Nossa Essência - Capítulo 02
Bem, como prometi a vocês postar dois capítulos por semana, voltei hoje para postar o segundo, mas antes disso, eu gostaria de fazer alguns agradecimentos e considerações.
- p3dr0r!ck e Andynho: Quero lhe agradecer pela consideração no capítulo 3 de seu conto ‘Os Dois Lados Do Espelho’. Obrigado por se lembrar de mim.
- Ghiar: Fico feliz que tenha gostado, mesmo. Obrigado pela consideração e pelo comentário.
- Roitman: Sim, foi exatamente isso que eu quis fazer. Eu queria caminhar pelos clichês que já conhecemos e criar uma história que possa ser envolver, uma com a qual as pessoas possam se identificar mais, pois a agressão, o que aconteceu com Yuri, pode acontecer com qualquer um... Bem, trocamos e-mails todos os dias, então acho que não preciso lhe agradecer mais do que já fiz nesses últimos meses, mas fico extremamente feliz pelo seu comentário.
- GUINHO: Bem, obrigado. Espero que possa acompanhar o conto até o fim.
- Oliveira Dan: Pois é, você é outro leitor com o qual conquistei um grau de intimidade ímpar, então não preciso ficar sempre lhe agradecendo, até porque estamos sempre nos falando... Mas sobre a narração em primeira pessoa, eu ainda não me acostumei. Eu me sinto completamente fora da história quando escrevo assim. Sinto que não dou atenção aos demais personagens, apenas ao principal, mas espero reverter isso em breve...
- Bruno G: Fico feliz que tenha gostado. Obrigado...
- lary_novinha16: Bem, vou postar dois capítulos por semana, então vou deixar você sempre ansiosa. Rsrsrsrsrsrsrsrsrs.
- Rose Vital: É, já discutimos muito sobre esse tipo de tema nos e-mails em que trocamos, e em partes, acho que essa intolerância, essa necessidade que as pessoas tem de agredir os mais fracos nunca irá acabar. Sempre há os ignorantes, os hipócritas, aqueles que adoram apontar o dedo e julgar, mas que no final do dia, acabam fazendo o mesmo e se acham superiores por ninguém saber... No mais, muito obrigado pelos inúmeros e-mails e pelo lindo comentário.
- Ru/Ruanito: Eu não acho que a agressão seja a forma mais correta de ele tratar isso. O que alguém em uma situação como essa pode fazer é crescer, se fortalecer, se tornar imune ao que os outros pensam e ser como bem entender. Hoje em dia as pessoas dão muita importância ao que os outros pensam, e por isso acabam se prejudicando. De vez enquanto é bom ligar o ‘Foda-Se’ para essa sociedade hipócrita.
- Dhcs: Pois é, eu também não leio contos com esse tema, e confesso que quando comecei a escrever eu não pretendia seguir esse caminho, mas aconteceu, então deixei como está. E sobre o personagem, gosto de os criar me baseando em sua humanidade, me baseando naquelas pessoas que crescem na vida, que mudam com o tempo. Isso ocorreu com Oliver, Zero e agora com o Yuri... Isso, irei postar dois capítulos por semana... No mais, espero que esteja gostando.
- Drica (Drikita): A humanidade é assim. As pessoas adoram oprimir e menosprezar os mas fracos. É assim que as coisas parecem funcionar hoje em dia. Tem gente que maltrata para se sentir superior, para se sentir no alto de um pedestal de ouro, pois só assim se sentem bem consigo mesmas. Pessoas preconceituosas e ignorantes na verdade são burras e incapazes de ser alguém na vida. Precisam humilhar, pisar em alguém para se sentirem superiores, e pessoas assim merecem ser taxadas como idiotas, trouxas... Um beijo para você também.
- Kevina: Muito obrigado pelo elogio, sério. Fico extremamente feliz que esteja gostando do conto...
- luquinhas: Obrigado pelo comentário...
- love31: Fico feliz que tenha gostado. Espero que possa acompanhar até o fim.
- K.B: Sério, muito obrigado por estar me acompanhando. Fico muito feliz quando vejo comentários tão positivos... Mais uma vez, obrigado...
No mais, obrigado a todos pelos seus comentários e palavras de incentivo. Não vou me estender mais, fiquem agora com o capítulo dois de ‘Nossa Essência’. Espero que gostem...
Obs: Sei que alguns acontecimentos no conto soam como clichês previsíveis, mas foi proposital, e esse é um dos motivos de eu não ter me identificado tanto com o conto.
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Nossa Essência - Capítulo 02
Eu estava parado no meio do aeroporto. Finalmente, depois de cinco anos, havia voltado para meu país de origem. Havia voltado para meus pais. Havia voltado para minha pequena irmã, que agora deveria estar grande.
Ao longo de todos esses anos, mantive contato semanal com meus pais. Todo final de semana conversava com eles por telefone e algumas vezes nos falávamos pela internet. Eu não tinha planos de ficar fora por tanto tempo, mas quando cheguei ao estranho país me apaixonei pela cultura musical e pelas pessoas. Nestes cinco anos, fiz muita coisa. Estudei. Trabalhei com meu tio e com Josef, seu namorado sueco de longa data. Conheci novas pessoas. Fiz boas amizades, e por fim, finalmente mudei. Não apenas minha aparência, mas sou outra pessoa hoje. Estou mais forte. Não sinto mais aquele medo que sentia antigamente. Não sinto raiva. Não sinto ódio. Tudo o que sinto neste momento é saudades de minha família.
Eu carregava minhas malas pelo aeroporto. Malas com roupas novas, já que a bagagem que foi comigo não me servia mais. Sim. Eu estava feliz. Estava feliz por meu tio ter me apoiado em tudo. Feliz por meu tio e seu namorado terem ajudado com minha mudança interior e exterior. Feliz por tudo o que consegui lá. As experiências que tive. A felicidade constante. Aos inúmeros shows que fui com os amigos que fiz. Aos inúmeros artistas que pude conhecer pessoalmente... Tudo foi tão bom. Eu sentia falta de lá, mas sentia ainda mais falta de minha família que deixei por cinco anos. Eu mal via a hora de chegar em casa e ser recebido com abraços e beijos. Estava morrendo de saudades.
Um táxi me deixa na porta de casa. Cautelosamente, desço do carro. Meus pais não me viam há anos, e provavelmente não me reconheceriam, e por isso eu temia. Não sabia se iriam gostar. Já haviam se acostumado com o ‘Eu’ de antes. Um garoto triste, acima do peso e cheio de acne. Minha aparência havia sofrido uma brusca transformação ao longo desses anos. Hoje não estou acima do peso. Em meu rosto já não havia mais acne alguma. Hoje eu poderia dizer que estava bonito. Meu corpo estava bonito. Meu rosto estava bonito. Eu havia feito essa mudança por mim, não pelos outros, aqueles que haviam me humilhado. Eu precisava dela para me sentir bem comigo mesmo, e eu estava de bem comigo, pela primeira vez. Meus olhos azuis, que antes eram tristes e baixos, hoje expressão felicidade. Meu cabelo, que antes ia até os ombros, hoje estava cortado baixo e mais vivo que nunca. Tudo o que aconteceu comigo naquele país contribuiu para que eu me tornasse quem sou hoje. Um rapaz forte e com orgulho de ser quem é.
Finalmente tomo coragem e bato na porta. A casa não havia mudado algo sequer. Tudo ainda era o mesmo, com a exceção da macieira no jardim, que havia crescido e dado alguns frutos. Escuto alguém descendo as escadas, e pelo barulho e peso dos passos, sentia meu pai se aproximar lentamente da porta. Vejo a maçaneta girar e a porta de madeira se abrir. Meu pai me olha com um olhar calmo e sereno que só ele tinha. Sinto meu coração bater rapidamente. Ele estava parado, provavelmente esperando que eu me pronunciasse. Meu pai não havia me reconhecido.
- Pois não? - Ele pergunta, parado na porta. Ele estava diferente. Mudou o corte de cabelo e perdeu peso. Estava musculoso. Esses cinco anos não foram diferentes apenas para mim.
- Sou... - Eu gaguejo e vejo meu pai abrir os olhos, em surpresa. - Sou eu, pai. - Sinto uma montanha de músculos se chocar contra meu corpo. Meu pai me abraça com uma força incrível e me tira do chão. Seus músculos esmagavam os meus e então enterro minha cabeça em seu pescoço, chorando. Ele faz o mesmo e me abraça ainda mais. - Estava com tanta saudade pai...
- Meu filho... - Ele me solta e me olha. - Yuri... Você está lindo meu filho... Virou um belo homem... - Ele volta a me abraçar.
- Quem é que... - Vejo minha mãe vindo em direção a porta e parar ao me ver. - Meu... Meu... - Ela tremia. - Yuri! - Sou abraçado por meu pai e por minha mãe. Não me soltavam mais. Eu não os soltava mais. Estava com tanta saudade dos dois que meu peito doía.
- Mãe... Pai... Eu estava com tanta saudade de vocês... - Digo, ainda com a voz chorosa.
- Meu filho... Você está lindo... - Minha mãe me aperta mais uma vez.
- A senhora também... Os dois estão lindos.
Com a ajuda de meu pai, pegos as malas e entro. Escuto a televisão ligada. Podia ouvir a voz de uma das ‘Meninas Super Poderosas’ vindo da sala. Minha irmã provavelmente estava assistindo. Meus pais me conduzem até a sala e me abraçam mais uma vez. Minha irmã nos olha suspeita, sem entender. Quando ela escuta meus pais me chamarem de filho, seus olhos brilham chorosos. Ela se levanta e corre até mim, me abraçando. A pego no colo e a aperto. Ela realmente estava grande. Seus onze anos eram tão visíveis. Não conseguíamos parar de chorar. Não nos largávamos mais. Não queríamos mais nos largar. Nos sentamos no chão, sobre o tapete, e fui bombardeado por perguntas.
- Meu filho... O que aconteceu com você lá? - Pergunta meu pai, sorrindo.
- A pai... Só coisas boas...
- Como foi? Conta tudo... - Minha mãe pede.
- Mãe... É um lugar maravilhoso... Incrível. Quando cheguei fui muito bem recebido pelo namorado do tio e por todos os amigos deles. Trataram-me muito bem... Eu não fui humilhado uma vez sequer... Por ninguém. - Seco uma lágrima que insistia em cair. - Ninguém... Todos foram tão carinhosos comigo... Inclusive o pessoal da escola... Todos me respeitaram e me trataram bem...
- Que bom meu filho... E... Você sabe... Os... - Meu pai parecia envergonhado. - Os... Os namorados...
- Pai... - Eu sorrio para ele. - Eu conheci um rapaz maravilhoso, mas nossa amizade foi mais forte. O trago em meu coração.
- Que bom meu filho. Fico feliz por você.
- Tem muito homem bonito lá, Yuri? - Pergunta Clarissa, minha irmã.
- Clarissa! - Minha mãe a repreende. - Ainda não está na idade dessas coisas.
- A mãe... Eu só quero saber. - Ela ri e volta a me perguntar.
- Sim Clarissa, tem muito homem bonito lá. - Eu sorrio para ela.
- Quando o tio vier nos visitar novamente, eu vou com ele para lá.
- Clarissa! - Minha mãe a repreende outra vez.
- Desculpa mãe...
- Mas meu filho... Você viveu nas costas de seu tio esse tempo todo? - Sempre meu pai.
- Não... Eu trabalhei com ele e o namorado na agência. Como eu tinha curso de informática, me colocarão de auxiliar logo que cheguei. Na verdade eu pedi ao meu tio um emprego. Eu queria ocupar minha cabeça, então ele me deu algo com o que poderia trabalhar... E ao longo fui mudando de cargo, até que futuramente fiz algumas campanhas como modelo.
- Modelo? - Pergunta minha irmã, de boca aberta.
- Sim Clarissa. Cerca de dois meses desde que cheguei, comecei a mudar com a ajuda do tio. Parei de comer besteira. Passei a ter uma alimentação saudável, e todas as vezes que ele e o namorado iam para a academia, eu era obrigado a ir junto. Fiz um intenso tratamento para a pele com um médico amigo deles e aos poucos fui mudando.
- Tenho um irmão modelo! - Ela grita e gargalha.
- Não sou um modelo... Quando finalmente mudei, eles me convidaram para tirar algumas fotos comerciais. Eu fiz. Disseram que ficaram ótimas. Acabei trabalhando para algumas grifes de lá, mas nada mundialmente conhecido.
- Que lindo... - Clarissa diz.
- Estou muito feliz por você meu filho. - Meu pai me abraça mais uma vez.
- Eu estou muito feliz por estar em casa.
Pego minhas malas e vou para meu quarto. O cheiro de lavanda invade meu sistema olfativo. Finalmente estava em casa. Por mais que eu tivesse gostado de morar em outro país, não há nada melhor que estar em casa. Ligo para meu tio para lhe avisar que cheguei bem. Conversamos por mais alguns minutos e logo ele me passou para o namorado dele. Conversamos bastante e ele me desejou sorte nessa nova etapa da minha vida. Falei com meu tio novamente e desligamos.
Caminho lentamente até meu guarda roupa e pego o restante das roupas que haviam ficado para trás e as guardo em uma bolsa. Mais tarde as iria doar. Pego minhas roupas novas dentro da mala e começo a guardar peça por peça. Havia comprado tudo com o meu dinheiro. Evitei pedir meu tio. Não queria abusar de mais. Já tinha as refeições e moradia paga por ele e não queria me aproveitar. Usei meu dinheiro ganho como secretário e modelo para mudar meu modo de vestir.
Depois de arrumar tudo, decido tomar um banho. Caminho até o banheiro, onde tiro toda a minha roupa. Pego uma toalha branca no armário e a penduro no Box. Ligo o chuveiro e deixo a água quente cair sobre minha cabeça e meus ombros. Relaxo. Relaxo me lembrando de minhas experiências. Lembrando-me de minhas amizades. Lembrando-me de uma paixão que se tornou uma bela amizade. Lembro-me de todas as coisas maravilhosas que me aconteceram. Eu me sentia tão bem. Sentia-me tão forte que eu poderia enfrentar o mundo e levantar minha voz para dizer que eu realmente estava bem.
Ao acabar de me banhar e me vestir, desço as escadas e meu pai me chama para ir ao mercado. Volto ao meu quarto e pego um chinelo de dedo e minha carteira.
O caminho até o mercado principal é curto. Ao descermos do carro, sou invadido por uma sensação de familiaridade. Já havia vindo aqui tantas vezes com meu pai, mas nunca com o ‘Eu’ de agora. Entramos e compramos alguns alimentos, os colocando no carrinho. Nos direcionamos a fila para passar a compra e meu pai me diz que tinha de pegar a carne. Ao chegar minha vez, percebo que o caixa era um dos jogadores de futebol da época da escola. É o que havia me puxado pelos corredores e me jogado no ginásio. Eu não me senti inferior ou triste. Mantinha minha cabeça erguida. Meus batimentos nem ao menos se aceleraram. Ele olha para mim e me cumprimenta. Faço o mesmo e ele passa as compras.
- Está fazendo muito calor hoje. - Ele diz, sem olhar em meus olhos.
- Sim. Havia me esquecido do quão quente aqui é.
- Se esqueceu? Onde mora?
- Eu moro aqui mesmo... Acabei de voltar de viagem.
- Para onde você foi? - Ele pergunta, interessado.
- Suécia. - Digo e lhe dou um sorriso.
- Geralmente as pessoas viajam para os Estados Unidos, Inglaterra...
- Sim... É um bom lugar para se viver.
- Tem muita mulher gostosa lá? - Ele pergunta olhando em meus olhos.
- Sim. Mas eu estava mais interessado nos homens. - Digo na lata e o percebo se assustar. Ele me encara com os olhos arregalados, abismado.
- Você é viado? - Ele me pergunta. Quem diria. Se me contassem que eu teria um diálogo saudável com esse cara que tanto me atormentou, eu não acreditaria.
- Não, eu sou gay. - Ele se choca ainda mais.
- Mas... Mas você é macho... Tem cara de quem come buceta.
- Se isso fui um elogio, muito obrigado. Mas eu sou gay.
- Não sabe o que está perdendo...
- Eu digo o mesmo. - O percebo ficar constrangido. Realmente ele não me reconheceu.
- Sai fora... - Ele volta a passar as compras. - Qual a sua idade?
- Dezessete. Faço dezoito em duas semanas.
- Já acabou o ensino médio?
- Ainda não. Vou para o último ano. Estudei no tempo em que estive fora e vou terminar na Estadual aqui no centro.
- Eu estudo lá. - Eu quase disse a ele que sabia, mas me calei.
- Sim.
- Tem muita mulher gostosa lá.
- Bom para você, que é hétero... - Ele parecia ter esquecido, pois quando lhe falo outra vez sobre minha sexualidade, noto sua expressão de surpresa.
- Vai sofrer muito na escola cara... - Ele diz, ainda passando as compras.
- Não, não vou. - Digo enquanto olhava o valor das compras já passadas.
- Se eu estou dizendo que vai... Os caras vão pegar no seu pé.
- Se você está dizendo, é porque irá contar a eles o que eu disse, mas não me importo. Sofrer Bulliyng nessa idade é desnecessário. Não estou mais no ensino fundamental. - O percebo me olhar com raiva. Mal havia chegado e já fiz um inimigo.
Meu pai chega e interrompe nossa amistosa conversa. Graças a Deus. Acabamos de passar a compra e a levamos até o carro, as guardando no porta malas. Voltamos rapidamente para casa. Com a chegada do fim do dia, ajudo minha mãe a preparar o almoço. A ensinei algumas receitas que havia aprendido com meu tio e finalmente nos sentamos a mesa para almoçar.
- Yuri... - Clarissa me chama.
- Oi Clarissa. - Olho para ela, acabando de mastigar.
- Você vai se vingar deles? - Ela pergunta, me olhando. Percebo que meus pais ficaram apreensivos.
- Eu já me vinguei deles.
- Já? - Os três perguntam ao mesmo tempo.
- Sim. Me vinguei ao me tornar quem eles acharam que eu nunca me tornaria. – Olho para meus pais e percebo seus olhares para mim. Olhares que logo se tornam sorrisos.
Depois de todos nos terminarmos o almoço, arrumamos nossa pequena cozinha. Eu lavo as vasilhas e as enxugo. Minha irmã guarda as louças e meus pais limpam o fogão, forno e pia. Sentamos na sala, todos nos, para assistirmos televisão. Eu estava no sofá de dois com Clarissa e meu pai junto a minha mãe no outro.
- Filho... Você realmente vai voltar para aquela escola? – Meu pai olha para mim e me pergunta.
- Sim pai, vou. Tenho que terminar o último ano.
- Mas agora você pode trocar de escola. Tem uma nova há quarenta minutos daqui. O ensino é bom.
- Eu sei. Não posso fugir. Tenho que voltar para lá, onde tudo começou.
- Meu filho... – Minha mãe se ajeita no sofá.
- Não se preocupe mãe, eu vou ficar bem. Amanhã eu começo outra etapa de minha vida.
- Mas e se eles... – Meu pai parecia temeroso.
- Pai. Eu aprendi muita coisa quando estava fora. E uma delas foi a não me importar com o que os outros dizem a meu respeito. Isso é problema deles, não meu. Eu estou de bem comigo, mas se eles se verem incomodados, não posso fazer na a respeito.
- Sim. Mas você sabe como adolescentes são... Sempre arrumam um motivo para importunar com o mais fraco.
- Pai... – Eu me levanto e me coloco de joelhos perante os dois e seguros suas mãos. – Eu não sou mais aquele garoto amedrontado, que não se gostava. Eu mudei. Sei que vocês estão preocupados comigo, mas não precisa. Eu vou ficar bem, muito bem.
A tarde começou. Nos quatro saímos para que eu pudesse rever toda a cidade, que ainda continuava a mesma, com a exceção de algumas escolas e um Shopping novo. Estacionamos o carro e entramos naquele enorme lugar. Compramos um bilhete para um lançamento e entramos na sala para assistirmos ao filme. Rimos bastante.
Estávamos sentados na praça de alimentação quando de longe percebo o capitão do time de futebol com alguns de seus amigos. Eles passaram direto por mim, sinal de que não me reconheceram. Eu olhei para trás e os acompanhei. Ao longe pude os ver implicarem com um garoto de nossa idade. Sujaram toda a roupa do rapaz com sorvete de chocolate. O menino branco de cabelos pretos se encolheu em um canto enquanto os outros riam dele. Apesar de todo esse tempo, eles ainda continuavam os mesmos. Babacas.
Quando chegamos em casa, já era tarde. Eram oito da noite quando esquentamos o almoço para jantar. Novamente sentamos a mesa e comemos na companhia do jornal na televisão. A onda de sequestros parecia estar aumentando a cada instante. Pessoas davam entrevistas anônimas afirmando o desaparecimento de entes queridos. Desaparecimentos sem explicação alguma. Ninguém sabia do que se tratava. Novamente sinto minha cabeça doer. Não acontecia há anos. Lembro que a o primeiro ocorrido foi quando eu ainda estava no hospital, mas a sensação não mais voltou, até hoje. Estava terminando de comer quando minha mãe e irmã vão para cozinha, e é ai que meu pai se dirige tristemente a mim.
- Meu filho... – Ele me encara e desce o olhar para meus pulsos, onde havia a cicatriz da minha tentativa de suicídio.
- Pai... É só uma cicatriz. Eu estou bem. Eu juro que estou bem. Não há nada com o que se preocupar. – Realmente eu estava bem.
- Eu me preocupo com você... - Ele segura fortemente minhas mãos.
- Eu sei... Mas eu realmente estou bem... - O encaro e sorrio.
- Sim, mas... - Ele para por meros segundos. - É que eu te amo tanto meu filho... Eu morreria sem você... - Percebo uma lágrima cair de seu olho esquerdo. A enxugo com meu polegar direito.
- Eu também te amo pai, muito...
Lentamente meu pai pega em minhas mãos e as vira, olhando meus pulsos. Com cuidado, ele beija de leve cada uma das cicatrizes e então sorrir para mim, secando sua última lágrima. Minha mãe e irmã voltam a mesa depois de alguns minutos e voltamos a conversar sobre minha longa viagem.
O tempo foi passando. Arrumamos novamente a cozinha e assistimos à novela da noite. Depois de um tempo todos foram dormir. Cheguei ao meu quarto e me joguei na cama. Estava morrendo de saudades de dormir ali. Tirei minha roupa, ficando apenas de cueca. Me acomodei por sob os lençóis e deixei o sono tomar contar de mim. Coloquei meu celular para despertar e virei para o canto, ansiando pelo dia que viria. Eu ainda não sabia o que esperar, mas tinha certeza que reveria todas aquelas pessoas que tanto me humilharam no passado. Não. Eu não iria me vingar delas, pois não me importava o suficiente para odiá-los. A única coisa que eu queria era terminar a escola e seguir com minha vida.
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Mais uma vez, obrigado a todos por estarem acompanhando meu novo conto. Sábado posto outro capítulo... No mais, um abraço para todos.
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