Brutalidade - capítulo 13
Capitulo 13 Wes Exilado
Quando acordei estava em um quarto e uma bolsa de soro ligada em minha veia, todo o meu corpo doía, e antes de qualquer coisa, de perguntar onde estava ou quem havia me levado até ali, eu senti medo. Não aquele medo que a gente sente do escuro ou de alguém mal encarado na rua, era pânico, um pânico tão grande que me impediu de abrir os olhos por minutos, muitos, talvez horas. Era uma onda de pânico forte que varria meu corpo dolorido como ondas, demorando-se nas partes que tinham sido mais maltratadas, as memorias da dor e do sangue escorrendo de mim me enojavam, eu queria sair do meu próprio corpo. Medo não era algo familiar para mim, eu tinha 19 anos, era um homem, podia parecer frágil aos olhos dos outros, mas eu me sustentava, me virava, me defendia, até a noite passada, quando algo mais forte do que eu invadiu minhas defesas e, fez de mim um nada.
Eu apertava os lençóis com força, minha garganta dolorida tentava encontrar forças para continuar gritando. Eu me apaixonei por André, aos poucos cedi a seu amor, me entreguei e ele me deixou, e desde então minha vida tinha rolado ladeira abaixo, uma besteira atrás da outra, e ele não estava ao meu lado, quando essa terrível jornada teria seu fim? Eu me sentia frio, cada poro do meu corpo queria expelir a dor, impregnar o mundo com ela.
Mas então veio como um impacto, o calor se abateu sobre mim, como o nascer do sól, mãos fortes me envolveram, seu corpo desceu sobre o meu, eu sentia a cama afundar sobre seu peso, seus joelhos ficaram sobre cada lado do meu corpo e sua cabeça afundou no meu pescoço. É claro que minha mente sabia quem ela queria ali, mas ao mesmo tempo eu tinha medo, a presença de André ali significaria a volta de Ivan também, ficava difícil para mim separar a existência dos dois. Mas meu corpo não se mexeu para separar-se dele, o cheiro, aquele cheiro cítrico, era como estar em um pomar, era o cheiro madeira e frutas, de campo ensolarado, de folhas secas ao vento. O cheiro dele me fez acalmar, eu estava seguro naquele pomar, levantei a cabeça e senti o sol me tocar. Foi então que percebi que quem estava comigo não era André. Ele falava algo, o que era? Pedia perdão, pelo que? Ele estava desesperado, por mim? Ele chorou por mim?
Mas não era por mim, eu não merecia, eu tinha sido tomado pelo demônio na noite anterior, nunca mais me sentiria limpo novamente, ele merecia algo melhor que eu, algo a sua altura.
Eu abracei Wes quando finalmente encontrei forças para mexer meu corpo, inalei mais profundamente aquele cheiro que iria me acompanhar por toda a vida, não queria deixa-lo ir. Não queria olhar em seus olhos, não queria ser julgado, descoberto. Minha mente estava em pedaços.
Eu tive noção que ele sorriu, ele me explicou que eu estava em sua casa, seus pais estavam viajando e que ele tinha ido na manha anterior a minha casa e me encontrou semi morto no banheiro, ele não quis me levar em um hospital e me trouxe para a casa dele, onde o medico particular da família e sua equipe cuidaram de mim, que ele sabia tudo que havia acontecido comigo e que um exame de sangue completo já estava sendo providenciado. A equipe de pericia da policia também tinha vindo essa manha depois dele ter dado a queixa de estupro.
Eu não era capaz de me movimentar ou falar, apesar de querer dizer a Wes o quanto eu era grato eu não encontrava força de vontade para tal ação.
Eu compreendia o tempo por pequenos eventos. Eu lembro de Wes chorando ao meu lado, como se repetiu muitas vezes, e como eu era grato por ele me abraçar, me confortar, tentar me recuperar ou me puxar do fundo do poço. As vezes eu estava perdido e e achava que o desespero iria me consumir, mas era a voz dele que me puxava do abismo, ele estava conversando sozinho, ou seria comigo? Ele contava algo do seu dia, com tristeza ou com alegria, e ele ficava tão grato quando via que minha cabeça tinha virado em sua direção, eu tentava sorrir mas não conseguia. Por que cada vez que eu piscava ele aparecia com uma roupa diferente? As vezes eu estava deitado, outras vezes estava sentado em uma cama grande, com lençóis brancos e um cobertor fino também branco, eu olhava a cor nas paredes, era um amarelo bem sutil, quase branco.
“É meu quarto.” Wes tinha entrado no cômodo segurando sua mochila e me viu olhando ao redor, seu rosto estava triste e cansado, mas quando virei meu rosto e olhei para ele um sorriso tímido iluminou seu semblante. Tentei responder, dizer que seu quarto era lindo, muito bem organizado, mas nada saiu e seu rosto ficou distante.
Era noite e ouvi vozes exaltadas, Wes, um homem e uma mulher, as vozes ficavam mais altas, se aproximavam.
“Eu não vou aceitar isso na minha casa!”
“Eu amo ele, é parte de mim agora, é o que eu sou.”
“Wesley, calado!”
“Voce vai sair dessa casa agora, até essa sua loucura passar você não vai mais entrar em contato comigo, ou sua mãe, ou qualquer outro da família, quero você longe daqui.”
“Eu não preciso de você!”
“Eu vou jogar vocês dois na sarjeta, como se atreveu a trazer esse lixo para minha casa.”
“Eu vou cuidar dele...Não! Não, não toca nele, tira as patas dele pai!”
Eles estavam no mesmo quarto que eu?
“Larga seu pai, Wesley. Sai dessa casa, sai agora!”
Tudo que escutei da conversa foi fragmentos, mesmo que eles estivessem me tocando e gritando comigo. Eu só senti algo quando o calor de Wes me envolveu de novo e me ergueu da cama, eu me agarrei ao seu pescoço e ele suspirou fundo, com alivio, tentei dizer para ele que meu mundo estava certo enquanto ele estivesse ali também, mas não consegui.
Fui colocado em um carro e enquanto ele dirigia ele chorava, esbravejava e segurava minha mão, em uma dessas vezes eu consegui apertar sua mão também.
Ele me levou no colo denovo, agora eu via um ringue, um saco de areia, más lembranças, tentei falar para ele que aqui não era seguro, o monstro estava aqui. Afundei novamente no poço.
Agora eu estava em um quarto espaçoso, não, não era um quarto, pois alguns metros na minha frente Wes estava em uma área que deveria ser a cozinha, logo além da área que deveria ser a sala, ele estava de costas, sem camisa, parecia entretido em alguma atividade nela, parecia um loft.
Um turbilhão de rostos na minha frente, minha mãe e meu pai, Wes conversando com eles, suplicando que aqui era o melhor lugar para eu ficar, pois os médicos ainda tomavam conta de mim, Rosa, Antenor, Andréia, Anizio, Nando, Natty, sendo os três últimos tão frequentes.
Sentia toda vez que Wes se deitava ao meu lado, todas as noites, qualquer outra pessoa e eu estaria aterrorizado, mas ele não, eu me sentia seguro ao lado dele, ele me prensava contra seu peito e encaixava minha cabeça abaixo do seu queixo. Ali eu estava em casa, às vezes o sentia chorando, me desesperava, tentava me mover para acalma-lo e conforta-lo, mas não me movia.
Uma manha qualquer enquanto olhava para o teto deitado na cama senti meu corpo tremer, algo percorreu meu corpo, um choque, eu tinha comando sobre mim mesmo, eu tinha certeza, havia ouvido um som, um som importante, vindo de algum lugar abaixo de mim, algo tentava me alcançar e eu deveria alcançar isso também.
Levantei-me da cama, meio tonto, meio mole, minhas pernas demoraram para se acostumar com meu peso, depois veio a tarefa de me situar onde estava, localizei a grande janela e olhei, estava no primeiro andar de algum prédio, mas a rua que eu via lá fora era conhecida.
Depois localizei a porta, que ficava no lado oposto da cozinha, essa porta dava para uma escada, descer a escada foi uma tarefa mais difícil que eu imaginava, minhas pernas teimavam em me obedecer e por diversas vezes achei que iria cair. Quando desci dei de cara com um tatame, a academia de Wes, mas como eu não havia percebido o loft na parte de cima antes?
“Por ele você acordou não foi?”
Wes vinha da recepção, testa franzida e com um tom ferido, magoado, traído.
“Quem estava aqui Wes?” minha voz estava rouca, enferrujada. Uma tontura tomou conta de mim e tive que me apoiar em um dos espelhos que tomavam conta da parede ao meu lado, quando olhei minha reflexão vi que estava mais magro e meus olhos estavam injetados, e o pior, usava apenas uma cueca boxer, no meio da academia.
“Um estranho. Anda, você precisa comer algo e descansar.” Ele me pegou pelo braço e me puxou novamente de volta para o loft, enquanto ele me puxada eu olhava para a saída da academia, tinha algo lá fora, algo que eu precisava ver. Mas deixei Wes me levar, ele me puxava com força e apertava meu braço, seja lá o que eu tivesse feito tinha magoado meu amigo, e isso eu não suportaria.
Já de volta a ao andar de cima Wes me sentou em uma pequena mesa de dois lugares que ficava perto da pia e começou a mexer em panelas, eu permaneci calado. Então ele me serviu uma espécie de sopa em um prato simples branco, mas o prato era gigante, eu olhei para Wes e para o prato e sorri, fazia sentido.
“O que foi? Come logo, é receita minha.”
Eu olhei incrédulo para a sopa na minha frente. “E isso não vai me matar?”
“A primeira palavra que você fala em quase duas semanas e você pergunta se eu vou te matar?”
Eu abaixei a cabeça, Wes tentou falar em tom de brincadeira, mas estava ali, em sua voz, a dor e a magoa mesmo eu tendo dito em tom de brincadeira. Duas semanas...
“Não sabia que você tinha um loft na academia.” Eu falei baixinho, tentando ser simpático.
Wes deu de ombros. “Desde que eu conheci você tive certeza que um dia meus pais e eu entraríamos em confronto, por isso fortaleci meu negocio e criei esse espaço no caso de ser expulso de casa.”
A sopa estava realmente deliciosa, Wes também era um ótimo cozinheiro, havia algo que ele não fosse bom? Mas eu engasguei quando ele falou sobre a expulsão.
“Como assim, você se assumiu para seus pais?”
Ele olhou para a janela, haviam muitas no ambiente, algumas com cortinas, outras não.
“Não foi por você, relaxa, foi por mim, eu não quero mentir sobre o que eu sou, e eles me pressionaram tanto depois do que eu fiz por você.”
Então ele olhou para mim, com um olhar serio determinado. “Quem fez isso com você?”
Abaixei a cabeça, eu não poderia falar sobre Ivan, a ameaça dele soava em minha cabeça.
“Você vai proteger ele? Foi quem, Junior?”
Eu balancei a cabeça, negando, ainda sem conseguir encarar Wes.
“Então foi o Ivan, o Junior foi preso, mas ele afirmou que não foi ele, que ele deixou você com Ivan, Junior já foi solto, mas não há outras provas contra Ivan.”
Eu apenas fiquei calado, Wes levantou e deu a volta na mesa e me pegou no colo, eu passei meus braços ao redor do seu pescoço e deitei minha cabeça em seu peitoral rígido, ele foi até o sofá e sentou, me colocando em seu colo, de frente a ele, segurou meu rosto e olhou nos meus olhos.
“Não precisa ter medo, tem muita gente conhecida minha e sua nos ajudando a encontrar, mas você precisa falar quem foi, aqui é o lugar mais seguro para você estar, o andar de baixo está cheio de lutadores, quando eu vou para a facul o Nando vem ficar com você.”
Wes ficou triste de repente, seus olhos brilharam, estava à beira das lagrimas.
“Eu fui no dia seguinte a sua casa, a porta estava destrancada e ninguém respondia, eu fui para a faculdade e você não apareceu Junior estava com outro cara e me mandou para o inferno quando perguntei sobre você, então vim aqui.”
Ele suspirou. “Quando cheguei havia tanto sangue na sua cama, e um rastro de sangue que levava para o banheiro, eu segui e te achei caído no chão, acho que você mesmo tentou caminhar até o chuveiro.”
Então as lagrimas correram, eu me sentia culpado, como pude fazer Wes passar por essa situação, por mim? Não valia a pena.
Abracei-me a ele e chorei também, suas mãos me enlaçaram e ele alisava minhas costas. “Passou agora, você está bem, tudo está normal com você, mas a gente precisa saber quem foi, não vou te pressionar mais mas espero que você diga logo, Gil, esse monstro precisa ser punido.”
Ele ficou em silencio, suas mãos ainda alisavam minhas costas, meus cabelos e eu sentia sua respiração quente, me acalmando. Em um movimento não brusco, mas rápido ele se levantou, visivelmente incomodado.
“A-acho melhor eu ir tomar um banho, tenho aula daqui a pouco, descansa ae um pouco ou na cama, você ainda tem até o fim dessa semana de licença medica, eu já entreguei o atestado no seu trabalho e na facul, fique a vontade, essa agora é sua casa também.”
“O que houve com minha quitinete?”
“Sua mãe vendeu, já não era seguro mais lá para você, o dinheiro está guardado e você pode usar ele depois. Suas roupas e matérias escolares e de trabalho eu trouxe para cá, seus moveis e outras coisas estão em um deposito.”
Fiz uma careta ao pensar que minhas coisas estavam agora em um deposito. Isso arrancou um sorriso de Wes. “Jesus, como você tinha quinquilharia viu, Gil, tudo lixo.”
Eu peguei a almofada do sofá e atirei nele, que saiu rindo para o banheiro, que acho que era o único cômodo separado naquele loft.
Antes de sair ele me disse que Junior e Ivan tinham sido expulsos da sua academia, que era seguro eu ir assistir a aula dele, mesmo achando melhor eu descansar.
Eu fiquei pensativo com a cabeça encostada a janela antes de decidir.
Wes se surpreendeu ao me ver de quimono durante sua aula.
“São duas semanas Wes, preciso retomar minhas atividades.” Ele sorriu e passou a aula toda como meu parceiro, depois me guiou em alguns exercícios leves de musculação.
Naquela noite mesmo eu usei meu notebook e a conexão WiFi da academia de Wes para me atualizar, checar meus e-mails e noticias das ultimas semanas.
Passei boa parte do tempo ao telefone, acalmando minha mãe e amigos, afirmando que tudo estava bem.
Naquela mesma noite quando escutei uma batida na porta do loft e fui atender uma Natty em prantos se atirou sobre mim, quando me livrei dela fui erguido do chão por Nando, eles trouxeram sua menina para me ver. Logo depois chegou Rosa, com uma panela de comida caseira saborosa. Algumas vezes achava que ela hesitava, como se quisesse me contar algo, mas trocava olhares com Wes e evadia do assunto.
Naquela noite depois que todos foram embora eu percebi que só havia uma cama no loft, eu estava indeciso onde dormiria quando Wes me chamou para a cama, levantou o lençol indicando um espaço a sua frente, meio hesitante me deitei e ele automaticamente me abraçou, tipo conchinha e me deu um terno beijo no pescoço, pouquíssimos minutos depois senti sua respiração pesada em meu pescoço, indicando que ele dormia. O cheiro dele me acalmou e relaxou, o calor dos seus braços fortes me envolvendo me induziram ao sono, entrelacei meus dedos nos seus e ele apertou, como se nunca fosse me deixar ir para longe dele, para mim estava tudo bem, eu poderia me acostumar com aquilo.
**************************************************************************************************************************************
Vou viajar esse fim de semana, e para onde vou provavelmente não terei acesso a internet, mas vou levar meu note para continuar escrevendo, proximo capitulo no domingo a noite, bom fim de semana a todos.