O garoto da mesa 09 capítulo 05

Um conto erótico de Wurdig
Categoria: Homossexual
Contém 4394 palavras
Data: 28/11/2015 03:30:53
Assuntos: Homossexual, Gay, Romance

Dricka: obrigado, de verdade!

R. Ribeiro: é, as coisas tavam complicadas pro Edu, mas agora vai tudo se encaixar! Obrigado por acompanhar! Abraço

Hello: obrigado!

__

- vocês não vão me responder?

Meu pai já estava visivelmente irritado e impaciente.

- eu não queria te preocupar Paulo, mas Eduardo saiu ontem à noite e chegou bêbado em casa. Teve que ser carregado por um amigo.

Boa, mãe. Apesar de queimar meu filme, eu agradeço por ter contornado a situação.

- hum, o garoto nunca sai, deixa ele se divertir um pouco.

- não acho que pra se divertir ele precise beber até cair, Paulo. Mas eu sei que você discorda, porque na pratica é a mesma coisa.

- ih Helena, começa não.

Então, ele vai até a geladeira e pega as coisas pro café da manhã. Solto um suspiro de alívio, e permaneço em silêncio. Será que agora eu poderia me reaproximar de Felipe? Com esse enorme peso tirado das costas, eu tenho quase certeza que sim. E eu me sinto feliz por isso.

Estou no meu quarto arrumando minha prateleira de livros e CDs quando alguém bate na porta.

- pode entrar.

Como eu esperava, era minha mãe. Ela entra, suspira e faz uma expressão de alívio, e nós dois rimos.

- obrigado mãe.

- não tem de quê.

Ela se senta na cama, próximo de mim, e me pergunta.

- Edu, deixa eu te perguntar uma coisa?

- claro mãe, fala ai.

- o menino que te trouxe ontem, Felipe né?

- isso.

- vocês...

- não. Quer dizer, eu gosto dele. – essa parte são quase como um sussurro pra não ter perigo do meu pai escutar. – mas a gente não tem nada.

- era por ele que você andava assim estanho nos últimos dias?

Abaixo a cabeça e lembro desses dias horríveis que se passaram.

- sim.

Quando a olho de volta, sua expressão é de ternura. Ela toca meu braço em um gesto de consolo.

- filho, vai ser feliz. So eu te peço por favor, seja cuidadoso. Sejam discretos, os dois. Mas que sejam felizes. Eu pude conhecer ele ontem e vi o quanto ele se importa com você, e mesmo eu nunca ter ouvido falar dele, já percebi que a razão de você ter ficado feliz de uns tempos pra cá, assim como você ficou tão triste recentemente, era ele.

Me aproximo dela e lhe dou um abraço.

- obrigado minha mãe. De verdade.

Ficamos assim alguns segundos. Me sinto ainda mais leve.

- bom, eu tenho que ir. Daqui a pouco eu e seu pai já estamos indo pro restaurante. Se cuida filho, até de noite.

- se cuida também mãe. Até de noite.

Assim que ela sai do quarto, pego meu celular e disco o número de Felipe. Meu coração pulava de felicidade dentro do meu peito.

-Ei.

Ele não responde por milésimos de segundo, e me sinto nervoso.

- Edu?

- Eu mesmo, olho roxo. Você tem um minuto?

- Claro. Aconteceu alguma coisa?

- Você ainda lembra o camino da cachoeira?”

- Lembro, claro. – sua voz parecia um pouco mais animada.

- Te encontro lá as 13h, então?

- Combinado. – apesar de falar apenas uma palavra, ela saiu de sua boca quase como um riso de felicidade. Podia imaginar a cena do outro lado da linha.

Solto um sorriso de orelha a orelha. Minha vontade era de sair dançando pelo quarto.

Chego na cachoeira um pouco cedo demais. Minha ansiedade chegava a ser irritante. O dia estava tão lindo, parecia que tudo estava a favor da gente. Olho no relógio e está quase na hora combinada. Não aguento mais esperar pra ver ele, abraçar ele, é recuperar o tempo perdido. Então avisto ele na clareira, vindo em minha direção. Meu coração acelera.

- ei.

- ei. Como você tá?

- eu to indo. E você?

- eu to um pouco melhor. Tenho uma coisa pra te falar.

Ele me escuta com atenção, me olhando com cautela.

- primeiro de tudo eu queria te pedir desculpas pelo que aconteceu ontem.

- tá tudo bem. Só quero que você se cuide.

Solto um sorriso de agradecimento e continuo.

- e queria te contar que eu me assumi pra minha mãe.

Sua expressão se ilumina, num misto de surpresa e felicidade.

- você fez o que? – nesse momento ele sorria feito um bobo.

- eu falei pra ela que eu sou, bom, você sabe.

Ainda era complicado assumir pra mim mesmo e falar com todas as letras a palavra g-a-y. Acho que o pior preconceito vinha de mim mesmo.

- isso é ótimo Edu! – ele se aproxima e me abraça, um pouco sem jeito, mas eu retribuo com outro abraço caloroso.

- mas tá tudo bem? Como ela reagiu?

- tá tudo ótimo, foi melhor do que eu pensei.

Ele pára pra me olhar, um olhar carinhoso.

- senti sua falta.

- eu também senti muito a sua falta. – minhas palavras saem como um suspiro. Não acredito que fiz ele sofrer assim por esse tempo todo. Dou um passo à frente e o abraço firme. Sinto seu cheiro, seu calor, sua respiração tão acelerada quanto a minha.

Então, me desvencilho dele e começo a olhá-lo. O sol batia em parte de seu rosto, iluminando seu cabelo levemente bagunçado, e seus olhos úmidos de emoção, eu acho.

Estamos na beira da água, encostados em uma pedra alta com formato estranho. Pouso minha mão em seu rosto, lhe fazendo carinho na bochecha. Meu coração acelera mais ainda. Ele fecha o olho em reação ao meu toque. Me aproximo mais, sentindo sua respiração.

- acho que vou roubar um beijo seu dessa vez.

- ladrão que rouba ladrão, 100 anos de perdão.

Rimos baixinho, em um misto de felicidade e ansiedade. Deus, esse momento é tudo o que eu queria. Encosto meus lábios nos dele, devagar. Sinto sua boca quente e úmida. Ele coloca seus braços ao redor de mim. Meu corpo se aquece. Nosso beijo é lento, com intensidade, como se esperássemos uma vida inteira por isso. E caramba, isso me parece tão certo nesse momento. Ficamos nos beijando pelo que me parecem minutos. Quando paramos, me afasto pra olha-lo. Seus olhos lacrimejavam. Sinto que os meus também. Ficamos nos olhando por um tempo, sentindo a emoção do momento. Aquilo era mágico.

- como foi? Quando você contou?

Estamos caminhando na propriedade ao lado da cachoeira, em um vasto gramado, com alguns cavalos no fundo.

- a pior parte foi eu escolher as palavras. Depois que eu contei a ela, e ela reagiu bem, eu me senti meia tonelada mais leve. O pior foi quando meu pai quase ouviu nossa conversa. Foi por pouco.

- fico muito feliz por você, Edu.

Solto um sorriso de agradecimento e lhe dou outro beijo, desta vez, breve.

- mas por que você acha que seu pai não aceiraria?

- meu pai não é igual o seu, Felipe. Seu filho ser gay seria motivo de vergonha pra ele. Nem sei o que ele faria.

- nossa Edu, acho que você tá exagerando. Ele é seu pai poxa, pode não aceitar, mas você continua sendo filho dele.

- não é tão fácil assim.

Nos sentamos aos pés de um cedro com a copa densa, formando uma sombra enorme. Me aninho em seu colo, e sinto sua mão me fazendo carinho no cabelo.

- desculpa.

- pelo que?

- por ter me afastado assim de você. Por ter feito você sofrer. Eu achei que era o melhor, mas não era. Isso só me fez ficar pior, e você também.

- tá tudo bem, Edu. Agora você tá aqui.

Ficamos assim pelo que me pareceram horas.

________________________________

Estou na biblioteca. A aula de educação física está vaga novamente. Isso tem se tornado frequente. Meu professor ficou doente. Estamos na última semana de aula antes das férias de inverno. O tempo havia passado voando. Um temporal acabou danificando o ginásio da escola, destelhando tudo e fazendo as interséries serem adiadas para depois do retorno das aulas, em agosto. Só agora que tudo foi arrumado.

- ei estranho.

Felipe me assusta.

- caramba que susto. Onde você tava?

- fui ao banheiro. Imaginei que você estaria aqui. Sexta feira de tarde eu estou indo viajar pra Porto Alegre. Vem comigo?

Meu rosto se ilumina. Porto Alegre!

- mas assim do nada?

- não é do nada. Meu tio vai se casar, meus pais não perderiam isso por nada. Ai como eu sei que você quer muito conhecer lá, pensei que você quisesse ir junto comigo.

- claro que eu quero, mas... eu não sei. O que sua família vai pensar?

- vão pensar o que eles quiserem. Vamos Edu.

Seus olhos de súplica eram meu ponto fraco.

- eu preciso ver com a minha mãe antes. Tem o restaurante também. Eu te aviso pela noite, pode ser?

- claro.

Ele então me planta um beijo rápido na boca. Eu me assusto.

- Felipe!

Olho para os lados e não tem ninguém. Estamos entre as prateleiras, bem no fim da biblioteca.

- não resisti. Além do mais, se minha chantagem emocional não te convence, ou nem mesmo meu beijo, pensa que é Porto Alegre.

Ele deixa essa frase e sai, me deixando pensativo. Nossa, eu quero muito ir. Não poderia esperar até de noite pra saber a resposta. Saco meu celular do bolso e mando uma mensagem pra minha mãe.

“Oi mãe. Preciso falar com você, quando estiver livre me responde. Beijo.”

Depois de alguns segundos meu celular vibra.

“Oi filho, tá tudo bem?”

“Tá, eu só queria te perguntar se tem problema se eu for viajar pra Porto Alegre com o Felipe no fim de semana. Me preocupo com o restaurante.”

“Não tem problema filho. Vá se divertir um pouco, sai de casa.”

Começo a dar pulinhos de alegria.

“Valeu valeu valeu mãe!”

Estou arrumando minha sacola de viagem. Julgo que uma mala seria exagero para apenas um final de semana. Separo duas camisas sociais, a gravata, o blaser e a calça social em um canto. Pego no guarda roupa mais uma calça jeans e algumas camisetas de manga curta que eventualmente eu poderia usar. Estou com um casaco que vou levar na mão. Coloco tudo com cuidado dentro da sacola. Minha mochila está com minhas coisas de higiene pessoal. Desço com tudo até a sala e fico esperando Felipe chegar. Na aula ele havia me dito que chegaria por volta das 14h. Mal me sento no sofá e escuto uma buzina em frente de casa. Pego tudo e vou até a porta. Quando saio, vejo um Ford Edge preto estacionado no cordão da calçada. Sem dúvida é um carro e tanto. Felipe é a primeira pessoa que meus olhos encontram. Ele está no banco de trás, janela abaixada, com um sorriso bobo, olhando pra mim. Aceno discretamente, e ele responde. Seu pai desce do carro e vem ao meu encontro, sorridente. Vestia uma polo vermelha e calça jeans. Aparentava ter uns 40 anos mais ou menos, cabelos levemente grisalhos, mas muito novo, conservado.

- olá Eduardo, tudo bem? Prazer, César.

- o prazer é meu, Dr. César.

- me chame só de César filho.

Ele então me ajuda a colocar minhas coisas no porta malas junto com o restante das malas. Então entro no carro e vejo a mãe de Felipe. Ela é tão linda. Cabelos castanhos e ondulados, caindo na altura das costas, não muito longos. Seu rosto era tão jovial quanto a de César, embora aparentasse quase a mesma idade, talvez um pouco menos.

- olá Eduardo. Tudo bem? Prazer, meu nome é Paula.

- olá Paula, o prazer é meu.

Não consigo ver sua roupa, pois ela está no banco da frente. Mas posso ver que as alças largas brancas revelam uma peça certamente finíssima.

Estamos na rodovia, e vejo as árvores passando rápido por nós. O sono começa a me incomodar. Encosto minha cabeça no banco e relaxo. Pouco depois eu durmo.

Sinto alguém me cutucando.

- que foi? – minha voz sai sonolenta.

- acorda dorminhoco, tá perdendo a paisagem.

Abro meus olhos e olho pela janela. Já estamos em Porto Alegre. Os prédios sumiam pra cima, muitas construções, grande movimentação de pessoas nas calçadas. Que loucura. Olho maravilhado pra tudo, pensando que daqui a um ano eu estarei aqui. E é exatamente como Felipe me falara. Tudo muito cinza. Mas isso é uma das coisas que eu acho lindo lá. Esse contraste de onde eu vivo. Sinto uma pontada de ansiedade dentro de mim. Andamos mais alguns minutos até que chegamos em um prédio muito alto, espelhado. Entramos na garagem do subsolo, e César estaciona em uma vaga. Apesar de haver luz, ainda é um pouco escura. Descemos do carro e pegamos nossas coisas no porta malas, seguindo até o elevador. Paula digita um código no painel, e então subimos. O que será isso?

Subimos até a cobertura. Óbvio, era por isso. Quando as portas se abrem, fico ainda mais maravilhado. De cara a sala de estar com um sofá de couro preto que combinava com duas poltronas brancas e uma televisão enorme de tela plana me dão a sensação de que eles eram, bom, realmente bem de vida. A janela enorme que nos revela uma vista incrível da cidade completa o cenário. Sigo os demais como um cachorro perdido até as escadas. Posso ver a cozinha de relance. Chego em um quarto.

- aqui é o quarto de hóspedes Edu. Pode ficar a vontade. Tem um guarda roupa, se quiser acomodar suas coisas depois. Mas a gente já vai começar a se arrumar. É melhor se apressar.

- obrigado, César.

Lhe dou um sorriso simpático e ele me deixa sozinho no quarto. Vou até minha janela e olho para aquela imensidão. É uma vista e tanto. Céu azul, prédios quase o arranhando. Vida apressada. Meu sonho diante dos meus olhos, ao vivo.

Acabamos de chegar na frente da catedral, e eu estou encantado com a beleza e riqueza de detalhes. A construção é obviamente centenária, e muito bem cuidada. A entrada é majestosa, com uma grande porta de carvalho aberta, de onde sai um tapete verde com material semelhante à grama, fazendo seu caminho até o início da calçada. Ao entrarmos, folhas secas espalhadas pelas beiradas dos bancos, junto com arranjos de rosas brancas, e pequenas velas artesanais. A decoração se confunde com a beleza natural da igreja, que faz tudo ficar ainda mais lindo. Há muitos convidados presentes, e o noivo já está de pé em seu lugar, visivelmente aflito. Esta vestindo um terno tradicional, porém muito elegante. Aparenta ser novo, talvez uns 30 anos pra cima. Já apresenta sinais de calvície, e tem a barba cuidadosamente desenhada. O padre também já está em seu posto, colocando em ordem algumas coisas no altar.

Após cerca de meia hora, a marcha nupcial começa a tocar. Automaticamente todos se viram para a entrada da igreja. A noiva está na porta, deslumbrante, usando o tradicional vestido branco sem alças, cheio de pedras na parte superior. Sua calda está sendo segurada por duas meninas de mais ou menos 10 anos, que eu não conhecia. A terceira menina um pouco mais nova vem na frente, com um pequeno cesto artesanal branco onde certamente devem estar as alianças. A noiva aparenta ter mais ou menos a mesma idade do noivo. Tem a pele bronzeada, e cabelos escuros presos em um coque. Formam um casal lindo. A cerimônia em si não durou muito tempo. Tudo muito tradicional, com direito a choro da maioria das mulheres presentes. No final, os noivos seguiram até a festa com um Cadillac branco conversível, dos modelos antigos.

Estamos indo para a festa. A cidade é ainda mais bonita de noite. As luzes dos prédios, o céu perfeito, o tráfego intenso de veículos nas ruas, tudo me encanta. Ao chegarmos, vejo que os tios de Felipe moram num dos condomínios mais luxuosos de Porto Alegre. Ao decorrer da rua inteira estavam estacionados dezenas de carros. Não havia um carro que não parecesse super caro. Alguns até importados, como Mercedes, Audis e Volvos. E eram todos de donos que estão na festa. Meu queixo está caído. A casa, talvez a maior e mais luxuosa que eu havia visto lá dentro, impressiona por absolutamente tudo. Apenas um gramado separa a calçada da alvenaria. Em estilo contemporâneo, de dois andares, com uma monumental porta de vidro ao lado da garagem, onde certamente é o hall de entrada. Ao entrarmos, já haviam muitos convidados na sala de estar. Todos trajando roupas elegantíssimas. Um garçom passa por mim oferecendo champanhe. Tudo muito formal.

- Uau. Seus tios parecem ser muito bem de vida. – tento soar o mais imparcial possível, tentando esconder meu queixo caído.

- meu tio é piloto de avião. Minha tia é cirurgiã plástica. Pode se dizer que eles formam uma dupla com grande poder aqui na cidade.

- deve ser por isso a quantidade de convidados. Eu digo, olha quanta gente.

Realmente, havia muitas pessoas. No mínimo umas 150, sem dúvida.

- Edu eu vou parabenizar meus tios. Você vem?

- claro.

Costuramos a pequena multidão e vamos até os recém casados.

- oi tio! Meus parabéns. Não pude te cumprimentar antes, por causa da correria. Como você tá?

- oi Felipe! Obrigado. Quem é seu amigo?

Ele me olha curioso, e eu logo trato de me apresentar.

- boa noite Marcelo. Meu nome é Eduardo. Meus parabéns.

- obrigado Eduardo, o prazer é meu.

Então, seguimos até Marcela, que conversa com um grupo de mulheres. A cumprimentamos também, e seguimos para os fundos da casa, onde a festa acontecia de verdade. Luzes, mesas com orquídeas, um telão logo após a monumental piscina, passando uma edição com fotos do casal. A piscina, decorada com bexigas redondas vermelhas, destaca o restante da decoração impecável. Um DJ toca musicas variadas perto do telão.

Quando uma música romântica começa a tocar, todos os casais das mesas vão para a pista, inclusive César e Paula.

- vem comigo. – Felipe se levanta assim que a música começa.

- pra onde?

- vem, eu te mostro.

Então, estamos em um jardim com alguns bancos de madeira envernizada, pinheiros e um gramado extenso.

- dança comigo?

Felipe estende a mão para mim.

- aqui?

- bom, lá na pista não dá. Pensei em fazer nossa pista particular.

Eu sorrio e estendo minha mão de volta, e então ele me segura com uma mão nas costas, e a outra segura a minha mão. Estamos dançando lentamente.

- obrigado.

- obrigado pelo que?

- por ter me trazido até aqui. Eu digo, Porto Alegre, essa festa, sua família. Tá tudo perfeito.

Aproximo meu rosto do dele novamente e o beijo. Nesse momento eu percebo o quanto eu o amo.

Acordo com a luz do sol esquentando meu rosto. Sinto um peso me abraçando, então me assusto. Olho para trás e vejo Felipe dormindo calmamente. Sua respiração é uniforme, e a boca está levemente aberta. Está aninhado em volta de mim. Ele consegue ser ainda mais lindo pela manhã. E eu estou furioso com ele. Quando ele entrou aqui? Mas estou feliz também. Preciso levantar. Vou verificar se tem alguém acordado. Espero que ninguém tenha nos visto juntos. Desço as escadas e tomo um susto. César e Paula estão na cozinha, e ambos parecem exaltados. Fico parado no topo da escada ouvindo a discussão.

- não tem nada demais Paula. Os dois foram discretos ontem. Eles sempre foram.

- esse não é o ponto, César. Todos perceberam. O Felipe vai virar motivo de piada na família. Eu não gosto desse namoro e ponto.

- eu sei disso Paula, eu sei das consequências. Mas é a felicidade do nosso filho. Eu não vou proibir ele de ficar com o Eduardo se e isso que deixa ele feliz.

Paula bufa.

- você que aguente as piadas e fofocas sozinho. Eu estou deixando bem claro que não gosto dessa ideia.

- Paula, nosso filho é gay. Sempre foi. E eu sei que você sabe disso. Você não pode fechar os olhos pra realidade. Por acaso você deixaria de amar menos o Felipe por causa de alguma fofoca?

- que pergunta idiota César, claro que não.

- então. A melhor forma de amor que você pode dar pra ele é apoiá-lo. Felipe cresceu e virou um ótimo rapaz. O Eduardo também é um menino ótimo. Não vejo problema no relacionamento deles.

- eu não vou discutir, César.

Vejo que Paula vem em direção a escada, e volto para o quarto às pressas. Ainda estou um pouco pasmo pelo que ouvi. Fico triste pela posição de Paula quanto ao nosso namoro. Ela deixou bem claro sua intolerância, o que me deixa desconfortável. Felipe se mexe na cama, e logo me procura, os olhos sonolentos.

- bom dia.

- bom dia dorminhoco. Como você veio parar na minha cama?

- a saudade foi muita.

Vou até a beira da cama e lhe dou um beijo breve.

- vamos conhecer a cidade?

- vamos. – meu rosto se ilumina. – e onde nós vamos primeiro?

- Hum... Eu sugiro irmos ao parque da redenção. O que você acha?

- já vi fotos, ele é lindo. Por mim, tá fechado.

Então, nos levantamos e começamos a nos arrumar. Escolho uma roupa bem confortável, já que iríamos caminhar bastante durante o dia. Pegamos o ônibus duas quadras abaixo do prédio, e partimos rumo ao nosso destino.

- olha a quantidade de gente nas ruas. É incrível. Eu ainda não me acostumei com isso.

- bem-vindo a Porto Alegre, Edu.

As pessoas apressadas, os ônibus lotados, tudo era muito diferente da minha cidade. Chegava a ser engraçado quando se comparava.. Quando chegamos no parque, ainda estava um pouco vazio. Apenas alguns jovens sentados no gramado, alguns lendo livros, outros conversando. O chafariz jorra água, deslumbrante, enquanto mais adiante dois casais andavam de pedalinho no lago. O cenário era lindo.

- é incrível ver tudo pessoalmente. Eu digo, é tudo maior e melhor do que nas fotos, sabe? Isso tudo me faz ficar ainda mais ansioso pra vir pra cá.

- você já tem planos de onde morar aqui?

- bom, ainda não. Mas espero conseguir algum lugar barato.

- pagando sozinho é muito difícil. Você teria que dividir com alguém.

- pois é.

Felipe fica por alguns instantes sem dizer nada, enquanto eu observo a paisagem.

- e se a gente morasse juntos?

Olho para ele na hora.

- sério?

Ele estava fitando o vazio, mas visivelmente ansioso pela resposta. Vendo meu silêncio, ele complementa.

- eu digo, não sairia tão caro pra nenhum dos dois, e a gente poderia ficar perto um do outro.

Eu não digo nada, apenas abro um sorriso bobo demonstrando minha felicidade ao ouvir aquilo. Acho que ele interpreta isso como um sim.

Quando a fome bate, procuramos

algum lugar pra almoçar. Para minha sorte, não precisou andar muito para achar um restaurante de comida japonesa. Eu estava no paraíso. Enquanto comíamos, aproveito a brecha que ele me dera anteriormente e pergunto a Felipe sobre seu futuro.

- você já se decidiu sobre qual curso vai fazer?

- ainda não. Eu estou em dúvida entre design gráfico e química industrial.

- nossa, bem parecidos.

Felipe sorri.

- mas eu quero voltar pra Porto Alegre com você. Não me vejo ficando em são Valentim sem ter você lá. Tudo ficaria muito sem graça, sabe.

Felipe da um longo suspiro e me encara por alguns segundos.

- o que você ta fazendo comigo, Edu? Eu era tão independente, não me prendia a nada. E de repente, eu estou aqui, planejando minha vida em torno de você. Eu tenho medo de acabar me machucando. Eu nunca me abri tanto pra alguém antes. Assim que eu vi você no restaurante, eu queria você pra mim.

- eu nunca havia sentido o que eu senti quando eu te vi também, Felipe.

Nesse momento, meus olhos o encaram, emanando um misto de sentimentos puros e bons.

- eu acho que eu estou me apaixonando por você, Felipe. Até rápido demais. E já nem sei se isso é só paixão. É algo maior.

Ele pega minha mão discretamente, e então me pega de surpresa.

- eu te amo, Edu.

Me espanto com a frase. Meu coração se aquece.

- eu também te amo, Felipe.

Já é de tarde, estamos caminhando pelo centro da cidade. Quanto mais andamos, maior a cidade parece ser. E o mais incrível é que Felipe conhece tudo como a palma da sua mão. Agora estamos no mercado público. Aquele prédio enorme, pintado de amarelo, era mais incrível ainda por seus traços antigos. Por dentro é mais incrível ainda. Tem de tudo um pouco: artesanato, lojas, açougues, sorveterias... Eu olho tudo aos mínimos detalhes, e meus olhos se enchem com a beleza do lugar. Estou encantado.

Depois, passamos pela Casa de Cultura Mario Quintana. O prédio por si só já vale a visita. Grande, majestoso, antigo. A construção em rosa bebê salta aos nossos olhos. Nossa última parada do dia é a Usina do Gasômetro. Com certeza não poderia deixar de fora. O lago Guaíba e ainda mais lindo pessoalmente. Dá um contraste em meio a selva de pedra. Coincidentemente está tendo uma exposição de obras de arte no prédio histórico, então entramos para conferir. Sao pinturas de artistas desconhecidos, mas com um talento nato. Cada pintura transmite mais emoção do que a anterior. Era como se as telas falassem com você. A obra que mais me chamou a atenção foi a leitura de Porto Alegre pintada como se fosse feita de legos. Uma obra colorida, intensa e que quebra o conceito de urbano, cinza. E os legos, acho que representam o encaixe, a versatilidade das pessoas, que precisam correr contra o tempo, típico de quem vive em grandes centros como Poa. Ou talvez as grandes construções, que são erguidas como se fossem peças de um quebra cabeça cada vez maior. Poderia se entender sob vários pontos de vista diferente. Quando dou por mim, já havia se passado a tarde toda. Estava anoitecendo.

- Edu. O por do sol.

Quando saímos do prédio, somos presenteados com o ponto alto do dia. O sol se pondo bem na nossa frente, desaparecendo atrás do lago Guaiba. Era um cenário de encher os olhos. O céu em tons de azul e laranja, mais parecendo uma pintura da exposição. Se fosse, eu havia acabado de escolher uma nova favorita. Quase que como reação automática, seguro a mão de Felipe. É uma cena bonita demais para ver sozinho, para sentir sozinho. De repente, eu não tenho mais medo. Eu quero segurar sua mão, simples assim. Quando o olho, ele está sorrindo para mim. O sol se põe por completo, logo revelando um céu escuro. Então, é hora de ir embora. Eu e Felipe parecemos duas crianças aventureiras andando de ônibus pela cidade. Vimos os mais variados tipos de gente, nos mais variados lugares. Sensações que só uma cidade grande poderia proporcionar. Só uma cidade grande não. Porto Alegre.


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