Afinidade secreta 5

Um conto erótico de Lígia
Categoria: Heterossexual
Contém 886 palavras
Data: 03/09/2010 11:55:45

(Final 5)

Também comeram e conversaram e era muito clara a diferente alegria dele. Estava orgulhoso, sentindo-se mais respeitado e bem conceituado na sua profissão no novo ambiente de trabalho.

Ela teve dúvida se esse era o único motivo da evidente maior leveza dele, quando atendeu uma ligação. Silenciou para que sua voz não denunciasse a presença feminina, tal era sua preocupação em não coloca-lo em situações conjugais embaraçosas. Mas não era a esposa dele, ou ele não teria respondido que amanhã estaria lá. Certamente, tratava-se de uma mulher que, ao contrário dela, não se importava em cobrar sua presença.

Quem sabe a proximidade dessa mulher fosse a causa dele não tê-la mais convidado para visitar e conhecer o seu novo consultório.

Muitas coisas ela deduzia sem questioná-lo. Não deixava de ser uma mulher observadora e inteligente, mas, tratando-se dele, incapaz de iniciativas que o afastassem definitivamente.

Voltou ao trabalho, interrompido pela prioridade de estar com ele. No trabalho sim ela era capaz de iniciativas e decisões firmes. Também, como ele, tinha méritos profissionais reconhecidos.

Só não se sentia, e ainda não se sente, capaz de romper as algemas que ela sabe, aprisionam outras mulheres também.

Ela podia amá-lo intensamente e satisfazer-se apenas com os momentos que se entregava a ele, como quem se doa sem pretensões de outras reciprocidades. As fantasias de dominação que os excitavam, eram cenas que demonstravam o poder real que ele exercia sobre ela. Claro que só ela deveria sabe disso.

E, provavelmente, na tentativa de aprovar o seu próprio comportamento, preferia pensar que, nas relações raramente mudanças individuais são favoráveis para os dois, ou os casais não teriam conflitos. Também, dificilmente os interesses se alteram ou terminam ao mesmo tempo para ambos, ou não haveria a parte que lamenta e sofre.

Uma mulher que esperava posicionamentos firmes e egoístas, no sentido de não admitir a divisão com outras daquelas oportunidades tão únicas, decepcionava-se consigo mesma. Concluía que o desejo não é racional, ou seria impossível que ele acontecesse entre um general nazista e uma judia que se conheceram num campo de concentração, como no filme Portiere di Notte; que os limites de permissividade e tolerância sempre se ampliam quando o maior prazer está em satisfazer aquele que se ama, como em Histoire d´O; e que não se pode exigir de alguém a mesma intensidade e forma de amar.

Resolvia, então, não buscar explicações lógicas.

Bastava acordar, como inúmeras vezes acordou, com o alerta que anunciava uma mensagem, certamente dele. Isso antecipava que o dia seria alegre e que ela teria disposição para minimizar quaisquer outros problemas. E se estes aparecessem, entre eles encontraria uma pausa para relembrar aquelas palavras que a abasteciam de energia.

Após um tempo curto, se comparado a outros períodos tão longos de ausência, ela o encontraria novamente. Naquele dia, entre a última consulta e o início de um congresso sobre Artrite. Ele queria vê-la usando uma tanguinha minúscula, igualzinha àquela da foto que ele enviara como anexo de um e-mail.

Desta vez, ele a esperava na garagem de um hipermercado, no mesmo Peugeot Azul.

Ela usava uma saia marrom com uma blusa rosada, da qual ele gostou e sentiu a maciez, fazendo imediatamente os biquinhos dos seios dela apontarem de tesão.

Nos trajetos eles sempre se olhavam com desejo e ele sempre dirigia rapidamente. Talvez pelo hábito, ou pela pressa de saber se ela atendia aos pedidos já antecipados. Na sua frente, ela subia a escada erguendo a saia, para que ele constatasse a previsível obediência.

Quando estavam no quarto alternavam momentos de urgência em abraços, beijos e carícias, com momentos de pausa para descanso e recomeço.

Não sei quanto a ele, mas ela não sabia que provavelmente não haveria mais recomeço.

Já se passou tanto tempo desde aquele dia em que, grande parte das pessoas do mundo, estava atenta ao jogo do Brasil pelo Hexa, e eles aproveitavam aqueles 90 minutos trocando mensagens muito mais excitantes que um gol. Ele não gostava de futebol. Gostava de Rugbi, ela se lembrava.

Sabia tão pouco sobre as coisas que ele gostava. Mas percebe agora que com ela não gosta mais de falar. Às vezes trocam mensagens não tão continuadas como antes, e as palavras já não expressam o mesmo entusiasmo mútuo. Ficando, silenciosamente claro que não mais com ela sente vontade e prazer em estar.

Curiosamente ela, entre outros tantos detalhes, lembra ainda que, coincidentemente, o primeiro e último encontro aconteceram no mês de Maio. Um detalhe igualmente sem importância quanto os carros que ela menciona, somente para marcar mudanças na vida dele. Provavelmente aquele último Peugeot azul já tenha sido substituído, marcando uma nova fase da qual ela, de nenhuma forma, participará.

Soube, sem maiores comentários dele, de uma viagem internacional, que ela acredita ter sido a primeira. Também soube que no ano seguinte, ele viajaria para Brasília e cidades históricas de Minas Gerais. A ela seriam permitidas apenas as recordações aqui narradas, como se fossem provas de que por vezes o sentiu mais próximo.

Os nomes não são mencionados, não só porque raramente fossem pronunciados - já que se tratavam de outras formas - mas também porque ela já se sente ousada demais em expor sensações e sentimentos até aqui tão secretos. E os registra aqui acreditando que o tempo poderá libertá-la de tão deliciosas lembranças.


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