A Deusa Taweret - Capítulo 22 - Slaaf
Capítulo 22 – Slaaf
Eu fico com o aluno do meu pupilo mais lucrativo na minha casa.
Por que eu me envolvi nisso mesmo?
- Garoto, você quer um café? Chá?
- Eu não bebo nada disso, você teria Nescau?
- Nes-o que? Tem café só. Vou pegar pra você.
E eu pego uma caneca e sirvo a bebida pro garoto na sala.
E, comigo sentado na poltrona e o menino bebendo o café preto fazendo careta no sofá, nós começamos a conversar.
- Meu novo pupilo mirim, eu serei o seu papai enquanto o seu verdadeiro está lá fora buscando a sua mamãe. Tudo bem?
- Pode ser vovô?
Agora eu me senti bem velho mesmo.
- Ora, porra. Ok. Vovô. Foda-se então.
- Você é boca suja. Coisa muito feia.
- Hahaha. Que criança espirituosa. Então, como sabe da Deusa Taweret?
- Não sei de Deusa. Mamãe me disse que é o apelido dela.
Interessante.
Mas como a Deusa teve acesso a criança?
- E como a Sarah te falou desse apelido dela?
- No computador. Papai estava dormindo depois de beber suco de adulto e a minha mamãe me falou esse nome pelo PC.
Suco de adulto, mamãe, papai.
Caralho, esse merda além de ser burro educou essa criança como se fosse um bebê mimado. O garoto vai entrar na adolescência a base de leite com pera?
E além disso se descuidou e deixou o garoto ter acesso ao Skype.
- Tudo bem. E essa mãe Taweret fala com você quando? Em que momento você consegue ver ela?
- Toda vez que vou mimir.
Então é a Deusa mesmo.
Eu pego um amuleto e boto no garoto.
- Este é o Selo de Salomão dos Sete Arcanjos. Ele é um amuleto simples e básico que protege de interferências externas, principalmente nos sonhos.
- Mas aí eu não vou ver a mamãe Taweret!
- É melhor por enquanto você não ver. Quando seu pai voltar, você pode tirar o amuleto e voltar a ver a sua mãe nos sonhos. Combinado?
- Combinado. – Diz o garoto fazendo bico de birra.
E melhor assim.
Porque se o seu pai fizer o que imagino que ele vai.
É melhor que você não veja isso em seu sonho.
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Eu chego no aeroporto com a minha mochila contendo a sacola do Alvo’o dentro.
Todo o check-in foi tranquilo. O meu maior medo era só o detector de metais da ala de embarque.
- Senhor, coloque a sua mochila aqui.
E eu coloco a mochila e ela começa a passar pelo detector de metais.
A mulher arregala os olhos e passa uma segunda vez. E depois chama um dos policiais e mostra para ele o visor da tela do Raio-X.
- Senhor, quando terminar a verificação pessoal venha comigo.
Eu termino a inspeção com o detector manual e o de portal e acompanho dois policiais até uma sala próxima.
- O que seria isso?
Um deles coloca a bolsa na mesa e me manda abrir. Eu abro e mostro pra eles o chifre ornamentado e antigo que estava na minha bolsa.
- É só uma relíquia de família.
O policial me encara sério, como se eu estivesse em um interrogatório e super encrencado por encontrarem cocaína no fundo falso da minha mala de viagem.
- Carregar objetos antigos em viagens internacionais não é crime. Mas algo me cheira a problema. Por que você está carregando isso? Ainda mais indo pro Aeroporto Kaunda na Lusaka, capital da Zâmbia? Isso me soa a tráfico de objetos históricos.
E tremendo e gaguejando eu respondo.
- Senhor, não é nada disso. Se fosse tráfico eu estaria saindo da África e não entrando. Isso tudo é um grande mal-entendido.
- Sargento Holfs, olha isso.
Um dos policiais então mostra o celular para o que estava me ameaçando e complementa.
- Esse chifre é só um objeto idiota de gente esotérica. Tem vários iguais a esse que você pode comprar na internet. É tipo incenso, é uma bobeira que você gasta 40 dólares na Amazon e isso vem da China e diz que expulsa os espíritos malignos do corpo de alguém. É pura bobeira. Pode liberar o cidadão.
Agora sorrindo o policial mal se transforma em policial bom e fala comigo.
- Peço desculpas, agora entendo que você não é traficante de nada. Era só protocolo. Minha equipe não queria lhe ofender, respeitamos a excentricidade de cada um. Boa viagem pra Zâmbia.
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Depois desse estresse e de mais algumas horas eu chego no Aeroporto Internacional na Capital da Zâmbia.
Eu pego a minha mochila com o chifre e ando até a hotel que havia reservado ali perto.
- Pronto. Taweret. Eu não sei onde você está. Mas eu tenho certeza de que você notou a minha presença no seu país e irá me guiar até onde você está.
E eu me deito no hotel e vou dormir.
Dito e feito.
Eu então flutuo como uma alma novamente pra fora do prédio. Só que dessa vez havia um fio vermelho de lã que começa a me puxar. Ele estava preso no meu pescoço e me arrasta pelas ruas como se eu fosse um animal atrasando o dono em um passeio. A cada quilômetro que eu avançava voando eu ficava mais e mais rápido.
Eu só começo a desacelerar quando não havia mais cidade ou traços de civilização em volta. O novelo então me leva pra uma floresta perto de uma cachoeira gigantesca.
- Pera aí! Essa são as Victoria Falls ou as Cataratas de Vitória!
Aquele era um ponto turístico mundialmente famoso e protegido pela UNESCO.
Eu desço pela queda d´água e chego até o leito do Rio Zambeze. Era de tirar o fôlego o quão fundo era, aquela era a maior queda de água no planeta terra. Era impressionante mesmo eu sendo só uma alma penada naquele instante.
E havia ali escondido uma passagem pra uma caverna.
E do outro lado.
A Vila da Sarah.
Era por isso que não haviam encontrado antes. O ponto era turístico mas a equipe do Comitê da Sarah da ONU foi chamado porque mesmo sendo próximo de tantos turistas, o local era a entrada quase para outro mundo de tão isolada e exótico.
E depois disso eu acordo sabendo exatamente para onde eu deveria ir.
- Me espera, Taweret. Eu estou indo até você.
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Eu pago um taxista pra me deixar lá. Eu literalmente teria que atravessar metade do país inteiro de carro. Mas eu tinha trago comigo a grana que era o limite nacional da alfândega da Zâmbia. Essa Catarata era na fronteira sul desse país com outros dois países africanos, e a capital Lusaka era localizada no centro do país.
- Aqui. Para aqui. STOP!!
O homem do táxi para no acostamento assustado, depois de algumas horas comigo quieto na viagem. Já dava pra escutar o som da queda d´água. Mas dos dois lados da estrada só havia vegetação alta e densa. Não havia hotel e nem ponto turístico pra tirar fotos.
- Toma. Obrigado. Thank you. Sayonara pra você.
E eu deixo um bolo de dólares na mão do taxista atordoado, e saio entrando no meio da selva virgem como se fosse um maluco.
E no mato sozinho e sem equipamento adequado eu fecho os olhos e vou sussurrando.
- Taweret. Taweret. Taweret. Guie-me até ti.
E eu recebo uma resposta.
- Sim. Amor. Escute a minha voz e venha comigo. Meu querido marido.
A voz da Sarah me sopra quente e úmida no ouvido. Toda vez que ela ficava mais distante eu sabia que me desviava do trajeto correto. E toda vez que ela ficava mais forte e clara eu sabia que era por ali que eu deveria avançar.
E seguindo somente ela como uma fé cega e desprovida dos meus outros sentidos eu avanço sem esbarrar em nada. Basicamente eu era o Demolidor.
Até que eu tropeço em algo.
Eu achei que era um tronco que a Deusa não previu no meu caminho ou só ela querendo me trolar mesmo.
Mas ao abrir os olhos eu vejo um adolescente negro nativo que botou o pé na minha frente e me deu uma banda.
E na hora eu reconheço quem era.
- Você... Você é o aluno da Sarah! Aquele da Câmera! Que levou a minha mulher pra curandeira da tribo dar o ‘chá de dor de cabeça’ e depois comer ela a noite inteira enquanto a minha esposa estava indefesa e em transe mental!
De tudo que eu falei parece que só duas palavras ele entendeu.
- Isso. Sarah. Camerah. Saruah ensinou a Camera. E nós ensinou Sarah a ser Taweret!
Que filho de uma puta.
Eu já estava pensando em estrangular o garoto até me livrar de pelo menos um daqueles selvagens tribais, quando um grupo de lanças me cerca.
- Wie is hierdie wit demoon?
E o garoto me protege e fala.
- Nee. Hy is Sarah se man. Taweret het dit met sy krag gebring. Moenie hom doodmaak nie.
As pontas de lança se afastam do meu pescoço.
Toda a minha vida era uma enorme piada.
Eu acabei de ser salvo pelo aluno que chumbou a raba da minha esposa drogada, suando e louca em transe dentro de uma barraca de madeira tosca no meio da África. E eu tenho certeza de que depois daquele dia foram inúmeras vezes nesse menos de um mês que ele repetiu a dose com a Sarah.
- Vem. Homem das cidades de pedra. Taweret quer ver você.
O garoto pega uma tinta preta de um pote apoiado em uma raiz e faz um símbolo grande e bem visível no meu braço.
Depois disso ele, com a ajuda dos guerreiros mais velhos, prende uma corda de cipós silvestre deles no meu pescoço. E o aluno da Sarah me puxa e me guia como se eu fosse um cachorro.
E como uma pequena caravana os guerreiros e o aluno me levam até a tribo deles.
O centro era pequeno com algumas dezenas de casas soltas e sem organização ou paralelismo de ruas, todo a vila era protegida por desfiladeiros e colinas enormes de pedra. Era uma espécie de grande vale plano e esquecido no período neolítico da humanidade. Era como se fosse o inverso do platô. Como se Deus tivesse pisado ali e criado um vale quase plano e protegido as influências do mundo exterior.
E ao ser arrastado pelo centro da vila as pessoas negras se aproximam impressionadas e curiosas. As crianças nativas começam a puxar a minha roupa e agarrar as minhas pernas. E as mulheres negras tribais começam a puxar forte o meu cabelo e a me apalpar com determinação, passando a mão na minha virilha e fechando no meu pau e no meu saco. Não parecia que eles me consideravam como um ser humano. Parecia que eles estavam maravilhados com um cavalo albino e vendo se a musculatura era boa e ele era sexualmente saudável.
- Hey! O que é esse símbolo no meu braço?
O aluno para de puxar a corda e me ver apontando pro símbolo preto no braço.
- Slaaf.
Slaaf?
Eu saco o meu celular (graças a Deus que eles não prenderam os meus braços) e coloco na boca e falo.
- Ok, Google. Slaaf.
E ele me responde.
- De acordo com o Google: Slaaf significa ‘Escravo’ em Africâner e em diversos dialetos tribais africanos.
Fudeu de vez.