O Jantar.
“Você está lindíssima, meu amor.” — Rafael disse, devorando Juliana com os olhos. A voz saiu de admiração, um enlevo quase infantil, como se diante de uma joia recém-esculpida.
Ela ergueu as sobrancelhas, surpresa pelo elogio. Sorriu brevemente, seus beiços se curvaram, os olhos semicerrados, avaliando a reação do noivo.
“Obrigada, querido. Você também está maravilhoso.” — A voz saiu polida, mas dentro dela havia um quê de tédio mascarado por afeto.
Seu vestido, um preto curto que modelava seu corpo com plenitude, um brilho, feito de minúsculos cristais que piscavam sob a luz. — As alças finas expunham os ombros delicados. O tecido escorregava ajustado até os joelhos. O decote não era excessivo. Nos pés, sandálias de salto preto, chique, com tiras finas que contornavam seus tornozelos.
Ela virou-se para o espelho, virando a cabeça levemente, ajeitou os cabelos com a ponta dos dedos, como se cada fio precisasse estar no lugar exato. Movia-se com a espontaneidade de quem sabia ser observada e gostava.
Rafael, de smoking preto e orgulhoso, ao seu lado. Aproximou-se, tocando de leve a cintura dela, num meneio de posse.
Juliana pegou sua bolsa de mão e, num último olhar para o espelho — e para si mesma —, seguiu acompanhada do noivo para a casa dos sogros. Caminhou com calma até o elevador, os quadris oscilando num balé involuntário, assistindo o noivo a observá-la.
— Os pais de Rafael celebravam quarenta anos de casamento. —
A casa, uma mansão, localizada em área nobre, resplandecia em elegância. A celebração reunia apenas os mais chegados: amigos de longa data, empresários com suas esposas, políticos de risos fáceis e olhar esperto. Tudo polido e impecável.
A ausência dos pais de Juliana era um detalhe. A distância servia de desculpa, mas, no fundo, ela mesma não fazia questão.
Quando o casal chegou, foram recebidos com abraços medidos e cumprimentos cordiais. Juliana beijava os convidados no rosto, apertava mãos, cruzava olhares que ora disfarçavam curiosidade, ora escancaravam interesse.
Seu vestido cintilava sob a iluminação do salão. Os cabelos soltos escorriam sobre os ombros. Caminhava devagar, com a meiguice de quem sabe que todos a observam.
Frederico, pai de Rafael, era um homem bonito, charmoso, um sedutor natural. Tinha os cabelos grisalhos bem penteados, o sorriso fácil, uma presença que impunha respeito.
Juliana, que desde o início de suas aventuras pelos coletivos da cidade de Campinas não pisava naquela casa, agora enxergava Frederico sob outra perspectiva, sob outra ótica.
Durante o jantar, a mesa transbordava de pratos refinados, vinhos selecionados, taças erguendo brindes à longevidade do amor dos anfitriões. Sentada ao lado de Rafael. Juliana empeçou-se a encarar o sogro Frederico de maneira diferente.
No início, furtivamente. Depois, com um interesse maior, como quem examina uma peça de arte valiosa. O respeito ainda existia, é claro. Mas estava misturado a algo mais curioso, claro, da parte dela.
Durante o jantar, Juliana ria, comentava futilidades, jogava o cabelo para trás num movimento sensual, cruzava e descruzava as pernas com languidez. Sabia dosar os gestos, transformar tudo em um jogo discretíssimo, sem levantar suspeitas.
E Frederico, do outro lado da mesa, de olhar plácido e taça na mão, notou mudança em sua nora. Não reagia de imediato. Apenas mantinha os olhos nela por um segundo a mais do que o necessário.
Mais tarde, quando o burburinho da festa já se diluía entre taças vazias, charutos e risadas. Frederico e Juliana se encontraram em um canto da sala. Era um momento breve, um intervalo entre um brinde e outro, mas suficiente para um diálogo inesperado.
Frederico, vestia-se impecável, inclinou-se ligeiramente para ela e perguntou, em um meio riso: “Ansiosa para o casamento?”
Juliana, acomodada no sofá, uma perna sobre a outra, deixou os olhos dançarem sobre o rosto do sogro antes de responder.
Fingiu surpresa, depois sorriu com graça estudada: “Sim, estou animadíssima. Não vejo a hora de me casar com o seu filho, senhor Frederico.”
A formalidade no tom dela o fez sorrir. Ele aprovou, entusiasmado:
“Vai ser um casamento lindo. Vocês merecem.”
Juliana dentou de leve o lábio inferior, umedecendo-o antes de continuar: “Tomara. Quero manter esse casamento por muitos anos.”
A pausa foi estratégica. Sua mão, com unhas vermelhas imaculadas, pousou leve sobre a coxa do sogro. Não era um toque obsceno, nem demorado. Apenas o suficiente para ser sentido.
“Se Rafael ficar lindo e charmoso como o senhor quando chegar a essa idade, serei a mulher mais realizada desse mundo.” — Disse ela, a ponta dos dedos pressionou de leve o tecido, a pele do sogro antes de se afastar, como quem deixa um rastro.
Frederico engoliu em seco. Sentiu o sangue esquentar no rosto. — Juliana nunca falara com ele assim, nunca, dera qualquer sinal. — Agora, diante daquela mulher linda e enfeitada, de vestido justo, olhar semicerrado e voz aveludada, não soube o que fazer.
“Rum-Rum” — ronronou a garganta. “Obrigado” — tagarelou, tentando manter a compostura —, ‘, mas hoje sou um velho.’
Juliana ergueu a sobrancelha, ergueu o indicador com a outra mão:
— “Protesto.” — Deixou a voz escorrer macia, como se pronunciasse uma verdade. Depois, cravou os olhos nele:
“O senhor não tem nada de velho, meu sogro. Ainda és um tipão.”
“Bom… deixa isso pra lá. Preciso falar com o Antunes.” — Frederico riu de exasperado. Ajeitou o colarinho, como se o ar lhe faltasse de repente. Levantou-se depressa, não olhou para trás, ainda incrédulo com o que acabara de ouvir da nora.
Ele se sentiu um tolo. Um homem vivido, experiente, pai de um rapaz prestes a se casar, no entanto, escapava-lhe das mãos a firmeza que sempre teve.
Juliana, ainda no sofá, observou-o partir. E sorriu, passando os dedos, lentamente, sobre os próprios lábios.
Na toalete, Frederico fechou a porta e apoiou as mãos na pia de mármore. O reflexo no espelho devolveu-lhe um homem estonteado, com a testa úmida e o olhar perdido.
Respirou fundo: “O que aconteceu com ela, Deus?” — murmurou, antes de abrir a torneira e jogar água gelada no rosto, tentando dispersar o calor que o dominava.
Ao sair, deu de cara com Magda, a esposa. Ela, sempre atenta, franziu a testa ao notar a expressão dele.
— “O que foi, Fred? Parece que viu um fantasma.”
Frederico abriu a boca, quase revelou o que havia acontecido, porém, o instinto o conteve. Engoliu seco, sorriu sem jeito.
“Nada, mulher. Não aconteceu nada.” — Magda ainda o observou alguns e preferiu não insistir.
Mais tarde, ela e Frederico cortaram o bolo, brindaram o aniversário de casamento e abriram a pista de dança com uma valsa.
Os convidados sorriam, palmearam, ovacionaram tudo que acontecia conforme o esperado. No entanto, do outro lado do salão, Juliana, de braços dados com Rafael, passeava o olhar pela sala como uma caçadora entediada.
Seu interesse se dividia entre dois alvos: o garçom, um homem alto, de braços fortes que preenchiam perfeitamente a camisa branca, e o segurança, que, discreto, mantinha-se atento à Juliana, com uma postura rígida e um semblante impenetrável.
O jogo dela não tinha descanso. Quando chegou o momento de dançar com o sogro. Frederico sentiu o coração acelerar de um jeito que não experimentava há anos. Caminhou até Juliana como quem segue para a forca. Ela sorriu ao estender a mão, e ele, sem escolha, segurou-a.
O contato da pele morna, os dedos finos roçando os seus, o perfume adocicado invadindo-lhe o nariz — tudo era um teste.
Frederico tentava manter a dignidade. Olhava para os lados, todavia desviava o rosto de Juliana, fingia um interesse desesperado na música. Ela, ao contrário, se divertia, esbarrando-se nele.
O rosto próximo ao dele, um sorriso que brincava entre o inocente e o malicioso. Perto do fim da valsa, Juliana curvou ainda mais, até que seus lábios quase tocassem a orelha de Frederico. A voz saiu como um suspiro quente:
— “Espero a sua visita lá em casa, sogrinho. Mas vá sozinho.”
Frederico sentiu o sangue abandonar-lhe o rosto. O corpo endureceu como pedra. Juliana afastou-se, recuando, sorrindo, enquanto ele, num esforço sobre-humano, tentava recuperar a postura. Seria um ator. Precisava ser.
Já era madrugada quando Juliana e Rafael se despediram dos anfitriões. A mansão, antes pulsativa de vozes e risadas, agora se diluía em despedidas e taças vazias esquecidas nas mesas.
Magda, exausta, o rosto já denuncia o peso das horas. Frederico sentia o cansaço, porém não conseguia esquecer a cantada que levou da nora e a bebida. Juliana se aproximou dele, sorriu ao lhe oferecer a face, e Frederico, refém da própria culpa, curvou-se para o beijo protocolar. O que aconteceu a seguir foi sutil, milimétrico, um crime cometido na penumbra de um gesto: ao afastar-se, Juliana esbarrou a mão sob a virilha do sogro. Foi um instante. Um toque sem pressa, sem urgência, sem culpa.
Frederico ficou rígido, paralisado. Sentiu a boca secar, as pernas perderem a força. Ninguém viu. Ninguém jamais saberia. Mas o sogro soube e sentiu.
Ao virar-se, ela lançou-lhe um olhar oblíquo, um lampejo de travessura. E, sem dizer mais nada, saiu de mãos dadas com Rafael, que, alheio ao submundo que se desenhava ao redor, falava algo sobre a noite, sobre a festa.
Noite de sábado.
Vinte e quatro horas após a festa de aniversário de casamento dos pais de Rafael. O céu encontrava-se limpo, cravejado de estrelas.
Juliana e Rafael chegaram a um barzinho requintado na companhia de Jean, melhor amigo de Rafael. E Mayara, namorada de Jean.
O lugar exalava um cheiro de churrasco e bebida, e, ao fundo, um grupo de pagodeiros, embevecidos de samba, fazia um show empolgante no palco.
Sentaram-se. Rafael ao lado de Juliana. Jean de frente para Juliana, Mayara ao lado do namorado. No centro da mesa, uma profusão de garrafas, copos americanos e carne assada.
As conversas iam e vinham. Juliana sorria animada com o show de pagode. Em certo momento, erguendo o copo, anunciou ao casal do outro lado da mesa, que estava empolgadíssimo com a proximidade do casamento. “Não vejo a hora”, disse, e ao final da frase, beijou os lábios do noivo com paixão, deslizando os dedos finos pelo ombro dele. Rafael sorriu, apaixonado, como um menino que acabara de ganhar um PlayStation. Do outro lado da mesa. Jean e Mayara assistiam à cena com a euforia do casal feliz.
O pagode seguia, as pessoas sambavam, outras sentadas apenas acompanhavam. Entre risadas e goles de cerveja. Juliana deslizou o pé direito para fora da sandália. Movia-se com paciência e descrição.
Debaixo da mesa, o pé dela encontrou as pernas de Jean. Quando sentiu o toque dela, ele congelou. — Seu rosto, antes relaxado e sorridente, endureceu. O olhar correu aflito de um lado para o outro, todavia, acima da mesa, nada denunciava a balbúrdia que se desenrolava abaixo.
Jean se mexeu na cadeira, afastou as pernas, tentando escapar daquele contato escondido. Juliana, num jogo cruel, insistia. — Seu pé subia, traçava um caminho lento e perverso até a coxa dele. — Jean aspirou fundo, os dedos apertando o copo, as mãos trêmulas, o rosto corou, a boca ficou seca. Sentiu um arrepio, um calor que começava no estômago e descia até o pênis, como um pecado.
Olharam-se. Juliana sorria com a malícia das mulheres que sabem o estrago que provocam. Jean, paralisado, transpirava. Foi quando, num rompante, levantou-se de súbito, derrubando seu copo com cerveja até a metade sobre a mesa. “Vou ao banheiro”, disse assustado, a voz falhando.
Mayara e Rafael, embriagados pela música, mal notaram a inquietação do outro. Juliana, num prazer inocente, mordeu o canto do lábio e bebeu um gole do seu drink.
Dois minutos depois. Ela anunciou que também iria ao banheiro, ergueu a mão apoiando sobre a borda da mesa e saiu.
Caminhava, os quadris balançando. O vestido colado ao corpo, a curva precisa das pernas expostas, os olhos em malícia. Passou entre as mesas sem olhar para os lados, mas sabendo os olhares que a seguiam. Entrou no banheiro feminino, fechou a porta, sentou-se no vaso e urinou. Pegou um lenço de papel e secou-se.
Diante do espelho, inclinou a cabeça e retocou o batom vermelho, pintando os lábios. Ao sair, deu de cara com Jean, que ao lado, deixava o banheiro masculino. Ele congelou ao vê-la. Parecia um garoto pego no flagra.
“O que foi, Jeanzinho? Parece inquieto.” — Juliana aproximou o rosto, sorrindo ironicamente, já sabendo a resposta antes de fazer a pergunta.
Ele pestaneou, engoliu em seco. Os ombros tensos, as mãos fechadas em punhos trêmulos.
“Você está maluca? Me tocando debaixo da mesa?” — disse, num sussurro furioso.
Juliana soltou uma risada curta. Aproximou-se, deixando o perfume invadir o espaço entre os dois.
“Vai dizer que não gostou?” — murmurou ela, com naturalidade.
O cenho de Jean se contorceu numa sentença de incredulidade. —Nunca vira Juliana daquele jeito. — Ela era a noiva do melhor amigo. Agora, uma mulher com a qual sua mãe mandaria tomar cuidado.
Ele balançou a cabeça, tentando se recompor.
“Rafael é meu amigo de infância. Eu nunca trairia a amizade e a confiança dele!” — disse, tentando convencer a si.
Juliana encostou-se à parede ao lado dele e o olhou de cima a baixo, como se estivesse avaliando um vestido no cabide.
“Você nunca me olhou como amiga. Nunca me olhou como noiva do Rafael. Eu percebo seus olhos, Jean. Você me enxerga como um homem vê uma mulher. E não qualquer mulher…” — aproximou-se ainda mais, os lábios quase tocando a orelha dele, o hálito quente roçando sua pele. — “Você me enxerga como um homem faminto, vê a primeira carne tenra após dias de jejum. Um predador.” — Sua voz saiu num sussurro melancólico, cheia de malícia.
Jean arregalou os olhos, suava frio. Balançou a cabeça, tentando negar, a voz vacilante: “Você está louca… está se comportando como uma… uma…”
Juliana riu e completou a frase, num tom de desafio: “Vagabunda? Talvez eu seja uma.” — A boca bem próxima do rosto dele, o cheiro de batom e desejo titubeando entre os dois.
Jean fechou os olhos por um milésimo de segundo, como quem pede ajuda ao céu. Cada palavra de Juliana era um pavor de incredulidade.
“Deus…” — murmurou, perdido.
Juliana ergueu uma sobrancelha, burlesca com a aflição dele. Então, sentenciou: “Você tem até segunda-feira. Arrume um lugar para a gente… você sabe. Ou nunca mais terá a oportunidade de me…” — fizera uma pausa, escolhendo a palavra com crueldade — “de me foder.”
Jean sentiu o coração acelerar. Sentiu medo, desejo e uma culpa que ainda sequer existia. Ela sorriu, virou-se e voltou para a mesa, os quadris dançando em um ritmo hipnótico.
Ele permaneceu parado no corredor estreito, sem saber se ainda tinha forças para caminhar, para permanecer naquele lugar. — Jean suava, arfava. E pela primeira vez na vida, compreendia o verdadeiro significado da palavra: tentação.
Ao retornar para a mesa, Jean inventou uma desculpa qualquer — dor de cabeça, cansaço, um mal-estar repentino. Mayara levantou-se solícita, franziu as sobrancelhas de preocupação e afeto. Tocou o braço do namorado, inclinando-se para olhá-lo nos olhos.
“Você está bem, meu amor?” — perguntou a namorada, preocupada.
O contato com Juliana ainda queimava sua pele. Rafael, sempre prestativo, se ofereceu para levá-lo. Outra recusa. Jean precisava sair dali o mais rápido possível. Murmurou que conseguiria dirigir e saiu, levando Mayara, deixando para trás uma trilha de desconforto.
Juliana permaneceu no mesmo lugar, as pernas elegantemente cruzadas, os dedos desenhando distraidamente a borda do copo. —Continuava a saborear seu drinque, sem pressa, sem nada além de um leve sorriso pintado de vermelho.
A música seguia, o batuque do pagode enchia o ambiente, as pessoas riam, brindavam, viviam. Ela? Ela apenas esperava.
Jean passou o final de semana inteiro sob o domínio de um dilema que lhe corroía os nervos. A voz de Juliana sussurrando em seu ouvido, aquela insolência descarada, o jeito como ela o olhava — tudo o impedia de pensar em qualquer outra coisa.
Ele trairia Rafael? Trairia anos de amizade, confiança, companheirismo?
E o pior. Juliana estava certa ao colocar Jean contra a parede. —Ele nunca olhara para a noiva do amigo, apenas como uma amiga. —Jean a admirava, tinha sentimentos, tinha algo inalcançável. — Juliana era linda, atraente e perigosa. — Porém, Jean jamais cogitara atravessar o limite. O respeito sempre fora uma barreira intransponível. Até agora.
A pergunta é: Por que Juliana dizia verdades obscenas, havia ela, estilhaçado essa barreira?
Visita inesperada.
Na segunda-feira de manhã, Jean dormira mal, revirara-se na cama. — Tinha que resolver aquilo. Às nove e meia, estacionou diante do consultório de Juliana. Não era cliente, tampouco amante — ou talvez fosse um meio-termo perigosíssimo.
Empurrou a porta e encontrou-a como sempre: dona de si, intocável, uma esfinge pintando os lábios diante do espelhinho de mão. Ao vê-lo, sorriu de um jeito preguiçoso, como uma gata que se diverte antes de dilacerar o rato.
— “O que há com você?” — disparou Jean, cruzando os braços.
Juliana colocou o espelho sobre a mesa, deslizou os dedos pelos cabelos, ajeitou a franja com desmazelo.
— “Há muitas coisas” — murmurou ela, sorrindo de lado.
Levantou-se. Com três passos, caminhou em direção à cadeira odontológica. Jean a seguiu, mas não sabia por quê.
— “Coisas? Que coisas? Anda, fala!” — A voz saiu mais ríspida do que pretendia.
Ela parou, girou nos calcanhares e encarou-o: “Como falei, Jean. Você nunca olhou pra mim como amiga. Nem como noiva do Rafael.”
A frase entrou nele como um punhal afiado. Jean recuou, sentou-se na cadeira e passou a mão no rosto.
— “Você está diferente. O que aconteceu?”
Juliana deu a volta na mesa, aproximou-se devagar, inclinando-se sobre ele como uma sombra.
— “Diferente, como? Me fale?”
Jean quis levantar, fugir daquele perfume, daqueles beiços carnudos, mas o corpo não obedecia.
— “Não sei… sei lá. Você me assusta.”
Ela sorriu, um sorriso pequeno, de pura malícia.
— “Eu te assusto?”
— “Sim.” — Ele respondeu, o corpo trêmulo.
— “Ah, eu te assusto?” — Ela reforçou a pergunta.
— “Muito.” — Ele reforçou na resposta.
Juliana inclinou-se ainda mais, o hálito aquecido roçando o rosto de Jean.
— “Então… o que eu sou pra você?”
Jean engoliu a saliva em seco, fitou-a de cima a baixo, procurando nela algo que ainda fosse familiar, algo que não fosse puro escândalo e tentação.
— “Você é uma amiga.”
A risada dela foi baixa, debochada.
— “Só amiga, Jean?”
— “E não somos só amigos?” — Ele disse, a olhando, franzindo a testa, ímpio.
Juliana deu dois passos adiante, olhos fixos nos dele.
— “Pode me fazer um favor?”
— “Qual favor?” — perguntou ele, ainda mais nervoso.
— “Vire de costas pra mim…” — ela pediu sorrindo.
Jean arqueou as sobrancelhas, desconfiado, mas obedeceu. Virou-se, sentiu um arrepio subir-lhe pela espinha.
— “Pronto.” — Jean, de costas.
Ouviu alguns barulhos. A porta sendo trancada. O farfalhar de tecido deslizando pelo corpo.
— “Posso virar?” — pediu ansioso.
— “Pode.” — ela respondeu.
Ao se virar, o coração de Jean deu um salto violento. Juliana estava seminua, os seios rijos, a pele brilhando sob a luz fria, no meio do seu consultório.
— “O que é isso? Tá louca?”
Ela avançou um passo.
— “Ainda continua só minha amiga?”
— “Não… não posso fazer isso.” — respondeu, gotejando frio.
— “Sou tão feia assim, Jean? Por que não me quer?” — Juliana, séria, em voz de protesto.
A respiração dele tornou-se curta, irregular.
— “Isso é covardia, Juliana…” — Disse Jean, com medo na voz.
E, sem saber como, já a tinha nos braços. O beijo aconteceu, suas mãos foram ao encontro do corpo dela, e as dela percorriam as costas dele.
— “Aqui todo mundo vai escutar…” — murmurou Jean, arfante.
Juliana sorriu contra seus lábios.
— “Então, arrume um lugar.” — Beijando-o.
Jean não raciocinava mais. Pegou-a pelo braço e a puxou.
— “Então, vista-se e venha comigo.” — disse ele ansioso.
Eles se recompuseram rapidamente, porém os olhos cintilando de excitação ficaram estampados. Saíram juntos, sem trocarem uma palavra, atravessaram o consultório. Juliana sequer parou para ouvir os dizeres da secretária.
No estacionamento, Jean abriu a porta do carro. Juliana entrou pela porta do passageiro, então eles partiram para o motel mais próximo.
— No próximo quinto capítulo. — A traição da noiva (Juliana) com o melhor amigo de Rafael, (Jean)