O relógio da cozinha marcava 19h30 quando Emily deu os toques finais no jantar. A mesa estava meticulosamente arrumada, coberta por uma toalha branca de linho, com velas altas no centro e taças de vinho cuidadosamente dispostas ao lado dos pratos. Uma leve fragrância de alecrim e alho flutuava no ar, vinda do prato principal que ela havia preparado: cordeiro assado com ervas. Era um dos favoritos de Adriano, e Emily esperava que isso fosse o suficiente para reacender alguma conexão entre eles.
Enquanto arrumava o guardanapo ao lado do prato de Adriano, Emily sentiu uma onda de ansiedade passar por ela. Já fazia muito tempo desde que preparara algo assim. Nos primeiros anos de casamento, jantares como aquele eram comuns. Adriano costumava chegar do trabalho com um sorriso, elogiando o cheiro da comida antes mesmo de tirar o paletó. Eles riam, conversavam, brindavam às pequenas conquistas da vida cotidiana.
Mas agora… parecia que tudo havia mudado. O trabalho havia consumido Adriano, e a distância entre eles havia crescido tanto que jantares assim eram quase inexistentes. Ainda assim, Emily se forçava a acreditar que um gesto simples, um esforço como esse, poderia começar a quebrar as barreiras que se formaram.
Ela se olhou no reflexo do vidro da janela. Tinha passado um bom tempo se preparando, querendo estar perfeita. Usava um vestido justo preto, com os cabelos cuidadosamente penteados e a maquiagem sutilmente aplicada. Queria que Adriano a notasse, a visse de verdade, como nos velhos tempos.
Ao olhar para o relógio novamente, percebeu que estava ficando tarde. Adriano deveria ter chegado há pelo menos quinze minutos. “Por que ele está demorando?” Uma ponta de nervosismo começou a crescer dentro dela. Emily pegou o celular e abriu a última mensagem que ele havia enviado no início da tarde.
🗨 ADRIANO: Sairei do trabalho por volta das 19h. Não vejo a hora de descansar em casa.
Ela leu e releu a mensagem, esperando que ele já estivesse a caminho. Decidida a não deixar o nervosismo tomar conta, Emily acendeu as velas e começou a servir o vinho, ouvindo o líquido vermelho bater suavemente contra as taças de cristal.
O som suave de pneus no cascalho da entrada anunciou a chegada de Adriano. Emily endireitou a postura e respirou fundo, tentando manter a calma. Não queria parecer ansiosa demais. Queria que tudo parecesse natural, como se aquele jantar fosse apenas uma chance de reconexão, e não uma última tentativa desesperada de salvar o que restava do casamento.
A porta da frente se abriu e, logo em seguida, Adriano entrou, carregando sua pasta e tirando o paletó com uma mão. Ele estava distraído, como de costume, e nem parecia notar o ambiente ao redor.
— Oi — disse Emily, tentando soar casual. — Preparei o jantar.
Adriano olhou rapidamente em sua direção, a expressão no rosto misturando surpresa e cansaço.
— Oi, amor — ele respondeu, jogando o paletó sobre uma cadeira e massageando a nuca. — Desculpe o atraso, o trânsito estava um caos.
Ele caminhou até ela, depositando um beijo breve em sua bochecha, sem se dar conta do esforço que ela fizera. Não notou o vestido, a mesa posta, ou o perfume leve que ela havia escolhido com cuidado. Para ele, era apenas mais uma noite comum.
Emily se forçou a sorrir, escondendo o desapontamento crescente.
— Tudo bem. Eu só queria que tivéssemos uma noite para nós dois — disse ela, tentando manter o tom leve. — Achei que poderíamos jantar juntos. Como costumávamos fazer.
Adriano sorriu de volta, mas era um sorriso mecânico, automático.
— Claro, vamos fazer isso. Só preciso responder a alguns e-mails primeiro. Prometo que não demoro.
Sem esperar uma resposta, ele pegou o celular e se afastou em direção ao escritório, os dedos já se movendo rapidamente sobre a tela. O barulho de teclas preenchia o espaço enquanto ele desaparecia pelo corredor.
Emily ficou parada ao lado da mesa, os olhos fixos nas taças de vinho agora intocadas. O jantar, as velas, a atmosfera cuidadosamente planejada, tudo parecia ridiculamente insignificante naquele momento. Era como se ela estivesse tentando segurar água nas mãos, e tudo estivesse escapando entre seus dedos.
Ela se sentou, soltando um suspiro pesado. O cheiro do cordeiro assado, que antes parecia acolhedor e familiar, agora lhe causava uma sensação de náusea leve. A sensação de fracasso era esmagadora.
Emily segurou a taça de vinho e tomou um longo gole, sentindo o líquido frio descendo pela garganta. Olhou para o corredor onde Adriano havia desaparecido, ouvindo o eco distante das teclas do celular.
“Daqui a pouco”, ele havia dito. Ela conhecia aquele “daqui a pouco”. Sabia que ele se prolongaria até que fosse hora de dormir, mais uma vez. A ideia de tentar trazê-lo de volta parecia cada vez mais inalcançável.
Após alguns minutos de espera, ela tomou coragem e foi até o escritório. Parou na porta, observando Adriano, a cabeça inclinada sobre o celular, o rosto levemente iluminado pela tela. Ele mal parecia notar sua presença, totalmente imerso nas mensagens de trabalho.
— Adriano? — chamou ela, a voz mais baixa do que pretendia.
Ele levantou os olhos por um segundo, sem tirar as mãos do celular.
— Sim? — perguntou, sem desviar o olhar por muito tempo.
— O jantar está pronto. Podemos comer agora.
Adriano balançou a cabeça, um pouco distraído.
— Já vou. Só mais um minuto.
Emily mordeu o lábio, sentindo o misto de raiva e frustração crescendo dentro de si. “Só mais um minuto”. E aquele minuto sempre se transformava em uma eternidade de distância, em uma barreira invisível que os separava cada vez mais.
— Certo — respondeu ela, resignada, antes de se virar e voltar para a mesa.
Ao sentar-se novamente, Emily pegou a taça de vinho e a girou em círculos, observando o líquido vermelho escuro se mover de um lado para o outro. Não havia mais o que fazer. Ela havia tentado. Tentou a abordagem simples, o jantar, o clima romântico… e, como todas as outras vezes, Adriano escolheu o trabalho em vez dela.
Depois de um longo momento, ela tomou mais um gole de vinho, desta vez maior, e olhou para as velas que já começavam a derreter lentamente. A chama bruxuleava, projetando sombras suaves na parede. Uma metáfora perfeita para o que ela sentia. O calor, a conexão, tudo parecia estar se derretendo, escapando lentamente de suas mãos.
“Talvez Isabela estivesse certa”, pensou ela. “Talvez eu precise tentar algo completamente diferente.”
Enquanto olhava para o vinho em sua taça, uma decisão começou a tomar forma. Emily não sabia se o Obsidian seria a resposta, mas estava cada vez mais certa de que algo drástico precisava ser feito. Se Adriano não a notava mais assim, talvez ele a notasse sob uma nova luz, em um lugar onde o desejo e a provocação pudessem quebrar as barreiras que os separavam.
Emily se levantou da mesa, apagou as velas e serviu-se de mais vinho. Ela estava pronta para sugerir algo ousado. Algo que, no fundo, ainda a assustava, mas que talvez fosse a única forma de reacender o que havia sido perdido.
O tempo parecia se arrastar enquanto Emily permanecia sentada à mesa, o ambiente ao redor dela cada vez mais envolto em um silêncio opressor. O jantar esfriava aos poucos, as velas apagadas, e a taça de vinho, agora quase vazia. Ela olhou para o corredor que levava ao escritório de Adriano e, mais uma vez, ouviu o som incessante das teclas do celular.
“Só mais um minuto”, ele dissera. Um minuto que já havia se transformado em meia hora. Emily soltou o ar com força, sentindo a frustração crescer mais uma vez. Como poderia ser tão difícil para ele simplesmente estar presente?
Finalmente, decidida a não permitir que aquela noite fosse desperdiçada, ela se levantou, empurrando a cadeira de volta ao seu lugar com um leve ranger. Caminhou até o escritório, sentindo o estômago se apertar a cada passo. Ela não queria parecer desesperada, mas algo precisava ser dito. Precisava ser feito. Não podia continuar ignorando o abismo que se abria entre eles.
Parou na porta do escritório e, mais uma vez, viu Adriano inclinado sobre o celular, digitando rapidamente. Ele estava completamente absorto no que fazia, alheio a tudo ao seu redor. Emily respirou fundo, sentindo a tensão nos ombros aumentar. Ela bateu de leve na porta com os dedos.
— Adriano?
Ele ergueu os olhos por um breve segundo, mas não se incomodou em parar de digitar.
— Sim, já estou indo, só um segundo — disse ele, sua voz distraída, quase impessoal. — Preciso terminar isso aqui.
Emily sentiu uma pontada de irritação no peito. Ela tinha esperado. Tinha preparado tudo. Tinha feito o que podia para criar um momento especial para os dois, e ele mal notara. O desespero começou a se transformar em raiva.
— Adriano, o jantar está pronto faz quase uma hora — sua voz soou mais firme do que pretendia, carregada de frustração. — Não pode terminar isso depois? Só por uma noite?
Adriano finalmente parou o que estava fazendo e olhou para ela, sua expressão cansada, mas com uma pitada de irritação também. Ele suspirou, passando a mão pelo cabelo.
— Emily, eu já disse que só preciso terminar isso. Estou no meio de uma negociação importante, é algo que não pode esperar. Não podemos ter esse jantar depois?
— Depois? — A palavra saiu quase como um eco. Emily mal acreditava no que estava ouvindo. — Sempre é “depois”, Adriano. Quando foi a última vez que você realmente esteve presente aqui? Quando foi a última vez que você realmente se importou?
Adriano recostou-se na cadeira, os braços cruzados agora, em uma postura defensiva.
— O que você quer que eu faça, Emily? Eu estou fazendo o que posso. O trabalho é importante. Você sabe disso.
— Mais importante que nós? — Emily deu um passo à frente, a raiva transbordando em suas palavras. — Porque é isso que parece. Parece que tudo o que eu faço para tentar salvar o que ainda temos é inútil. E você nem percebe.
Adriano esfregou os olhos com as mãos, visivelmente frustrado.
— Não é verdade, e você sabe disso. Eu só estou tentando manter tudo sob controle. Eu não tenho tempo para isso agora.
— Não tem tempo pra gente, Adriano. — A voz de Emily agora estava baixa, quase um sussurro, mas cheia de dor. — E é isso que me assusta.
Houve um silêncio pesado entre os dois. Adriano olhou para ela, sem saber o que responder. Pela primeira vez naquela noite, ele parecia perceber que algo mais sério estava acontecendo, mas mesmo assim, seu foco ainda estava no trabalho.
Emily sentiu as lágrimas ameaçarem surgir, mas ela se forçou a se manter firme. Não queria chorar. Não queria mostrar o quanto estava magoada.
— Eu tentei, Adriano — continuou ela, dando um passo para trás. — Eu tentei fazer com que essa noite fosse especial. Algo diferente, algo para nós dois. Mas você… você simplesmente não se importa.
Adriano se levantou lentamente, como se estivesse tentando encontrar as palavras certas. Mas o que ele disse foi ainda pior do que o silêncio.
— Eu me importo, Emily. Só… não agora. Eu realmente preciso terminar isso.
Emily sentiu como se algo tivesse quebrado dentro dela naquele momento. Ele não entendeu. Ela não sabia mais se ele realmente queria entender.
— Certo — disse ela, com uma frieza que a surpreendeu. — Eu entendi.
Ela deu meia-volta, saindo do escritório sem olhar para trás, o som dos passos ecoando pelos corredores da casa silenciosa. Quando chegou à sala de jantar, pegou sua taça de vinho e a esvaziou de uma só vez, sentindo o líquido amargo descer pela garganta.
Com os olhos fixos no vidro escuro da janela, Emily sabia o que precisava fazer. Tentara a abordagem sutil, o jantar romântico, a conversa calma. Tentara ser a esposa compreensiva, a mulher paciente. Mas agora, algo dentro dela havia se partido. Se Adriano não queria enxergar o que estava acontecendo, então ela tomaria uma atitude.
Ela se levantou da mesa e caminhou lentamente até o sofá, onde se sentou, cruzando os braços sobre os peitos. O peso de sua decisão começava a se solidificar em sua mente. A sugestão de Isabela era ousada, talvez até radical, mas agora, naquele momento de frustração, parecia ser a única opção. Ela sabia que o Adriano de antes ainda estava lá, em algum lugar. Talvez precisasse de algo extremo, algo tão fora da rotina que o obrigasse a ver o que estavam perdendo.
Emily se recostou no sofá, os olhos fixos no teto enquanto suas emoções oscilavam entre tristeza e determinação.
Naquela noite, enquanto Adriano permanecia no escritório, preso ao trabalho, Emily decidiu. Se ele não queria mais lutar por eles, ela lutaria. E faria isso do jeito que acreditava ser necessário.
Na manhã seguinte, ela traria o Obsidian à mesa. E, se ele não aceitasse, talvez ela tivesse que ir sozinha. Não estava disposta a perder mais tempo esperando.
O sol da manhã filtrava-se pelas cortinas do quarto, iluminando o ambiente, mas Emily ainda sentia a mesma frieza que a havia consumido na noite anterior. Ela acordou cedo, os olhos pesados de uma noite de sono inquieto. Adriano estava ao seu lado, respirando tranquilamente, ainda preso no mundo dos sonhos, alheio à turbulência que ocupava a mente de Emily.
Ela ficou deitada por mais alguns minutos, contemplando o teto, sua respiração lenta enquanto organizava os pensamentos. Hoje era o dia. O dia em que ela colocaria tudo em jogo.
Ela se levantou da cama com cuidado, tentando não fazer barulho para não acordá-lo. Caminhou até a janela, afastando levemente as cortinas para olhar a rua tranquila lá fora. A quietude do bairro contrastava com o turbilhão que ela sentia por dentro. O que ela estava prestes a fazer parecia surreal, mas necessário. A conversa seria difícil, talvez até dolorosa, mas não podia continuar fingindo que estava tudo bem. Não depois de tantas noites vazias e tentativas fracassadas de reavivar o que um dia fora uma chama vibrante entre eles.
Ela ouviu Adriano se mexer na cama e, em seguida, sua voz rouca de sono.
— Bom dia — murmurou ele, ainda sem abrir os olhos.
Emily virou-se para olhá-lo, sentindo um aperto no peito. Ele parecia tão tranquilo naquela manhã, tão alheio ao que estava prestes a acontecer. Ela caminhou de volta para a cama e sentou-se na beirada, sentindo o colchão afundar sob o peso de sua decisão.
— Bom dia — respondeu ela suavemente, com os olhos fixos em suas mãos, que estavam pousadas sobre suas pernas.
Houve um breve silêncio enquanto Adriano se espreguiçava, sentando-se lentamente. Ele parecia mais relaxado do que na noite anterior, seu rosto mais suave, sem a expressão cansada que ele normalmente carregava.
— Como você está? — ele perguntou, com um tom casual.
Emily respirou fundo. “É agora ou nunca”.
— Adriano, nós precisamos conversar — disse ela, olhando-o diretamente nos olhos. Sua voz era firme, mas não hostil. Era a voz de alguém que sabia que estava prestes a atravessar um limite, mas não tinha outra escolha.
Adriano franziu o cenho ligeiramente, confuso, mas já prevendo que algo estava por vir. Ele se sentou mais ereto na cama, o olhar agora completamente focado nela.
— Sobre o que? — perguntou, cauteloso.
Emily hesitou por um momento, sentindo o peso do que estava prestes a dizer. Ela sabia que as palavras que viriam a seguir poderiam mudar tudo. Mas precisava ser honesta. Não havia mais tempo para meias-palavras.
— Sobre nós — começou ela, sua voz levemente tremida, mas com determinação. — Sobre o que está acontecendo com o nosso casamento.
Adriano passou a mão pelo rosto, suspirando. Já tinham tido essas conversas antes, e ele provavelmente achava que seria mais uma discussão sem solução.
— Emily, eu sei que as coisas estão difíceis, mas...
— Não, Adriano. Não é apenas difícil. — Ela o interrompeu, a dor em sua voz evidente. — Está insuportável. Eu me sinto… sozinha, como se não estivéssemos mais casados. Eu tentei, fiz de tudo para que a gente voltasse a ser o que éramos, mas nada parece funcionar.
Adriano ficou em silêncio por um momento, absorvendo o que ela dizia. Ele sabia que ela estava frustrada, mas talvez não tivesse percebido o quanto.
— Eu… Eu também tenho tentado, Emily. Só que o trabalho tem sido pesado, e às vezes parece que não consigo equilibrar tudo. — Ele olhou para ela, tentando encontrar uma desculpa para o comportamento que vinha mantendo nos últimos meses.
— Eu sei que você trabalha muito. Mas não é só isso, Adriano. — Emily sentiu as palavras presas na garganta, mas forçou-se a continuar. — Eu não posso mais continuar assim, vivendo debaixo do mesmo teto, mas sentindo que você está em outro lugar, longe de mim. Eu estou perdendo você, e… nós estamos nos perdendo.
Ela parou por um momento, tentando controlar a respiração. Então, antes que pudesse hesitar, deixou a proposta sair.
— Isabela me falou de um lugar… — começou ela, observando cuidadosamente a reação de Adriano.
Ele franziu a testa, confuso.
— Um lugar? Que tipo de lugar?
Emily respirou fundo, sentindo o coração acelerar.
— Um clube. Um clube diferente... — disse ela, tentando encontrar as palavras certas. — … onde casais vão para… explorar coisas. Para se reconectar de formas que talvez nunca tenham feito antes. O nome é Obsidian.
O silêncio que se seguiu foi pesado. Adriano piscou, claramente surpreso com o que acabara de ouvir. Ele abriu a boca para responder, mas nada saiu por um momento. Era como se estivesse tentando processar a informação.
— Um clube de swing? — Ele finalmente conseguiu dizer, sua voz cheia de descrença.
Emily engoliu em seco, tentando manter a calma.
— Não é exatamente assim. Não é só sobre… sexo. É sobre explorar novas formas de a gente se conectar, de descobrir o que ainda existe entre nós. Isabela me contou que ela e Gabriel estavam passando por algo parecido e que o Obsidian os ajudou a redescobrir a intimidade que tinham perdido.
Adriano passou as mãos pelos cabelos, visivelmente desconfortável com a conversa. Ele se levantou da cama, caminhando até a janela como se precisasse de espaço para pensar.
— Eu não acredito que você está sugerindo isso — disse ele, virando-se para encará-la. — A gente não é assim, Emily. Não foi assim que construímos nosso casamento.
Emily sentiu o coração se apertar, mas ela não podia desistir agora. Sabia que a ideia era desconfortável, mas era sua última tentativa de salvar o que restava.
— Adriano, escuta… eu sei que parece radical. Mas eu estou desesperada. Nós estamos nos perdendo, e eu não sei mais o que fazer. Talvez isso seja exatamente o que precisamos para nos reencontrar.
Ele cruzou os braços, os olhos fixos nela, sua expressão uma mistura de frustração e incredulidade.
— E você acha que a solução para nossos problemas é… ir a um clube desses? — Ele balançou a cabeça, incrédulo. — Não consigo acreditar que você está levando isso a sério.
Emily se levantou, caminhando até ele. Ela o tocou levemente no braço, tentando transmitir sinceridade em seu gesto.
— Eu estou levando a sério porque isso é importante para mim. Eu não sei mais o que fazer. Tudo o que fiz até agora não funcionou e se há uma chance, por menor que seja, de que isso possa nos ajudar… eu estou disposta a tentar.
Adriano desviou o olhar, claramente desconfortável com a conversa, mas Emily percebeu que ele estava refletindo. Talvez, em algum nível, ele soubesse que as coisas realmente estavam ruins, mas nunca tinha encarado isso de frente.
— Eu não sei, Emily — disse ele finalmente, suspirando. — Eu não sei se isso é algo que posso aceitar.
Emily sentiu a frustração borbulhar dentro dela, mas lutou para se manter calma.
— Só… pense sobre isso. Eu sei que é uma ideia ousada. Mas pense. Por mim, por nós.
Adriano permaneceu em silêncio, o olhar perdido pela janela, enquanto Emily esperava, ansiosa por qualquer sinal de que ele poderia considerar a ideia. Seria uma decisão difícil, mas não havia mais como voltar atrás. Ela tinha falado. Agora, restava esperar.
A ideia que Emily acabara de lançar o atingira como um choque elétrico. “Um clube de swing?”, “Era isso que ela achava que resolveria o casamento deles?” Ele balançou a cabeça lentamente, ainda processando a sugestão. Tudo parecia fora de lugar, surreal.
Emily permaneceu ao lado da cama, observando-o, sentindo o coração pesado de incerteza. O silêncio dele, que durava mais do que ela esperava, a estava torturando. A cada segundo que passava, a ansiedade dentro dela aumentava.
Finalmente, Adriano se virou para encará-la, os braços ainda cruzados sobre o peito, como se estivesse tentando se proteger da conversa.
— Eu não entendo — começou ele, sua voz carregada de frustração. — Como chegamos a isso, Emily? Desde quando a solução para nossos problemas é algo tão… — Ele procurou as palavras. — Tão extremo?
Emily respirou fundo. A reação dele era previsível, mas ela não poderia deixar que a incompreensão inicial o impedisse de ver o que realmente estava em jogo.
— Não é só sobre o clube, Adriano — disse ela, tentando fazer com que ele visse além da proposta. — É sobre o que isso representa. Nós estamos tão desconectados, tão distantes um do outro, que eu sinto que precisamos de algo diferente. Algo que quebre essa barreira que se formou entre a gente. Eu não estou sugerindo isso porque acho que vai ser fácil. Estou sugerindo porque acho que pode ser nossa última chance.
Adriano soltou um suspiro pesado, passando a mão pelos cabelos. Ele começou a andar pelo quarto, os passos arrastados no chão, enquanto tentava organizar os pensamentos. A ideia de que o casamento estava em um ponto tão crítico que Emily recorreria a algo como um clube de swing o fazia se sentir culpado.
— Um clube de swing? — Ele repetiu a palavra, como se tentasse dar sentido a ela. — A gente não é assim. Quando nos casamos, fizemos promessas. Promessas que não incluíam esse tipo de coisa.
Emily deu um passo à frente, tentando alcançá-lo emocionalmente.
— Eu sei, meu amor. Eu sei que parece… extremo. Mas nós já não somos mais os mesmos. O que nós temos agora… — Ela fez uma pausa, procurando as palavras. — Não é um casamento de verdade. É como se fôssemos dois estranhos vivendo sob o mesmo teto. Eu sinto sua falta, da pessoa que você costumava ser comigo.
Adriano parou de andar, virando-se para ela com um olhar intenso, misturando frustração e mágoa.
— E você acha que ir a um lugar como esse vai mudar isso? Você acha que ver outras pessoas, estar em um ambiente assim, vai nos fazer voltar a ser como antes?
Emily hesitou, sabendo que precisava ser honesta.
— Eu não sei se vai nos fazer voltar a ser exatamente como antes. Mas acho que pode nos ajudar a descobrir algo novo. Algo que ainda temos, mas que foi enterrado pela rotina, pelo trabalho, pela distância.
Adriano balançou a cabeça, agora mais exasperado do que antes.
— Você realmente acredita que a solução para nosso casamento está nesse clube? — Ele a olhou diretamente nos olhos, sua voz subindo um pouco de tom. — Ou será que você está tentando encontrar uma desculpa para fazer…?
Adriano recusou-se a continuar. A pergunta caiu pesada entre eles, e Emily sentiu o impacto da insinuação. Por um momento, ficou sem palavras, chocada pela direção que a conversa tomara. Ela sabia que Adriano estava reagindo emocionalmente, mas as palavras dele atingiram uma parte de si que ela mesma tentava entender.
— Isso não é sobre mim, meu amor — respondeu ela, sua voz baixa, mas firme. — Isso é sobre a gente. Sobre salvar o que temos. Eu estou tentando encontrar uma maneira de nos reconectar, de trazer de volta o que perdemos. E sim, talvez eu esteja curiosa, talvez eu esteja disposta a explorar coisas que nunca considerei antes. Mas só estou fazendo isso porque ainda quero você. Porque quero que fiquemos juntos.
O silêncio voltou a pairar entre eles. Adriano respirou fundo, cruzando os braços novamente, mas desta vez o gesto parecia mais defensivo. Ele olhou para Emily por longos segundos, como se tentasse decifrar o que ela estava dizendo, como se buscasse entender se aquilo era realmente o que ela queria ou se era apenas um reflexo de um casamento que estava desmoronando.
— E se isso der errado? — perguntou ele, finalmente, sua voz mais baixa, mais vulnerável. — E se isso acabar nos afastando ainda mais?
Emily olhou para ele com seriedade, sentindo a profundidade daquela pergunta. Era o risco que ela sabia que precisavam correr. Mas a alternativa de não fazer nada parecia ainda pior.
— E se não tentarmos e continuarmos assim? — rebateu ela, a voz cheia de emoção. — Eu estou disposta a correr o risco, Adriano, porque não quero perder você. Mas continuar fingindo que estamos bem, isso vai nos destruir de qualquer forma.
Adriano suspirou mais uma vez, balançando a cabeça enquanto tentava processar tudo. Ele sabia que Emily estava sendo sincera. Sabia que o casamento deles estava em um ponto crítico. Mas o clube… isso parecia estar tão fora do que ele considerava aceitável. Ele nunca havia imaginado que chegariam a esse ponto, a essa conversa.
Ele andou até a cama e se sentou, os ombros caídos de exaustão emocional. Emily o observava atentamente, esperando alguma reação, qualquer coisa que indicasse que ele estava considerando o que ela dissera.
— Você realmente acredita que isso pode funcionar? — perguntou ele finalmente, sua voz suave, quase resignada.
Emily se aproximou lentamente, sentando-se ao lado dele. Ela segurou a mão de Adriano, entrelaçando os dedos aos dele, em um gesto de intimidade que há muito não acontecia.
— Eu acredito que não temos outra escolha a não ser tentar. — Sua voz era suave, mas determinada. — Eu ainda amo você, Adriano. E eu quero lutar por nós. Mas precisamos de algo que nos tire dessa inércia.
Adriano olhou para as mãos de ambos entrelaçadas e depois levantou os olhos para encontrar os de Emily. Ele não sabia o que pensar, ainda confuso e dividido entre o desconforto e a necessidade de salvar o que restava do casamento. Mas, naquele momento, vendo a determinação nos olhos de Emily, algo dentro dele cedeu.
— Eu… vou pensar sobre isso — disse ele, com hesitação, mas sincero. — Não estou prometendo nada, mas vou pensar.
Emily sentiu um alívio imediato ao ouvir essas palavras. Não era uma aceitação completa, mas era o suficiente. Ele estava disposto a considerar a possibilidade, e isso já era mais do que ela esperava.
— É tudo o que peço — respondeu ela, apertando levemente a mão dele.
Os dois permaneceram ali, sentados em silêncio, as mãos ainda unidas, cada um perdido em seus próprios pensamentos. A proposta de Emily havia lançado uma sombra sobre o relacionamento deles, mas também oferecia uma chance de recomeço — uma chance que ambos precisariam encarar com coragem.
Adriano saiu do quarto logo depois da conversa com Emily, sua mente girava em círculos, incapaz de se fixar em qualquer coisa. Nem o trabalho, que normalmente o absorvia por completo, conseguia mantê-lo distraído. A proposta de Emily, com todo o seu peso e ousadia, era como um eco persistente que ele não conseguia ignorar.
Emily, por sua vez, passou o dia em silêncio, respeitando a distância que Adriano precisava. O que ela havia sugerido exigia tempo para ser digerido, e não tinha intenção de pressioná-lo. Mas a ansiedade a corroía por dentro. Cada minuto que passava sem uma palavra dele a fazia se questionar se havia cometido um erro ao mencionar o Obsidian. Talvez fosse cedo demais, ou talvez fosse uma ideia que Adriano jamais aceitaria.
No entanto, não havia volta. Agora, tudo o que ela podia fazer era esperar.
Naquela tarde, Adriano saiu para uma caminhada, algo que raramente fazia, mas que, naquele momento, parecia sua única forma de organizar os pensamentos. O sol estava forte, mas ele mal notava o calor enquanto andava pelas ruas tranquilas do bairro. As palavras de Emily ecoavam em sua mente: “Eu ainda amo você, Adriano. E eu quero lutar por nós.”
Ele sabia que o casamento não estava bem. Sabia há muito tempo, mas preferira ignorar os sinais, enterrando-se no trabalho, nas distrações. Pensava que, se mantivesse a cabeça ocupada, não precisaria lidar com o que estava acontecendo em casa. Mas a conversa daquela manhã trouxera tudo à tona como uma bomba. O casamento que ele e Emily haviam construído com tanto carinho estava se desfazendo, e a proposta dela, por mais radical que fosse, mostrava que ela ainda estava disposta a lutar.
“Mas um clube de swing?” Adriano ainda tinha dificuldade em aceitar essa parte. Ele sempre fora um homem de valores tradicionais, e a ideia de levar seu casamento para um lugar como o Obsidian parecia contrária a tudo em que ele acreditava. Como aquilo poderia ajudar? E se, em vez de aproximá-los, os afastasse ainda mais?
Ele fez uma pausa na calçada, olhando para o horizonte, os pensamentos cada vez mais nebulosos. “E se ela estiver certa? E se isso for a única forma de salvar o que temos?” Ele sabia que não podia continuar como estava. Sabia que Emily estava à beira de desistir, e ele não queria perder o que tinham construído.
Depois de uma hora vagando sem rumo, Adriano voltou para casa. A cada passo em direção à porta, sentia o peso da decisão que precisava tomar. Entrou na casa silenciosa e encontrou Emily na sala, sentada no sofá assistindo televisão, embora seus olhos estivessem longe da tela.
Ela olhou para ele quando ele entrou, o coração apertado de expectativa. Ele parecia calmo, mas havia tensão em seus olhos. Emily se endireitou no sofá, tentando ler nas entrelinhas do rosto dele se ele havia tomado uma decisão.
Adriano ficou parado por um momento, como se estivesse organizando as palavras antes de falar. O silêncio entre eles era pesado, quase palpável, até que ele finalmente quebrou o gelo.
— Eu pensei sobre o que você disse — começou ele, sua voz baixa e controlada. — E… por mais que eu não entenda completamente, por mais que isso me assuste… eu acho que você tem razão.
Emily sentiu uma onda de alívio, misturada com surpresa, atravessar seu corpo. Era mais do que ela esperava, especialmente depois da reação inicial dele.
— Você acha? — perguntou ela, a voz hesitante, como se estivesse com medo de acreditar.
Adriano suspirou, caminhando até a poltrona em frente a ela e se sentando. Ele passou a mão pelos cabelos, um gesto que revelava o quanto aquilo o incomodava.
— Eu não sei se estou pronto para isso — admitiu ele, finalmente. — A ideia de ir a um lugar como um clube de swing ainda me assusta, mas… você está certa. E se você acredita que isso pode nos ajudar a encontrar algo novo, então… eu vou tentar.
Emily piscou, surpresa com a honestidade dele. Sabia que era uma concessão difícil para Adriano. Ele sempre fora cético em relação a soluções que não envolvessem lógica ou pragmatismo, mas, ali, ele estava disposto a sair de sua zona de conforto. Por ela. Por eles.
— Eu não quero perder você, Emily — continuou ele, olhando-a nos olhos com sinceridade. — E se isso for algo que pode nos ajudar a nos aproximar novamente, eu estou disposto a tentar. Mas… preciso que você entenda que estou fazendo isso por nós. E ainda não sei como me sinto em relação a tudo.
Emily sentiu os olhos marejarem, mas segurou as lágrimas. Sabia o quanto custava para ele dizer aquelas palavras, o quanto aquilo exigia de sua resistência. Ela se levantou lentamente, caminhando até ele e sentando-se ao seu lado, pegando suas mãos entre as dela.
— Eu sei — disse ela com sua voz embargada. — E eu aprecio muito que você esteja disposto a tentar. Isso é tudo o que eu peço. Sem pressa. Se em algum momento você não se sentir confortável, nós paramos.
Ele apertou a mão dela, um gesto de cumplicidade que há muito tempo eles não compartilhavam. A proximidade entre eles, ainda que tênue, parecia uma pequena vitória em meio ao caos emocional que vinham vivendo.
— Então… como fazemos isso? — perguntou ele, sua voz ainda carregada de incerteza.
Emily sorriu de forma suave, sentindo o primeiro fio de esperança se entrelaçar em seu coração.
— Isabela me falou sobre como funciona. Ela pode nos levar lá pela primeira vez, para conhecermos o lugar. Podemos apenas observar, sentir o ambiente, sem compromisso. Só para ver se faz sentido para nós.
Adriano assentiu lentamente, ainda processando a ideia de que, em breve, eles entrariam em um mundo completamente diferente do que estavam acostumados. Mas algo dentro dele, mesmo que minúsculo, começava a se abrir para a possibilidade. Se isso significava salvar o casamento, talvez valesse a pena tentar.
— Certo. Vamos… ver no que isso dá — disse ele finalmente, a hesitação ainda presente, mas a determinação em suas palavras era clara.
Emily o abraçou, uma sensação de alívio se espalhando por todo o corpo. Não era a solução definitiva, mas era o primeiro passo. E, pela primeira vez em muito tempo, ela sentiu que havia esperança. Eles poderiam, finalmente, começar a encontrar o caminho de volta um para o outro.
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