento, que todos estávamos do mesmo lado.
Quando ele se levantou, olhei pra Léo e me pareceu que seus olhos tentavam lacrimejar, mas logo me virei. Marcelo olhou pra mim e disse que quando a gente chegasse lá eu precisava ir falar com dona Lucia pra assinar a nota da conta por meu pai. Aquilo era um total absurdo que Léo não desconfiaria. Era apenas uma tentativa de falar comigo. Ele estava muito empenhado em querer ajudar. Dona Lúcia conhece meu pai há anos. Sem falar que pai já me pediu pra eu passar lá na barraca várias vezes pra acertar com dona Lúcia porque ele não tinha tempo e na época o pix ainda não era tão popular e nunca houve nenhum papel pra assinar. Dei o silencio como resposta. Ele saiu.
Me aproximei de Léo pela direita, ocupei o vazio que estava entre ele e o lugar que Marcelo estivera.
-Bonito né aqui? - iniciei.
-É bacana. Diferente. Essa vista é show.
-Já vim aqui algumas vezes, mas nunca com chuva.
-Parece que ela só fica mais forte né? é possível? - riu.
-Aqui demora a chover, mas quando começa... talvez só pare amanhã. Quase certeza.
-Tô ligado.
-Posso te fazer uma pergunta?
-Sempre! Vai! arroxe!
-Você acha que Caio sente alguma coisa por você? - Arrisquei pra sondar seus sentimentos.
-Caio? Sente sim: Amor e ódio. – respondeu olhando o mar através da chuva que cada vez se intensificava mais.
-Amor e ódio? Como assim?
Léo silenciou por um instante. Talvez pra saber como e o que dizer.
- Lembra a hora que falei sobre o pai dele ter soltado aquela deixa pra ele? Sobre nós dois? No quintal lá naquela noite? – respondi que sim.
-Pois é, eu não falei pra não me alongar, mas no outro dia ele me acordou com raiva. Querendo que eu fosse embora. Que aquilo não ia mais rolar. Que ele não era viado. Que não dava mais certo a gente beber nem ficar lá no quarto. Que se eu falasse pra alguém que ele tinha dado a bunda ia mandar me matar. Ele me ameaçou pra caralho. Eu fui embora sem entender nada.
- Sério, boooy? Porra foi essa?
- O pai dele entrou na mente dele. Tanto é que na mesma noite que tínhamos que sair com o Luiz ele precisou se drogar muito pra poder chegar perto de mim. Ele tava muito abalado. Passou vários dias sem falar comigo. Eu não dei importância. Já tava até bem. Sem ele eu não teria como ou motivo pra usar droga. Ela só vicia se você criar o hábito. Até tinha feito uns bicos pra não ficar parado.
- E como vocês voltaram a se falar?
-No outro fim de semana ele me ligou chamando pra ir à casa dele. Tentei não ir, mas ele tava bebendo e insistiu muito. Acabei indo. Quando cheguei lá ele me contou exatamente da forma como eu contei pra você o que houve depois que adormeci.
-E aí?
-E ai que ele queria mesmo era voltar a ganhar dinheiro comigo. Ele sempre foi mais instigado. Luiz nos fez a proposta e eu aceitei. Ainda tava precisando. Depois Caio foi chamando outros manos “vida louca” pra gravar com a gente. Luiz tratava ele como um filho, ou uma galinha dos ovos de ouro. Estava adorando o recrutamento. Mas Nós dois éramos os principais, segundo ele. Aumentamos a frequência do uso de droga com o tempo. O resto você já sabe.
- Ele é meio perturbado né? O caio - perguntei retoricamente.
- Caio com pouco tempo tacou o foda-se. Curtia de todo jeito. Mas comigo ele sempre era restrito. Ele parecia que estava esperando um momento pra retribuir o que ele sentiu quando deu o rabo pra mim. Até que no dia do sitio ele conseguiu. Ressaca pós droga é foda! Ele conseguiu me abalar como ele se abalou no outro dia. Mas não tanto quando descobri da câmera no quarto e da gravação.
- Oxe! E você não tinha visto no quarto não? A câmera? Talvez nem tenha câmera lá.
- Eu fui lá no sitio outro dia. Fui no quarto e a câmera tava lá. É real, mano.
-Mas podia ser que não estivesse funcionando no dia.
- E eu vou confiar nisso?
-Eu arriscaria.
-Porque? Você acha que eu não tenho nada a perder?
-Não é isso, meu fi. É que é melhor do que viver nessa prisão.
-Essa prisão tira meu sustento. Do que adianta eu arriscar tudo e depois ficar sem nada.
-Você não ia ficar sem nada. Eu seria seu amigo. Te apoiaria. Você não ia ficar só.
-Você tem sua vida. Sou mais velho que você. E você é outro nível. Seu pai não ia aceitar essa amizade.
-Tá julgando meu pai de novo...não faz isso.
-Não tô julgando. Seu pai é rico. Eu sou um fudido que não tem nem profissão.
-Mas porque ele iria se importar com isso? Não precisa ter tanta coisa pra se ter um amigo.
- Você ainda tem que aprender muita coisa, Pedro.
Baixei a cabeça sem compreender. Ele não sabia o que meu pai achava dele. Não senti que precisasse dizer. Estava insistindo muito em um pensamento que ele já havia pré-fixado.
Ele me olhou e disse que deixasse esse papo pra lá, pois Caio já estava bem. Não tinha porque a gente está falando dele. Fiquei intrigado com aquilo. Há pouco tempo ele estava totalmente abalado, chorando por ele e agora simplesmente pediu pra pararmos de falar sobre.
- Achei que fosse bom pra você falar sobre ele.
Léo deu um sorriso como se soubesse o que eu ia falar. E se virou em minha lateral. Conduziu suas pernas em minha volta. Deixando a esquerda dobrada recostando minhas costas e a perna direita descansando nas minhas.
- Não se importa né? -perguntou pela aproximação e mudança de posição.
- Não. A gente pode ficar a vontade aqui. O que é nosso fica com a gente.
- Pedro. O meu choro não foi por ele. foi por mim. Eu fico imaginando quando vai ser minha hora. Eu não quero que nada aconteça com Caio, mas não somos próximos demais não. Me afastar dele seria fácil se eu pudesse.
- Ele tem uma energia pesada né. - respondi um pouco constrangido. Não esperava ouvir aquilo.
- Não é só isso. Ele não é a mesma pessoa, como já disse a esse home. Ele também não tem interesse de sair dessa vida.
Quando terminou ele deixou seu rosto virado pra trás de mim com a lateral encostada em meu ombro. E permanecemos em silencio por alguns minutos.
-Obrigado, Mano. – falou beijando meu ombro. Um beijo leve, mas forte o suficiente pra poder sentir seu bigode em minha pele.
-Pelo quê?
-Por não me tratar como um noiado.- respondeu com a voz cortada.
Dava pra ver que a auto-estima dele definitivamente estava muito abalada. Léo foi uma pessoa que por muito tempo se viu sozinho em um ambiente que estava o fazendo se autodestruir, que vivia por necessidade sendo a todo momento corrompido e se sentindo ameaçado. Era uma situação caótica. Desesperadora alias. Quando se viu ali sendo acolhido por uma pessoa que ele considerava estar acima dele, seu verdadeiro eu se manifestava.
- Eu dou valor a você, Léo.
- Eu sei, alias eu sinto... Outra coisa: Esquece aquilo que te falei naquela hora.
-Qual delas?
-Do seu cabaço- riu.
Eu não parava de olhar o mar e me sentia nervoso a cada palavra que ele dizia.
- Falei aquilo na hora do tesão - continuou.
- Então você não quer isso?- respondi inseguro.
- Não é isso. Eu quero. Nada mudou. Só não precisa que seja assim. Na obrigação, mas se um dia acontecer, que seja a gente de boa sabe? Sem droga nenhuma. Só a gente sabendo o que tá fazendo, mas sei que pra você pode ser difícil. Sua experiência com outro cara foi só comigo, praticamente. Nem conto Caio. Aquilo ali quase todo homem recebe uma vez na vida.
Eu peguei sua mão direita e repeti o entrelaçamento com minha mão esquerda.
- Promete? - olhei pra ele.
Ele olhou nosso par de mãos fechado e falou:
- Vamo combinar assim: se um dia a gente voltar a se encontrar e tivermos no clima: a gente transa. Não vou usar droga nenhuma. Fechado? – beijou o dorso de minha mão.
-Fechou! - beijei o dorso da sua em fechamento de compromisso.
Finalmente via um sorriso bem preenchido em seu rosto. Senti o volume de sua cueca aumentar em minha cintura e acredito que ele sentiu o volume da minha também. Dois jovens de sunga abraçados em um lugar isolado. Aquilo era no mínimo sugestivo, mas quem via de longe parecia perfeitamente claro do que se tratava. Em meio aos meus pensamentos aleatórios me vinha a lembrança de meus amigos de estudo, do futebol. Lembrei de Carla e o que ela diria se visse aquilo. Meu namoro com ela sempre foi muito seco, sem vida. Mal nos falávamos. Só nos víamos umas três vezes na semana e mal trocávamos mensagens e de fato aquilo não me incomodava. Na verdade, me encontrava com ela as vezes por obrigação ao nosso compromisso. Nada avançava ao lado dela. Todo dia era o mesmo dia. Tudo muito programado. Aquele era o vazio que eu tinha finalmente entendido.
Pode parecer ousado de minha parte, mas acreditem: eu não estava apaixonado por Léo. Até então eu não havia experenciado muita coisa. Sempre em casa estudando ou naquele namoro sem graça. Viajava somente com meu pai. Tinha poucos amigos. Meus primos eram poucos e mal nos víamos. Minha ação mais ousada até então tinha sido um baseado com a turma do futebol, que mais me deu fome do que lombra. O que estava acontecendo ali era resultado da coalisão de vários fatores: Experiência nova, carência, hormônios, sono, ressaca pós droga, curiosidade, empatia.
Confesso que seria injusto de minha parte dizer que não sentia nada por ele nessa época, mas não era tanto quanto eu estava imaginando no dia.
- Acho que a gente precisa voltar né? - perguntei.
-Verdade. Não vamo atrapalhar o rôle do cara não. E ainda quero tomar mais umas antes da gente voltar.
Nessa hora Léo deu um pulo e me puxou pela mão.
- Que foi maluco? Surtou? - brinquei.
Léo subiu a energia da gente em poucos segundos. Achei engraçado o jeito que ele me puxava pra o lado de fora.
-Quero saber se eu tô em forma. – E foi largando minha mão.
-É o que maluco? - ria do jeito dele.
-Oh, otário. Quem chegar por ultimo é a mulher do padre - falava se aquecendo com pulos alternados nas pernas.
-Você é criança ou o quê?
-Podemos ser por uns minutos. Algum problema? – chegou perto de mim e chacoalhou minha cabeça. - Algum preconceito, meu manin?
- Ah é? Sabia que sou o melhor do meu time de futebol? - me gabava alongando as pernas.
- E daí?
-E daí que você que vai ser a mulher do padre - e saí correndo.
Nós dois estávamos de zoeira total com aquilo. Não estava havendo uma competição de verdade. Aquilo era uma honrosa forma de dissiparmos quaisquer mal estar do dia. Queríamos aproveitar enquanto tínhamos tempo. Corríamos pareados com a sensação de liberdade e que talvez jamais algum dia daquele se repetisse. Descobri nesse meio tempo que Léo sabia dar "mortal" enquanto eu só plantava bananeira. Foi um caminho prazeroso e engraçado. De repente um relâmpago acompanhado de um gigantesco trovão, que mais parecia um preludio do fim do mundo, surgiu pra nos derrubar em susto. Não sabia quem ria mais de quem. Foi uma situação tão engraçada que precisamos de alguns segundos pra nos recompor e recomeçar o trajeto em caminhada lenta, pois já havíamos perdido o fôlego. Não parávamos de falar sobre a cara um do outro durante a caminhada.
Já conseguíamos visualizar a barraca quando tomávamos novamente o folego. Tentei retomar a corrida, mas fui parado por Léo que agora cruzava seu braço em volta de minha costas. Voltávamos pra barraca igual a que quando saímos, porém em posições opostas. Estava visível nosso clima de felicidade.
Não saberia descrever o quanto foi divertido esse nosso momento, mas posso afirmar que foi uma das melhores experiências com Léo que tive até hoje.
Mesmo em meio ao toró consegui visualizar a escada que permite que os visitantes subam da faixa de areia até a área elevada onde a barraca foi construída.
-Olha lá o Boy Marcelo na gela. Agora a sede aumentou. Bora! - e ele deu uma breve corrida até passar por Marcelo que naquele momento já havia nos visto e caminhou se exposto novamente a chuva, fixando o olhar pra mim.
Já próximo de chegar e vendo Marcelo ali me recordei o quanto fui injusto com ele. O cara sempre foi acolhedor e parceiro comigo. Tinha as melhores intenções ao meu lado e sempre me apoiou em eventos passados em que pedia seus conselhos. Esqueci em poucas horas que o considerava um irmão mais velho.
E lá estava ele bem no topo da pequena escada me esperando, bateu com a mão no pulso como que advertindo sobre o passar da hora. Acreditei, por um momento, que ele estava me apressando pra irmos embora, mas já o julguei demais naquele dia, então resolvi acreditar que estava querendo uma resposta minha sobre o que ele poderia fazer por Léo e consequentemente por mim. Fui me aproximando e encarando ele, mesmo a chuva atrapalhando nossa troca de olhares, ele notou algo diferente em mim. Quando cheguei a base da escada nos encaramos e confirmei a intenção de Marcelo:
- Então finalmente você decidiu assinar a conta de seu pai? - Perguntou sabendo que era um código pra minha decisão. Uma retórica bem elaborada.
Olhei pra Léo que tomava a cerveja e brevemente nos olhou sem aparentar curiosidade, apenas com o rosto feliz por estar ali ainda. Não queria que aquilo acabasse pra ele. Queria fazer parte dessa reconstrução.
Meu grande amigo, Marcelo, estava ali pronto e disposto. Subi a escada e bati no ombro dele.
- Claro, irmão. Vou precisar de uma caneta. - E sai à procura de Dona Lúcia.
Eu tinha total confiança que ele saberia conduzir exatamente o que precisaria ser feito para colocar um ponto final nesse maldito grupo.
Continua...