Capítulo 10: O Pai
O restaurante parecia uma cena de calmaria prestes a ser interrompida. As taças meias cheias, os pratos decorando a mesa como enfeites intocados, e as conversas esparsas apenas disfarçavam o que todos realmente sentiam. Eu sabia. Cada um ali aguardava a chegada de Pedro, Alessandra e Alice, como se o palco estivesse sendo preparado para o ato principal de um espetáculo tenso.
Então eles chegaram.
Pedro entrou primeiro, com sua postura impecável, como se fosse um rei que acabara de fazer uma entrada triunfal em seu próprio castelo. Alessandra vinha ao seu lado, o loiro brilhante do cabelo dela contrastando com o vestido justo preto, que fazia questão de gritar “olhem para mim”. Atrás, quase escondida, Alice, parecendo mais uma jovem obrigada a acompanhar os pais em um evento adulto.
O clima de diversão congelou. O silêncio caiu sobre a mesa como uma onda gelada, apagando qualquer vestígio de risadas que existiam momentos antes.
Pedro foi direto a mim, atravessando a mesa com passos largos e uma confiança quase irritante.
– Parabéns, filho. – Sua voz soou firme, mas havia algo na entonação que parecia ensaiado, como se ele estivesse cumprindo uma formalidade.
Ele me puxou para um abraço breve, quase protocolar. Não houve emoção, calor ou sequer um resquício de nostalgia. Era como se ele estivesse cumprindo uma agenda. Ao se afastar, lançou um olhar vago para o relógio no meu pulso e fez um comentário genérico:
– Esse relógio... é bonito.
Antes que eu pudesse responder, ele já havia mudado o foco, como se eu não estivesse mais ali. Pedro virou-se para minha mãe, e o que aconteceu em seguida fez meu sangue gelar.
Ele abriu os braços e a envolveu em um abraço que, definitivamente, durou mais do que o necessário. Foi demorado, íntimo, com um toque que não combinava em nada com o papel de “ex-marido arrependido”. Ele inclinou a cabeça e sussurrou algo no ouvido dela, baixo o suficiente para que ninguém além dela pudesse ouvir, mas visível o suficiente para que todos percebessem.
Ela recuou um pouco, com um sorriso que não alcançou os olhos. Ela disse algo rápido, provavelmente tentando encerrar a interação, mas Pedro manteve sua mão no braço dela por um instante a mais antes de finalmente soltá-la.
A cena me deixou desconfortável. Não era a nostalgia de um homem refletindo sobre seu passado. Era algo mais ousado, descarado.
E não parou por aí.
Pedro seguiu para Marcia. O sorriso que ele ofereceu à minha tia era completamente diferente, carregado de um charme quase calculado. O vestido vermelho justo dela parecia ter sido desenhado especialmente para capturar o olhar dele, e Pedro não fez esforço algum para disfarçar sua apreciação.
– Marcia... sempre tão deslumbrante. – Ele segurou a mão dela por mais tempo do que o necessário antes de puxá-la para um abraço.
O abraço foi quase um espetáculo. Ele inclinou-se novamente para sussurrar algo no ouvido dela, e, dessa vez, pude ver o sorriso que se formou nos lábios de Marcia, um misto de surpresa e divertimento.
Eu só pensava: Será que ele realmente acha que pode flertar com a ex-cunhada à vista de todos?
Mas, claro, ele não parou.
A próxima foi Marcela. Minha prima parecia mais desconfortável com o contato, mas isso não impediu Pedro de tentar. Ele a cumprimentou com um abraço que, embora menos ousado, ainda parecia fora de contexto. Ele fez um comentário sobre como ela estava “crescendo rápido demais” – algo que soaria inocente de qualquer outro homem, mas, vindo dele, tinha um tom diferente, quase malicioso.
Por fim, foi a vez de Manuela. Minha irmã cruzou os braços, como se tentasse evitar o inevitável, mas Pedro insistiu. Ele abriu os braços e, com uma expressão falsa de ternura, disse:
– Minha pequena Manuela.
Ela bufou, mas permitiu o abraço. Foi rápido, mas ainda assim ele conseguiu sussurrar algo. Pela expressão de desgosto dela, eu sabia que não era nada lisonjeiro.
Enquanto tudo isso acontecia, Alessandra observava de longe, com um sorriso fixo que parecia mais um escudo. Ela não se incomodava nem um pouco com as investidas de Pedro, e isso me deixou ainda mais irritado. Que tipo de relacionamento era aquele em que uma esposa permitia tanta falta de respeito?
De volta ao meu lugar, eu olhei para meu pai e cheguei a uma conclusão simples: Pedro não se importava com ninguém além de si mesmo. Ele não era só um pai ausente ou um marido infiel. Ele era, sem dúvida, o diabo em pessoa.
E, pior ainda, parecia que ele sabia exatamente como usar isso a seu favor.
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