Ate hoje me pergunto de onde retirei tanta frieza e tanta calma para lidar com o que estava acontecendo. Sempre fui pacato, nunca em minha vida sequer briguei com alguém, não de maneira física, nunca havia sido assaltado, como já disse antes sempre fui caseiro, não saia a noite, sempre fui tranquilo, calmo, sempre na minha. Agora estava com dois marginais na sala da minha casa.
Marginal: -Levanta mané! Quantos na casa com você?
Eu estava tonto pela pancada e sentado no chão.
Marco: -Eu estou só, o resto da família esta viajando.
Não sei da onde veio isso, mas achei melhor não revelar que eu morava só. Por isso menti sobre o resto da família.
Marginal: -E a empregada?
Marco: -Ela só chega as 07h da manhã, não dorme aqui.
Então ele colocou o cano da arma na minha testa e foi direto.
Marginal: -Só vou perguntar uma única vez, aonde esta o cofre!?
Ele estava agitado, nervoso, falava corrido, alto mesmo com uma arma na minha cabeça mantive a calma. Nem me questionei como ele sabia da existência de um cofre em minha casa.
Marco: -Esta no meu quarto lá em cima, eu mostro aonde esta.
Ele me puxou pelo braço e me jogou em direção a escada.
Marginal: -Vai mostra e dê uma de esperto que te queimo na hora entendeu otário!?
Marco: -Entendi, venha por aqui.
Segui na frente e abri o cofre. Não havia grandes coisas nele, apenas dois relógios, US$300,00 que sobrou de uma viagem que fiz para Nova Iorque, R$1.000,00, passaporte, chave reserva do carro e alguns documentos que eu julgava importante mas que não via relevância para eles. Mas ainda assim o levei ate meu quarto e mostrei onde ficava o cofre dentro do meu closet. Não abri, me afastei e dei a senha para que ele abrisse.
Aproveite e me olhei no espelho e vi o sangue que corria dentre meus cabelos pelo golpe da coronha da arma nela.
Marginal: -So tem essa merda aqui?
Marco: -Sinto muito, eu moro aqui mas não sou rico, apenas vivo com conforto.
Ele não gostou do que ouvi e me deu um tapa e começou a gritar descontrolado.
Marginal: -EU QUERO MAIS GRANA PORRA!!! DIZ ONDE TÃO AS COISAS DE VALOR SENÃO TE PASSO FOGO SEU OTARIO!!!!
Eu ainda mantive a calma.
Marco: -Eu juro que só tenho isso em casa, mas pode pegar meus cartões, minha carteira esta sobre a cômoda, eu darei as senhas tudo que você quiser, mas se acalme por favor, eu vou colaborar com tudo.
Ele me deu outro tapa e voltou a apontar a arma para minha cabeça
Marginal: VOCÊ VAI MORRER SEU PORRA!
Foi quando o outro marginal veio ao meu socorro.
Marginal 2: -Calma cara, ele tá colaborando, calma, deixa o cara.
Então ele tomou a frente e veio ate mim.
Marginal 2: -Vamos, anota as senhas que vamos ver o que da pra tirar daqui.
Descemos ate o primeiro pavimento, fomos ao escritório e anotei as senhas e os códigos de segurança dos cartões.
Marco: -Eu posso não ter dinheiro nem jóias nem essas coisas, mas tenho muitos eletrônicos, fala para seu amigo se acalmar, vocês podem levar tudo, eu juro que quero colaborar.
Marginal 2: -Rapaz fica na sua, e olha, você viu que o cara tá pilhado, não tem senha errada aqui não né?
Marco: -Eu prezo muito pela minha vida, isso tudo que esta ai é supérfluo, não preciso deles para viver, não quero confusão só não me machuquem mais.
Esse segundo parecia mais tranquilo mas quis deixar claro que ele era bandido.
Marginal 2: -Não duvide, que se eu perceber que você esta me enrolando, eu solto o cara em cima de você e ainda dou risada dele te arrebentando antes de te matar. Agora vai levanta, vem comigo.
Só ao sair de casa vi que era um grupo enorme, eram muitos marginais, vi duas picápes quais eles estavam carregando com os itens retirados das outras casas, fui levado para o clube do condomínio e jogando dentro do salão de festas aonde estavam os outros moradores sentados no chão. E ali fiquei junto com os outros, pelo resto da noite, em alguns momentos outros moradores chegavam. Era pessoas nervosas, crianças chorando, ladroes gritando e nos ameaçando, uma verdadeira madrugada de terror. Em cerca de duas horas depois eu e todo o grupo, cerca de 40 pessoas, fomos amontoados nos dois banheiros do salão de festas e trancados e lá ficamos ate as 8:20 da manhã, quando os funcionários do próximo turno chegaram e encontrar o condomínio revirado e abandonado chamaram a policia. Foi a voz do policial que iniciou a gritaria que levou a nossa soltura dos banheiros e por fim vermos que aquele pesadelo tinha acabado.
Foi na área externa do condomínio que vi o quanto eu era só, todos os vizinhos estavam em família. Todos se consolando e se abraçando, enquanto eu ainda sozinho em nenhum momento derramei uma única lagrima, a calma que me atingiu foi quase que sobrenatural.
O único rosto conhecido que veio falar comigo foi o da minha empregada, que liberei e mandei para casa, apenas pedi o celular dela para ligar ao trabalho e informar o acontecido e o porque não iria naquele dia. Voltei a minha casa após a policia ter liberado e vi o estrago ao lado de um policial. Tudo que podia ser levado foi. Ate os aparelhos de telefone fixo. Foi um verdadeiro arrastão. Fiz o registro com o policial do que tinha sido levado e depois ainda fui a delegacia lavrar a ocorrência e quando tinha terminado tudo já passava das 14 horas.
Fui direto ao banco com a ocorrência, cancelei cartões e vi quando foi roubado da minha conta, o gerente registrou e ficou de me devolver o montante, tirei algum dinheiro e voltei para casa, a policia ainda estava lá. Mas o problema maior foi entrar em casa. O momento de calma, serenidade e tranqüilidade começava a passar ao me perceber que tudo tinha passado, um medo de entrar em casa me tomou. Entrei e não consegui ficar, sai quase que imediatamente. Meu carro não foi levado, mas as chaves sim. Sai andando do condomínio, não tinha para quem ligar. Minha família? So ia me deixar mais estressado do que eu estava, Marcia? Era mulher ia entrar em pânico, eu não queria falar sobre o que tinha acontecido ainda naquele momento. Não queria falar do assunto, apenas queria não estar sozinho.
A única coisa decente que os malditos dos vagabundos fizeram foi deixar a minha carteira. Ate os cartões de fidelidade foram levados, mas pelo menos meus documentos ficaram. Em um rompante aluguei um carro e peguei o caminho da casa de André, porque escolhi ir ate ele? Não sei dizer, minha cabeça estava confusa, eu não queria estar só e ele era a companhia que eu queria mesmo não sabendo como ele iria me receber ou mesmo se estava em casa, já que eu não tinha mais telefone e nem o numero dele que estava na agenda do aparelho.
Cheguei na casa dele já eram 17 horas, parei o carro em frente, saltei e chamei ele pela mureta. Ele apareceu na porta sem camisa, descalço e usando uma bermuda dessas de tactel estilo surfista. Ao me ver abriu um sorriso e veio em minha direção. Era a recepção que eu precisava naquele momento.
André: -Que surpresa boa! Pensei que não queria me ver, já te liguei varias vezes para confirmar hoje a noite.
Eu respondi serio e com ar pesado.
Marco: A gente pode dar uma volta e conversar um pouco?
Ele com estranheza por não entender o que estava acontecendo me respondeu.
André: -Claro.
E não passou pelo portão, pôs a mão na mureta e a saltou.
Marco: -Você se importa de dirigir?
André: -Claro que não. Mas que carro é esse?
Eu não respondi, apenas entrei no carona e ele no motorista, ligou o carro e andou alguns metros.
André: -Cara o que esta acontecendo?
Marco: -Eu fui assaltado.
Ele arregalou os olhos e me olhou.
André: -Levaram seu carro?
Marco: -Não, foi durante a madrugada um grupo de vários bandidos fizeram um arrastão no meu condomínio.
Ao me ouvir ele freiou bruscamente e em seguida saltou do carro, fez a volta, abriu minha porta e me puxou para fora. Com ar preocupado começou a me olhar e me pegar.
André: -Você tá machucado?
Marco: -So aqui.
E mostrei o ferimento na cabeça que não havia sido tratado, apenas lavei com água.
André: -Você reagiu?
Marco: -Não, ele simplesmente me acertou com a coronha na cabeça sem motivo.
No rosto dele eu vi raiva, ele andou em circulo e foi ate uma arvore que estava ao lado do carro e acertou um soco violento nela. Ao ver ele daquela forma e fazendo aquilo todo o medo, pânico, receio, enfim tudo que eu tinha reprimido naquela madrugada me veio com força total.
Eu em voz meio chorosa.
Marco: -André não fica assim por favor.
E terminei com o choro.
Ele veio em minha direção e me abraçou.
André: -Desculpa, me revoltei com o filho da puta que fez essa covardia com você. Não fica com medo, não vou fazer isso de novo e te garanto que não vou deixar mais ninguém fazer nada com você.
A proteção das palavras dele e do corpo forte dele me envolvendo fizeram tudo vir a tona de vez e desabei no choro. Ele segurou minha cabeça pela nuca com a mão e disse.
André: -Não se preocupa, já passou e agora você não esta sozinho, eu estou aqui com você, agora esta tudo bem.
Devolvi o abraço agarrando ele com tudo e soltando todo o choro que tinha preso em meus pulmões. Não porque eu estava mais com medo, pelo contrario, ali com ele eu me sentia o homem mais protegido que existia, mas por tudo que tinha acontecido e ficado preso. Isso no meio da rua que ele morava. Ele não teve vergonha, pelo contrario, me abraçou forte e ficou ali por vários e vários minutos apenas dizendo palavras como “calma, eu estou aqui”, “pode por pra fora”, “to aqui” e não se importando com quem passava. Aquilo que ele fez ali ficou marcado em mim e para sempre terei comigo o que ele fez por mim quando eu mais precisei.
