Histórias da minha vida - Parte 108

Meu reveillon foi dentro de um quarto de hospital, como fiquei na UTI minha mãe e o Ricardo tinham horários para poderem me ver, apenas um por vez.

O médico pediu que minha mãe levasse o meu celular, pois eu não poderia passar nenhum tipo de nervoso, e se eu ficasse conversando com as pessoas, com certeza eu iria me exaltar.

Pedi a ela que não falasse nada para a Estela, eu não queria atrapalhar as férias do meu filhote, pedi também que não comentasse nada com outras pessoas, os dois únicos que eu autorizei que me vissem daquela forma foram o Iago e o Raul, mas infelizmente o Iago não apareceu no hospital.

Pedi ao Ricardo que o procurasse e pedisse para que fosse me ver, mas ele não apareceu.

O Raul foi me ver e sempre brincando falando abobrinhas, eu implorava para que não me fizesse rir, pois minha barriga doía muito, mas era melhor pedir a parede do que a ele.

Ao meu lado tinham várias outras pessoas, a maioria idosa, conheci uma senhorinha muito simpática Dona Lourdes, era um amor de pessoa, durante os quatro dias que fiquei na UTI ela me contou toda a vida dela, e quis saber da minha também, fizemos uma troca de experiências.

Contou-me que viveu muito tempo na zona rural que trabalhava na lavoura e que foi casada durante cinqüenta anos com o mesmo homem, tinha quatro filhos, oito netos e já tinha bisnetos.

Mesmo sendo uma ala paga o atendimento não é diferente dos demais, as enfermeiras traziam as bandejas com as comidas e colocavam na mesa ao lado das pessoas, a maioria dos idosos ficava olhando para as bandejas, mas não tinham mais forças para segurar um talher ou pegar algo para comer, uma triste visão da nossa realidade.

Minha salvação foi a Dona Lourdes, ela me ajudava a comer a gelatina e me dava o chá eu não conseguia me virar ou me mover de tanta dor.

Fiquei quatro dias naquele lugar horrível, e por dois dias eu vi as enfermeiras jogando água nas camas e lavando, tirando os lençóis, ala 01esta liberada, ala 03 esta liberada, era assim que elas falavam, toda vez que um dos enfermos morria, vinha alguém jogava água nos colchões, fazia toda a assepsia, depois já colocavam outro doente no lugar.

Dia primeiro eu acordei e procurei por Dona Lourdes ela não estava mais lá, fiquei feliz da vida, pois ela tinha tido alta e ido para junto da família.

Enfermeira a Dona Lourdes teve alta já e nem se despediu de mim?

Não mocinho, ela faleceu essa madrugada enquanto você dormia.

Meu coração ficou do tamanho de um grão de areia, comecei a chorar, me desesperei, fiquei nervoso, eu precisava sumir dali, não podia uma senhora tão forte que me ajudou a comer, me dava água, chá na boca, andava para lá e para cá, ria e me contava histórias, como ela tinha falecido?

Meu primeiro de Janeiro de 2013 foi dentro de um quarto vendo pessoas morrendo, graças a Deus que o Ricardo e a minha mãe chegaram pra me levar embora, eu estava podre, mas não tem coisa melhor que o nosso lar a nossa família.

Em casa eu resolvi ligar o meu celular para saber ou ver se o Iago tinha me dado alguma resposta do sumiço dele, mas as únicas mensagens e ligações perdidas foram à maioria do William, algumas da Estela, fotos e mensagens, outras de anúncios da operadora e várias das meninas.

Fiquei extremamente desapontado comigo mesmo, pelo fato de novamente ter escolhido a pessoa errada, perguntei ao meu primo se ele sabia de alguma coisa.

Binho eu falei com ele sobre o seu estado, mas a resposta que eu tive foi que qualquer hora ele dava um pulo lá para te ver.

Ricardo abre o jogo comigo o que esta acontecendo com o Iago?

Binho eu não sei de nada dele, o que ele me disse foi apenas isso, não me deu nem chance de explicar como você estava e também não esboçou preocupação alguma, sinto muito primo.

Eu estava detonado, mas ainda era pouco, eu ainda precisava ouvir aquelas coisas que o Ricardo me disse, foi isso mesmo, fui só uma brincadeirinha para o Iago, novamente eu tinha dado um tiro no escuro e acertei meu pé.

Ele me deu um remédio para dor e acabei pegando no sono.

Acordei com o som do meu celular, era mais uma mensagem do magrelo.

Eu sei que tem alguma coisa errada, por que você não me responde?

Baixinho aconteceu alguma coisa com o nosso menino?

Eu estou indo pra aí.

Eu respondi a mensagem dizendo que estava tudo bem, o Igor estava viajando com a mãe dele e eu estava em casa.

Tarde demais ele já estava a caminho, vindo para nossa cidade.

Não queria que ele me visse daquele jeito, mas não tinha mais como fugir.

Pedi a minha mãe que inventasse alguma coisa, dissesse que eu tinha saído ou algo do tipo.

Aquele dia ela conseguiu despistá-lo, mas na madrugada de dia 01 para o dia 02 eu comecei a sentir muitas dores, dores insuportáveis, e o Ricardo junto com a minha mãe me levaram novamente para o hospital, eu via meus pontos vazarem, minha barriga encharcada de sangue.

Vi a tristeza nos olhos da minha mãe, coitada já tinha passado por tudo aquilo quando eu era bebê, e ver que eu estava naquela situação com meu filho bebê, ela acabou pensando várias besteiras, me beijava e chorava.

Ela me deixou mais nervoso ainda, o Ricardo chorava junto me dava à mão e apertava com força, ainda não é sua hora primo, larga de graça.

Pedi que ela avisasse o William que eu não estava bem, se pudesse que fosse me ver, não pensei no Iago, eu gritava o nome do William, era ele que eu queria que estivesse ali comigo naquele momento.

Eles queriam me operar assim que cheguei, mas eu pedi que esperassem um minuto.

Nesse um minuto ele chegou todo desesperado e chorando, já veio me olhando e me abraçando, senti o gosto da sua boca com o beijo que recebi.

O que você fez seu burro?

Binho por que você não procurou um médico, e agora?

William cala a boca e escuta.

Se algo me acontecer essa noite eu quero que você ajude a minha mãe a cuidar do nosso filho, esta me ouvindo?

Não seu tonto, nós dois vamos criar esse moleque juntos, eles vão te operar e vai ficar tudo bem.

A enfermeira pediu que todo se retirasse do local e novamente eu fui para a sala de cirurgia, dormi só que dessa vez não foi tão fácil.

Todos os pontos da minha operação tinham se rompido, tive uma hemorragia e se demorasse mais um minuto eu tinha partido dessa para melhor.

Tive algumas complicações na nova cirurgia e dessa vez entrei em coma.

Minha mãe queria de todo jeito saber o que tinha acontecido, até que um dos médicos respondeu a ela.

Seu filho foi operado pelo mesmo problema por duas vezes seguidas em um intervalo de 24 horas, se ele não acordar é óbito na certa.

Se o intestino não reagir, se os pontos não cicatrizarem ele não vai conseguir, teremos que abrir novamente e não há certeza que tantos cortes feitos irão cicatrizar.

Ele foi entubado e os aparelhos o manterão vivo, só teremos uma definição do caso dele, quando seu organismo começar a responder aos tratamentos e nós conseguirmos desentubalo.

Se o seu filho sair dessa vivo será um milagre minha senhora.

Por isso peço que orem, rezem e peçam que Deus intervenha por ele.

Minha mãe ficou tão sem reação que não conseguia se segurar em pé, ajoelhou e chorou.

O Ricardo tentou ajudá-la junto com o William, mas ambos a abraçaram e choraram junto.

Eles me contam que minha mãe implorava a Deus que não me levasse como havia feito com meu pai, ela não merecia tanta tristeza, até hoje isso parte o meu coração.

Minha mãe é a mulher mais incrível do universo, me criou sozinha sem a ajuda de ninguém, quando se viu sem ninguém, ela tinha uma única certeza.

Meu filho será um homem de bem, é assim que ela fala.

Por 50 dias eu fiquei desacordado, respirando com a ajuda de aparelhos, sendo alimentado por uma sonda.

Continua..