Não, infelizmente não consegui, e pra falar a verdade já desisti. É uma pena.
As Cartas de Meu Avô
A noite cai, úmida e silenciosa, e eu estou frente a lareira, sozinha e solitária na cadeira de balanço de papai. No meu colo, uma caixinha de madeira que fora encontrada no sótão. Me lembro que quando éramos crianças encontramos essa caixa lá, em meio a uma aventura, mas não tínhamos a chave.
"Essa caixa é onde o vovô guardava os dólares", dizia Gil, meu irmão um pouco mais velho que eu. "É verdade, Sandrinha! Vovô ganhou muita grana na época da guerra!", ele delirava eu acreditava.
Lembro que na ocasião pedimos a chave para o papai e ele disse um pouco bravo, tossindo a fumaça do cigarro: "COF, COF! Ora, me deem isso aqui! Não é coisa para crianças!".
Nunca mais lembrei dessa caixa. Cresci, me formei, noivei…
Alguns meses atrás meu pai faleceu. Gil voltou ao Brasil por um tempo para o velório e para me ajudar a cuidar de tudo. Ele é bem rico na Holanda e não fez questão da herança, até porque eu ia me casar…
As coisas não saíram assim.
Enfim, saia sou a dona da casa em que cresci e tenho a bendita chave que abre essa caixinha. Abro. Examino. Cerca de cinquenta cartas. O cheiro não é tão velho, os papéis estão bem conservados, apesar da cor sépia generalizada. Que lindo!, são as cartas que meu avô escrevia à minha avó, e vice versa.
Percebo, porém, que não estão em ordem, e quase nenhuma traz datas, que deveriam estar originalmente só nos envelopes, que já não existiam mais. O jeito seria tentar organizar tudo aquilo. Mas para isso, eu precisaria ler uma por uma, sem me importar no começo com a sequência correta. Eu fico empolgada.
Eu não conheci minha avó, só meu avô. Mesmo as fotos dela são raras e não dizem muito, porque são preto e branco, e com muito pouca precisão. Mas parecia ser muito linda. Tudo o que sei de Dona América é aquilo que meu avô dizia: "Não existe outra mulher igual" e "Sua avó era a melhor professora da escola".
Tudo está perfeitamente ajustado para que eu inicie a leitura. Meu chá está aqui ao lado, o vapor subindo. Amanhã eu faço aniversário, vinte e oito anos.
Eu estou melancólica. Vou começar.
(Continua…)