O amor vem de onde menos se espera.
Não entrei ali por vontade própria. Meu corpo não queria estar ali, minhas pernas queriam correr.
- Mas pra onde? (perguntava em meu pensamento).
Senti um leve empurrão nas minhas costas, e um barulho de ferro soou em meu ouvido.
Olhei para trás, e meus olhos, marejados, pediam ajuda. Eu não merecia estar ali.
Fui sentando aos poucos no chão, até apoiar minhas costas em uma pequena mureta.
Tentava não olhar para ninguém, eu sabia que aquilo era arriscado e eu poderia arrumar confusão, mas pelos cantos dos olhos eu percebia varias pessoas me encarando.
=======
Mãe - Felipe meu filho não ta ouvindo te chamarem não? (perguntou minha mãe com um saco de carvão na mão).
Eu - ouvi não mãe. Quem ta me chamando? (falei engolindo um pedaço de bodó e tomando um copo de café com leite).
Mãe - deve ser teus amigos de bola. (disse ela colocando o saco no chão e limpando as mãos no avental).
Eu - ah! (falei animado). Nós combinamos de jogar bola la na rua de baixo.
Mãe - e vai me deixar aqui na mão?
Eu - já fiz tudo o que a senhora pediu, ainda precisa de alguma coisa?
Mãe - queria que tu fizesse o fogo pra mim no fogareiro, mas vai pro teu jogo que eu me viro. (disse ela abrindo a dispensa).
Eu - pra que vai utilizar o fogareiro?
Mãe - não tem mais gás.
Eu - o gás já acabou?
Mãe - cozido e feijão todo dia gasta né meu filho!?
Eu - eu acho engraçado que o marido da senhora quer comer bem todo dia, mas não quer arcar com as despesas.
Mãe - fala baixo filho que ele já ta pra chegar do serviço. (disse ela gesticulando com as mãos).
Eu - falo baixo nada. (disse levantando da mesa). Quero é que ele ouça mesmo pra ver se cria vergonha na cara e vaza da nossa vida. ( coloquei a louça na pia e passei uma água rápida).
- Lipe, Lipe. (alguém gritava por mim, lá fora).
Mãe - olha ai, teus amigos continuam te esperando, vai lá que eu me viro por aqui.
Eu - vou fazer o fogo pra senhora, depois eu desço pra pelada.
Mãe - não precisa filho, pode deixar que eu faço.
Eu - tem certeza? (falei a encarando).
Mãe - tenho filho, rapidinho eu acendo esse fogo.
Eu - ta bom mãe, eu já to indo, mas primeiro me promete uma coisa?
Mãe - que coisa filho?
Eu - se o José chegar bêbado, querendo quebrar tudo, a senhora pede pra alguém me chamar?
Minha mãe não me dava muita atenção, ela havia sentado a mesa, e fingia estar entretida catando feijão.
Eu - olha pra mim mãe. (puxei uma cadeira e sentei de frente pra minha mãe). Promete? (falei olhando em seus olhos).
Minha mãe deixou escapar uma lágrima.
Mãe - prometo. (disse ela passando o dedo no olho molhado). Agora vai pro teu jogo antes que eu mude de ideia.
xxxXXXX
- Porra Lorin, tava batendo punheta mano? Que demora.
Passei pelo portão de madeira e cumprimentei meus melhores amigos desde infância.
Eu - tava resolvendo uma parada com minha mãe.
Raul - to ligado. A bola secou, temos que ir na oficina do alemão pedi pra ele dar uma calibrada pra gente.
Eu - beleza. A gente passa por lá. (falei enquanto caminhávamos).
Otávio - que tu tem mano? (perguntou Otávio passando as mãos envolta do meu pescoço).
Eu - o de sempre mano: Porra de vida sofrida, mas um dia eu ainda saiu dessa. (falei sem dar muitos detalhes).
Otávio - é isso aí.
xxxXXX
Nasci e fui criado em bairro pobre. Minha mãe chama-se Maria Lúcia e é uma senhora de 45 anos que parece ter bem mais devido a vida sofrida, além de dar conta do nosso lar ainda é babá durante boa parte dia. Meu irmão Jefté de 28 anos saiu de casa mais cedo, casou e teve dois filhos, mas a vida dele é tão ou mais difícil que a nossa. Até hoje nunca conheci meu pai, minha mãe fala pouca coisa dele, o que os vizinhos contam é que era um ex patrão da minha mãe que nunca me assumiu e minha mãe nunca foi atrás. Para ajudar nas despesas de dentro de casa minha mãe se casou com um viúvo aqui do bairro, o nome dele é José e ele é ruim igual a fome. José tem 49 anos e é pedreiro, chega quase todo dia bêbado e sempre arruma confusão.
E eu sou o Felipe, tenho 17 anos, cabelo loiro liso, olhos azuiz, corpo magro com alguns músculos, 1,75 aproximadamente de altura, e possuo uma tatuagem nas costas com o nome da minha mãe em japonês. Curso o 3º ano do ensino médio, pela manhã, em um colégio público aqui do bairro mesmo e a tarde eu faço um curso de mecânico, ganhando uma bolsa de 150 reais mensais.
xxXXXX
Otávio - eu vou chamar o lorin. (disse Otávio escalando seu time pra pelada).
Datolo - eu vou chamar o Gabriel.
Otávio - vem Raul.
O Raul correu e veio ao nosso encontro.
Datolo - Leandro.
Enquanto os caras formavam suas respectivas equipes, eu e Raul trocávamos ideia.
Raul - matou curso hoje foi?
Eu - nada, parece que morreu um senhor lá, e a instituição deu dois dias de luto.
Raul - sei. Foi essa mentira que tu deu pra dona Lucia foi? (disse ele rindo).
Eu - teu cú. (disse sorrindo). To falando sério pô.
Raul - e faltou aula hoje porque? Morreu alguém la na escola também?
Eu - acordei tarde e perdi a noção do tempo.
Raul - eu e o Heitor passamos pela tua casa, chamamos um tempão e não apareceu ninguém.
Eu - eu deveria ta dormindo, tive um sono muito pesado hoje.
Otávio - bora lá moçada, ta valendo uma coca hen!?
Eu - já? então vamos jogar né. Porque conversa é pra quem tem dinheiro.
Cada time ocupou seu lado do campo, e a bola começou a rolar.
xxxxXXX
- Ta assustado playboy? (perguntou um daqueles caras quebrando o gelo).
Balancei a cabeça dizendo que não, mas no fundo eu tava com muito medo. Aqueles lugares eu só havia visto pela tv.
- Matou quem? (disse um outro sorrindo).
Todos começaram a gargalhar.
- deixa o cara pô. (disse um moreno do cabelo baixo, algumas tatuagens pelo braço, e corpo magro).
O encarei por um momento, e depois encaixei meu rosto entre minhas pernas.
xxXXXX
- Aqui Lorin, passa a bola. (gritava Renato entrando na área adversaria).
Tentei fazer um lance, mas coloquei muita força e a bola acabou ultrapassando o travessão do goleiro.
Renato - qual é a tua Lorin? Delega o jogo todo e quando cruza faz uma merda dessas!
Eu - enche não véi, to pra muita conversa não. (falei roubando a bola do zagueiro adversário).
Renato - não ta afim de jogar, cai fora.
Eu - vá tomar no seu cú filho da puta. (falei mandando a bola para lateral).
Otávio - hey Lorin, pega leve pô. O cara só fez um questionamento porque tu hoje ta meio aéreo.
xxXXXX
- almoço. (disse um homem trajando roupas pretas e um equipamento roliço nas mãos).
Fomos colocados em fileira, e ordenados a não olhar para trás. Nossas mãos tinham que obrigatoriamente estar atras das costas.
Caminhamos um por um corredor e chegamos em um ambiente grande, fechado, mal ventilado, e com pouca luz. Ainda nas filas fomos servidos com uma quentinha pra cada um.
As pessoas que estavam juntas comigo sentaram em uma mesa, e eu procurei por uma mais reservada. Enquanto comíamos, vários homens de preto ficavam ao nosso redor.
Após sentar, abri a quentinha, e aquela comida nada me agradou. Lembrei do feijão com arroz da minha mãe e me deu uma enorme vontade de chorar.
- E aí playboy. (disse o moreno das tatuagens no braço).
Eu - e aí. (falei assustado, não me sentia a vontade para falar com aqueles caras igual eu falava com meu amigos).
- Vai comer não? (perguntou ele de olho na minha quentinha).
Eu - Não! Você quer?
- Posso meu fi? (disse ele esticando a mão e pegando a comida).
- Pega aí.
O cara passava a comida pra dentro como se aquele fosse o único alimento da semana. Eu o observava calmamente.
- O que ta pegando? (perguntou ele com a boca cheia). Por que tu veio parar aqui? Tu tem cara que tem família endinheirada.
xxxXXXX
- Lorin, Lorin.
No meio da partida ouvíamos gritos do Moisés, meu vizinho.
Eu - fala Moisés. (corri em sua direção).
Moisés - teu padrasto ta batendo na tua mãe. (disse ele tentando encontrar o ar que havia perdido na corrida).
Eu - como é que é? que filho de uma puta.
Descalço eu estava, e descalço eu corri em direção a minha casa. Meus amigos me acompanharam. Estava tão desesperado para chegar em casa que não conseguia sentir as picarras rasgando meus pés. As ladeiras não me cansavam, era como se a necessidade de proteger minha mãe fosse maior que qualquer obstaculo.
Assim que cheguei na rua, avistei os vizinhos em frente a minha casa.
- Bando de covardes. (falei em meu pensamento).
Passei pelo portão e subi apresadamente.
- mãe! (gritei vendo minha mãe jogada no chão da cozinha).
mãe - filho, fica la fora.
Eu - cade ele? (falei me jogando no chão e ajudando minha mãe a levantar).
mãe - fica la fora filho. (minha mãe chorava muito).
Eu - cade ele mãe? (falei sentando minha mãe em uma cadeira e apanhando um copo com água e açúcar para ela beber).
José - quem você pensa que é para gritar dentro da minha casa? (disse José subindo os degraus da cozinha com uma faca de açougueiro).
mãe - ai meu Deus filho, vai embora daqui. (minha mãe deixou cair o copo de vidro no chão e entrou na minha frente).
Eu - não mãe. Eu não sou covarde. (falei deixando minha mãe para trás e encarando aquele homem).
José soltou um risso diabólico. Mesmo um pouco longe eu sentia o bafo de cachaça barata.
Eu - solta a faca e vem no braço, tu não é macho não?
Mãe - pelo amor de Deus Felipe, não se mete nisso meu filho, volta pro teu futebol que eu resolvo. (disse minha mãe com as mãos abraçadas a minha cintura, tentando me puxar para trás).
José - faz o que tua mãe ta falando e da no pé moleque, antes que eu acabe com tua vida. (disse José se aproximando de mim).
Notei a faca na mão direita daquele homem, e um calafrio percorria meu corpo.
Eu - mãe, vai pedir ajuda pra alguém. (eu não me movia do lugar).
Mãe - eu não vou te deixar aqui só filho, por Deus, sai daqui.
Eu - vai agora mãe. (pela primeira vez na minha vida eu havia gritado com minha mãe).
Virei meu rosto para pedir desculpas, e senti um tapa que acertou o meu ouvido.
xxxXXX
Já deveria ser tarde da noite.
- Vai dormir não playboy? (disse o tatuado).
Eu - to sem sono! (na realidade não tinha lugar para eu dormir. Os colchoes, velhos, que tinham já estavam sendo ocupados, e eu não queria deitar no chão desconfortável).
- to ligado, eu vou bater retirada playboy. (disse ele deitando na pedra, cama como era chamada).
Depois de um tempo, um cara branco, alto e com uma cicatriz na barriga sentou a meu lado.
- Vai ficar quanto tempo aqui dentro?
Eu - eu não sei. (falei olhando para o alto)
- tamo junto. (disse ele).
- Podes crer. ( um outro se aproximou e os dois começaram a rir como se tivessem alterados com algum produto).
Um ficou a meu lado, e o outro sentou a minha frente.
- Tu vai ser nossa mulherzinha. (disse eles sorrindo).
eu - é o que? (perguntei assustado). Mas eu sou homem. (tentei argumentar).
- aqui dentro não tem essas tretas não, a nossa lei é assim: Tu é novato, ''branquin'', pele lisa, vai ser nossa mulherzinha e pronto.
- Nós te ''damu'' proteção. (disse o outro).
xxxxXXX
- eu preciso de uma arma.
Otávio - arma pra que? (perguntou o Otávio).
Eu - vou mandar esse filho de uma puta pro inferno.
Otávio - tu vai acabar com tua vida mano.
Eu - e daí? já ta acabada mesmo.
Otávio - vai até a policia, denuncia ele.
Eu - já fiz isso, e minha mãe nega tudo. Parece que ele a ameaça.
Otávio - então encontra outro jeito.
Eu - que jeito mano? (falei o encarando, enquanto caminhávamos pelas ruas, após eu ter sido expulso de casa).
Otávio - não sei mano, mas tem que ter outro jeito. (dizia ele fazendo esforço para encontrar uma solução).
Eu - vou descer a ladeira.
Otávio - fazer o que la em baixo?
Eu - vou falar com o ''pitbul'', ele tem arma.
Otávio - mano, olha pra mim, você vai estragar sua vida por alguém que não vale nada?
Eu - eu não posso deixar minha mãe nas mãos desse cara.
Otávio respirou fundo.
Otávio - eu vou até o ''pitbul'' com você.
xxXXXX
- já deu a bundinha? (perguntou o cara branco tentando puxar meu short).
Eu - não. (falei puxando o short pra cima).
- aqui você vai aprender, meus ovos tão cheios de leite (e sorriu maliciosamente).
Continua...
Bem galera, conforme eu havia falado, não poderei mais ficar postando contos aqui na casa por questão de tempo. Pra quem posta aqui sabe que um conto dependendo do tamanho demora em média três horas por capitulo para ficar pronto. Eu poderia ficar postando uma vez por semana, mas sei que para quem ler, isso é muito chato. Esse conto eu comecei a escrever mais ou menos ha uma semana, minha ideia é publica-lo uma vez por semana, após terminar o outro que estou finalizando, mas reitero que não quero ficar tomando o tempo de ninguém, por que como leitor sei o quanto é chato esperar uma semana por algo.
Abraços.