O Estivador IV

Um conto erótico de Irish
Categoria: Homossexual
Data: 19/08/2015 17:23:02
Nota 10.00

A saliva salina, com vestigios de cigarro, se envolveu com a minha por poucos segundos, um momento intenso e atordoante, mas que o proprio Miguel interrompeu se erguendo bruscamente e me fitando chocado. Ofegava, seu peito amplo subindo e descendo, e por um segundo pareceu que ia dizer alguma coisa, mas entao sacudiu a cabeça, abriu a porta e saiu a toda pressa pela rua.

- Miguel! _ gritei, saindo atras dele, vendo-o correr pela rua estreita como se fugisse de algo medonho; engolfou-se na escuridao lá adiante e o perdi de vista, deixando que ele se fosse.

Nao foi uma boa noite de sono para mim. Ela pareceu se arrastar como uma nuvem lenta e escura que encobre o sol e custa a se afastar. Sonhos estranhos e desconexos se misturavam, paineis vagos e passageiros como lembranças enevoadas, gastas, imagens de grandes constelaçoes se movendo velozes na amplidao do universo, intensas chuvas lavando florestas inteiras, formando regatos, fervilhando no mar cinza. Nuvens ligeiras corriam, ensombreando planicies interminaveis, o sol queimava a terra, as noites eram geladas, e nas cavernas, iluminados pelas fogueiras, dois homens copulavam ao uivo longinquo dos lobos. Desde o inicio de tudo, dizia a voz branda de Laura na minha mente. Antes que as palavras fossem inventadas, antes que as criaturas tivessem nome, ele já estava dentro de mim, e o fogo aromatico de pinheiros clareava pinturas estranhas na parede da caverna... Arco-iris enormes se formavam sobre rios novos e espelhados depois da chuva, e as aves longilineas mergulhavam nas aguas geladas à procura de peixes prateados. Entao as cidades se ergueram, pedras, cobiça e crueldade; ele era louro, um guerreiro impavido, e eu tao jovem, tao deslumbrado. Cultuavamos os deuses caprichosos sob o ceu grego, no alto de rochas escarpadas, com o mar, sempre ele, ao fundo. Eu morro por voce, ele dizia numa lingua estranha, e que eu compreendia com a alma. Voce e' a minha vida, sussurrava, deixando escorrer sua propria vida dentro de mim numa viscosidade quente. A comunhao. O casamento sagrado. Almas iguais, ouvi Laura outra vez. Depois, as cidades se devastaram por guerras, peste e cataclismas; fomos perseguidos pelos homens da cruz, ele pode escapar, mas fui pego, sofrendo dores indescritiveis nas celas de pedra, unhas e dedos arrancados, meu joelho esmagado feito um ovo sob uma rocha. Nao o entreguei. Deus era cruel e nos odiava, a crueldade era parte da historia, o odio era parte do homem. Odiei Deus enquanto as chamas altas assavam meu corpo e a multidao na praça urrava de euforia. Onde ele esta?, foi esse meu ultimo pensamento. Meu coraçao sempre estarà com voce, dizia ele, me chamando por um nome estranho. Quantos nomes eu já tive?

Tossi, virando na cama. Na casa vizinha o galo cantava, saudando a madrugada, um monotono som de fundo enquanto eu ainda via outras coisas, trens chegando, e um moço de fraque que, ansioso,esperava na estaçao. Chovia fino, e ele tinha medo de que as pessoas à sua volta percebessem seus pensamentos. Sorriu quando o outro desceu, de braços dados com uma moça que carregava uma menina de colo... Arranjos sociais estupidos, meros biombos que ocultavam a verdade de todos. Era ele. Seus olhos se encontraram num magnetismo quase violento, numa atraçao insuportavel. Meu amor..., pensaram simultaneamente, comovidos, sem no entanto poder se abraçar como gostariam.

Acordei atordoado, demorando um minuto a me situar no quartinho penumbroso e bagunçado. Já amanhecia, cachorros ladravam e crianças barulhentas passavam indo para a escola. Sentia-me cansado sem saber porque, e lembrando de Miguel, do beijo, imaginei que o tivesse perdido para sempre devido á minha impulsividade. Idiota. Quem mandou ser tarado assim? , resmunguei irritado.

Claro que à tardinha apareci no porto, na esperança de ve-lo e falar com ele. Nao pretendia, no entanto, forçar nada, sabia que ele devia estar muito confuso com tudo. Levei o caderno de desenho, me acomodei no pier e fingi com muito esforço que ele nao estava lá. Quase uma hora depois, senti que ele me olhava; sabia que era ele antes mesmo de ve-lo. Voltei a cabeça e o flagrei, fumando carrancudo; depois de um momento assim, ele deu meia volta e saiu dali, pisando duro, tomando o caminho de casa. Apos uns longos minutos tristes observando o sol se por, peguei meu caderno e tambem fui para casa.

Ameaçava chuva na tarde seguinte, quando là voltei. A madeira enegrecida do pier estava ainda umida duma garoa que caiu há pouco. Agora, porem, o que se levantava era uma tempestade completa, relampagos entre nuvens de um azul sinistro avançando do oceano á costa; ao longe o mar já fervia, ondas agitadas na cauda da intemperie. Um trovao alto, fazendo vibrar os ferros e guindastes do porto, se prolongou seguido dos gritos e assobios dos estivadores. Naquela confusao para terminar o trabalho antes da chuva, Miguel nem me notou; so' quando os primeiros pingos grossos da chuva começaram a cair, fazendo o porto ferver como formigueiro fustigado, entao ele me viu no momento em que levantei do pier, me protegendo com o sobretudo puido sobre a cabeça. Senti que ele ficou me olhando, abrigado num toldo de lona junto dos outros; fitei-o e corri depressa para fora do porto, a chuva gelada me molhando inteiro.

A ventania derrubou um poste da nossa rua, acabamos ficando no escuro. Tive de acender uma vela para preparar algo para comer, aproveitando tambem aquela luz para dar uns retoques no meu desenho. Passava jà das nove horas, ainda chovia forte, e na cozinha duas goteiras cantavam no fundo de panelas postas uma sobre a mesa e outra no alto do armàrio calçado com tijolos. Fui verifica-las e nesse momento bateram á porta, um toque aflito e insistente; quando abri, espantado, senti que ele entrou com a mesma força da chuva e da ventania. Encharcado, gotejante, fechou a porta atras de si, serio à luz fragil da vela, tremendo, me olhou como quem estava prestes a matar ou morrer, e afinal avançou sobre mim com sua furia silenciosa.

Era como ser esmagado por um soterramento molhado, ficando quente, rigido, com odor de chuva, suor, cigarro e pinga. Sua boca engolia a minha, o hálito emanando uma dose de cachaça que complementou sua coragem; facilmente, ele me suspendeu em seu colo, como quem ergue um cachorrinho, e deliciado o envolvi com as pernas, sentindo seu volume grosso e duro pulsando na minha virilha. Gemi no ouvido dele, quase implorando, me contorcendo em seus braços lentamente, como um animal jovem vivendo o primeiro cio. Pelo amor de Deus, me devora, me devora logo..., pensava sem parar. Devagar, ele me deitou na cama, livrando-se numa impaciencia da camisa encharcada, me olhando numa obstinaçao faminta enquanto tambem me despia. Percorri com as maos espalmadas aquele peito amplo repleto de pelos negros, frio e umido de chuva, deixando que sua mao grande, aspera e calejada me explorasse á vontade. Eram caricias quase brutas, ele parecia curioso com minha penugem dourada, com o tom muito claro de minha pele; ávido, beijei-o trazendo-o inteiro para cima de mim, fazendo a cama e o colchao rangerem como se chorassem. Uma corrente de ar quase apagou a vela no momento em que Miguel lambeu meus mamilos, delicadamente, me dando a sensaçao de fogo sobre minha pele; ele beijou o local exato de meu coraçao, e nesse momento fechei os olhos, achando que ele tinha ido alem, que tinha alcançado minha alma com aquele toque. Beijei sua pele que esquentava, o caminho de pelos negros e grossos, e ele observou expectante quando desabotoei sua calça molhada de chuva e capturei là dentro o penis rigido, febril, viscoso de lubrificaçao. Quis aquilo na minha boca com urgencia, precisava ser amamentado assim, mas ele tinha pressa, tinha um ardor nos olhos que quase me amedrontava, ergueu ligeiro minhas pernas, deslizando o dedo medio seco para dentro de mim, me fazendo fechar os olhos, morder os làbios de dor e vontade.

- Vai Miguel, por favor... _ implorei.

Cuspindo duas vezes, Miguel pos saliva em mim e no proprio penis. Mirou entao o membro, me olhando de pertinho, avançando, conquistando como um guerreiro aquele territorio que era dele, que foi feito para ser dele assim como os seixos pertenciam aos rios. Doia, ele via e abrandava a investida, depois recomeçava, me beijando o rosto, a boca, e nao soube porque eu mesmo chorava, porque olhava em seus olhos e sentia que podia morrer ali que tudo teria valido a pena.

Enfim ele se apossou de mim, suado, segurando nos meus cabelos, beijando meu pescoço. As molas do colchao reclamavam numa lamuria estranha enquanto Miguel parecia querer se fundir a mim, parecia querer saciar um apetite de seculos, gemia de boca entreaberta, o suor formando pequenos regatos, abrindo caminho pela selva de pelos do peito, brilhando translucidos á luz da vela. Senti-me pleno, as ondas de prazer que me percorriam nunca me pareceram tao sublimes, completas, intensas; a sensaçao de unidade veio forte, as gotas do suor dele pingando sobre mim me faziam pensar na chuva lá fora, no poder da natureza que abençoava tudo. Miguel me segurou num tranco, entrando fundo, forte, me lavando por dentro numa quentura pegajosa e abundante, fazendo-me estremecer de prazer, vibrar dentro duma explosao branca entorpecente, e era aquilo o meu batismo, o meu renascimento.

- Te amo, Miguel..., sussurrei num ultimo soluço de prazer, suspirando.

A seiva dele escorria dentro de mim, onde sempre deveria ter estado, onde estivera tantas e tantas vezes sem que nos lembrassemos ao certo. Sobre meu rosto, seus olhos escuros dardejantes me contemplavam, esbatidos de suor; toquei-o com o polegar, explorando sua face numa caricia lenta.

Quando fui beija-lo, no entanto, Miguel saltou da cama recolhendo o penis e abotoando a calça, vestindo as pressas a camisa molhada e, sob meu espanto, com os sapatos na mao, ele saiu quase correndo, batendo a porta e entrando outra vez no aguaceiro frio noite adentro.

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Obrigadissimo galera ;)


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Comentários

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13/05/2020 13:01:05
Nossa delícia!!!
23/07/2017 20:28:07
Mais 10 de excelência
10/10/2015 17:02:10
Uuuuuuuiiiii ele foi se apaixonar logo por esse tipo de cara aff... Ele tem tanta sorte qnt eu tenho pra encontrar homem rsrsrsrsrs
17/09/2015 15:53:52
Sabia. Sabia. Obgd Irish. Vc nunca me decepciona. Se fosse qualquer outro autor diria que ele ficou lá acariciando e dizendo juras de amor. Isso é que é realismo. Confusão e medo. Descobertas assustadoras e intensas. Maravilhoso
05/09/2015 23:37:38
Esse capitulo é incrível, estou lendo todos de uma só vez, mas não poderia deixar de fora o registro de louvor a cena do sonho, ela é muito boa.
20/08/2015 05:26:37
Show rs uiii pq ele fugiu .-. Beijo mata? Kkk
19/08/2015 21:49:18
Lindo demais. Torço pra que, pelo menos nessa vida, os dois vivam o amor deles plenamente.
19/08/2015 21:33:50
Lindo demais. Torço pra que, pelo menos nessa vida, os dois vivam o amor deles plenamente. Abraços!
19/08/2015 20:43:14
estou pasmo!!! :o
19/08/2015 19:39:47
Não acredito! Espero que Afonso fique amigo de Laura e que não aconteça com ele nessa vida, o que aconteceu na vida passada. O Estivador poderia ter uma história nos tempos modernos, talvez uma história menos trágica. Ou será que esse casal está fadado ao sofrimento? :/
19/08/2015 18:24:37
Wtf? Fugiu? Haa ta muito bom, abraços
19/08/2015 17:29:08
Oi! Um valeu a: * Ru/Ruanito, *Geomateus, *Haryan, *FASPAN, *Ninho Silva (ótimo palpite!), * Plutão, será que sera assim tao facil p/eles? * Anonimos. Pretendo postar todo dia, o conto nao é longo, e caso nao poste sera por problemas na internet ok?


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