all you needs is love VIII... até onde vale a verdade?
Abri o diário em uma folha aleatória e comecei a ler, eu sei que estava errada e que isso não é coisa que se faça... Me arrependi totalmente mas na hora não consegui parar, não sei o que estava escrito ao certo mas li uma parte que me chamou atenção, e comecei a ler do começo daquele dia. Vou tentar escrever o que tinha...
“ querido diário,
meu relógio está parado, literalmente.
Acordei com Hugo pulando encima da minha cama, eu sei que tinha falado pra ele que íamos sair, mas não disse que era de madrugada... Levantei mas não consegui comer nada, tomei um banho e fomos ao shopping. Ele comprou o que ele queria com o cartão do nosso pai e depois ficamos andando atrás de algodão-doce, sim, quase morro pra encontrar. Almoçamos por lá e quando voltamos já estava na minha hora. Fui pra escola. Não escola, escola. Casa de Paloma. Precisava conversar com ela sobre o que tinha acontecido. Ela tinha feito o erro de me dar uma chave do apartamento dela, eu sabia que ela tinha dois horários hoje na escola mas fiquei lá, esperando por ela, que demorou mais do que eu esperava, mas eu não tinha presa. Quando ela abriu, meio que se surpreendeu com minha presença. Como se eu fosse a última pessoa que ela esperava ver.
— Pensei que nunca mais colocaria os pés aqui – ela disse, fechando a porta e colocando a chave no batente.
— Não só os pés como o corpo inteiro.
— Por que não apareceu na escola hoje?
— Pra quê? — perguntei, levantando do sofá dela – pra você continuar com a sua encenação?
— Para de agir como criança, Camila.
— Criança? Você que tá agindo como criança! Você quem me reprovou naquele teste! Mesmo eu ter merecido uma nota boa! Você, que na sua posição de professora e por estar comigo deveria se orgulhar de mim!
— Eu fiz isso pra você se tocar que se continuar com essa palhaçada de ficar de farra todos os dias, não vai ter futuro algum! Você nem sequer presta atenção nas minhas aulas! Enquanto estou dando aula, você está lá, conversando com aquele menino, Isaac. Eu olho você toda vez que saio da escola. Qual é a tua intenção? Virar alcoólatra?
Cheguei o mais perto dela que pude e ela apertou os olhos, repreendendo meu cheiro de cigarro. Se ela ao menos descobrisse que eu tinha fumado no quarto dela...
— Você tem que parar de andar com aqueles que chama de amigos, eles não servem pra você!
— Eu decido quem são meus amigos, eu decido qual o futuro que eu quero pra mim.
Ela me olhou séria, o vestido longo verde combinavam com seus olhos e o cabelo loiro descia pelos ombros enrijecidos. A beijei e ela já esperava por isso. Posso arriscar a dizer que até desejava. Transamos e a temperatura do quarto pareceu cair. Assim que anoiteceu, ela pediu pizza pra comermos e me deu uma carona de carro até em casa um pouco antes das 22h.
Eu admito, fiquei com raiva por ela ter zerado meu teste, ciente que, pelo menos 7 das 10 questões, estavam certas. Mas não sairia reclamando com outros alunos ou com o diretor da escola, por que sabia que Paloma tinha feito por pirraça. Ela me mandou ligar pra ela, que sairíamos no dia seguinte após as aulas. Não liguei e nem iria [...]”
Ouvi o som do chuveiro parando aos poucos. Fechei o caderno com pressa e o coloquei de volta, fiquei absorta em tantos pensamentos que não conseguia fixar em um específico. O mais importante, provavelmente. Camila tinha ficado com a professora Paloma?
Paloma era professora de filosofia do segundo ano e todos, t.o.d.o.s, t-o-d-o-s os alunos a adoravam. Eu a adorava! A achava incrível, por saber lidar tão bem com a matéria e com os alunos, achava o pensamento filosófico dela coerente e bem plausível, sem contar no carisma infinito que ela tinha.
Camila entrou no quarto e só depois que fechou a porta me olhou sentada na sua cama.
Mila “a melhor visita do mundo”
Ela estava enrolada em uma toalha, o corpo todo molhado, como se não soubesse a serventia do pano grosso em volta dela.
Tentei falar alguma coisa mas minha garganta falhou. Parecia que cada dia era uma coisa nova sobre Camila, cada dia um dragão pra enfrentar, as novidades pareciam nunca acabar ou até mesmo ser o suficiente. Não sei se eu suportaria nem metade de outro segredo daquela garota. O sorriso não dava o parecer que aquela folha de papel me passou. Me arrependi tanto por ter lido.
Ela veio na minha direção e se aproximou para um selinho, virei o rosto, passando as mãos nos cabelos.
Mila “ainda irritada com a história de Amanda?”
Antes fosse.
Passou pela minha cabeça que eu não deveria surtar sobre aquilo, aconteceu dias antes, dias antes de ficarmos pra valer. Ela já teria acabado com esse casinho, não teria?
A falta de resposta a fez sentar ao meu lado, o braço molhado encostou no meu me fazendo arrepiar.
Mila “o teu silêncio me mata”
Soltei o ar, sabia que ela não ia facilitar com nada ali.
Ana “ela me olhou séria o vestido longo verde combinavam com seus olhos e o cabelo loiro descia pelos ombros enrijecidos a beijei e ela já esperava por isso posso arriscar a dizer..”
Sai cuspindo as palavras que pareciam rodar na minha cabeça, ela mudou a fisionomia do rosto como se cada som que saía da minha boca fosse um tapa na sua cara...
Mila “VOCÊ LEU O MEU DIÁRIO?”
Ana “... que até desejava. Quer que eu continue? TRANSAMOS”
Mila “QUAL É O TEU PROBLEMA?”
Ana “ALÉM DE VOCÊ?” gritei “VOCÊ TÁ ME DESTRUINDO DESDE O DIA QUE ENTROU NA MINHA VIDA!”
Mila “QUANDO VAI PARAR DE ME VER COM OS OLHOS DOS OUTROS?”
Ana “QUANDO VAI PARAR DE TRANSAR COM TODO MUNDO?”
Ela me empurrou na cama, nós duas já havíamos nos levantado, e se debruçou sobre mim. Me beijou, eu tinha ido até onde ela pra ficar com ela, pra fazermos alguma coisa juntas, pra conversar sobre qualquer coisa, mas já tinha perdido todo o interesse. Não, o interesse não. A vontade apenas tinha congelado. Mordi seu lábio com força, sentindo o gosto de seu sangue. Levantei.
Mila “você é a errada aqui, você quem leu meu diário”
Ana “só... me esquece” falei cansada, meu corpo estava exausto “nunca mais me procura”
Mila “Ana Paula?” virei, perto da porta. A vontade de dar uma última olhada nela me ganhou “espera um pouco” sua voz era suave, como se aquela gritaria toda nunca tivesse existido. Ela tirou da bolsa um tubo de papel verde enrolado em fita de cetim e me entregou. Pensei um pouco antes de pegar.
Mila “eu não sou quem você pensa, Ana Paula”
Ana “tá se provando bem pior” falei e sai do quarto, derrotada. Não tive nem força de bater a porta pra ela perceber o quanto estava irritada.
Hugo dormia no chão da sala, abraçado no boneco. Passei a mão por seu cabelo liso. Ele parecia tanto com sua irmã que me fez lamentar, ousei em beijar seu rosto e desliguei a TV. Saí caminhando por aquele bairro que mal conhecia direito, as avenidas mal frequentadas me deixando ainda mais só com meus pensamentos. O papel enrolado ainda estava em minha mão, o queria jogar a mil quilômetros de mim. Nada que viesse de Camila me faria bem, mas fiquei a pensar e decidi não fazer nada. Não de cabeça quente, fervendo.
Se eu ainda tivesse um coração, poderia jurar que estava estilhaçado, os batimentos eram tão fortes. E o tempo úmido coberto por nuvens de chuva deixava o céu cinzento e solitário. Nada ali estava me ajudando. Caminhei até estar praticamente perdida, então voltei pelo mesmo caminho até encontrar um táxi. Outra noite sem dormir, estava estarrecida, confusa e a mais triste das pessoas. O que me matava não era a falta de sono ou as imagens que vinham criadas como fleches na minha cabeça... Era por eu querer ser consolada por quem me feriu.