CAPÍTULO ÚNICO
TRILHA SONORA: When You're Gone / Goodbye – Avril Lavigne
Via um grande rio a minha frente. Na beira daquela ponte, pensava em muitas coisas. Na minha vida até ali. Em como eu havia sofrido nos últimos tempos. Em como eu não via mais futuro nem razão para viver. Eu só queria abreviar de vez todo aquele sofrimento que eu estava sentindo. Ali, olhando para aquela imensidão de água na minha frente, eu já não via mais o porquê de permanecer vivo. Eu só queria morrer. Só isso...
FLASHBACK
Tinha uma linda relação com meus pais, com minha família. Aos olhos de todos, e até para mim. Éramos a família perfeita.
-Andem gente ! - dizia eu, gritando para todo mundo se juntar a frente da câmera que eu havia posicionado no nosso quintal. Logo todos chegaram, a câmera disparou e a foto havia sido tirada. Tirei a câmera do local aonde havia colocado, olhei a foto, havia ficado linda.
-Vem Miguel ! - minha mãe dizia, me chamando para comer o almoço.
-Já vou... - dizia eu, olhando para eles de longe. Eu tinha a família que queria. Eu amava todos aqueles do fundo do meu coração. Um amor que nada, que ninguém poderia destruir ou ao menos abalar. Pena que para eles, não funcionava assim – huummm, tá gostosa a sua comida mãe...
-Obrigado querido – ela dizia, também comendo.
-Sabem o Éder ? - meu pai falava.
-O nosso vizinho ? - eu falei agora.
-É... Não quero mais ninguém perto dele...
-Porquê ?
-Porque descobri que ele é marica. Gosta de homens. Não quero daqui a pouco correr o risco de ter filhos meus virando bicha – dizia ele, me deixando desconcertado. Aquela altura eu estava completamente confuso comigo mesmo. Só tinha medo de aceitar.
-Porquê será que esse tipo de gente existe ? - minha mãe complementava, me deixando ainda mais acuado.
Dali a algum tempo, eu passei a ter certeza do que gostava. Entrava no banheiro da escola. Para mim ele estava vazio. Fui direto a pia, começei a lavar as mãos, quando de repente ouvi a porta de um dos boxes se abrir. De lá saiu um rapaz. Lindo. Malhado. De olhos azuis. Loiro. Desejo das meninas. Garotos bonitos assim como ele me deixavam desconcertado. Assim fiquei quando ele apareceu. Andou, parou ao meu lado. Ligou a torneira, começou a lavar as mãos. Quando de repente senti sua mão no meu ombro. Olhei para a mão, para o rosto dele em seguida.
-O que foi ? - de repente senti o empurrão. Bati na parede. Ele veio em seguida, prensou o corpo dele contra o meu, e me beijou.
-Você é muito gostoso sabia ? - dizia ele, no meu ouvido. Me arrepiei com aquilo. Dali pra frente eu não pude mais mentir pra mim mesmo. Gostava de homens. Era um “marica”.
Durante uns 2 anos, eu escondi aquilo. Tentava fazer de tudo para que ninguém soubesse do meu segredo, já que se alguém soubesse ia ser o fim do mundo. Eu iria ser apedrejado por tudo e por todos. Porém eu não consegui. Alguém descobriu e aquela história foi parar no ouvido dos meus pais.
-Miguel ?- ouvia a voz do meu pai assim que cruzava a porta, chegando da escola.
-O que foi pai ?
-Venha cá... - fui caminhando até ele, sem saber do porquê dele querer falar comigo. Quando cheguei perto, vi que sua cara não era boa.
-O que houve ? - de repente então ele jogou uma foto no chão. Olhei, me abaixei, peguei. Começei a olhar melhor e não acreditei no que vi. Eu, beijando um outro rapaz.
-O que significa isso Miguel ? Você é gay ? Você gosta de homem ? Responde porra ! - falou ele, já se pondo de pé, alterado.
-Ca...Calma pai... - eu gaguejei. Não sabia o que fazer. Olhava para a foto, olhava para ele ali na minha frente. Queria correr, queria chorar. Mas não podia.
-Calma o cacete ! Você acha que eu criei você para ser isso ? Que eu suei de graça ? Que eu fiquei com calos nas mãos pra isso...
-Mas... pai... eu nunca te dei um desgosto que seja...
-Pois esse já é o suficiente ! Nem se você fosse um assassino me deixaria mais desgostoso... Vá embora da minha casa, ouviu bem ?
-O quê ? Mas para onde eu vou ?
-Eu não sei... Pra China, pra Índia, pro raio que o parta ! Eu não terei um filho gay...
Aquilo foi a pior coisa que poderia ter me acontecido. Fui para o meu quarto arrumar minhas coisas de cabeça baixa. Para cada peça que eu guardava, mais lembranças vinham. Foi horrível. Eu tinha poucos amigos. Meus parentes todos não aceitariam esse tipo de coisa. Tive que usar um dinheiro que tinha numa poupança em meio nome, e um cartão de crédito associado a conta da minha mãe para me manter, pelo menos até eles cancelarem o cartão. Porém, aquilo não foi o suficiente. Na escola, todos me detestavam. Eu não sabia quem havia feito aquilo, tirado aquela foto. E depois de descobrir, fiquei ainda mais triste. Era a pessoa que eu mais considerava depois dos meus pais. Parecia que eu tinha feito os piores crimes possíveis. Todo mundo apontava o dedo para mim. Até que a única saída que eu vi foi me jogar de uma ponte da cidade.
-Não... - ouvi uma voz me chamar antes de eu fazer aquilo – não faça isso – era ele. A minha maior paixão. O meu melhor amigo. Paulo. Virei o meu olhar, o vi atrás de mim, ofegante,desesperado – por favor... Não pule dessa ponte Miguel. Não me deixe só...
-Paulo ?!
-Eu gosto muito de você... Eu preciso de você... Por favor não me deixe... - dizia ele, com lágrimas nos olhos.
-Não... Eu não te deixarei... - dizia eu... Indo para os braços dele. Um abraço gostoso. Um cafuné. Um carinho. Era apenas isso que eu esperava de todas as pessoas que eu gostava...
Pena que a realidade não era essa. Isso era apenas obra da minha imaginação.
FLASHBACK
Chegava na escola com diversas olheiras. Meus olhos também estavam inchados pelo fato de eu ter ficado chorando durante quase toda a noite. Entrava na escola cabisbaixo. Sem saber o que fazer. Sem chão. Sem rumo. Tudo o que eu queria era fechar os olhos, e de repente voltar no tempo e evitar que tudo isso tivesse acontecido. De repente, sem mais nem menos, senti um chute que me fez cair no chão. A dor foi imediata, eu gritei. Quando abri os meus olhos para ver quem havia me batido, tive uma surpresa. Era o Paulo.
-Porquê você não me disse que era gay ? - ele dizia. Ele era a minha paixão. Meu melhor amigo. A pessoa que eu mais considerava. Um anjinho, que eu achava a pessoa mais perfeita do mundo. Que eu imaginava um futuro. Que eu imaginava coisas românticas e cafonas. Sim, foi ele – eu não ando com gays, ouviu bem ! - disse, me chutando de novo. Em seguida cuspiu no meu rosto. E então se foi, me deixando ali, totalmente destruído. A dor por fora já não me importava. O meu eu estava ferido. E eu sentia que não tinha recuperação.
-Você está bem ? - o rapaz bonito falou, me ajudando.
-Me solta ! - disse eu, já sentindo mais lágrimas escorreram. Com muita dor sai cambaleante dali. E fui em direção a Ponte.
FIM DO FLASHBACK
Só me restava acabar com a minha vida. Deixar o mundo de vez. Todo mundo que eu amava me odiava. Eu não tinha mais ninguém. Estava a mercê da própria sorte. Preferia a morte.
-Porquê ? - me perguntava, a beira da ponte, olhando para os céus – que mal foi que eu fiz ? Qual é o mal de amar um homem ? Quem é que eu machuco fazendo isso ? Porquê tanto ódio ? Porquê tanta dor ? Eu nunca fiz mal a ninguém... - dizia, olhando para as águas do rio novamente. As minhas lágrimas começaram a se juntar com elas. Um filme passava na minha cabeça. Desde a lembrança mais antiga que eu tinha da minha família. Todos alegres, comemorando o meu aniversário. Eu apagando as velas. Meu pai dizendo que eu era a coisa mais preciosa dele. Até a cusparada do Paulo na minha cara. Eu não merecia sofrer mais. Parecia que as águas me chamavam. Eu apenas olhei para o horizonte. O vento bateu, deixei ele me levar. De repente, nada mais me segurava. A gravidade fez a sua ação. Porém, por menos de um segundo. Pois de repente algo me segurou. Ouvi um bufar, e quando abri os olhos, sim. Estava parado no ar. Olhei para cima e então vi ele, mais uma vez. O rapaz bonito. O sonho das meninas. O loiro. O dos olhos azuis. O anjo branco. Ele havia me segurado.
-Calma... Eu não vou deixar você cair ! - dizia ele, fazendo um esforço sobre humano para manter me a salvo. Começei a olhar nos olhos dele, e me perguntar do porquê que ele estava fazendo aquilo. Pela primeira vez depois de tudo o que aconteceu, alguém me via com um olhar diferente. Não um olhar de raiva, rancor, ódio. Um olhar de carinho – me dá a sua outra mão. Anda ! - dizia ele, eu o obedeci. De repente então ele começou a me puxar. Depois de um enorme esforço, sai daquela beira e caimos os dois no asfalto. Ele por baixo, eu por cima, deitado sobre ele. De repente então ele me abraçou – você está louco ? O que deu em você para pular dessa ponte ? - olhei para os olhos dele novamente.
-Eu não quero mais viver – o olhar que ele direcionou para mim, eu nunca havia visto. Era indescrítivel. Era o mesmo olhar que ele havia demonstrado no dia em que me beijou no banheiro. Era um olhar que eu não conhecia.
-Vamos para a minha casa...
Com o cuidado que nunca alguém havia demonstrado comigo, ele me colocou no carro dele. Começou a dirigir então. Durante o caminho, nada falou. Lado a lado, chegamos num prédio. Do elevador ao apartamento dele, nada de voz. Apenas após eu ter entrado na casa dele, é que ele falou algo.
-Porquê você fez aquilo ? - falou, olhando para mim.
-Porquê ? Você ainda pergunta ? O que você faria se todas as pessoas que você ama de repente passassem a te odiar. Se tudo aquilo que você tinha fosse tirado de você de repente. Se você não visse mais vida em canto nenhum. Se tudo parecesse cinza, escuro, ruim... Porquê eu viverei nesse mundo ?
-Porquê ele pode ser mais do que isso... - falou ele, se aproximando de mim.
-Do que está falando ?
-Se é de alguém que te ame que você precisa... Cá estou...
-O quê ?
-Apesar de você não ter me dado muita atenção... O que rolou entre nós foi especial para mim. Não foi apenas um devaneio adolescente. Foi mais do que isso... - falou ele, se aproximando de mim mais um pouco – eu me apaixonei por você Miguel. Por esse seu jeito lindo e puro de ver a vida. E principalmente, por ser o rapaz mais interessante que eu já conheci. E se tem alguma coisa que eu entendi nessa vida curta que eu tenho é que, mesmo quando tudo parece sem volta, sem saída, há uma forma. Só não há salvação para a morte – eu fiquei sem saber o que dizer – tira essa camisa, deixa eu ver o que aquele brutamontes fez com você...
E então ele cuidou de mim. Como ninguém nunca fez. Melhor que minha mãe. Melhor do que a minha imaginação. Ele foi o anjo que a minha vida precisava.
-Deita aqui... - ele dizia, após eu sair do banheiro da sua casa... Deitei... Vi ele mexer em uma caixa de medicamentos – pode ficar aqui, ok ? O tempo que você quiser. Não vai ser nenhum incômodo pra mim te receber na minha casa. Pelo contrário... Vai ser uma alegria... - começei a pensar no que havia feito.
-Como é que você pode ter se apaixonado por mim sem nem me conhecer direito ?
-Primeiro, você beija muito bem e eu nunca esqueci aquele beijo – ele me arrancou um sorriso com essa frase – segundo, você que pensa que eu não conheço você. Desde que aquilo no banheiro aconteceu, eu pesquisei muito sobre você. E só descobri coisas boas. É uma pena que apesar da minha beleza, você nunca olhou para mim... - só então eu descobri que apesar de parecer, a morte nunca é solução para nada. E se ele não tivesse lá ? Eu tinha morrido, tudo havia acabado, ele estaria triste, eu nunca saberia que poderia ter tido uma chance de ser feliz de novo.
-Mas... Como é que isso pode ter durado sem você ser retribuido por tanto tempo.
-Eu não sei... Mas dizem que o amor é assim... Inexplicável... - fiquei olhando para ele durante alguns segundos. Aonde eu estava com a cabeça quando não olhei para aquele rapaz, que com menos de 30 minutos de atenção já havia sido melhor que todos os últimos meses da minha vida – pronto. Já fiz o curativo.
-Obrigado... - me pus sentado então, na frente dele... - olha... agora eu não sinto nada por você... Mas... Você foi a pessoa mais legal que me apareceu nos últimos meses. Eu me sinto feliz agora, por estar aqui com você... E você é muito bonito... Então, há grandes chances de eu retribuir você... - ele sorriu...
E lá se vão 6 anos de relacionamento. Esta história, real, serve para mostrar que não, o amor não morreu. Está muito escasso, é verdade. Mas ele ainda existe. E principalmente, que amor não é só sexo, beijo, uma saída ao cinema, um presentinho. É muito mais que isso. Amor é cuidado. Amor é entrega. Amor é abdicar de algo que você gosta para que o outro seja feliz. Amor é ser companheiro, em qualquer ocasião, sobre qualquer circunstância. E, que se um dia você, ou alguém que você conhece sofre muito e pensa em suícidio, esqueça já essa ideia. A vida pode ser muito mais do que o que você vive. E muitas vezes, a felicidade está em cantos que você nem imagina. Acredite na vida !
FIM
E ai ?? Gostaram ?? Galera, esta história é real ok ? Pode parecer conto de fadas, irreal, mas é real. Aconteceu com um amigo meu, que hoje já tem uns 35 anos, fez faculdade comigo, e hoje estava me lembrando do aniversário de casamento deles. E é por história como a deles que eu não desisto do amor. Comentem e votem por favor. Beijos :)