A barraca é enorme e muito bonita, demora um pouco para encontrarmos uma vaga, porém deu certo, Ciço colocou o carro no estacionamento privativo, mas Téo achou que dezesseis reais a hora não parecia muito justo. Dan fecha a cara assim que me vê, ele nem está mais tentando ser simpático.
Uns três garçons cumprimentam o Ciço no caminho até nossa mesa, ele deve vir muito aqui. Pegamos uma mesa na areia já na última fileira para ficarmos mais perto da água do mar, o garçom de pronto nos entrega dois cardápios e fica de prontidão para quando formos pedir, dou uma passada de olhos nos preços e tomo um susto, mas é praia né, não tem como fugir de gastar dinheiro aqui.
Ciço pede uma água de coco para o Dan, uma cerveja para ele e Raylan e duas porções de batata, Guilherme pede uma caipirinha, Tales vai de caipirinha também, enquanto Téo e eu pedimos água de coco assim como Dan, Tales e Téo combinaram que hoje é ele quem vai beber, eles estão fazendo rodízio pelo que entendi — muito que bem odiaria ter que voltar com um bêbado no volante.
Guilherme e Raylan estão no mundinho deles, ainda respondem quando falamos com eles, mas o casal está em uma lua de mel mesmo, estão tão grudados que chega a ser bonitinho, nunca vi Raylan tão feliz, e Guilherme está distribuindo simpatia até para mim, Téo e Tales são um casal mais na deles, mas aos poucos estão se contagiando com o amor do Raylan e Guilherme, Dan por sua vez está frio e distante não só do Ciço mas de todos aqui, ele está no celular e mau está dando atenção para os amigos.
— Amor, vamos no mar? — Ciço faz uma tentativa e Dan até ensaia uma negativa, mas acho que ele está percebendo que está sendo desagradável até com o próprio namorado então ele sorri forçadamente — conheço bem esse sorriso dele — e os dois seguem para o mar.
— Já tinham um tempão que não vínhamos na praia né Ray? — Guigo é a única pessoa no mundo que tem permissão de chamar meu amigo pelo apelido, nem eu tenho esse aval.
— Desde Aracati no carnaval — Raylan responde.
— Eu também fui para lá no carnaval — Tales diz sorridente com a coincidência, de repente eles começam a conversar sobre um tiroteio que teve por lá, que horror.
— Carnaval em Sobral não é tão bom, mas tem umas festas legais — Téo compartilha com suas aventuras de carnaval em Sobral.
— Eu só fiquei bêbado mesmo com meu primo — digo.
— Sério não te imagino bêbado — Guilherme fala.
— Amor o Rick bêbado era o cara mais safado da turma, lembro de uma vez que ele ficou bêbado e comeu a mãe de um amigo nosso no dia do aniversário do pai do cara, tava todo mundo curtindo um churrasco na piscina enquanto ele tirava a coroa no banheiro do andar de cima — Raylan conta uma história que nem eu me lembro mais.
— Isso foi a muito tempo e me arrependi, não faço mais essas coisas, era muito jovem e meio idiota.
— Ela bem que ainda te procurou e tipo ele era novo ainda, tinha o que uns dezesseis?
— Quinze e ainda fiquei com ela umas vezes, mas paramos antes que alguém descobrisse — não tenho vergonha do meu passado, mas não faço mais essas coisas nem quando estou bêbado, embora eu fique um pouco mais desinibido, foi assim que descobri e confirmei minha bissexualidade.
— Difícil de imaginar que o Rick fosse um cara assim — Guilherme está verdadeiramente surpreso, fico aliviado pelo Dan não está na mesa, já que Raylan é o único que sabe dessa história, pois me pegou no flagra uma das últimas vezes em que fiquei com ela.
— Ele pode até ter ficado menos safado, mas ainda tem as escapadas dele no sigilo né Ricardo — Téo me lança uma piscadela.
— Só não sinto necessidade de sair por aí contando das pessoas com quem eu transo, mas não fico mais com pessoas comprometidas, a última foi a mãe do meu colega — digo enfático para que Téo se convença de que não transei com Ciço.
— E o Raylan ele aprontava dessas também? — Guilherme me pergunta e vejo Raylan olhando para mim com um balançar de negação com a cabeça.
— Não, mas foi mais por falta de oportunidade mesmo, ele perdeu a virgindade com uma menina que já tinha dormido com quase todos os nossos amigos — pela reação Guilherme já sabia.
— Até você né — ele insiste que peguei essa menina, mas não peguei, fui um dos únicos da turma e nem foi por falta de tentativa dela, é que eu meio que estava apaixonado por outra garota na época e não podia contar para ninguém.
— Fala sério macho, até hoje tu vai negar, todo mundo sabe que só quem não comeu ela foi o Dan por que enfim né — Raylan está rindo, mas seu comentário irritou o Dan que acabou de voltar com Ciço.
— Ele não comeu ela porque ele está comendo outra pessoa Raylan — Tem tanta raiva e desgosto nas palavras do Dan que me sinto mal.
— Quem? Eu sei de todos os casos do Rick — Raylan era um confidente, de fato era a única pessoa, mas essa nunca contei nem para ele.
— A Isabel, o Rick, estava comendo minha irmã.
— Puta que pariu Rick, você nunca me contou — Raylan diferente do Dan está em uma alegria só com a descoberta.
— Você perdeu a virgindade com a irmã do Dan, nossa que loucura — Guilherme completa.
— Espera Dan você e a Isabel tem o mesmo gosto para homem — Raylan fez a piada e só depois se tocou que havia falado merda, Dan bufou de raiva e saiu pisando forte na areia logo depois de mandar Raylan ir para o inferno.
Raylan se arrependeu no imediato minuto em que falou, Ciço teve um romance com Isabel antes de conhecer o Dan e eu bem tive um relacionamento com ela por um tempo até desistir do meu sentimento por ela por causa do meu amigo, justo por saber que ele ficaria irado comigo se soubesse e possivelmente teria parado de falar comigo por causa disso, mesmo apaixonado pela Isa eu priorizei minha amizade com Dan.
Dan saiu furioso de volta para o mar, a praia é um refúgio para ele nos momentos difíceis, Ciço está cansado vejo nos olhos dele, então levando e seguro seu ombro, acho que chegou a hora de ser adulto e enfrentar a fera de frente, não é justo deixar que o Ciço fique tomando as patadas que são para mim, nem é preciso falar nada, ele entende o que eu quero e se senta me deixando ir atrás do Dan para termos uma conversa particular, escuto Téo puxando um assunto aleatório a fim de melhorar o clima na mesa.
— Sempre que a gente brigava você ia para praia — digo me sentando do seu lado na areia, o céu está um pouco nublado e o tempo está fresco.
— E você sempre aparecia para pedir desculpas — ele responde sem olhar para mim.
— Verdade, eu fazia muita merda né — ele dá um sorriso de escárnio.
— E eu sempre deixava para lá.
— Eu demorei muito tempo para falar com Raylan sobre as brincadeiras de mau gosto dele, ele te fazia raiva, você ficava chateado comigo por ser amigo dele e corria para praia e me esperava até que eu fosse lá para me desculpar — me sinto revivendo esses tempos agora.
— Somos adultos agora e ele tem razão né, você comeu ela, o Ciço comeu ela, deve ser minha sina pegar os restos da minha irmã — ele está tão chateado que não está medindo suas palavras.
— Desculpa, devia ter te contado, mas na época tive medo de que a gente deixasse de ser amigo — ele sorri de forma sarcástica — Dan, Isabel e eu já flertamos a muito tempo, todos os meninos a queriam, mas ela deu bola para mim, só para mim, um dia soube que você não ia está em casa então fui lá para ficar sozinho com ela e rolou, perdemos nossa virgindade juntos.
— Ótimo, tudo que eu mais quero saber agora são os detalhes de como você traçou minha irmã Rick — ele enxuga uma lágrima rebelde que cai em seu rosto.
— Dan eu não tracei a Isa, a gente dormiu junto, mas não foi uma transa qualquer, Isa foi meu primeiro amor — nunca falei isso nem para ela e é muito difícil contar isso para ele pois sei como ele se sente sobre mim e sobre isso, mas preciso falar o que não tive coragem de dizer a anos atrás.
— Vai se foder Rick, se ela foi seu primeiro amor porque vocês ficaram escondidos, pelo que ela me contou ela era caidinha por você também, se vocês se queriam tanto assim a ponto de mentir para mim por que não ficaram juntos? — Agora não tem retorno, as lágrimas caem sem controle em seu rosto vermelho.
— Dan.
— Fala Ricardo, fala por que você parou de comer minha irmã! — Dessa vez ele fala um pouco mais alto atraindo a atenção de algumas pessoas.
— Por você, sua amizade era a coisa mais importante na minha vida, Dan eu te amava como se fossemos irmãos e mentir para você foi a coisa mais difícil que já fiz, me senti mal por amar sua irmã, eu acho que já sabia na época que você sentia algo por mim, mas negava, porém inconscientemente sabia que de todas as meninas que eu namorasse ela era a única que você não me perdoaria.
Ele enxuga as lágrimas e me encara, mordo o lábio inferior que é o que faço quando estou muito preocupado e inquieto, tem tanta raiva em seus olhos, ele não parece aquele moleque indefeso que me seguia para todo canto, os olhos que tanto me admiravam agora me odeiam, com me arrependo de não ter sido sincero com ele anos atrás, nem sei se ainda estaria com Isa hoje em dia, acho que não, mas com certeza queria ter vivido um grande amor com ela e parando para desabafar agora sinto que devo um pedido de desculpas para ela também por ter beijado seu irmão, vacilei com os dois.
— Então por que — ele soluça — por que diabos você me beijou se nunca teve sentimentos por mim? — A pergunta mais difícil do mundo.
— Por medo — se tinha uma chance de retomarmos nossa amizade essa chance morreu aqui.
— Medo? — Ele me encara incrédulo.
— Eu sabia que você me olhava diferente e por mim tudo bem porque pensava que em algum momento você conheceria alguém e isso iria passar, mas aí você me contou que era apaixonado por mim e me disse que — minha voz falha.
— Que não conseguiria ser só seu amigo — Dan completa.
— Não pensei eu só queria continuar sendo seu amigo e sei lá pensei que se eu te beijasse poderia despertar algo.
— Você sentiu algo, eu sei que sentiu, você ficou de pau duro, me lembro muito bem disso — ele diz se enchendo de esperança.
— Senti, na hora em que nos beijamos fiquei excitado, mas foi carnal, depois que meu pai me mandou pro interior eu pensei muito sobre aquele beijo e percebi que mesmo se eu tivesse ficado teria me arrependido.
— Você se arrependeu de me beijar? — Dan está em choque.
— Te beijar foi um erro, uma atitude impensada e sim me arrependo de ter te dado falsas esperanças, me arrependo de ter sido fraco e de não ter te contado a verdade, eu te amo Daniel, sempre amei, mas.
— Mas não o suficiente para me corresponder — ele enxuga as últimas lagrimas — você ainda amava a Isabel.
— Sim — respiro fundo — eu queria ter sentido algo a mais naquele beijo, queria que algo tivesse mudado em mim.
— Mas não mudou — Dan está processando o que estou falando para ele.
— Eu sei que você me odeia agora e fui o pior canalha do mundo com você, por anos tive medo de ter essa conversa com você, depois de ser obrigado ir embora sem poder falar com você, não suportei a ideia de você me odiar, mas isso só fez com que você me odiasse ainda mais — baixo a cabeça, estou tão arrependido de ter levado anos para ter essa conversa com ele.
— Eu não te odeio Rick, nunca odiei, eu te amei, amei por anos e acho que ainda te amo, quando você voltou e não me procurou eu me senti tão estranho, eu fiquei furioso comigo mesmo por ainda sim achar que o problema era comigo, que você tinha ido embora por minha causa e que de alguma forma me culpava por tudo que aconteceu — ele respira fundo — e tipo você nem êxito em pegar a Bia, de repente me vi naquele tempo de novo onde me colocava em uma situação horrível de ver de perto você com pessoas que não eram eu.
— Dan me perdoa — é tudo que consigo dizer — não mereço seu perdão, mas por favor não se culpe, você não tem culpa, eu fui embora, eu sumi, eu te magoei e fui covarde.
— E ainda sim eu te amo, a ponto de surtar com o fato de você agora se submeter a ficar com um cara que nem tem coragem de te assumir enquanto eu simplesmente não existo para você — não estava preparado para essa confissão — o Cícero é perfeito, ele é generoso, bonito, gentil, atencioso, não tem nada que ele não faria por mim, ele me ama, o Ciço dorme e acorda comigo todos os dias, e mesmo eu sendo um filho da puta ranzinza com ele a dias, mesmo assim ele está aqui, eu amo ele.
Dan volta a chorar, mas tem um leve sorriso em seu rosto, com as pontas dos dedos ele enxuga suas lágrimas mais uma vez, respira fundo e fica me encarando, vejo que em sua mente ele busca as palavras que quer me dizer, meu amigo está tão machucado e a culpa é minha, causei isso ao demorar tanto tempo para procurá-lo, para um cara que vive sendo o heroi dos outros para o meu melhor amigo fui o pior dos vilões.
— O Ciço é minha praia, ele me acalma, me dar forças, com ele sinto que posso fazer qualquer coisa, sou uma pessoa infinitamente melhor desde que o conheci, mas ele não é você, Rick, porra o cara mais perfeito do mundo não é você, qual o meu problema?
— Dan, sinto muito.
— Mesmo agora — ele respira fundo — mesmo você sendo bi, sendo bem resolvido, ainda sou o mesmo garoto gordinho, não sou padrão suficiente para você, não existo, se quiser sou uma possibilidade para você, eu sou ridículo.
— Dan você sabe que não é isso, você não é ridículo, você disse que não podia ser só meu amigo, pois bem, infelizmente é só o que eu tenho a te oferecer e droga cara isso tem que ser suficiente, não porque tenho alguém na minha vida, mas é que.
— Você não me quer — ele diz de forma dura.
— Não tem nada haver com seu corpo Dan, Ciço te ama exatamente por quem você é, mas eu sou seu amigo, sou meu melhor amigo, ou pelo menos eu era, mas quero ser de novo.
— Vai se foder Ricardo.
— Desculpa.
—- Se me pedir desculpa de novo por não me amar também eu vou te dar um surra — ele respira e se recompõem — eu amor meu namorado e estava muito bem antes de você voltar para minha vida, eu não te odeio Rick e nunca vou conseguir te odiar e é exatamente por isso que não posso ser seu amigo.
— Dan — ele ergue a mão me interrompendo.
— Vamos voltar para aquele dia no seu quarto, eu acabei de dizer que te amo e que não posso continuar sendo só seu amigo, você me ama Rick?
— Não dessa forma — respondo com pesar no peito.
— Certo, já sabia, só precisava por isso pra fora, tenha uma boa vida e pode deixar que daqui para frente eu mesmo vou me cuidar, viu não foi tão difícil ser sincero — Dan levanta e me estende a mão para levantar também, quando estou de pé ele me abraça e beija minha bochecha — adeus Rick.
— Até logo Dan — ele vai para água para se recompor enquanto eu volto para a barraca, Ciço vem de encontro a mim.
— Deu certo, fizeram as pazes? — Ele pergunta esperançoso.
— Sim, fizemos, mas perdi meu amigo — Ciço toca meu ombro e me observa não com pena, mas com solidariedade, ele está aqui para o que eu precisar, só com uma olhar ele é capaz de me confortar, Ciço é um cara muito especial, mas Dan precisa mais dele do que eu.
— Ele está te esperando — digo, ele me lança seu sorriso mais cativante e meio que me contagia a sorrir também.
— Obrigado — ele me agradece e vai de encontro ao seu namorado, agora com esperança de que o assunto que nos incomodava tenha acabado e que ele possa ter seu namorado de bem com a vida de novo.
Ciço se preocupa muito com ele, fico muito feliz e bem mais tranquilo dele ter alguém que se importe com ele agora, alguém que vai tratá-lo como ele merece, como eu não fui capaz de tratar, espero que um dia ele passa pagina e possa me deixar voltar para sua vida, vou esperar pacientemente por esse dia. Volto para a mesa mais leve, não estou triste pois no fundo sempre soube que esse seria o resultado da nossa conversa, até por isso que adiei por tanto tempo, pelo menos estou aliviado.
Dan e Ciço retornam mais leves e de mãos dadas, assim é possível curtir nossa manhã na praia, no fim do rolê Ciço deu a volta na gente e pagou a não só minha parte como do nosso casal de amigos — Raylan e Guilherme — como almoçar na praia é caro combinamos de comer em uma churrascaria e Ciço claro deu a ideia de irmos para a da sua família, o pessoal adorou a ideia e assim fomos para lá depois de pagar a conta, só que dessa vez Raylan e Guilherme foram no carro do Ciço.
— E aí se entendeu com seu amigo? — Téo me pergunta quando ficamos só nós três no carro.
— Sim, não foi do jeito que eu queria, mas foi da forma que precisava.
— Não entendi, vocês já tiveram algo? — Tales não sabe da história como Téo.
— Não, quer dizer mais ou menos, mas enfim acabou agora, ele não somo mais amigos — ainda dói um pouco pensar nisso, todos esses anos não me prepararam para esse sensação de perda, mas entendo que ele não pode me ter como amigo e só me resta aceitar, não faço ideia de como isso vai deixar minha amizade com Ciço, mas vou entender se ele se afastar também.