UM VAZIO
Nossa como era forte, seus braços imensos. Eu estava sufocada por tanta masculinidade transmitida em tão poucos movimentos. Os músculos de sua costa brilhavam de suor sob o sol de onze horas, numa manhã límpida. Eu gemia incontrolável de minha janela, repousada na poltrona larga. Deveras, eu deveria estar trabalhando, mas não conseguia com tanta beleza do outro lado. Apesar da beleza, e a grande costa que me atraia, sentia-me triste. Apesar do prazer em observá-lo, sentia-me triste. Não só triste, como diria: vazia. Mas eu poderia estar triste por ser vazia. Ou vazia por estar triste. Não, vazia eu estava por faltar algo, e algo faltando me deixava triste. Aquele homem do outro lado era apenas um conforto, um momento de prazer, eu sabia, mesmo assim, apesar de prazer, eu era triste. Vazia.
O vazio seria não tê-lo. Sabia, contudo, que o tendo continuaria vazia. Ele, claro, poderia me dar um prazer maior do que o momentâneo, mas, também, seria momentâneo: ainda sim, estaria vazia. Louca de prazer, mas vazia. O vazio até poderia me fazer acordar, então eu não sentiria mais prazer. O prazer em senti-lo e não em observa-lo: esse jamais morreria. Imaginar me mantivera viva. Imaginá-lo. Mas imaginar me deixava mais vazia, pois eu estava só a imaginar e não a viver. Sabe-se assim - como eu sei - viver talvez não preenchesse o vazio. É conturbado pensar: o que preencheria o meu vazio?
Eu poderia arriscar: tentar preencher-me com ele preenchendo-me. Era apenas arriscar: ora poderia dar certo, ora eu poderia continuar a ser vazia. Isso me entristecia: por quanto tempo eu teria que procurar uma resposta para o que é vazio de natureza? É uma eternidade ter chegado até aqui, assim. A tristeza só poder ser vencida com felicidade, felicidade seria não ser vazia, mas o que me preenchia? É uma resposta vaga demais, e de todas: irreal. Felicidade talvez não existisse e com sua inexistência uma resposta para o meu vazio seria impossível. Impossível é não continuar entristecida, com as mãos nos lábios, dentro de um escritório, olhando para um trabalhador que estava só de calça e botas do outro lado da rua. Entre as persianas, ele pode ser a resposta.
Não pretendia levantar, estava vaga demais. Então continuei a pensar e questionar se o vazio seria solidão e isso poderia ter fim com alguém. Eu desejava que fosse coisa palpável, seres são impalpáveis. Podem-se ter seus corpos, mas suas almas dificilmente. Seus pensamentos, ilegíveis. O material é mais fácil, eu não queria o material, queria algo que não me esvaziasse mais. Só poderia alcançar o meu completo com o meu vazio inexistente e disso só o espiritual faltara.
Deus seria tão onipresente que estaria dentro de mim? Ele seria um forte candidato a preencher-me por inteira. Eu, contudo, estava afastada da igreja, duvido de Sua presença em mim. E não estava disposta a voltar, a igreja me deixara com vazios tão finos, porém unidos me levaram a onde estou: o que faço agora? Mas, Ele pode ter a resposta, possui toda a ciência, deve possuir todas as respostas: como consegui-las? Estava desistindo Dele. Ele não me a dará tão fácil, ninguém dá nada fácil. Nem Deus.
Minha folga estava acabando e logo eu teria que vestir-me. Do outro lado o bravo másculo continuava seu trabalho árduo e de poucos movimentos. Os movimentos de seu músculo me hipnotizavam e muitas vezes eu já me pegara perdida neles. Boba. Eu poderia começar uma busca pelo que me preencheria: isso exigiria muito de mim. Mas isso também poderia ser viver: a busca pelo que faltava em mim: poderia ser viver!
Eu não estava disposta a isso. É verdade. O que poderia fazer? Ora, de nada eu tinha a perder. Viver seria qualquer coisa: nesse escritório, em silêncio, ouvindo ar-condicionado e pensando: é viver. Eu poderia viver mais intensa, do que calada, a busca para descobrir. Isso exigiria muito de mim e eu não estava disposta. Disposta seria com vontade, pular da poltrona e fazer: eu não conseguia. Estava triste ainda. Para acabar, pois, com a tristeza eu precisava tomar uma atitude, e mesmo não disposta eu deveria pensar. De nada eu teria a perder, só viveria mais intensamente, mesmo contra gosto.
Vamos viver, pensei. Contudo, não com tanta euforia, ainda. Vamos tentar. Levantei-me sentindo um pouco de tontura. Vesti-me para sair do escritório. Ainda faltavam quinze minutos para o fim do horário de almoço. Ainda faltavam quinze minutos para eu pudesse fazer tudo diferente. Ainda faltavam quinze minutos para eu começasse a minha busca. Ainda faltavam quinze minutos para me arrepender. Restavam quinze minutos para eu ser.
Apanhei o elevador e desci os três andares que me afastavam da rua. Passei apressadamente pela porta de vidro do prédio, com meu cartão de vizitas em mãos. Atravessei a pista e lá estava ele, mais deslumbrante pessoalmente. - Olá, preciso de um serviço seu - entreguei-o o cartão - me ligue.
- Ora, ora, ora, quais serviços posso prestar a vossa excelência? - Seus colegas de trabalho riram debochadamente, e eu estava envergonhada. Sua voz era grave demais o que me causou um calafrio. - Quero fazer diferente - falei encarando o chão, ele me olhou como se não entendesse nada, acarei-o fortemente nos olhos - apenas me telefone, e digo do que preciso.