⁃ Tem certeza de que esse é o caminho certo? - Gilberto perguntou, enquanto tentava enxergar pelo pára-brisa do carro a escuridão que se erguia na sua frente.
⁃ De acordo com o endereço que eles colocaram lá no grupo e que a gente colocou no GPS, já devemos estar chegando daqui a uns 5 minutos - Pamela falou, observando atenta o aplicativo em seu celular.
⁃ Bem que a galera avisou que era meio isolado - eu respondi, sacudindo com o carro que praticamente pulava a cada metro percorrido naquela estrada de terra no meio do nada.
⁃ Acho que tô vendo alguma…isso, ali, tá bem ali na frente, tá vendo aquelas luzes? - Pamela disse, apontando para o alto do morro em que subíamos.
⁃ Aham - Gilberto resmungou, não muito convicto.
A verdade era que nem mesmo a possibilidade de estarmos perdidos no meio do nada me desanimava.
Pelo contrário, eu estava muuuuito animado.
Afinal de contas, aquele seria o primeiro fim de semana de curtição que eu teria em um bom tempo.
A cerca de 6 meses atrás, havia completado com louvor o ensino médio e passado, através do ENEM, em uma das melhores universidades de direito do estado.
Durante toda a minha vida, havia morado em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais e de repente me vi catapultado para a capital, Belo Horizonte, para iniciar aquela que eu acreditava que seria o início de minha vida adulta.
No dia da matrícula na faculdade, conheci Gilberto, que também tinha vindo de fora para estudar e que, assim como eu, estava em busca de um lugar para morar.
Foi então que resolvemos montar uma república juntos, alugando assim um apartamento em que dividíamos nós dois e mais um menino, chamado Caio.
Com poucas semanas de aula, acabamos nos envolvendo nas atividades do Diretório Acadêmico da faculdade, principalmente devido a influência de Pamela, a namorada de longa data de Gilberto - de acordo com ele, eles estavam juntos desde que se conheciam por pessoa.
Pamela sempre foi o tipo de pessoa muito envolvia em atividades sociais em prol das comunidades e grupos menos favorecidos, então logo se envolveu nas atividades do DCE, arrastando Gilberto junto - e ele, me arrastando para ficar de vela.
Como parte das atividades de integração de novos membros, os administradores do DCE haviam reservado um hotel fazenda no interior de uma cidade próxima a Belo Horizonte, a fim de os novos membros passarem o final de semana inteiro se conhecendo e se familiarizando com as atividades do grupo.
⁃ Tudo muito bonito no papel, mas eis o que realmente a galera faz por lá: bebe, fuma, dança e todo mundo pega todo mundo - Pamela explicou para mim e Gilberto, rindo.
Sendo assim, essa era a minha primeira festa universitária propriamente dita.
E para deixar tudo ainda melhor, ela estará lá.
Sim, ela: Giovanna.
O ser mais puro e angelical que eu já havia colocado meus olhos sobre.
Um metro de cinquenta de pura perfeição, com sua pele branquinha, as maçãs do rosto que ruborizam por qualquer motivo, dando um charme único ao seu jeitinho cativante e tímido.
⁃ Bora lá galera, hora dos homens arregaçarem as mangas e colocarem os músculos para trabalhar - Pamela falou, saindo do carro que havia parado na entrada do hotel fazenda que parecia ter sido de luxo…a uns 50 anos atrás.
⁃ Sério mesmo que nós vamos ficar nessa espelunca? Me impressiona que esse lugar tenha energia elétrica - Gilberto disse, abrindo o porta mala e pegando duas bolsas, enquanto eu pegava as duas restantes.
⁃ É, bem que sempre me diziam que a vida universitária era rodeado de glamour e pompa - eu falei, seguindo o casal para dentro do prédio.
Por mais que as primeiras impressões não tenham sido das melhores, uma coisa nós tínhamos que admitir: o lugar tinha o seu charme (e caberiam as 70 pessoas que haviam confirmado presença no grupo de WhatsApp).
Eu, Gilberto e Pamela nos dirigimos a um grupo de veteranos que estavam no espaço que fazia as vezes de recepção, e eles nos deram a chave de um dos quartos, que iríamos compartilhar pelo fim de semana.
Cansados pela viagem, mas ao mesmo tempo animados pela noite que apenas começava, deixando nossas coisas no quarto, trocamos de roupa para algo mais leve e fomos para a área comum do sítio, onde já haviam cerca de 30 pessoas espalhadas, entre uma área com churrasqueira, a piscina e um grande salão com todos os tipos de jogos possíveis - desde tênis de mesa até sinuca.
⁃ Bora uma partida de sinuca? - Gilberto perguntou.
⁃ Porque a gente não anima isso? - Pamela falou, pegando um taco - Cada bola que alguém encaçapar, os outros dois tem que tomar uma dose - ela falou, estourando o jogo e já colocando duas bolas direto na caçapa.
⁃ Isso daí é injusto com a gente - eu falei, já enchendo duas doses para mim e duas para o Gilberto.
⁃ Ninguém falou que a vida era justa - Pamela respondeu, dando uma piscadinha.
Da sinuca, passamos para o tênis de mesa, para o totó e depois fomos dar um pulo na piscina para nos refrescarmos do clima abafado.
Já haviam se passado cerca de uma hora e meia, nós três já estávamos meio altinhos das bebidas que tomamos e o espaço se enchia cada vez mais de gente.
As 8:30 da noite, deviam haver cerca de 50 pessoas no espaço comum e eu, Gilberto e Pamela nos enturmávamos com uma galera que havíamos conhecido por ali mesmo, bebendo umas cervejas e comendo um churrasco, enquanto o som de música sertaneja saia pelas caixas de som improvisadas.
⁃ Eu posso ter a atenção de todos, por favor? - uma voz se ergueu no alto falante, fazendo com que todos procurássemos a sua origem.
⁃ Você conhece essa daí? - Gilberto perguntou para Pamela, apontando com a cabeça para a morena que estava em pé em cima de uma das mesas no centro do ambiente, com o microfone na mão.
⁃ Claro que sim, é a Mika - Pamela respondeu, sorrindo.
A primeira coisa que eu percebi sobre a mulher que se erguia sobre a galera, chamando para si a atenção, é que ela era alta.
Não alta. Muito alta.
E não era nem porque ela estava sobre uma das meses, nem mesmo por conta da bota com o salto gigantesco que ela usava.
Mesmo sem todos esses artifícios, ela deveria ter no mínimo um metro e noventa de altura, sendo muito morena e com os cabelos alisados com luzes.
Além disso, ela usava um vestido que poderia ser descrito como tubete, que marcava todo o seu corpo extremamente malhado, realçando as suas coxas que eram - pela falta de uma expressão melhor - gigantescas.
⁃ Mano, uma só coxa daquela mulher deve ser da grossura do meu corpo, praticamente - eu falei, rindo.
⁃ Eu tava aqui pensando a mesma coisa - Gilberto respondeu, sorrindo também.
⁃ Shhhh, deixa ela falar - Pamela chamou nossa atenção, atenta.
⁃ Primeiramente, como presidente do nosso Diretório Acadêmico - Mika falou - eu gostaria de agradecer a todos os membros, principalmente a nossa liderança, por termos nos esforçado para reunir sob um só teto os interessados, novos e velhos, calouros e veteranos…
O que prosseguiu foi um discurso de 10 minutos, onde Mika fez todos os agradecimentos, deu os informes do semestre e explicou para os calouros os fundamentos do funcionamento e do propósito do DCE, bem como outros detalhes que, honestamente, eu estava bebado demais e desinteressado demais para escutar.
Mas durante todo o seu discurso, uma coisa me intrigava, e pela cara de Gilberto, exatamente a mesma coisa passava pela cabeça dele.
⁃ Então uma vez que tudo já foi dito, - Mika falou, levantando o copo - Vamos beber e curtir! - ela gritou, sendo acompanhada por todos ao redor, que responderem em uníssono com um grito.
A música voltou a tocar e todos voltaram a suas conversas, jogatinas e atividades normais.
⁃ Então…qual o nome dessa menina mesmo? - Gilberto perguntou.
⁃ Mika - Pamela respondeu, sorrindo - Lembra amor, eu te falei dela ontem a noite, quando estávamos arrumando nossas coisas.
⁃ Certo…e essa Mika…ela é mulher certo?
⁃ E isso é lá pergunta que se faça, Gilberto Henrique? - Pamela respondeu, aborrecida.
⁃ O que eu quis dizer é…ela é mulher…mas trans, não é mesmo?
⁃ Claro que é, mas isso não faz diferença nenhuma. Mulher Cis ou mulher Trans, não importa, são tão mulher quanto.
⁃ Certo…me desculpe, apenas queria esclarecer uma dúvida - Gilberto respondeu, constrangido.
Só que nesse ponto da conversa, eu mal estava mais prestando atenção.
Isso porque quase no final do discurso de Mika, bem discretamente, a pessoa que eu tanto aguardava havia adentrado no recinto, vestido do mais lindo vestido vermelho: minha crush Giovanna, acompanhada de sua melhor amiga, Luana.
Ela estava linda.
Não linda. Magnífica.
⁃ Ihhh, começou - Pamela falou, torcendo o nariz.
⁃ O que foi? - Gilberto perguntou?
⁃ Ela chegou. O que significa que oficialmente perdemos o Marcos. Um brinde a isso.
Como você consegue claramente ver, Pamela não era lá uma das maiores fãs de Giovanna.
⁃ Vamos Gilberto, vamos levar o seu amigo o mais longe possível dessa menina e fazer com que ele aproveite a noite sem ficar fazendo essa carinha aí de cachorro pidão sem dono - ela falou, nos arrastando para fora da piscina.
A noite continuou, eu tentando aproveitar a noite mas sem muito sucesso, buscando constantemente reparar com a minha visão periférica se o amor da minha vida - e minha futura esposa - estava próxima, enquanto Gilberto e Pamela tentavam dançar um funk que agora tocava nas caixas de som.
Em certo momento da noite, nós nos sentamos, exaustos, em uma mesa e começamos a trocar ideia sobre a vida.
Foi quando então, com um grito, Pamela literalmente pulou da cadeira, berrando:
⁃ MIKA!
⁃ Oi amiga! - a morena respondeu, indo abraçar Pamela - Qual é a boa? Está aproveitando o nosso humilde evento aqui?
⁃ Nossa, está super demais, vocês estão de parabéns. Ahhh, deixa eu te apresentar, esse daqui é o meu namorado, Gilberto, e esse é o colega de república dele, Marcos.
Tanto eu quanto Gilberto nos levantamos para abraçar Mika, que se erguia no mínimo 30 centímetros mais alta do que nós dois e nos envolveu com um abraço apertado.
⁃ É um prazer finalmente conhecer o namorado que a Pamela tanto fala sobre. - ela falou, e se virou para mim - E também a você, Marcos. Está conseguindo aproveitar a noite?
⁃ Aproveitar a noite, aham. - Pamela falou, virando os olhos com desprezo - Esse daí só vive no maravilhoso mundo das fantasias, isso sim.
⁃ Como assim? - Mika perguntou, olhando para nós dois, intrigada.
⁃ Nada não amiga. Quer saber de uma coisa? Senta, senta. - Pamela falou, puxando a cadeira para a amiga - Você já rodou todas mesas, já socializou com todo mundo, agora é a hora de sentar, aproveitar, beber e falar besteira aqui com a gente.
⁃ Bom, como é que eu poderia recusar um convite desses - Mika falou, rindo e se sentando conosco.
Nos próximos minutos, enquanto o assunto fluía solto entre Pamela, Gilberto e Mika, eu estava com a minha atenção dividida entre duas coisas.
Por um lado, observava Giovanna e sua amiga, Luana, que agora estavam tirando suas roupas e indo entrar na piscina junto com alguns dos meninos do curso - Luana usando um maiô comportadinho e Giovanna vestindo um biquíni vermelho de bolinhas brancas lindo, que realçavam as suas curvas e os seus peitos que pulavam a cada passo que ela dava.
Por outro lado, curiosamente, eu observava Mika.
Isso porque, em toda a minha vida, nunca havia conhecido ninguém tão grande assim, em todas as proporções - desde a altura, passando pela grossura das coxas, do tamanho do quadril e dos peitos que se escondiam por baixo do vestido, mas que pareciam que iriam rasgar a qualquer momento o vestido, pulando para fora.
Era uma combinação incomum de uma pessoa que era mulher, mas que se impunha como se dominasse sobre o ambiente, atraindo para si as atenções, com uma espécie de personalidade magnética que fazia com que as pessoas buscassem agrada-la e serem reconhecidas e notadas por ela - traço esse que provavelmente foi o que fez com que ela chegasse no mais alto cargo do DCE.
⁃ Marcos, Marcos, terra chamando Marcos, você está aí? - Mika perguntou, me olhando curiosamente, com um sorrisinho no rosto.
⁃ Oi? - perguntei, notando que eu havia viajado legal enquanto a conversa se desenrolava ao meu redor - Estou sim.
⁃ Para onde você foi agora?
⁃ Ahhhhh, isso daí é fácil de saber - Pamela falou com desprezo na voz - Para uma certa menina que mal sabe sobre a existência dele e que ele anda obcecado por ela.
⁃ Hummm, quer dizer então que você tem uma crush? - Mika perguntou.
⁃ Eu acho que a definição exata seria “amor platônico inalcançável” - Gilberto falou, rindo.
⁃ Ei, até você? - eu falei, indignado.
⁃ Hahahaha, me desculpe meu amigo, mas é a mais pura verdade.
⁃ Pera, deixa eu ver se eu entendi direito então - Mika falou - Então você gosta de alguém aqui, e não é correspondido?
⁃ Se fosse só isso seria simples. - Pamela falou - O negócio é que desde o dia em que ele pisou dentro da faculdade, está em uma loucura alucinada pela “Senhorita Perfeitinha”, Giovanna, a puritana.
⁃ E você já chamou ela para sair, pelo menos? - a morena me perguntou.
⁃ Ahhh, eu não acho que ele tenha coragem o suficiente para isso. - Pamela respondeu - Mas o que me deixa puta é que a senhorita santinha percebe claramente que o Marcos é afim dela e ao invés de corresponder ou simplesmente falar que não está afim de nada, ela usa ele.
⁃ Ei, ela não me usa não! - eu protestei.
⁃ Ahhh não? Então deixa eu te perguntar: quem fez o trabalho dela de Direito Tributário?
⁃ Eu fiz - respondi.
⁃ E quem organizou toda a apresentação dela do Seminário em Sociologia?
⁃ Eu organizei.
⁃ E quem passou as últimas noites em claro escrevendo um artigo de uma disciplina que você nem está matriculado?
Fiquei em silêncio.
⁃ Está vendo? - Pamela perguntou.
⁃ Ahhh, mas aí é sacanagem - Mika falou - Real, Marcos, um negócio desses me deixa transtornada. De verdade, só de ouvir isso já fiquei borbulhando de raiva.
⁃ Pera, as coisas não são desse jeito que a Pamela está contando - eu protestei.
⁃ Realmente, não são desse jeito - Gilberto falou - Elas são piores.
⁃ Olha, o que que tem de errado em tentar conquistar uma menina do modo antigo? Em tentar agradá-la, tratá-la como uma princesa?
⁃ Porque mulheres não querem ser tratadas como princesas, elas querem ser tratadas como putas - Mika soltou, fazendo com que todos os olhos da mesa se arregalasse e com que eu engasgasse com a minha cerveja.
⁃ O QUE? - eu perguntei, chocado.
⁃ Olha, eu sei que a gente se conheceu só a alguns minutos atrás e provavelmente eu não deveria ter toda essa liberdade para te falar uma coisa dessas, mas situações desesperadas requerem medidas desesperadas. - Mika falou, claramente revoltada com toda aquela situação - Você quer tratar as mulheres como princesas? Ótimo! Mas você sabe o que você vai ganhar? Um bando de amigas que só te tratam como capaxo e que não vão transar com você nem em um milhão de anos.
⁃ Nossa, essa foi pesada - Gilberto falou.
⁃ Pode até ser, mas é a verdade. - Pamela respondeu.
- Deixa eu te perguntar isso então: você acha que tem alguma chance, nem que seja 1%, de você ficar com essa menina, qual o nome dela mesmo?
⁃ Giovanna.
⁃ Isso aí, Giovanna, que você tem a possibilidade, por mais remota que seja, de ficar com ela nessa festa?
⁃ Provavelmente não - eu falei, abaixando a cabeça e entregando os pontos.
⁃ Pior que o Marcos tem razão, tem um motivo para eu chamar essa menina de santinha e puritana. - Pamela falou - Ela é literalmente a senhorita perfeitinha, não bebe, não fuma, não transa, é do coral da igreja, líder de um grupo cristão na faculdade…literalmente a senhorita incorruptível.
⁃ Hummm, é mesmo? - Mika perguntou, com um sorrisinho no rosto - Vamos fazer uma aposta então?
⁃ Aposta? Que tipo de aposta?
⁃ Eu aposto que antes do sol amanhecer, a minha piroca vai estar dentro da buceta daquela menina.
⁃ O QUE? - agora todos nós perguntamos, verdadeiramente chocados.
⁃ É isso daí. - Mikaella respondeu, com um sorriso confiante no rosto.
⁃ Minha querida, isso não vai acontecer nem em um milhão de anos - Pamela falou - Pode confiar.
⁃ Então eu repito: vamos apostar?
⁃ O que você quer? - Pamela perguntou.
⁃ Bom, se você ganhar, eu consigo para você um cargo de diretoria no DCE.
Os olhos de Pamela brilharam, com expectativa do prêmio que ela via como certo, mas também com incredulidade.
⁃ OK, já tá no papo.
⁃ Calma Calma Calma - Mikaella falou - Porque já que você tem tanta certeza assim que a senhorita perfeição ali vai aguentar a noite sem dar, então as apostas também são elevadas se você perder.
⁃ Tá, o que você quer?
⁃ Bom, se você perder, o seu namorado passa a ser minha propriedade - Mikaela disse, soltando a bomba.
⁃ OI? - Gilberto perguntou - Que porra é essa?
⁃ Cala a boca Gilberto - Pamela falou, já vislumbrando o seu cargo de liderança no Diretório e estendendo as mãos para apertar as mãos de Mikaela - Fechado.
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