Pai, homem, carrasco, amor - pt 14 de 17
O médico não conseguiu esconder a surpresa pelo modo com que papai se anunciou nem por seu pedido para permanecer durante a consulta. Mas não fez uma expressão hostil. Sorriu, enquanto com a mão indicava para que papai sentasse na cadeira frente à mesa. Fiz igual.
- Bom, o senhor desculpe minha estranheza, mas é que em tantos anos de profissão, é a primeira vez que me acontece algo assim... – virou-se para mim. – É a primeira vez que recebo um paciente para ser consultado junto com o companheiro. Não o censuro, de modo algum, mas é incomum.
Papai tomou a minha frente, na resposta:
- Somos um casal, como marido e mulher. O senhor tem algum problema com isso?
A voz dele foi muito firme – e, na confusão de sentimentos em que inesperadamente me metera, me fez sentir orgulho dele. Não fora propriamente agressivo, mas seu tom foi de quem quer demonstrar que está marcando posição, disposto mesmo a defendê-la. E a posição é a de que éramos um casal.
Eu estava boquiaberto com sua atitude, e confesso que ela me excitou tremendamente. Mas a tensão – ainda bem – a controlou, impedindo uma ereção. Eu temi que toda aquela determinação incluísse revelar nossa consanguinidade.
- Em absoluto. Tenho vários pacientes homossexuais. O senhor não precisa se preocupar com isso. Não me cabe julgar a vida sexual dos pacientes. É um assunto que não me compete. Ela só é importante quando está ligada ao diagnóstico.
- Que bom, doutor. Porque estou procurando um médico que possa fazer o acompanhamento dele. Esses exames periódicos, essas coisas que tem que fazer... Eu não entendo muito, sou homem, o senhor sabe como é... Mas a saúde dele em primeiro lugar.
O médico pigarreou. Devia estar tentando se acostumar ao inusitado da situação. Da minha parte, não sabia bem o que pensar. Eu não era assumido; ver minha homossexualidade exposta assim, de modo tão trivial e à minha revelia, me desconcertou. Papai já o fizera frente aos operários, de forma explícita e sendo igualmente resoluto – mas resumira tudo em duas frases e nunca mais voltara ao assunto com eles. Agora, seria necessariamente diferente. Só havia vivido situação parecida com Alcir, o coroa com quem tivera uma relação fixa por alguns meses, no primeiro ano em que morei na capital. Mas fora em outro nível, bem mais leve, sutil e, de certa forma, mais respeitoso.
Alcir tinha muitos amigos gays, todos assumidos; alguns até excessivamente afeminados. Minha orientação sexual era, obviamente, clara para eles. E, quando saíamos em grupo, parecia-me implícita para qualquer um que nos visse. Mas não foram muitas vezes, porque minha convivência com Alcir se centrava em ficarmos a sós, no apartamento dele, praticamente com o único objetivo de treparmos. Eu não me lembrava de nenhuma situação em que ele formalmente me tivesse apresentado como homossexual, embora isso possa ter ocorrido. Mas, com certeza, nunca me identificara como o parceiro passivo, ainda que pudesse ser perceptível a vários dos amigos.
E agora eu me via numa sala, frente a um desconhecido aparentemente heterossexual, sendo caracterizado como um gay passivo que estava sendo acompanhado e cuidado por um homem que, inesperadamente, se apresentava como seu companheiro exclusivamente ativo. Era despido, sem qualquer aviso ou cerimônia, como o sujeito que dava a bunda, com a prova cabal disso bem ao meu lado: era o próprio comedor quem me despia frente ao desconhecido. E cuja postura era a de me comparar a uma mulher, esposa, a fêmea que requer cuidados específicos de saúde por ser fêmea...!
Eu havia me preparado para enfrentar aquele desafio. Tinha-o feito, porém, como um filho que era obrigado a tal pela autoridade do pai, não como parte de um casal que, a princípio, o fazia por sua própria iniciativa – e a outra parte, o comedor, estando presente. Isso não era um detalhe, uma leve mudança de curso da encenação previamente combinada: a situação mudava completamente.
Era desconfortável, muito desconfortável, mas, ao mesmo tempo, profundamente excitante. Ainda que não tenha me deixado tomar pelo tesão, não tenho como negar que, num certo sentido, estava gostando muito. E o fato de não ter podido decidir, de poder atribuir a responsabilidade exclusivamente a papai, era muitíssimo confortável. Mas ter a sobriedade de minimizar o erotismo daquele momento não fora propriamente uma decisão minha, fruto de algum autocontrole: era mera conseqüência da falta de condições para poder usufruir do prazer da situação; nada mais do que isso.
- É normal que pacientes homossexuais encarem o proctologista como uma espécie de ginecologista para homens, se é que faz algum sentido essa expressão. Já atendi vários pacientes que me procuram com esta perspectiva; muitos mesmo. E, de certa forma, estão certos, mas não...
- Somos muito unidos. Estou preocupado com ele, doutor. E o Mateus é muito tímido, envergonhado; precisa de alguém que cuide dele, entende? Achei melhor vir junto.
- Mas qual o problema que está sentindo, Mateus?
Papai ignorou solenemente que o médico havia se dirigido a mim:
- Nada; ele está bem. Problema mesmo, ele não tem.
- É isso mesmo, Mateus?
Apenas assenti com a cabeça.
- Mas, então... O que vocês desejam de mim?
- Doutor, acho que posso ser franco com o senhor...
- Deve.
- Estamos juntos já há alguns meses; coisa firme, séria. E... Nossa vida sexual é muito ativa, sabe, doutor.
- Entendo. Praticam a sodomia com freqüência.
- Não. Só eu que pratico.
O médico sorriu discretamente para si mesmo. O gongo soou na primeira grande vergonha da partida após a maior delas já ter se estabelecido.
- Entendo – fez uma pausa, e olhou para mim. – Com muita frequência?
Papai retomou a palavra:
- Sim, acho que sim. Não sei; apesar de estar nessa, não entendo muito de coisas gays, de como os casais assim são. Não sei o que é normal, o que não é...
- Qual a freqüência?
Papai calou-se. Olhou para mim – talvez pedindo desculpas por antecipação, talvez me preparando, mas certamente não pedindo ajuda nem autorização.
- Diariamente? – palpitou o médico, tentando tornar as coisas mais fáceis.
- Sim. Quer dizer... Diariamente, mas pelo menos duas vezes.
- Duas vezes ao dia? – quis confirmar, sem alterar a voz.
- É. Às vezes, mais. Mas, assim no geral, pelo menos duas por dia.
Segundo gongo dos vexames radicais. Agora, ninguém mais tinha dúvida de que eu era a cadela no cio que era fodida o dia inteiro. E, a esta altura, o médico já me ignorava sem qualquer pudor. Tratava meu pai como se a consulta fosse dele, e não minha:
- E, ultimamente, o senhor tem sentido alguma dificuldade, algum incômodo ao conduzir o coito anal?
- Não, doutor, não. Eu estou preocupado é se isso pode estar fazendo algum mal a ele, entende? Ele não era tão experiente assim quando nos conhecemos. Não era virgem, mas ainda era... Tinha o... Um pouco mais fechadinho, o senhor entende?
Dum... Terceiro gongo.
- O senhor tem medo de está-lo machucando...
- Isso. Queria que o senhor desse uma examinada; visse se tem alguma coisa que possa evoluir para uma complicação mais séria.
- Ele reclama?
- Não. Ele não é de reclamar de nada. Fica sem graça de me contrariar, mais ainda nessas horas.
Cadela e também bocó. Minha imagem ali era invejável. Mas ele não se deu por satisfeito, parecendo querendo frisar todo o tempo que assumia plenamente sua vida homossexual comigo, da mesma forma que sua posição de ativo:
- Ele compreende minhas necessidades de homem. É perfeito; um bom companheiro. Somos um casal muito feliz. Não reclama. Mas é claro que me preocupo, doutor.
- Bom, então, vamos ver – respondeu, fazendo menção de levantar-se.
- Doutor, deixa eu falar uma coisa. É que eu tenho uma dúvida que está me atormentando um pouco. Queria que o senhor me esclarecesse logo, e talvez tenha a ver com alguma coisa que o senhor possa encontrar nele.
O médico reacomodou-se na cadeira.
- Pois não.
- É... O meu... A minha... O esperma. O esperma que eu deixo nele pode estragar ele por dentro?
Quarto gongo.
- O senhor não usa camisinha?
- Claro que não.
- Mas vocês sabem o risco que correm, não?
Papai deixou escapar uma entonação que revelava uma ponta de ofensa:
- Menor do que se eu ou ele estivesse com qualquer outro.
- Não é recomendável. Não mesmo.
- Mas é assim – papai respondeu, encerrando o assunto.
- Bom, o esperma por si mesmo não faz qualquer mal ao canal retal; a nenhum dos órgãos atingidos durante o coito.
- Tem certeza?
Quinto gongo. O médico não respondeu.
- É que ele fica com meu... Ele não expele na hora; diz que às vezes acaba nem colocando para fora. Gosta de ficar com ele, entende...?
- Não representa perigo algum, exceto o da contaminação de doenças. Mas com isso o senhor parece achar que não tem razões para se preocupar.
- Não mesmo.
O médico levantou-se e, finalmente, resolveu me olhar. Fez sinal para que eu fosse para a outra sala, delimitada por uma estante grande.
O exame não demorou muito. Ele agiu com muita delicadeza e profissionalismo. Mesmo assim, agora me parecia estranho ver-me sendo tocado por um homem que não fosse meu pai. Mais estranho ainda sendo na frente dele. Eu permanecia mudo, apenas respondendo com monossílabos quando o médico me fazia alguma pergunta.
- Está tudo certo. Podem ficar tranqüilos.
Virei-me logo, para me recompor. Ele já se preparava para tirar as luvas, quando papai o interrompeu:
- Tem certeza, doutor? Não é melhor olhar de novo? É que, às vezes, eu perco a cabeça na hora... O senhor sabe como é que é; a gente se entusiasma e... O senhor poderia olhar de novo para ver se está tudo certo mesmo?
Sexto gongo.
- Meu senhor, não há a menor necessidade – respondeu, mas não tirou as luvas.
E completou, certamente se contendo para não demonstrar irritação:
- Eu fiz o procedimento como é indicado, com toda a atenção. Não há necessidade de repetir. Ele não tem nada.
Sétimo gongo.
Voltei à posição enquanto falavam, pondo logo a bunda novamente de fora. Já sabia de antemão quem ganharia aquela parada.
- Mas não lhe custa, doutor – papai disse com firmeza, sem chegar a ser ríspido.
- Está bem – concedeu o médico. – Se o senhor vai ficar mais tranqüilo assim...
Tentei não perceber como papai se aproximava exageradamente enquanto o médico repetia o exame. Mas meu pau acusou o efeito de sua parceria junto a um outro homem cujos dedos percorriam meu sexo – o sexo do qual o dono era ele, e que ele permitia ser tocado por outro, desde que sob sua vigilância. Meu corpo, parcialmente deitado, impedia que a ereção fosse notada, mas, mesmo assim, tranquilizei-me quando constatei que ela fora breve.
- O senhor não acha que... Essa abertura toda que ele consegue; o senhor deve ter reparado... O senhor já viu assim antes?
Oitavo gongo. Resolvi parar de contar.
- Falamos sobre isso à minha mesa, ok?
Quando definitivamente terminou, deu um tapinha em minha bunda, como se só precisasse ser formal com meu pai. Pudera: eu era a bichinha panaca que, além de arrombada, gostava de ficar com a porra do macho em seu cu até o fim da vida!
Tirou as luvas enquanto eu me arrumava. Eu estava conformado em resumir-me a mero objeto de exame. Já previra que seria assim, como também tinha imaginado que a consulta acabaria não sendo dirigida pelo médico, mas sim comandada por meu pai. Os dois voltaram para a saleta anexa. Já conversavam quando eu voltei a sentar. Eu era um homem de 22 anos, e não uma criança, mas, claro, minha presença não tinha a menor importância. Cabia aos dois se entenderem entre si.
- Os esfíncteres são músculos. Reagem como quaisquer músculos do corpo. Quanto mais exercitado, mais eficiente se torna.
- Quer dizer então que, se eu meter...
Papai silenciou. Ainda havia alguma esperança no horizonte da minha hombridade. O médico remendou-lhe:
- Quer dizer que eles desenvolveram uma maior capacidade de dilatação, da mesma forma como também de contração. Vocês praticam fist-fucking?
Pela primeira vez, vi meu pai olhar para mim em busca de ajuda. Já ia abrir a boca, quando me dei conta que vacilava em como chamá-lo. A vida inteira tinha sido “papai”, “pai”, “meu pai”. Naquele momento, entendi o porquê de tanta recomendação para que eu pesasse as palavras antes de dirigir-me a ele.
- É penetração usando o punho – expliquei, não contendo um acanhamento na voz. – Há homossexuais que fazem isso. Casais heterossexuais também.
- Com o punho...? Quer dizer, enfiar a mão? Mas, atrás??? – virou-se para o médico: – Claro que não, doutor!
- O fist-fucking não é uma prática recomendável. E pode causar lacerações graves, se não for realizado com os cuidados necessários. Mas, pelo que percebo, não há esse risco, no caso de vocês.
- Não mesmo. Não faço isso nele. Mas, essa dilatação, mesmo não sendo assim como nesse negócio de usar a mão... Há algum risco por causa dela? Quero dizer... Vazar quando ele estiver andando, não sei...
Contive-me para não apertar os olhos. Aquela doeu fundo – e já tínhamos falado nisso!
- Vazar?
- Sim... As fezes... Não tem risco...?
Eu não sei como aquele médico não caía na gargalhada. Teria que ficar um bom tempo tomando fôlego para mandar entrar o paciente seguinte, depois que saíssemos.
- Não; não existe isso... Como lhe disse, o esfíncter desenvolve a capacidade de contração tanto quanto a de dilatação. O que talvez possa ocorrer é quanto aos gases, porque...
- Ele não tem gases, doutor.
Claro: sou uma princesa! Ai, meu cacete...!
- Todo mundo tem gases, meu senhor. Ele deve esforçar-se ao máximo para contê-los na sua presença. Prefere se reservar quando os expele, em consideração ao senhor. É como as mulheres costumam fazer; mas isso não é bom para o organismo.
Meu pai o ficou encarando. Seu semblante não era ameaçador, mas um pouco perplexo. Era estranho vê-lo numa situação como aquela, sem tanta segurança. Ele parecia meio bobo, como se agisse sob anestésicos, mas ao mesmo tempo com certa agitação. Encobria, mas qualquer um que o conhecesse percebia que estava um pouco fora de esquadro
- Como ele está com uma capacidade de dilatação bem acima do usual, quero dizer, acima daquela que tem alguém que não é sodomizado, o que ocasionalmente pode ocorrer é a expulsão dos gases em maior volume; maior volume numa mesma vez, quero dizer. E isso pode gerar acidentes. Mas nada muito indiscreto.
Voltou-se para mim. Finalmente.
- Você pratica enema?
Fiz que sim com a cabeça.
- Imagino que diariamente, dada a vida sexual de vocês.
- É. Mais de uma vez ao dia.
- Também não é uma prática recomendada.
- Umas quatro vezes por dia, na verdade – completei.
Ele não se fez de rogado, e prosseguiu:
- O enema retira a lubrificação natural do reto. Também força a expulsão de microorganismos que são importantes para a própria saúde. E esta área, Mateus, tem tecidos muito absorventes. Eles absorvem o conteúdo de um supositório, por exemplo, com a mesma eficiência que também podem absorver impurezas. Você faz o enema com água comum, da torneira?
Meu pai disse que sim.
- Não é recomendável. De jeito nenhum. Mesmo que faça com menor frequência. Há produtos para isso, mas seu uso pode sair muito caro, no seu caso. Ou, pelo menos, se você usasse água potável...
- Posso instalar um filtro pra ti no chuveirinho do vaso, Mateus.
Não respondi, óbvio. Nem ali nem depois, quando ele ofereceu novamente, a sós comigo: mesmo que essa possibilidade fosse remota em se tratando do banheiro da suíte, como poderíamos justificar aquilo se alguém visse?
- O enema também prejudica a mucosa, a lubrificação do canal retal. Microlesões são comuns durante o coito anal. Uma lubrificação insuficiente aumenta muito a quantidade com que ocorrem.
- Ele se lubrifica direitinho, doutor.
- O que ele usa para isso, exatamente? Há substâncias que se mostram até eficientes, mas que a longo prazo podem causar danos.
Este foi o único momento em que papai não dirigiu a consulta. Bem ao contrário: ficou ostensivamente alheio ao que falei ao médico e a toda conversa. Mais tarde, me diria que havia se constrangido – constrangido?! – por ter de compartilhar daquela minha intimidade.
- Eu não entendi, pai. O tempo todo vocêhomem sabe que sua mulher faz coisas, que se prepara para ele. Mas não quer saber desses detalhes, não quer presenciar. Nem ela quer dividir isso com ele, Mateus.
- Mas eu não sou uma mulher!
- Mas é como se fosse, nessas coisas. Quero tu prontinho, arrumadinho. Mas não tenho nada que ver como tu faz, saber como tu faz. Tu nasceu assim como chega pra mim, todo cheirosinho. Assim que tem que ser.
Depois de aprovar e me parabenizar pelo modo como eu fazia, o médico listou – obviamente, não para mim – alguns sinais que, caso ocorressem no futuro, poderiam indicar problemas. Começava a encerrar a consulta, quando papai perguntou qual a periodicidade com que, dali para frente, ele deveria me levar para os exames.
O médico, evidentemente, disse que não havia razão para exames periódicos; que eu só precisaria voltar se houvesse alguma alteração. Meu pai insistiu. Ele acabou estabelecendo que poderia ser anual.
- Então, estamos combinados, não é? O rapaz pode voltar no ano que vem. O senhor não precisa vir.
- Eu venho, doutor.
- Não é necessário.
- É, sim; mais seguro.
O médico fez uma ligeira pausa. Armou um sorrisinho protocolar, e arregou:
- Ok. Então, lhe espero no ano que vem, e o senhor traz o menino – respondeu, certamente aflito para se livrar daquele casal estranhíssimo. E, finalmente, ter paz para poder rolar de rir daquele marido doido.
[continua]