Quem me leva os meus fantasmas? 5
A vida ficou cinzenta tal qual um dia nublado, só que eterno... Os dias não mais tinha cor ou valor. As motivações e as ideias não estavam mais vivas. Eu sempre via um dia emendar em outro e quando menos esperava uma semana inteira havia passado, sem que eu tivesse tomado parte dela.
Sofrer, verbo intransitivo...
Pra onde eu virava sempre via a última visão que tive do homem que amei com toda a dedicação e prazer...
Edson Guedes estava fardado, usava ainda o óculos escuro que sempre gostava de usar e a lente do olho esquerdo não existia, lá havia uma perfuração certeira... Seu peito tão forte e másculo não mais movia e o riso, sua marca registrada, não estava mais lá... Deus, por quê? pensei, pensei e repensei e gritei na minha dor, como um desesperado... Não tive respostas.
O sangue na cor vinho estava em destaque por todo o seu belo corpo... O sinto de segurança ainda o mantinha preso ao banco e suas mãos que na noite anterior havia me feito vibrar de puro prazer e emoção, estavam em cima de seu colo, imóveis... Por favor, meu amor... dá apenas um sinal pra que tudo volte a fazer sentido... Por favor, é teu filhão quem tá pedindo... Não, pedindo não... Eu te imploro, Guedes... Manda apenas um sinal pra que eu possa voltar a viver, meu amor... O sinal não veio.
As pessoas em volta pareciam estar diante de um espetáculo, só que não havia sorrisos ou aplausos, com certeza havia muita expectativa... Só não sabia o motivo para que alguém criasse expectativas diante de uma cena tão dantesca como aquela... Havia uma grande curiosidade no ar e com certeza alguém na multidão sabia algo sobre o que ali estava encenado... Os olhei com a visão perdida e aquilo foi ruim porque meu Amor não estava entre os vivos do espetáculo, ele era o ator principal no maior dos dramas de todos nós... A morte.
Fui ao sepultamento do homem que me amor de todo o seu coração completamente devastado... Homem também chora, essa frase não saia do meu pensamento e meus olhos não estavam secos. Quando D. Luciana me viu, virou as costas. Quando o Sr. Augusto me viu, veio falar comigo e me abraçou. Quando Rafael e Mario me viram, vieram falar comigo e choramos juntos... E foram eles que me deram o direito de permanecer ali... E eu permaneceria ali mesmo que tivesse sido mandado embora. Já seria terrível deixá-lo ali pra sempre... Ele ficaria ali sozinho e isso tava me deixando louco... Ele sempre me queria por perto e toda vez que estávamos em casa após um longo e cansativo dia de trabalho, ele simplesmente grudava em mim... Como eu faria se já me acostumara a ele e a nossa vida juntos? ...
Sua mãe recebeu a Bandeira que cobria o caixão e todos os amigos dele que também eram meus, me disseram que o direito a receber seria meu, só que isso não me adiantaria de nada... Protocolos, Simbolismos, bobagens e hipocrisia... Ela que ficasse com o símbolo, eu já tinha tido muito mais que isso durante os últimos três anos e meio... Deus sabe que eu tinha tido muito mais que isso... E Deus sabia também que eu estava terrivelmente só...
O tempo passou mais lento... Os dias eram tão iguais...
Dois meses após o funeral fui procurado por um advogado de nome José Antunes Leite...
_ Boa tarde, Sr. Jonas Brasil. Disse o homem assim que abri a porta do apartamento.
_ Boa tarde. Qual seria a razão dessa visita, Dr. Antunes? Sente-se por favor.
_ Represento uma grande companhia de seguros. O Sr. Edson Guedes há pouco mais de dois anos nos procurou e fez a compra de uma apólice onde o Sr. Jonas da Silva Brasil figurava como seu único beneficiado. E por conta de sua morte e após fazer alguns levantamentos, a Empresa cumprindo uma determinação jurídica, vem apenas lhe comunicar que o Senhor tem direito ao recebimento de pouco mais de R$,00 ( Cento e Cinquenta mil Reais).
Eu mantive a mesma calma e serenidade com que havia lhe recebido. Isso pareceu surpreender o tal Advogado que disse:
_ Parece que não foi uma boa ideia vir aqui hoje...
_ Não se trata disso. Desculpe... Só não dá pra pular de alegria e ficar louco de felicidade por receber dinheiro numa circunstância desas, entende?
_ Eu então peço desculpas, Sr. Jonas...
_ Esta tudo bem... O que tenho que fazer?
Passei os últimos três dias indo aos escritórios da tal Empresa de Seguros e quando tudo terminou, voltei pra casa trazendo um cheque de pouco mais de Cento e Sessenta mil Reais, por conta de juros e outras coisas que não me interessavam de jeito nenhum.
Um mês depois vi que não dava mais pra continuar morando ali... Tudo estava me sufocando. Cada aposento, cada móvel, cada parede, cada despertar, cada adormecer só valeria a pena se ele tivesse junto e eu tinha que aprender a viver sem ele e com nossas lembranças, só que a dor e a solidão não me deixavam seguir em frente...
Mamãe me ligou no domingo avisando que já estava em casa pois acabara de chegar da Missa e que eu fosse para o almoço. Cheguei lá no meu Palio prata com toda a minha bagagem - as coisas do Guedes foram doadas para várias instituições de caridade e os móveis do apartamento foram vendidos - e assim que entrei perguntei:
_ Posso voltar mãe? E ela veio a meu encontro com os braços abertos.
_ E era preciso perguntar isso, meu amor? Ah, meu filho como eu gostaria que nada disso tivesse acontecido... Choramos juntos mais uma vez.
Aos poucos fui retomando a vida. Alguns amigos da PM sempre ligavam ou vinham até lá em casa. Eu poucas vezes saí na companhia deles e o tempo foi muito paciente comigo.
A máxima casa-trabalho-casa, era o que me mantinha em contato com o mundo. Passei a fazer cursos para poder ampliar e melhorar mais ainda a pequena empresa que comandava, afinal de contas já tinha 37 funcionários e a procura pela marca Doces Pintado já era uma realidade por todo o estado. Nos meses que seguiram, passamos também a produzir salgadinhos o que aumentou muito o trabalho na nova fábrica que mantinha num amplo galpão que adquirira recentemente perto de casa, assim como o faturamento.
Estava numa quente tarde de domingo terminando de falar com a gerente de um dos meus quiosques no Shopping RIOMAR quando um olhar cruzou o meu e um outro sorriso ocupou a minha visão... Alto, moreno claro, olhos verdes, boca cheia e bem desenhada , um belo sorriso de dentes perfeitos e brancos, físico de atleta, másculo e com certeza o cara exalava simpatia...
_ Boa tarde, falou o desconhecido, você poderia me dizer onde fica os elevadores? E seus olhos me fitaram.
_ Segue em frente e dobra a direita, os elevadores ficam no final do corredor... Meus olhos foram penetrados pelos dele.
_ Você também compra balas e todo tipo de guloseima no quiosque do Pintado? Tenho sobrinhos que adoram esses doces.
_ Na verdade não, pego de graça...
_ Como faço pra ter esse privilégio também? E voltei a ver seu sorriso...
_ É segredo, não tenho como revelar... Devolvi o sorriso e retomei o diálogo... Boa tarde, sr...?
_ Ewerton Gurgel Leite. Algumas pessoas me chamam de Dr. de vez em quando... E sua mão direita foi estendida...
_ Quem bom conhecer o Senhor Dr. Ewerton Gurgel Leite... Nome grande esse, parece um texto. Sorri abertamente como há muito tempo não fazia.
_ Na verdade o nome completo é Ewerton Menezes Gurgel leite e o título DR. é porque sou dentista.
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Hoje não terei como falar com cada um... Milhões de desculpas por tal grosseria... Um grande beijo e que eo melhor lhes aconteça nesta maravilhosa quarta-feira... nando Mota.