O caminho das borboletas. 44
Gente, prometo que respondo os comentários nos proximos contos. Tô cansada demais hoje. Bjoooo pra vocês.
Era uma consulta para dar entrada no Hospital do Câncer. Resolvi não levar a vó, para não desgatá-la à toa. Cheguei cedo, por volta das 7h da manhã. Havia uma moça na fila, que provavelmente estava acompanhando um senhor de idade, que estava ao seu lado. Não era o lugar que eu queria estar naquela manhã. Nunca gostei de hospitais, e aquele era pior. Por todos os lados havia mulheres com lenços, crianças com o cabelo raspado... era muito dolorido.
[Mas as vezes faz bem. Você aprende a dar valor a vida]
Fiquei imaginando que talvez em breve fosse a vó daquele jeito. Como ela iria estar alguns meses pra frente?
Médico: Próximo.
Era minha vez.
Entrei na saleta e dei uma pilha de exames ao médico. Ele nem olhou para minha cara. Carimbava tudo em silêncio.
Médico: É sua mãe?
Eu: Não. É minha vó.
Me devolveu tudo.
Eu: Obrigada.
Médico: Passe no guichê e mostre esse papel. Ela vai encaminhar pro médico adequado.
Eu: OK.
Fui ao guichê, dei o papel e a moça disse: Primeira consulta para o dia 28 de novembro.
Eu: Ham?
Era 21 de outubro ainda.
Eu: Tudo isso?
Ela: Sim. E pela idade, está na prioridade.
Ela me devolveu o papel, olhei e disse: Moça, há um equívoco. Minha vó já passou por um especialista desses. Agora ele a encaminhou pra cá, para começar o tratamento.
Ela: O médico que marcou aqui no papel. Volte lá e converse com ele.
Respirei fundo e voltei.
Eu havia saido da sala a menos de 5min.
Bati e girei a maçaneta.
Moça da limpeza: Não tem ninguém aí.
Eu: Como não? Acabei de sair dessa sala e tinha um médico aí.
Moça da limpeza: Ele já foi embora.
Eu: Putz, e com quem eu falo agora?
Moça da limpeza: A enfermeira chefe chega já.
Me restou esperar.
Ela chegou e eu entrei na sala.
E. Chefe: Pois não.
Eu: Enfermeira, houve um equívoco. Minha vó já foi diagnosticada com câncer por um especialista da região onde se encontra o tumor. Ele já indicou quimio e radiotera...
E. Chefe: Não houve equívoco. Está correto. Essa é nossa política.
Eu: Como assim? Isso só vai atrasar o tratamento. Vocês vão colocar ela pra um especialista que ela já passou. E ele vai diagnosticá-la com um tumor na região do pescoço. E isso nós já sabemos. Se a primeira consulta pra saber algo que nós já sabemos foi marcada para o dia 28 de novembro, pra quando será o início do tratamento? Pro ano que vem?
E. Chefe: Como lhe disse, essa é a nossa política.
Levantou-se e saiu.
Eu queria mandar ela ir plantar batatas. Mas eu estava em choque. Como ia dizer isso pra vó? Como diria que ela tinha câncer e não havia nem previsão de quando iria começar o tratamento?
Sentei na recepção desolada. Meus olhos encheram de lágrimas, mas quando iam escorrer, vi uma placa: Radioterapia.
Levantei e fui lá correndo. Dei uma de louca.
Eu: Bom dia, moça. O doutor X enviou esses exames da minha vó. Ela foi diagnosticada e o tratamento será com quimio e radio.
Recepcionista: Só um minuto.
Olhou tudo e voltou.
Recepcionista: Moça, a doutora C ainda está aqui. Fale com ela. O consultório dela é aquela porta ali.
Eu: Obrigada.
Bati e entrei.
Médica: Pois não?
Eu: Doutora, tudo bem?
Ela sorriu: Sim.
Sentei e lhe disse tuuuuudo do início.
Ela: Aquela mulher é ridícula. Ainda bem que você veio aqui. A vó tá aí?
Eu: Não. Ela ficou em casa. Achei melhor vir só, e agora sei que fiz bem.
Ela: Vou pedir pra marcar uma consulta pra ela semana que vem. Ainda é longe, mas pelo menos não é mês que vem. E ela já vai para os médicos certos, sem enrolação.
Eu: Muito obrigada. Nem sei como lhe agradecer.
Ela: Ah, e já vou encaminhar ela pra doutora L também. Ela é oncologista, e vai cuidar da quimio. Você pode trazê-la amanha? Queria pedir o molde da radio logo e mais alguns exames.
Eu: Posso sim.
Agradeci e saí.
Estava mais tranqüila quanto a isso e voltei para minha cidade. Ainda faltava o velório do pai da Ci pra ir.
Na hora do almoço, eu estava descendo do ônibus, quando a liguei.
Ela: Oi amor.
Eu: Tá onde?
Ela: Chegando aí. Fui lá na vó pegar umas coisas pro sepultamento. Deu tudo certo lá?
Eu: Deu sim. Meio complicado, mas depois te explico. Vou almoçar agora. Passa aqui no restaurante T e vamos. Quer que eu peça algo pra ti?
Ela: Tô sem fome.
Eu: Pelo menos um suco.
Ela: Tá bom.
Minutos depois ela chegou e nos abraçamos. Claro que com cuidado. Agora já não era nenhuma capital. Era uma cidade do interior. Eu vivi bem o inferno dos comentários, no tempo da D. Sofri pacas, fiquei um tempo longe daqui, mas como ainda moro com meus pais, não resta muita opção.
Eu comi e ela tomou o suco dela. Seguimos para onde o corpo estava sendo velado.
Chegamos e disse: Amor, me empresta teu celular aí.
Ci colocou as mãos nos bolsos e não achou.
Ela: Não sei. Acho que perdi.
Senti um frio na barriga. Havia fotos nossas da viagem, fotos de beijos, fotos minhas um tanto... intimas, se assim posso dizer.
Eu: Meu... Procura direito.
Ela ligou ligou e só chamava.
Ela: Depois vejo isso.
Eu: Ci, resolva agora.
Ela: O que você quer que eu faça?
Eu: Meu... tu é de lascar. Não cuida direito das tuas coisas. Se esse trem cai em mãos erradas, eu tô frita.
Ela se zangou e saiu.
Minha sogra me viu e me abraçou, assim como minha cunhada e cunhado. Eu que nem pensava em vê-los tão cedo, agora estava novamente com eles.
Ci revirou a mochila toda e acabou achando o celular dentro do tênis que tava na mochila.
UFA, pensei.
Tudo se acalmou e as vezes ela vinha até mim e fazia carinho ou me olhava de um jeito sacana.
Eu: Amor, cuidado. Sua tia não para de olhar pra mim.
Ela: Neura sua.
Eu: Ci, não estou de neura.
Ela: Está sim, Mah. Que saco! Tá insinuando que falei algo?
Eu: Não. Você falou?
Ela parecia furiosa agora. E olhou bem nos meus olhos.
Ela: Claro que não. Você é uma neurótica. Primeiro foi o celular e agora os olhares da minha tia. Quer saber? Eu tô de saco cheio disso, e ainda bem que sábado vou embora.
Ela disse isso e saiu.
Fiquei chorando e minha sogra veio ficar comigo.
Sogra: Hey, não fica assim. Ela é impulsiva. Fala coisas sem pensar. Logo ela volta e pede desculpas.
Eu: Quero ir embora.
Minha sogra a chamou.
Sogra: Isso é jeito de você falar com a menina?
Ci: Mãe, a Mah é doida. Fica aí cheia de paranóia. Não falei nada pra ninguém.
Eu: Quero ir embora.
Ela: OK.
Desceu a escada e chamou um cara.
Ela: Ia agora mesmo ao cemitério deixar um documento. Te deixo perto de casa.
Entrei no carro em silêncio. Ela foi no carona, ao lado do motorista. E eu fui atrás. Na esquina, ela pediu pra ele parar, e não falou nada. Entendi que deveria descer do carro e assim fiz. Agradeci ao motorista e fui pra casa. Cheguei e me tranquei no quarto. As palavras dela continuavam ecoando no meu ouvido.
Ainda bem que sábado estou indo embora .
Também pensava que faltava um pouco de compreensão por parte dela. Eu morava naquela cidade a vida toda. Sabia que em cidade pequena e de interior, cada um toma conta da sua vida e de mais uns 20 habitantes. A fofoca rola solta e eu não tava pronta pra passar de novo por aquilo. Havia machucado demais minha mãe e agora queria fazer as coisas de maneira diferente. Mas ela não entendia isso. A noite após o sepultamento ela ligou e se desculpou. Disse que estava cansada, que sentia minha falta, que estava com a cabeça cheia de problemas por conta da morte do pai, enfim... A desculpei e ficamos bem outra vez. No dia seguinte, eu levaria a vó para fazer uns exames e o molde da radioterapia. Nos despedimos e fomos dormirO conto foi chato. Mas faz parte da história e ajuda a entender os próximos capítulos. Fiz questão de contar essa situação, pois na briga da semana passada, isso me veio à cabeça novamente.
Eu era paranóica, mas naquele dia, eu tinha razão. A tia dela nos olhava sim. Algum tempo após a ida dela pra São Paulo, ela confessou numa conversa boba que havia dito sobre nós para essa tia. Ou seja, ali ela mentiu a primeira vez, olhando dentro dos meus olhos.
Beijos e queijos