Apaixonado pelo Diabo - XXIII (FINAL)
Capitulo vinte e três: Acerto de contas
Davi
– Respira Davi! – Ouvi aquela voz conhecida dizer em meio àquela confusão de luzes e pessoas se movimentando tão rápido que deixavam rastros que se misturavam uns com os outros – Vai ficar tudo bem.
Então por que sua voz parecia querer dizer o contrário? Tentei dizer, porém minha boca não me respondia. Na verdade, nenhum dos meus membros respondiam. Eu estava ali e ao mesmo tempo não estava. Era como se eu estivesse preso em um limbo.
– É horrível – ouvi sua voz novamente, porém ela não parecia distante como antes. Ela parecia mais real e mais palpável que nunca. Nem em vida ele sua voz me pareceu tão real.
– Eduardo?! – Constatei podendo finalmente perceber quem estava ao meu lado enquanto o ambiente a nossa volta se transformava em um caos completo de luzes – Você está vivo?
Ela pareceu subir em algum lugar e então se sentou ao meu lado enquanto o ambiente a minha volta se tornou mais calmo, porém parecíamos estar confinados em algum lugar. Um rastro de luz, se mexia sobre meu corpo e abria minha camisa revelando um enorme ferimento que sangrava bastante.
– Não – ele disse sorrindo. Aquele sorriso que amei ver um dia e que a quase dois anos perdi.
– Então eu estou morto? – Indaguei sentindo as lágrimas quentes correrem por meu corpo enquanto a luz se aproximava mais de mim e punha algo em meu nariz.
– Não, mas estará se desistir – respondeu – Lute contra isso Davi! Aguente firme! Não desista nem por um segundo.
– Mas dói muito – respondi sentindo uma dor lancinante e tão real quanto a voz que Eduardo. Uma dor que faria meu corpo se contorcer se ele me respondesse. Uma dor que me faria perder a consciência.
– Eu sei – Eduardo respondeu com os olhos marejados – Eu conheço a dor e meu maior arrependimento é ter desistido de lutar. Eu sei que teria vencido, mas fui fraco. Você não pode ser fraco como eu.
– Eu te amei – disse gemendo de dor – Te amei tanto Eduardo... Daria minha vida para tê-lo de volta.
– Você não pode fazer isso – as lágrimas começaram a escorrer pelo rosto moreno de meu amigo – Você tem que viver por todos que te amam. Sua mãe, seu pai, Daniel, Gabriela e Arthur precisam de você. Não desista por eles Davi! Viva por eles!
– Mas e você? – indaguei – Você não me amou?
Ele se inclinou para mim e parou seu rosto a poucos centímetros do meu.
– Você se lembra do que lhe disse no cemitério? – indagou me trazendo de volta aquela linda e sombria lembrança que parecia ter acontecido a muito tempo.
– Você me disse que me amou e que só tinha a mim no mundo – me lembrei daquele sonho.
– Não foi um sonho Davi. Eu estava lá. Estava com você quando dormiu e passei a noite com você. Apreciei cada minuto enquanto você se perdoava lentamente. Eu te amei e ainda te amo Davi. E por esse motivo eu quero que você lute para ter a vida que sempre sonhou. Quero que seja feliz!
– Eu era feliz quando tinha você por perto – a dor foi ficando cada vez mais forte e se irradiava por todo o meu corpo.
– Você me trazia felicidade também – contou enxugando uma lágrima com a manga da camisa que usava na festa de Thiago.
– Sempre que penso em você. Me lembro de como nos divertimos juntos naquela festa – lhe disse – Não tínhamos problemas de auto aceitação e nem nada que nos impedisse de ser feliz. Eu lhe vi sorrir, gargalhar e gritar de excitação e desde aquele dia eu sei que essa é a memória de quando fui mais feliz em toda a minha vida – Consegui erguer minha mão para segurar a sua e ele sorriu com isso – Eu vou guardar essa memória para sempre.
– Eu também vou – Eduardo disse chorando – Adeus Davi.
– Adeus Eduardo – disse chorando mais que nunca ao mesmo tempo em que o buraco em meu coração ocupado pela tristeza de sua morte era preenchido por aquela lembrança feliz – Eu nunca vou te esquecer. Até um dia.
– Até – ele disse dando uma risada de felicidade e eu soube que aquela seria a última vez que o veria em muito tempo.
Foi quando tudo tomou forma e as luzes se transformaram em três paramédicos que cuidavam de mim, um deles bombeava oxigênio para meus pulmões através de uma bomba manual enquanto outros dois continham meu sangramento.
Levou um segundo, mas toda a cena se repetiu em minha cabeça. O irmão de Arthur o estava seguindo a algum tempo. Ele já tinha me dito ter visto aquele carro outras duas vezes, mas ele estava disposto a pensar ser paranoia de sua mente perturbada. Pelo visto não foi. Alexandre apontou a arma para Arthur, mas antes de puxar o gatilho, eu empurrei-o me colocando na frente da bala por acidente.
– Onde ele está? – Tentei me levantar, mas eu estava atado a uma prancha amarela. O esforço, apesar de inútil, me causou uma dor insuportável que me fez gritar intensamente.
– Se acalme – disse um dos médicos – Mais morfina.
Arthur
– Davi! – O sacudi polos ombros na esperança de acorda-lo, mas foi inútil. Ele não se mexia e respirava de forma débil conforme o ferimento sangrava cada vez mais – Por favor não morra – pedi chorando me curvando sobre seu peito.
– Ele já era – Alexandre se aproximou de mim lentamente com a arma em punho. Olhei para seu rosto e não pude reconhecer nenhum traço daquele que um dia reconheci como irmão. Ele não demonstrava qualquer tipo de arrependimento por ter tirado a vida de Davi. Ele era um monstro e eu o odiava mais que qualquer coisa.
– Por que? – Indaguei me levantando com o corpo pesando uma tonelada de tristeza – Só que responde isso?
– Vamos embora Alexandre – um de seus amigos disse – Atire logo nele e vamos embora antes que alguém chegue.
– Por que eu odeio o que você é Arthur! – Alexandre tinha um brilho nos olhos que eu nunca vi igual – Não é pessoal. Só quero viver em um mundo livre de coisas como você! – Ele ergueu a arma para mim – Não se preocupe, pois logo aquele viadinho do Enzo se juntará a você.
Fechei os olhos e esperei pela morte. Esperei que ela viesse acompanhada de dor ou de um fleche de luz, mas nada disso veio. Ainda sentia o ódio e o medo. Ainda sentia o meu coração bater a mil por hora a cada milésimo de segundo em que meus olhos permaneciam fechados me impedindo de ver qualquer coisa. Mas meus ouvidos estavam atentos e foram eles e captaram o som de um grito e o som do tiro.
Abri os olhos e vi Lucas, e quatro seguranças da festa de Thiago que renderam Alexandre e seus amigos. A arma de Alexandre se encontrava no chão e o seu rosto sangrava onde algo o havia atingido. No chão havia uma garrafa de vodca quebrada que provavelmente havia sido usada para atingi-lo.
– Chame uma ambulância – Thiago disse ao perceber que Davi estava ferido.
Olhei em volta e percebi que toda a festa havia vindo ver o que estava acontecendo ali fora. Gabriela correu em direção a nós passando direto por mim e indo até seu melhor amigo. Ela chorava inconsolável enquanto segurava a cabeça de Davi em seu colo. Um dos seguranças chamou a ambulância e depois a polícia para prender Alex. Mas quem me preocupava naquele momento era Lucas, pois ele estava imóvel com o rosto assustado desde que percebeu o que aconteceu com Davi. A cada segundo que se passava, seu rosto se tornava mais lívido e eu tive a impressão de que o meu também estava assim.
Não sei como, mas Alexandre conseguiu sacar uma faca da cintura e acertar as costelas do segurança que o soltou por tempo suficiente para que ele se jogasse no chão e pegasse sua arma. Toda a cena a seguir pareceu se seguir tão rápido que eu mal pude processar o que ocorreu por conta da adrenalina.
– Lucas! – Gritei quando Alexandre atirou acertando-o em cheio no peito.
O segurança ferido chutou Alexandre e conseguiu segura-lo novamente apesar de seu ferimento, mas desta vez ele chutou a arma para longe onde outro segurança pegou enquanto o pai de Thiago ajudou-o a conter Alexandre.
Lucas olhou para mim com aqueles olhos azuis cheios de dor e arrependimento e eu pude entender seu pedido de desculpas. Foi quando o sangue começou a escorrer pela sua boca e ele caiu no chão fazendo várias pessoas gritarem em pânico.
Não sentia mais nada além do ódio naquele momento. Alexandre sorria ao olhar o corpo daqueles que ele tinha me tirado. Ele se orgulhava de seu feito como uma criança que se orgulha de uma apresentação na escola. Ele adorava ver aquelas lágrimas em meu rosto. Ele se divertia com isso. Ele sempre se divertiu. Ele nunca prestou desde criança. Ele maltratava todos nós e depois se passava como um anjinho para nossos pais. Ele adorava nos bater em partes do nosso corpo que ninguém viria como em nossas coxas e nossos abdomens. Ele diz que nos odeia por sermos gays, mas a verdade é que ele se diverte com a crueldade e só encontrou uma forma de justifica-la. Alexandre nunca demonstrou qualquer tipo de empatia por qualquer um de nós e mesmo agora em que tudo estava perdido para ele, ele se divertia só em saber que eu não tinha mais nada.
– Eu vou te matar! – As palavras saíram de minha boca com tanta intensidade que até eu me assustei, mas não o deixei perceber.
Alexandre apenas gargalhou e isso só alimentou minha ira. Foi quando a raiva me dominou e avancei nele. Alguém me segurou, mas eu não consegui ver quem era, pois tudo parecia borrado exceto meu alvo. Me debati e consegui me libertar. Corri até a faca que Alexandre derrubou quando pegou a arma e a peguei rapidamente. Foi quando tudo ficou completamente vermelho como sangue e eu perdi os sentidos.
Quando recobrei a consciência, O segurança tinha mais um ferimento no braço e o pai de Thiago havia sido esfaqueado no tronco, mas eles estavam bem comparados a Alexandre. Meu irmão jazia morto diante de mim com inúmeros ferimentos a faca no peito e alguns no rosto. Ele estava deitado em uma poça de seu próprio sangue e assim como em meu pesadelo, seus cabelos loiros estavam tingidos de vermelho.
Olhei para minhas mãos que ainda seguravam o facão que tirou sua vida e o seu sangue pingava delas não deixando qualquer dúvida do que havia acontecido. Eu o matei. Matei meu próprio irmão.
– Solte a faca! – Um policial disse.
Ergui a cabeça e dois deles apontavam uma arma para mim. Soltei a faca que caiu no corpo de meu irmão e ergui minhas mãos para o alto me rendendo. Foi quando um deles se aproximou e me algemou. Olhei em volta e vi que todos me olhavam assustados, mas eu não me importava. Não estava feliz com o que tinha feito, pois eu não era como Alexandre, mas ao menos eu poderia passar o resto da minha vida sem ter medo. O policial me levou para uma das viaturas junto com os amigos de Alexandre, mantes de ir eu pude ver o corpo de Lucas coberto por um saco preto e Davi sendo colocado em uma ambulância.
Davi
– Você vai poder ir para casa amanhã – O médico disse depois de me avaliar aquele dia. Eu estava internado a dois dias, mas não corria risco de vida segundo meu médico, a bala atravessou meu abdômen sem pegar em nenhum órgão – Sua recuperação está sendo excelente.
– Que bom – respondi sentindo um pouco de dor ao falar como acontecia sempre, mas isso era normal – Mal posso esperar para ir para casa.
– Más claro que você terá várias restrições, pois afinal de contas esse foi um ferimento muito sério – o Dr. alertou – Mas você vai ficar bem logo.
– Obrigado dr. – minha mãe agradeceu a ele como sempre que ele lhe dava uma notícia boa sobre mim (o que era sempre).
Minha mãe não saia de perto de mim desde que chegou uma hora depois de mim naquele hospital. Gabriela os avisou sobre o ocorrido e meus pais vieram correndo. Meu pai, Daniel e Gabi vem me visitar todos os dias desde que levei o tiro, mas nenhum deles me diz o que aconteceu com Arthur ou o por que ele não vem me visitar. Tudo o que me dizem é que Alexandre não pode mais nos fazer mal e que Arthur está muito abalado. Tentei ligar para ele, mas ninguém atendeu e isso me deixou preocupado. Tentei ligar também para seus irmãos, mas também não consegui nenhuma resposta. Isso só fez com que eu começasse a pensar que eles estavam mentindo para mim e que algo acontecera a ele.
– Ai! – reclamei.
– Cuidado! – Meu pai disse quando me ajudava a subir a escada de nossa casa até o meu quarto depois que chegamos em casa.
– Foi só uma dorzinha pai – amenizei o motivo do meu gemido – Eu estou bem.
Ele não confiou muito no que eu disse e colocou mais de meu peso em cima de seu corpo e com muita dificuldade e alguns espasmos de dor, chegamos ao meu quarto. Meu pai me deitou em minha cama e me deixou sozinho com Gabriela que me esperava em casa.
– Como você está? – Ela me olhava com aqueles olhos verdes exalando preocupação.
– Bem – respondi colocando um travesseiro atrás das minhas costas para me sentar e ela rapidamente veio me ajudar – Com um pouco de dor, mas nada que a medicação não resolva. Me passa o notebook?
Ela tirou uma mexa de cabelo castanho de seu olho e pegou meu notebook dentro de meu guarda-roupas.
– Com tudo o que aconteceu eu nem te contei – Gabi disse disfarçando sua preocupação com aquele entusiasmo que a muito não via – Eu estou ficando com Thiago.
– Sério? – Indaguei feliz por ela – Desde quando?
– Desde a festa, mas não deu para te contar por conta do que aconteceu.
– E o que aconteceu? – Perguntei para ela pela décima vez desde que acordei no hospital. Ela então ela voltou a ter aquela expressão preocupada de antes – Eu preciso saber.
– Você vai descobri sozinho mesmo – Gabi murmurou – Nós ouvimos o som do tiro e corremos para ver o que era. Foi quando te vimos baleado e Alexandre apontando a arma para Arthur – ela engoliu em seco antes de continuar – Lucas jogou uma garrafa de vodca nele e o acertou no rosto. Ele deixou a arma cair e os seguranças da festa os renderam, mas Alexandre se soltou e... – Ela começou a respirar ofegante ao se lembrar da cena.
– Ele atirou em Arthur – concluí com dor no coração. A mesma dor que senti quando vi Eduardo morto em minha frente. Senti meu coração recém-cicatrizado se quebrar por inteiro novamente.
– Lucas faleceu – Gabriela deixou que algumas lágrimas escapassem por seus olhos a medida que a imagem se desenrolava em sua mente – Foi horrível, Davi. Ele levou um tiro e morreu na hora.
Me lembrei das vezes em que desejei a morte de Lucas e as vezes em que desejei mata-lo quando meu ódio por ele atingia níveis críticos e de repente nada mais importava. Lucas tinha ido embora deixando um vazio em minha vida assim como Eduardo havia deixado. Claro que ele havia me magoado. Claro que desejei que ele morresse, mas havia sido da boca para fora em momentos de raiva. A verdade era que por mais que ele tivesse me feito mal, eu não podia negar que ele tinha ticado minha vida e jamais seria esquecido. Eu me sentia mal por sua morte.
– E Arthur? – Indaguei querendo saber se ele ainda estava vivo ou se eu o tinha perdido também.
– Arthur viu tudo – Gabi continuou – Ele o viu morrer em sua frente e acho que pensou que você também estava morto. Ele enlouqueceu e eu tentei segura-lo, mas ele me bateu – ela mostrou em seu braço uma marca roxa escondida sob a blusa – Ele matou Alexandre na frente de todos. Quando a polícia chegou, ele se rendeu e foi levado. Foi soltou ontem quando a polícia chegou à conclusão de que ele não estava mentalmente estável quando o matou. Ele vai receber tratamento psiquiátrico.
Precisei de alguns momentos para digerir o que acabei de ouvir. Eu não conseguia imaginar Arthur matando ninguém nem mesmo Alexandre que pelo que sua família havia me dito, era um psicopata. Ele sempre fez os irmãos sofrerem com suas torturas físicas e psicológicas e sempre escapava impune delas. Ele tentou matar Enzo e Arthur com a desculpa de serem gays, mas a verdade era que ele só estava se divertindo com a ideia e tirar suas vidas. Ele era um monstro sem empatia e sem arrependimento. Eu sentia pela morte de Lucas, mas nunca não sentia pela sua.
– Onde Lucas foi enterrado? – Perguntei com os olhos levemente marejados a medida que meu coração partido se dava conta do tamanho do buraco que ele havia deixado.
– No mesmo em que Eduardo – Gabriela respondeu – Eu fui no enterro e devo dizer que fiquei triste com sua morte. Lucas poderia ser um canalha, mas não merecia morrer assim.
– Não merecia – concordei – Por isso preciso me despedir.
Arthur
– Ahhhh!!! – Acordei gritando no meio da noite novamente. Isso havia se tornado algo recorrente desde o ocorrido naquela festa e me deixava exausto, pois não conseguia ter uma única noite de sono sequer.
Todas as noites eram iguais, pois eu sonhava com Alexandre morto diante de mim, mas não era essa a parte que me fazia gritar durante a madrugada. Estávamos em um lugar completamente vazio e escuro com uma luz sob nossas cabeças iluminando nossos corpos e o sangue vermelho vivo de meu irmão. A nossa frente havia um espelho que refletia o meu sorriso de satisfação igual ao de Alexandre ao tirar a vida de Lucas e ferir Davi. No espelho eu via que havia me tornado igual a ele. E era essa parte que me assombrava.
Olhei para o quarto escuro querendo sair, mas não podia, pois estava amarrado a cama como todas as noites. Nas últimas semanas eu tinha me arranhado meu rosto durante o sono achando que ele era real. Por recomendação médica, eu deveria dormir amarrado a cama para evitar de me machucar até que estivesse bem. Duas vezes por semana, Enzo me levava ao psiquiatra e falávamos sobre como eu me sentia com a morte de Alexandre. Eu odiava falar sobre aquilo, mas logo percebi que ele pensava que de certa forma eu me arrependia do que fiz. Talvez ele estivesse certo. Eu não queria matar ninguém, só queria poder viver o resto da minha vida em paz e sem medo. Tentei explicar isso para ele, mas ele pareceu não acreditar muito.
Se eu dormi naquela noite? Não. Assim como em todas as outras.
– Quero voltar para a escola – disse ao meu pai durante o jantar aquela noite.
– Não acho que é uma boa ideia por enquanto – meu pai responde tentando soar casual, mas eu podia sentir a tensão em sua voz ao falar – Você ainda precisa se recuperar.
Olhei em volta na mesa onde comíamos arroz, feijão, bife, batata frita e salada. Não havia nada demais nisso a não ser o fato de todos comerem de garfo e faca e eu de colher com meu bife já cortado, pois meu psiquiatra havia alertado meu pai que eu poderia ter outro lapso de sanidade como aquele que me fez matar Alexandre. Facas, garfos e qualquer objeto que eu pudesse usar para ferir alguém ficava na cozinha que agora possuía uma porta que permanecia trancada vinte e quatro horas. Eles me tratavam como um maluco.
– Eu juro não matar ninguém – debochei.
– Eu não tenho medo disso, Arthur – meu pai disse com a veia do pescoço pulsando de nervosismo, mas ele tentou manter a calma – Só quero que esteja cem por cento antes de ter contatos esternos.
Larguei a colher bruscamente no prato e pude ver que Breno se assustou. Me recostei na cadeira e cruzei os braços.
– Posso ao menos me despedir de Lucas? – Foi quando olhei para Enzo, pois já havia falado com ele a respeito e ele disse que tentaria convencer nosso pai.
– Eu e Leonardo podemos leva-lo – meu irmão ofereceu a si e seu namorado – Não vamos tirar o olho dele e nem demorar.
– Só se Leonardo os acompanhar e você prometer fazer o tratamento sem reclamar a partir de agora!
– Eu prometo – disse feliz, pois eu estava esperando ouvir um não.
Me levantei e abracei meu pai que retribuiu ainda tenso. Pude perceber que ele fez esforço para deixar a faca e o garfo fora de meu alcance e apesar de eu não ter perdido a sanidade desde o dia fatídico, eu não poderia culpa-lo mesmo que me irritasse.
Davi
Minha mãe concordou que eu fosse visitar o tumulo de Lucas, mas não no dia seguinte e sim quando eu estivesse melhor. Isso só ocorreu um mês depois. Meu pai deixou Gabriela e eu na porta do cemitério e nós entramos sozinhos. Minha amiga me deu a mão e juntos caminhamos entre aqueles túmulos tristes e escuros em silêncio. Passamos pelo tumulo de Eduardo com aquela arvore onde a coruja estava pousada na noite em que comecei a me perdoar por sua morte e agradeci a ele em silencio por estar comigo naquela ambulância e não me deixar desistir. Olhei para Gabi que fitava o tumulo de nosso melhor amigo com tristeza e saudade. Uma lágrima escapou por seu olho e eu pude sentir o quanto ela ainda sentia falta dele depois de todo esse tempo.
A envolvi em meus braços e tive certeza de que Eduardo fez o mesmo apesar de não poder vê-lo, mas em meu coração, eu podia senti-lo. Continuamos caminhando entre os túmulos até que ao longe eu o vi. Ele estava de pé diante de um tumulo de mármore branco depositando flores multicoloridas. Ele estava estava acompanhado de mais dois rapazes que eu conhecia. Seu irmão e o namorado. Vê-lo ali depois daquele mês distante me trouxe tantos sentimentos que eu não soube concilia-los. Me trouxe de volta o amor que sentia por ele, assim como a esperança, saudade e tristeza pelo que ele passou. Depois que Gabi me contou a verdade, meus pais confirmaram tudo o que aconteceu. Gabi pediu para que Enzo viesse até a minha casa explicar como era a situação de seu irmão e ele me disse que Arthur estava sendo isolando de estímulos esternos que pudessem tira-lo da insanidade e infelizmente eu era um desses estímulos. Para o bem do meu namorado, eu deveria agir como se não me importasse com ele. Claro que protestei diante disso, mas meu pai me convenceu de que não poderíamos fazer nada, pois o pai de Arthur estava decidido.
Lutei contra meu impulso de correr até ele e abraça-lo e continuei caminhando lentamente em direção ao tumulo ao lado de Gabriela que parecia não saber ao certo o que fazer. A cada passo, eu podia sentir meu coração ferido bater mais forte e me trazer a memória daquele dia em que eu disse que o amava.
– Oi – disse com minha voz falhando a apenas um metro dele.
Arthur se virou para mim e eu vi novamente aquele rosto triste que encontrei na delegacia no dia que nos conhecemos oficialmente.
– Você está vivo? – Indagou duvidando de sua própria sanidade.
– Estou – disse sentindo meu peito doer um pouco mais a cada segundo que eu tinha de vê-lo triste.
Arthur pulou em mim e me abraçou apertado fazendo tanto seu irmão quanto o namorado se sobressaltarem como se esperasse que ele fizesse alguma loucura como no dia em que matou Alexandre, mas eu sabia que ele nunca faria isso comigo, pois ele me amava. Mas não podia negar que seu salto brusco, acabou causando um pouco de dor em meu ferimento que estava quase cicatrizado.
– Me desculpa, Davi – ele pediu tremendo de tanto chorar – Me desculpa pelo que aconteceu com você.
– Não foi culpa sua – tentei tranquiliza-lo, porém chorava igual a ele – Eu te amo Arthur. Te amo e é tudo o que importa.
Ficamos em silencio durante um longo tempo até que percebi o corpo de Arthur mais pesado. Foi quando percebi que ele havia dormido em meus baços como na delegacia. Ele estava exausto.
– Ele dormiu – Gabi disse.
– Ele está exausto – Enzo falou – O coitadinho dorme amarrado para não se machucar e mesmo assim não dorme mais que duas horas por noite, pois tem pesadelos. Ele não está nada bem.
Ele estendeu os braços para pegar o irmão, mão eu não o entreguei.
– Deixe que eu o leve para casa – pedi aninhando-o em meus braços com mais firmeza – Me deixe ao menos passar esse tempo com ele.
– Tudo bem, mas a menos que você tenha vindo por adivinhar que ele estaria aqui, me entregue ele para que possa se despedir – Enzo falou.
Foi só então que eu me lembrei do motivo de eu estar ali naquele dia. Eu iria me despedir de Lucas.
Entreguei Arthur a Enzo e me aproximei do tumulo do homem que me fez ama-lo e depois odiá-lo. Pensei em todos os momentos bons que passamos juntos em todos os momentos em que precisei dele e ele estava lá para me dar suporte. Depois veio a traição e toda a humilhação que ele me fez passar, mas no final ele salvou a vida de Arthur. Se ele não tivesse jogado aquela garrafa de vodca em Alexandre, Arthur não estaria aqui hoje.
– Eu sinto muito que tenha partido dessa forma – disse a pedra fria – Você me magoou muito Lucas, mas apesar disso não merecia ser assassinado. Você só tinha dezoito anos e era jovem. Poderia ter tido uma vida inteira para concertar seus erros, mas isso foi tirado de você. Sinto muito e eu te perdoo. Nunca te esquecerei Lucas. Só queria lhe dizer isso.
Tomei Arthur de volta em meus braços sentindo-me muito mais leve. Caminhei com ele pelo cemitério aproveitando cada segundo que estávamos juntos, pois poderia demorar muito para acontecer novamente ou talvez nunca mais acontecer. Meu pai levou Gabi para casa e eu expliquei a ele que levaria Arthur para sua casa e depois voltaria. Leonardo nos levou em seu carro e ao chegarmos em sua casa, seu pai nos esperava na sala.
– Sabia que não deveria ter deixado ele sair de casa – o pai de Arthur disse pegando o filho no colo – deveria ter suspeitado que estavam armando um encontro.
– Foi por acaso pai – Enzo explicou enquanto eu entregava o garoto que eu amava a seu pai.
– “Por acaso” – Ele aninhou o filho adormecido nos braços – De qualquer forma acho melhor você ir embora antes dele acordar.
– Quando vou poder vê-lo? – Perguntei olhando aquele lindo rosto que eu amava e que senti falta nesse mês se poder ver.
– Não sei – falou rispidamente – Talvez nunca. Quer um conselho? Siga a sua vida e esqueça o meu filho. Vai ser melhor para os dois.
– Tudo bem – disse triste em ter que deixa-lo, mas não estava disposto a esquece-lo jamais. Eu iria voltar – Obrigado por ter me deixado passar um tempo com ele Enzo.
– Achei que precisavam disso – Ele respondeu sendo tão gentil comigo como foi na praia quando nos conhecemos – Mas pensa no que meu pai disse. Talvez seja melhor para você seguir em frente.
– Obrigado pelo conselho – disse me virando para ir embora, mas não consegui, pois algo me segurou.
– Fica comigo – me virei e de de cara com Arthur ainda sonolento segurando meu braço. Seus lindos olhos azuis demonstravam carência e o quanto ele precisava de mim. Se antes eu não desistiria dele, agora mesmo que eu não iria.
– Davi precisa ir para casa filho – seu pai lhe disse com uma mistura estranha e carinho e apreensão.
– Fica por favor – seus olhos se encheram d’agua ao ignorar seu pai e segurar meu braço com mais força do que nunca.
Olhei para seu pai deixando bem claro pelo meu olhar que nada que ele pudesse dizer ou fazer me afastaria de seu filho. Parece que ele entendeu, pois apesar de parecer não querer, ele assentiu para mim.
– Fico – respondi pegando Arthur no meu colo com carinho. Ele apoiou sua cabeça em meu ombro e envolveu os braços em meu pescoço e as pernas em minha cintura próximo ao ferimento que doeu, mas ignorei, pois estava feliz de estar com ele – Vou te levar para cama.
Arthur
Eu estava novamente naquele lugar escuro e frio ouvindo sua risada ecoando em minha cabeça. Em minha frente estava ele coberto de ferimentos a faca deitado em uma poça de sangue de um vermelho sobrenaturalmente vivido. Em minhas mãos, estava a arma do crime. A faca que usei naquela noite ensanguentada ainda pingava aquele liquido viscoso. Odiava o que eu fiz. Odiava o que ele me tornou. “Você já era assim”. Sua voz ecoou pelo espaço vazio e gélido. “Você diz que me odeia, mas você é igual a mim”.
– Eu nuca serei igual a você! – Disse tremendo diante seu corpo – Nunca serei um monstro!
“Olha o que você fez, Arthur”. Senti mãos invisíveis virarem minha cabeça para fitar os olhos azuis e vidrados de Alexandre. “Você é igual a mim”.
– Não sou! – Choraminguei.
“Olhe para si mesmo, Arthur. Você gostou do que fez comigo”. Alex insistia em me torturar.
– Eu me odeio por isso – confessei – Odeio o que eu fiz!
“Então por que esse sorriso”. As mãos invisíveis viraram meu rosto para o espelho diante de nós me fazendo encarar meu próprio rosto sujo do sangue que respingou. Em meus olhos haviam um brilho homicida e em meus lábios um sorriso de felicidade maior do que qualquer um que já vi em mim mesmo. O mesmo sorriso que ele tinha quando assassinou Lucas. Das sombras, Alexandre surgiu atrás de mim e as mãos que seguravam minha cabeça tomaram forma. Era ele que me obrigava a olhar para seu corpo morto, mas essa não era a pior parte. Em seu rosto, havia o mesmo olhar homicida e o mesmo sorriso de felicidade.
– Você é igual a mim maninho – sussurrou em meu ouvido e de repente todo o lugar ficou claro revelando os corpos de todos que eu conhecia e amava. Todos estavam mortos.
Meu pai, minha mãe, meus irmãos, Leonardo, André, Gabriela, Davi e Lucas. Estavam todos em suas próprias poças de sangue com cortes por todo os seus corpos. Mas ao contrário da primeira vez que eu sonhei com todos mortos, não foi Alexandre que os matou. Fui eu. Em fleches em me lembrava de ter matado um a um e adorado cada minuto disso. Cada grito e suplica por misericórdia e motivava a continuar e eu era movido por isso.
– Você é igual a mim Arthur! – Alex sussurrou novamente me fazendo olhar no espelho e agora eu estava mais velho com a mesma idade dele e éramos tão parecidos que parecíamos gêmeos.
– Ahhh!!! – Acordei gritando e me debatendo, levei as mãos ao meu rosto e tentei rasga-lo com minhas unhas e devo confessar que me surpreendi ao perceber que não estava mais amarrado.
– Se acalme Arthur – ele disse afastando meus braços de meu rosto para evitar que eu me machucasse ainda mais – Eu estou aqui com você! Estou aqui!
– Davi? – Disse com os olhos cheios de lágrimas, pois não podia acreditar que ele estava ali comigo. Achei que ele iria embora assim que eu caísse no sono aquela noite – Você ficou.
– Eu disse que ficaria, não disse? – Ele sorriu para mim e me envolveu em seus braços.
Me senti bem ali junto dele como se nada pudesse me atingir, mas ao mesmo tempo eu sabia que no momento em que ele fosse embora, aquilo voltaria a me assombrar. Eu havia matado o meu irmão. Tirei a vida do meu próprio sangue e não me arrependia disso.
– Eu o matei, Davi – contei-lhe com lágrimas nos olhos ao me lembrar de como aquilo aconteceu.
– Eu sei – ele disse de forma compreensiva, mas ao contrário do meu pai, não havia nenhum sinal de medo nele – E não o culpo por isso. Você estava abalado. Viu uma pessoa que você gostava ser morta por ele e achou que eu também tivesse sido assassinado.
– Mas e se eu for igual a ele? – Perguntei a Davi – E se eu tiver gostado de mata-lo?
– Você não gostou, pois sente culpa – ele falou como se conhecesse intimamente tal sentimento – Os pesadelos que tem, a tristeza e a culpa te consumindo Arthur. Assuma que se culpa pelo que fez.
– Eu me culpo por tê-lo matado – disse e as palavras saíram de minha boca junto com uma mão de ferro que esmagava meu coração – Eu o matei e nunca vou poder desfazer isso! É minha culpa! Minha mãe vai voltar a si um dia e me odiar pelo que fiz.
– Então é disso que você tem medo? – Davi perguntou ao arrancar de mim algo quem nem o psiquiatra havia conseguido – Tem medo que sua mãe volte ao normal e não te perdoe?
– Ela não vai – falei tendo absoluta certeza disso – Ela o ama mais do que a todos nós. Ela vai me odiar para o resto da vida.
– Então ela não merece o amor de um filho maravilhoso como você Arthur – Davi me disse – Não deixe que esse medo que tem dominar sua vida. Não deixe a culpa te consumir. Alexandre selou o destino dele no momento que atirou em mim e em Lucas. Você só estava nos protegendo.
– E se eu ficar igual a ele? – Disse me lembrando daquela imagem horrível do sonho em que nossos rostos se tornaram iguais.
– Você nunca será igual a Alexandre – ele disse me olhando com aqueles lindos olhos castanhos – Você tem uma luz muito brilhante que só quem tem bondade no coração possui. Uma luz que seu irmão nunca teve. Vocês podem ter o mesmo sangue, mas são completamente diferentes.
– Você promete?
Davi se inclinou sobre mim e me deu o beijo mais carinhoso e cheio de paixão que recebi e toda a minha vida. De repente eu não queria que aquela noite acabace e ele fosse embora. Queria ficar com ele ali por todo o temo do mundo. Pena que isso não era possível.
– Você vai seguir o conselho do meu pai? – Indaguei a Davi sobre o que meu pai disse quando eles acharam que eu estava dormindo – Vai seguir em frente?
– Sim – ele respondeu com sinceridade me fazendo desviar o olhar para o chão, mas ele segurou meu queixo com gentileza e me fez olhar para aqueles lindos olhos castanhos – Seguirei em frente com você para sempre.
– Não acredito e “para sempre” – alertei – Não acredito mais.
– Então que seja por quanto tempo durar – Davi disse me dando mais um beijo extremamente apaixonado e eu soube que poderia contar com ele para o que fosse. Mesmo que não durasse para sempre – Nunca vou desistir de nós.
– Você enfrentaria o meu pai?
– Eu enfrentaria o Diabo por você Arthur – ele sorriu – Eu te amo. Pode não acreditar em para sempre, mas eu o farei acreditar em amor verdadeiro.
– Eu também te amo Davi – falei me sentindo bem depois de tanto tempo – Quero estar com você não importa o que vamos enfrentar. Posso ser jovem, mas sei que posso superar qualquer coisa.
E nós nos beijamos apaixonadamente com um futuro incerto pela frente, mas tínhamos a certeza de uma coisa: Nós nos amávamos muito.
Fim.
...
Então pessoal, espero que tenham gostado desse conto que foi importantíssimo para mim, pois marcou meu retorno ao site. Eu tinha outra conta na qual publiquei diversos outros contos que muitos de vocês também gostaram e deixarei o link aqui: //kupivbg.ru/hotpornpics/perfil/186520
Eu resolvi criar outra conta, pois resolvi recomeçar e me reinventar do zero.
Agradeço a todos por terem me acompanhado até o final e espero que me acompanhem e futuros contos que postarei aqui. Adorei cada comentário em meu conto, inclusive os que falavam mal, pois esses me ajudaram bastante a rever minha história. Obrigado a todos, pois sem vocês, eu não me sentiria motivado a postar um novo capitulo com certa regularidade para vocês.
Até a próxima!