A Deusa Taweret - Capítulo 16 - Uma Conversa com Taweret
Capítulo 16 – Uma Conversa com Taweret
E no dia seguinte eu pago mais uma das consultorias do Professor Alvo’o. Talvez ele pudesse me esclarecer algumas coisas que estavam rolando.
E depois de eu narrar a Sarah com o filho e o meu sonho, o velho fala.
- É... Você tá fudido. A Deusa já está mais de 50% integrada no corpo da Sarah.
- Como você sabe dessa porcentagem?
- Ora, porra. Talvez você seja mais analfabeto funcional que a sua mulher. Você escutou a deusa falar ‘’Meia Taweret e meia Sarah ontem. Hoje mais Taweret do que Sarah’’? Isso quer dizer que metade do corpo da sua esposa já está ocupado pela Deusa Taweret. Hoje talvez seja até uns 60%. Você deve ter só uns 9 dias pra fazer algo.
Eu fico completamente nervoso com urgência e com o pouco tempo que eu tinha.
- Mas então Professor, o que eu faço? Eu estou desembolsando essa grana pra você me ajudar!
Alvo’o dá uma tragada no cachimbo e assopra.
- Meu aluno. Você está pagando pela consultoria técnica. Eu não vou me envolver com espírito nenhum. Ainda mais um tão antigo e poderoso. Eu vou te dar 3 rotas de ações e você me diz qual irá querer seguir.
Vamos ver o que esse velho mercenário tem pra me oferecer.
- 1º rota. Você enfrenta a Taweret no plano real. Liga pra ONU. Faz um escândalo e tudo o mais. Entra em contato com jornal e TVs e vê no que dá. É capaz que você seja internado como louco e perca a guarda da criança.
- Mas talvez a minha mulher volte pra casa por causa disso?
Alvo’o cai na gargalhada.
- Meu aluno burrinho. Isso teria dado certo lá no início. Agora é tarde demais pra essa chantagem emocional. Atualmente ela é mais Deusa do que professora europeia em missões da ONU. Ela vai cagar pro seu filho e pra você em um hospício. Essa opção de combater ela no meio material já está desgastada. Você demorou pra agir.
E eu deixo o guru ocultista me apresentar as outras opções.
- 2º rota. Você enfrenta a Taweret no plano espiritual. Interrompe o ritual e recupera o que sobrar da sua esposa e traz pra Londres e tenta viver em família.
- E isso daria certo?
- Olha. Também seria complicado. Mais da metade dela já é Taweret. Se ela viesse pra Europa iria ficar longe das preces e de seus fiéis, o que a faria perder força. Mas isso não significaria que sua esposa fosse voltar. Você só teria uma metade mulher e metade deusa super puta da vida por estar aqui. É um futuro merda onde todo mundo está infeliz. Você e seu filho por não reconhecerem a Sarah; a parte sobrante da sua própria mulher também porque não vai estar viajando e trabalhando em missões diplomáticas junto do Comitê; a Taweret porque sua existência ficaria confinada a essa mulher e assim que ela morresse seria o fim da último resquício dos deuses antigos em tempos contemporâneos; até os tribais ficariam arrasados e a vila poderia se dispersar inteira.
- Então o que me resta fazer? Qual é a 3º rota?
O Professor dá de ombros.
- A terceira rota é a única que sobrou basicamente pra você. Escutar a Taweret. Eu notei isso nos seus relatos. Seus pesadelos não são comuns. Ela tem um link com o corpo da sua esposa e a alma dela pra realizar a transferência, isso já ficou claro. Mas além desse link principal ela tem um link secundário com você. E a Deusa está transportando um fragmento da sua alma pra lá. Eu não acho que seja sadismo dela. Ela quer que você veja isso. E lembra o que você me disse que ela falou? ‘’Junte-se a mim’’. Acho melhor você descobrir o porquê disso com ela.
- É sério? Eu desembolso uma grana fudida pra descobrir que não posso fazer nada? Você é um charlatão!
- Ora, porra! Deixa de ser ingrato! Você jamais teria opção ou rota nenhuma sem o Professor Alvo’o como seu mentor. Você tem que me agradecer e não criticar. A consultoria acabou depois dessa insubordinação do meu pupilo. Se quiser outra vai ter que pagar mais 200 dólares. Adeus.
E ele desliga contrariado.
E eu fico naquele dia pensando se devia mesmo falar com a Taweret.
O dia inteiro o meu notebook fica desligado. Seria o primeiro dia que eu não falaria com a ‘Sarah’ (ou o que sobrou dela) via Skype. Eu queria me preparar mentalmente pra esse encontro de noite. E talvez ver o povo tribal montando e trepando loucamente com o corpo da minha mulher não fosse ajudar.
__________________________________________
E de noite eu sou transportado.
Dessa vez eu me vejo dentro de um templo antigo egípcio, as paredes se inclinando como se fosse uma tumba ou a parte subterrânea. Além disso tremores e gritos ecoavam de cima vindos, eu suponho, lá de fora. Eu me sentia como se estivesse em um bunker na 2º Guerra Mundial com tropas inimigas invadindo as ruas acima de minha cabeça.
Eu sigo então por um corredor me guiando por um zumbido de orações até um portal.
E dentro dele eu vejo em uma câmara no meio de uma cena que parecia saída de Hollywood.
Dentro dela havia uma mulher enorme (devia ter uns 2 metros e meio) sentada em um trono de ouro cravejado de escaravelhos de esmeraldas. Essa mulher tinha um rosto de hipopótamo e uma cauda escamosa que parecia de jacaré.
Caralho é a Taweret!
Mas eu noto que havia uma lança fincada na lateral de sua barriga. Ela estava ferida e ao seu redor encontravam-se seus fiéis sacerdotes e seguidores mais próximos que não foram mortos.
Só que ao invés de resgatar a sua deusa, eles estavam fazendo um ritual de transferência. Todos eles estavam sentados no chão em círculos maiores e menores em volta da Taweret. O teto e chão tremiam e pó caia do alto teto sustentado por colunas de pedra. Parecia que o templo inteiro iria desabar com alguma golpe de catapulta lá de fora e todos seriam esmagados. Mas nenhum deles tinha medo ou parava o ritual. Eles estavam exatamente igual eu tinha visto no sonho os tribais na Zâmbia fazerem.
E na frente da Deusa estava a Estátua feita à sua imagem e semelhança. Era a mesma que o chefe da vila colocou no quarto da Sarah depois da celebração de admissão da minha esposa pra comunidade indígena deles.
- Entendi, Taweret. Você quer que eu veja isso. Mas pra que?
O ritual continua até toda a transferência ser feita. Nesse instante o rosto de hipopótamo se esfacela como pele líquida e evapora. Até a cauda solta e rola no chão se descamando e descascando até virar pétalas e depois pó. E o corpo diminui de tamanho até as proporções iniciais dele, revelando assim uma simples mulher egípcia, agora morta em um trono grande demais pra ela.
O sacerdote principal pega a estátua brilhando e esconde com um linho e o bota no colo como uma trouxa de pano que carrega um bebê. E depois dá ordens:
- Vamos seguir com o plano. Eu quero todos os nossos destacamentos militares que são seguidores apenas da Nossa Deusa nos acompanhando pro sul. Vamos escapar pelo Nilo junto com o nosso povo. E a segurança de Taweret é a prioridade máxima, mesmo que tenhamos que usar nossas vidas como um escudo de carne. Vamos!
Os soldados dos 4 cantos da câmara acompanham os adoradores pra fora e dentro do corredor do qual eu havia saído.
Então um grupo de guerreiros romanos entra como um bloco de um dos corredores.
E um dos guerreiros egípcios com uma lança de madeira pintada e pontada dourada e um escudo de madeira tingido de verde com a imagem de Taweret fala.
- Sigam pro outro lado! Eu irei segurar eles em nome de nossa Deusa!
O guerreiro sozinho se põe entre seus irmãos levando a sua Deusa e os romanos. Taweret estava agora em uma pedra, em seu estado mais frágil e que dependia mais do que nunca dele. E do outro lado 10 centuriões querendo matar e destruir tudo que era de mais valioso pra ele.
E como se fosse um Leônidas em Termópilas ou o Gandalf nas Minas de Moria, o guerreiro impede a passagem sozinho e grita.
- Infiéis e servos do caos e da destruição! Daqui não passarão! A morte é só o começo. A Ti entrego minha vida, oh Deusa. Porque eu viverei eternamente dentro do seu Amor. POR TAWERET!!!
Eu começo a chorar mesmo sem olhos perante a obstinação e a certeza daquele que corria direto rumo a morte pra proteger os seus e a sua deusa.
E a imagem se esvai e eu estava no quarto da Sarah com ela sentada na cama.
- O que achou do que viu?
Eu flutuava na casa da Sarah. Era a primeira vez que eu podia controlar o meu movimento. Pra frente e pra trás. Pra cima e pra baixo. Eu estava dentro do modo criativo de Minecraft porém limitado ao interior do barraco de madeira.
Os olhos da minha esposa tinham uma chama verde clara piscando como vagalumes e ela conseguia saber exatamente onde eu estava e me acompanhava no meu voo livre ao perguntar.
- Isso foi uma lembrança sua?
- Não. Esta é uma lembrança do guerreiro. Você presenciou os últimos momentos da sua consciência até a sua morte. Todos os que acreditam em mim e me dedicam a vida terminam desta forma. Quando partem dessa existência terrena suas alma vem pra mim. Eu dou a vida e a fertilidade. E em troca estas vidas também me pertencem no Além Mundo.
- Quer dizer que todos aqueles no Egito que cultuavam você...
- Sim. Eles vivem dentro de mim. Eles são parte de mim. Isso também se aplica a estes poucos que habitam esta tribo na África. E agora eu tenho a primeira serva de fora. A sua Sarah. A sua esposa.
Eu engulo em seco.
- Quer dizer que ela está morta?
A Taweret ri e responde pela boca da Sarah.
- O que é a morte? O que é a vida? Eu aprendi tanta coisa que não sabia com a alma de sua querida cônjuge. Não reparou que estou menos formal? Falando como vocês dois falam?
Ela realmente parecia mais coloquial na fala.
- Sim. Eu notei.
- Sua esposa é como um livro. Mas diferente dos outros que já consumi e já li. O dela me ensinou do seu mundo civilizado. Tecnologia e lugares que jamais conheci. Mesmo tendo milênios de vida, me sinto como uma criança aprendendo com o que já absorvi da Sarah, tantas viagens e missões que ela fez.
- Você fala como se a minha esposa fosse um pendrive que você baixou e jogou fora.
- Pendrive? Infelizmente essa parte eu ainda não tenho dela. Seria isso um tipo de livro?
- Eu estou dizendo que você está absorvendo o conhecimento dela e a descartando. Como se ela fosse lixo.
A Taweret parece que se sente ofendida com isso.
- Não faço isso com meus seguidores. Ela fez o ritual. Por vontade própria ela passou a ser parte da vila. Você não tem compreensão do que está falando. Eu não tenho só que ela viu e aprendeu. E sim o que ela sentiu. As emoções e momentos. Lembra da missão no Vietnã? Você passou o Natal com seus pais e a família da Sarah (a minha) em Liverpool. Eu chegaria de viagem no dia como presente pro nosso filho, contudo ele não sabia disso. Então eu apareço vestida de Papai Noel e ele fica feliz como nunca. Lembra disso?
Aquela ocasião era única e era impossível que essa Deusa soubesse disso.
- Mas Taweret, o que você quer comigo? Por que eu estou tendo esses sonhos?
- Com você nada. Eu precisava da sua Sarah como minha campeã no século XXI. Como o meu avatar dos tempos modernos. E isso eu já consegui. Mas agora eu estou em pena de você e do filho dela. Os sonhos eram uma maneira de te acostumar com a realidade desse corpo. Não quis te fazer mal.
- Acostumar? Vendo um gangbang dos negões com a Sarah?
- Gangbang? Essa parte da Sarah não possui tal vocabulário. O que seria esse tal de Gangbang? Ela tem isso no que ficou me faltando adquirir?
- Deixa pra lá. Mas como você pode me ajudar? Por que você me pediu pra me juntar a você? O que eu ganho com isso?
Taweret ergue as braços da Sarah e pega meu espírito com as mãos e fala bem próximo. Como se eu fosse uma borboleta e ela estivesse seduzindo um inseto.
- Venha viver dentro de mim. Traga o seu filho também. Mãe, pai e filho. Vocês podem reencontrar a Sarah.
Agora eu entendi o que ela queria.
- M-Mas oi? Como seria isso?
- Simples. Venham presencialmente você e a criança visitar a Sarah. Daremos amuletos pros dois e isso irá diminuir a resistência de seus corpos à minha alma. E depois iremos servir continuamente o chá que catalisa a transferência. Suas almas são como gotinhas minúsculas e tem afinidade com o corpo e a alma da Sarah, portanto em 2 dias você e seu filho estarão juntos dela. Vivendo juntos dentro de um oceano de vida que constitui o que eu sou. E o ritual estará completo.
- P-posso pensar nisso?
- Sim. Mas seu tempo está acabando. E assim que eu puder andar em terra novamente cortarei laços com o resto do mundo. Pensa com muito carinho, querido. Beijinhos.
E a Deusa me assopra e eu saio voando pra longe e acordo.