Por esse amor - Ep. 28: O ÚLTIMO A SABER

Um conto erótico de Escrevo Amor
Categoria: Gay
Contém 2145 palavras
Data: 05/04/2021 23:40:48

Um novo evento estremeceu às estruturas da cidade de Manaus, o retorno da mamãe. Ela era uma mulher espalhafatosa, ou seja, não tinha como passar despercebida. Nossa ligação não era tão forte, mas, naquele momento da minha vida, isso não fazia muita diferença. Existiam outras prioridades como, por exemplo, não surtar por causa do professor Francisco.

A Giovanna pediu para que eu tivesse uma atitude mais ativa, tipo, confrontasse e afastasse o Francisco, entretanto, eu não teria coragem para tal. Encontrei o Well, o líder do Clube de Arte, criando o esboço de um quadro. Eu percebi que ele se concentrava bastante quando entrava em processo criativo.

As linhas de Well são certeiras e densas. Ele estava debruçado sobre a mesa e seus cabelos caem em seus olhos, mas esse fato não o atrapalha em nada. Eu, por outro lado, sempre usei uma presilha para prender o meu cabelo.

Um a um, os alunos foram chegando para mais um dia de aula. Naquela semana, o Clube de Robótica, solicitou a confecção de cartazes para um torneiro que alguns alunos participariam. Nos últimos meses, virei especialista em criar cartazes fofos, principalmente, para o Kleber.

Minha obra prima era um desenho do Kleber na versão chibe que, na cultura japonesa, é um desenho onde os personagens possuem a cabeça maior que o corpo. Eles são criados para dar um toque engraçado ou sentimental. No dia da competição, o meu desenho fez um enorme sucesso, então, levei isso como um incentivo.

— Boa tarde, turma! — desejou o professor Francisco ao entrar na sala.

Ele deixou seu material na mesa e seguiu para a lousa. O professor explicou sobre a demanda e avisou que o nosso deadline (prazo) era às 19h, daquele dia. Um burburinho iniciou na sala de aula, mas o Francisco pediu a nossa compreensão e contou sobre a dificuldade que os times da faculdade encontravam para animar as torcidas.

Após um discurso inspirador, a turma acabou topando. Eu só queria afoga-lo na lata de tinta branca que o Well abriu para distribuir entre os alunos. Nunca fui um cara ciumento ou vingativo, porém, os hormônios estavam à flor da pele. Para não fazer nenhum besteira, respirei fundo e peguei o meu caderno de esboço.

O nome do time era "Nas estrelas com pupunha", uma referência ao filme "Guerra nas Estrelas" e a famosa pupunha, um fruto muito popular e delicioso da Amazônia. Comecei a esboçar personagens famosos da franquia como o Mestre Yoda e Chewbacca, além dos adoráveis R2-D2 e C-3PO.

Sorrateiramente, o professor Francisco se aproximou e ficou analisando os meus esboços. A minha mão direita começou a tremer e o desenho do Baby Yoda saiu horrível. O Well sentiu o desconforto e se aproximou.

— Esse Baby Yoda ia ficar lindo, Santino. — comentou Well sentando ao meu lado e mostrando seus desenhos. — Estou fazendo algo mais regional.

O Well apostou nos traços indígenas da região. Aproveitou a "farinha" no nome do time para complementar a arte como se fosse uma sacola de farinha. Nem preciso dizer que os desenhos dele estavam perfeitos, né? Fiquei até com vergonha por infantilizar o meu cartaz.

Ficamos em uma corrida contra o tempo, o relógio marcava 18h30 quando um dos representantes do time chegou na sala. Que apressado. Artistas não podem ser levados ao extremo dessa maneira, pelo menos, eu achava que não. Ainda bem que ele aprovou todos os cartazes.

Infelizmente, o meu ficou sem vários elementos, mas não fugi da minha ideia inicial que era produzir algo mais voltado para o chibi. O rapaz agradeceu pela ajuda e afirmou que a equipe ficaria motivada por causa dos desenhos.

Nossa! Desenhar tão rápido me deixou com a barriga roncando. Precisei organizar todo o material que utilizei para produzir os cartazes. De longe, observei o professor e o Well conversando sobre a evolução do clube. O sorriso do Francisco estava me dando nos nervos.

O descarado acabou convidando todos os alunos para um rodízio de pizza. Todos adoraram a ideia e, depois de muita insistência, precisei topar e liguei para o Kleber. Não queria deixa-lo preocupado e, também, não queria que ele encontrasse o professor. Acho que o mosquito do ciúmes realmente me pegou.

— Santino, eu não tenho carro. Tú pode me dar uma carona? — perguntou Well, enquanto guardava alguns livros na mochila.

— Claro. Será um prazer. Na volta, te deixo em casa. Não se preocupada. — falei levantando e checando a minha própria mochila.

Não sei vocês, mas sempre tenho a impressão de esquecer algo. Não importa o local que estou, seja uma festa, na casa de um amigo ou na faculdade. Eu dou uma olhada na minha mochila e bolsos para verificar se não estou esquecendo nada. Aparentemente, não deixei nada para trás.

No grupo do curso, o professor mandou a localização da pizzaria. Seguimos para o estacionamento conversando sobre o trabalho que fizemos para o clube de robótica. O Well é um cara muito inteligente e bonito, na minha cabeça de melão, o Enzo e ele formariam um belo casal.

Estávamos a poucos metros do carro, mas já abri as portas, pois, não queria ser surpreendido por nenhum assaltante. Rolavam algumas fofocas sobre ladrões andando no campus. Entrei e joguei a mochila para o banco traseiro. Liguei o sistema de som e fomos cantarolando músicas da Lady Gaga.

— Não sabia que você curtia Gaga, Well. — comentei sem tirar os olhos do trânsito.

— Mesmo? Eu não sou um grande fã, mas conheço algumas canções. — ele explicou batendo os dedos na janela no ritmo da música "Alejandro".

— Sei lá. Você tem uma vibe mais natureza. Pensei que você curtisse bandas como Alaídenegão, Casa de Caba, Chapéu de Palha e Luneta Mágica. — falei mencionando algumas bandas famosas em Manaus.

— Eu sou. Adoro ir para festas alternativas, uma balada na Praia da Lua, um final de semana em Presidente Figueiredo. — Well disse suspirando quando falou o nome de Presidente Figueiredo, uma cidade do Amazonas famosa pelas suas cachoeiras.

Não demorou muito e chegamos na pizzaria. O local estava lotado e tive dificuldades em achar uma vaga no estacionamento. O Well precisou me ajudar na hora da baliza, como já falei sou péssimo em baliza. Com o carro devidamente estacionado, a gente seguiu para a área interna do estabelecimento.

O grupo já estava comendo e conversando sobre as últimas aulas que tivemos. O professor Francisco, apesar dos pesares, era um ótimo educador e sempre extraia o máximo dos seus alunos. Não tive a oportunidade de ter uma "aula de verdade", porém, aquilo que vi no clube de artes era positivo.

— Pensei que vocês não fossem chegar! — exclamou Francisco, voltando sua atenção para uma garçonete que trouxe pizza de tucumã (iguaria regional). — Eu quero essa.

— Desculpa, professor. Levamos um século para estacionar. — explicou Well afastando uma cadeira e sentando.

— Professor? Estamos fora do campus me chame de Kiko. Ah, Santino, sente ao meu lado, por favor. — ele pediu tirando a mochila e colocando no chão.

Sério? Respirei fundo e sentei. A raiva não demorou muito, pois, uma pizza de calabresa chamou minha atenção. Não vou mentir. Amo rodízios, ainda mais de massas. Foquei na comida e consegui ter uma noite agradável. Tive que fingir saciedade, mas conseguiria fácil comer mais algumas fatias de pizza.

— Santino, os seus desenhos ficaram demais. — comentou o professor, antes de limpar a boca com um guardanapo. — Inclusive, aquele que você fez do Kleber ficou fantástico.

— Hum. — respondi, ficando vermelho de raiva.

— Inclusive, vocês formam um casal maravilhoso. — disse o professor dando um sorriso.

— Obrigado.

Eu agradeci o comentário? Santino, sério isso. Eu percebia uma certa malicia na voz do Francisco. A gente decidiu pagar a conta, mas antes que eu pudesse escapar, o professor me puxou para uma parte mais vazia da pizzaria.

— Olha, eu percebi que você não ficou à vontade quando falei do Kleber para a turma. Você está no armário? — questionou o professor, guardando a carteira no bolso e pegando no meu ombro.

— Não é isso. Eu sou muito seguro quanto a minha sexualidade, professor. — soltei, parecendo mais grosseiro do que eu queria parecer.

— Bem. É que como ex-namorado do Kleber, achei que ainda bem que foi coisa apenas da minha cabeça. Adoro jovens bem resolvidos, Santino. Agora, eu preciso ir. Beijos. — ele deu um beijo no meu rosto e saiu da pizzaria me deixando com cara de #$.

— Vamos, Santino? — falou Well pegando no meu ombro e me assustando. — Desculpa. Eu não queria te assustar. Está tudo bem?

— Sim. Está sim. Eu vou só pagar a conta.

"Ex-namorado", "ex-namorado", "ex-namorado". Aquelas palavras martelaram na minha cabeça até 4h da manhã. O professor Francisco era ex-namorado do Kleber. Como isso é possível? Não conseguia dormir. Levantei e fui até a cozinha tomar um copo de leite quente.

Para a minha surpresa, o Sérgio estava lá. De acordo com ele, o pai faria uma reunião para passar a parte do dinheiro referente à venda da casa. O meu amigo não queria dar uns socos no próprio pai, então, decidiu fazer um chá de camomila para dormir.

Depois de uma palestra sobre a importância de não tomar leite de madrugada, o Sérgio acabou me convencendo a tomar chá. No fundo, além da raiva, o Sérgio ainda nutria um sentimento de afeto pelo pai. Na minha opinião, o que mais machucava não era a perda da casa, mas o fato do pai não lhe dar a atenção necessária.

— Sérgio. Você vai embora daqui? — perguntei apertando forte a xícara de chá, mesmo ela estando quente.

— Eu não sei. Você quer que eu vá embora? — ele respondeu com outra pergunta.

— Não, Sérgio. Você não pode responder a minha pergunta com outra. — comentei, ficando chateado pela atitude dele.

— Não, não quer? Me perdi no meio do caminho. — ele afirmou rindo e dando um gole no chá.

— Idiota. Eu me acostumei a ter você aqui. No início, pensei que ia ser difícil, afinal, foram anos sofrendo na sua mão e...

— Eu lamento, Santino. Eu queria muito voltar em uma máquina do tempo e desfazer todas as brincadeiras. — lamentou o meu amigo deixando a xícara na mesa e respirando fundo.

— Entendo. Mas, nos últimos meses, você evoluiu e a nossa relação também. Eu vejo em você, Sérgio, a figura do irmão que eu nunca tive. — me declarei tomando chá.

— Obrigado. O sentimento é mutuo. — ele falou passando a mão direita no meu cabelo e bagunçando. — E você, irmão mais novo, o que te fez perder o sono?

— O Kleber. Quer dizer, não o Kleber em si, mas descobri que ele namorou o meu professor, o Francisco.

— Aquele do curso de arte? Eu já pedi alguns trabalhos dele. Ele desenha muito bem. Você quer que eu investigue? Sou um ótimo detetive, Santino. O meu radar nunca falha, principalmente, para gente mal caráter. — Sérgio aproveitou o momento para alfinetar o Kleber.

— O Kleber não fez nada, Sérgio. Ele me faz muito feliz. Eu queria que vocês se dessem bem. — comentei, na esperança de colocar uma luz naquele coração ressentido.

— Mais fácil eu namorar com a espalhafatosa da Giovanna. — Sérgio disse rindo, pegando a xícara e tomando o chá.

— Olha, eu shippo, hein. Faço até uma arte para vocês. — brinquei fazendo coração com as mãos.

— Não precisa. Estou de boa.

Nunca imaginei que estaria às 4h40 da manhã, na cozinha da minha casa, rindo com o Sérgio. A imitação que ele faz da Giovanna é sublime. No meu coração, a Carla estava vendo tudo aquilo, tendo a certeza que o filho dela não ficaria sozinho. Engraçado o que alguns meses podem fazer na relação de duas pessoas, né?

No dia seguinte, acordei acabado. O chá de camomila não funcionou e precisei contar carneirinhos para dormir. Desci para tomar café e a mamãe praticava pilates no jardim. O Sérgio devorava uma tapioca de tucumã com queijo, ele se tornou um queridinho da chef assassina e, claro, da mamãe também.

— Santino, filhote lindo. Eu peguei o número da mãe do Kleber, a Bruna. A gente marcou um jantar para hoje. — ela anunciou levantando do chão com dificuldade e limpando o rosto com o lenço.

— Olha, Santino. Vai trazer a sogrinha? — perguntou Sérgio, segurando o riso. — Úrsula, eu posso participar, por favor? Eu quero ver o meu irmãozinho apresentando o namorado dele.

— Que engraçado, Sérgio. Espero que a reunião com o teu pai seja eterna. — resmunguei servindo café em uma xícara.

— Magoou. — ele disse passando a mão no peito e rindo.

— Não seja maldoso, Santino. E você está mais que convidado, Sérgio. Você é um integrante desta família. — ela disse, tentando fazer uma pose de pilates, mas tropeçando e caindo no chão.

Minha família é disfuncional, mas será que eu faria certo em levar a Bruna e o Kleber para o olho do furacão. Afinal, a mamãe parece ser uma mulher agradável, mas nunca dá um ponto sem nó. Espero que esse jantar aconteça de forma tranquila e sem grandes acontecimentos.


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