A História de Nós Três - 06x21 - "A AJUDA VEM DE DENTRO'
SÃO PAULO 15 ANOS ATRÁS
- Eu não tenho medo de você. – disse Mikael para Márcio.
- Meu Deus. Só pode ser um pesadelo. – falou o jovem.
- Puxa me dá uma chance... só uma...
- Olha só pra você... és um ridículo... feio....
- Mas, a gente fez amor... você tirou minha virgindade...
- KKKKKKKKKKKKKK!!!! – riu Márcio deixando Mikael constrangido.
- Você brinca com os sentimentos das pessoas. Por quê?
- Porque eu posso... acho divertido... as pessoas gostam de ser usadas...
- Você é um louco. – afirmou Mikael chorando e apoiando a cabeça na parede.
Márcio aproveitou a distração do jovem, pegou a carteira da professora e colocou na bolsa de Mikael. Ele se aproximou e abraçou o colega.
- Desculpa bebê, mas é assim que as coisas funcionam no meu mundo. – disse Márcio colocando a carteira na bolsa.
- Vai embora. Me deixa sozinho.
Na hora do intervalo, a professora da sétima série começou a gritar. Ela havia pedido a carteira com todo o salário. Uma cartinha anônima denunciava o acusado.
- O que aconteceu? – perguntei para Fernando que na época era o meu namorado.
- A professora Tereza está dando show por causa da carteira que desapareceu. – ele disse me oferecendo o lanche.
- E sabem quem pegou... dizem que foi aquele menino gordinho.... o... o...
- O Mikael? Eu estudei com ele. Acho que ele não teria coragem de fazer isso. – falei assistindo a cena.
Todos da escola olharam a professora alterada arrancar a mochila do garoto e encontrar a carteira.
- O que significa isso? – Gritou a mulher.
- Eu... jamais... eu...
- Dona Tereza? – perguntou a diretora.
- Esse pivete roubou a minha certeira com todo o meu dinheiro.
- Isso é verdade? – questionou.
- Não senhora... eu juro...
- Vamos para a minha sala. – pediu a diretora tentando acabar a confusão.
- Nossa olha Márcio tú pegou um ladrãozinho. – brincou Kleiton.
- Estou chocado. – ele disse fingindo estar surpreso, mas deixando escapar um sorriso malicioso.
SÃO PAULO – ATUALIDADE
- Eu adoro ficar com você, mas eu preciso ir. – disse Márcio levantando da cama.
- Tudo bem. Eu preciso ir também. Nos encontramos mais tarde? – perguntou Mikael.
- Mikael? O que é todo esse lance entre a gente? – perguntou Márcio enquanto pegava algumas roupas.
- Um lance gostoso... eu gosto... você gosta e nos gostamos. Não precisamos rotular. – ele disse vestindo a cueca.
- Ok. Vou tomar um banho.
- Quer ajuda para esfregar as costas?
- Ahhh se quero. – Márcio disse rindo.
- Espera. – ele pediu tentando tirar a cueca.
Apesar dos problemas em casa tentava me concentrar na parada gay. Não estava querendo drama, mas foi justamente o que encontrei. Alguns coordenadores estavam brigando e tive que intervir. Eles deixaram a maior zona e sobrou para o palhaço arrumar tudo. Havia uma caixa enorme ao tentar carregar ela cai sobre mim. Márcio chega na hora e me ajuda.
- Obrigado. – falei levantando do chão.
- Tudo bem. Que zona é essa? – ele perguntou.
- Alguns coordenadores discordaram da cor do glitter. – respondi em tom irônico.
- Com licença. – pediu Mikael ao entrar na sala. – Você esqueceu sua mochila no carro.
- Oi Mikael. – falei sorrindo. – Eu... acho melhor... vou arrumar uns papeis lá dentro. Até mais.
- Obrigado por trazer a mochila. Até mais tarde. – disse Márcio se despedindo com um beijo.
- Até. Te pego às 22h?
- Sim... sim...
- Tchau.
- Saindo com o Mikael? – perguntei.
- Estamos tendo um rolo e...
- Tudo bem. Não me deve explicação. Mas, ele te perdoou também? – perguntei.
- Como assim?
- Você não lembra? Uns 15 anos atrás... você fez o coitado ser expulso da escola...
- Eu... eu... droga! – ele disse batendo contra a parede.
- Calma. – falei após levar um susto.
- Não tem nada na minha vida que não seja reflexo do passado. Quero tanto mudar...
- E você mudou Márcio. Eu era a pessoa que mais te odiava e estou te aconselhando. – falei pegando no ombro dele.
- E o que eu faço? – ele perguntou sentando.
- Precisa contar a verdade.
- E acabar com essa chance... de tentar ser feliz...
- Ele merece isso. Mas, isso é uma decisão para tomar sozinho. – falei começando a recolher os papeis.
- E o Mauricio? – ele perguntou.
- Cada... – respirei fundo e pela primeira vez me abri com meu ex-inimigo. – Cada vez pior. Ele tem sonhos com Ryan e está assustado.
- Sei que parece loucura, mas posso falar com ele? – perguntou Márcio.
- Eu... preciso....
- Passei a mesma coisa que ele... e sei quais são essas visões. Parece que estamos sonhando acordado. Vivi isso por alguns anos, mas não era um sonho.
- Vou ver. Não prometo nada. – disse. – Agora... me conta... o Mikael?
Mauricio continuava sendo consumido pela raiva. Ele estava principalmente preocupado com seus filhos e esposo. Durante mais uma sessão no terapeuta, ele não agüentou e chorou como uma criança. As marcas do acontecido poderiam estar sumindo, mas as lembranças amargas continuavam ali, mais presente do que nunca. Meu esposo decidiu dar uma volta na orla da cidade para tomar um ar.
- Dr. Elias? – perguntou uma mulher.
- Oi? Eu...
- Dr. Elias. Eu não sei se você lembra de mim, mas há cinco anos fui diagnosticada com um tumor maligno... e graças ao senhor estou aqui. – ela disse o abraçando.
- Claro... agora lembro. Renata? – ele perguntou.
- Sim. Eu soube o que aconteceu no hospital onde trabalha. Pelo que vejo o senhor está bem. – ela disse.
- Estou sim. Obrigado.
- Olha. Preciso te apresentar uma pessoa. – ela disse indo até o carro.
- Céus...
- Essa é a Vitória. Graças ao senhor pude conceber essa linda menina.
- Eu... posso... pega-lá? – perguntou ele emocionado.
- Não... deve. – respondeu a mulher querendo chorar. – Tenho uma divida eterna com o senhor.
- Que menina linda. Vitória. – falou meu esposo segurando as lágrimas.
Fernanda decidiu viajar para os Estados Unidos. Ela foi até ao ‘Recursos Humanos’ da empresa onde trabalhava para pegar os documentos. Enquanto esperava ela ficou vendo fotos antigas e refletiu sobre tudo o que viveu até aquele momento. Ela tinha certeza que essa oportunidade não apareceria novamente, pesou durante muito tempo todos os pós e contras.
- Então Fernanda. Nova York? – perguntou a assistente.
- Sim. Seis meses. Espero aprender muitas coisas novas.
- E você vai. Menina... alguém com o teu talento é uma jóia rara.
- Obrigada. Comprei as passagens, mas preciso saber exatamente o endereço da faculdade, pois, ficarei na casa de um amigo em Manhattan. – disse Fernanda.
- Tudo bem. Deixa eu pegar na impressora.
A banda de Ezequias preparava o repertório para a primeira Parada LGBT da nossa cidade. Ele recebeu uma visita inesperada.
- Ezequias, preciso falar com você em particular. – disse Judith.
- Claro. Rapazes... com licença. – pediu Ezequias.
- Então... eu preciso de um favor.
- Se estiver nas minhas possibilidades... pode falar...
- Eu quero cantar com vocês... na verdade uma música apenas. Se você deixar... – pediu minha filha ficando vermelha.
- Pode sim, mas não sabia que você cantava.
- Não em público... quero fazer uma surpresa para o meu pai. Ele passou por tantas coisas e...
- Tudo bem querida. Você já tem uma música em mente? – perguntou Ezequias.
- Sim... eu peguei ele ouvindo um dia desses. Vai ficar legal se vocês me ajudarem.
- Tudo para a minha sobrinha mais linda. – Ezequias falou a beijando.
- Eu sou a única! – protestou Judith.
- Graças a Deus. – brincou Ezequias.
- Gente... é o seguinte. Consegui mais uma vocalista para a nossa banda. Vamos ao trabalho.
Cheguei em casa cedo e preparei o terreno para o encontro entre Márcio e Mauricio. Estava com medo, porém não tinha outras opções. Levei as crianças até a casa da minha e depois voltei correndo para esperar o Mauricio.
- Oi? – ele disse tirando os tênis.
- A corrida foi boa? – perguntei.
- Acho que sim. – ele disse sentando ao meu lado e me beijando.
- Nossa. – falei o afastando.
- Se assustou?
- Não. Apenas... não esperava. Eu... preciso.... te...
- Você quer o divórcio? Pedro eu entendo que...
- Não idiota. – falei batendo nele. – Por quê? Você quer?
- Não... eu... para de me bater....
- Escuta. O Márcio queria conversar com você e...
- O que aconteceu? – ele perguntou assustado.
- Ele só queria falar com você. Mauricio... eu perdoei o Márcio. Você não sabe como ele me ajudou na situação do hospital.
- Eu vi. Você cheio de hematomas e... é tudo culpa dele. Tudo...
- Amor... se acalma. Dá uma chance pra ele. – pedi o abraçando e o beijando.
- Eu...
Márcio chegou e eu decidi esperar na cozinha. Afinal, o plano era fazer o Mauricio sair desse clima de histeria e com certeza eu não ajudaria em nada.
- Maurício... eu nem sei por onde começar. – disse Márcio.
- Pelo principio. De como em todos os períodos da minha vida você foi um filho da puta! – gritou.
- Isso também... olha... eu sei que te fiz muito mal... a você... ao Pedro... ao Paulo...
- A lista é extensa. – falou Mauricio em tom irônico.
- O Ryan passou quase seis anos da minha vida... me estuprando... violentando... física e psicologicamente. Você acha que eu quis isso? – ele disse chorando.
- Você só pagou pelos seus erros...
- E você nunca errou? Santo Mauricio? – ele questionou.
- Você tem tudo o que eu sempre sonhei, mas não tinha noção que queria. Filhos maravilhosos, um marido que te ama e respeita. O que aconteceu com o Ryan foi uma fatalidade... você precisa superar isso. – ele disse chorando.
- Superar... todas as noites eu....
- Sonha com ele... escuta a voz dele... sente ele perto de você. Eu te disse. Passei seis anos da minha vida com esse homem.
- Como... você...
- Superei? – perguntou Márcio sentando perto do meu esposo.
- Eu deixei ele morrer. Na verdade... o Pedro deixou... mas, eu o deixe naquele mesmo lugar. No esquecimento. – ele falou chorando.
- Eu... não sei o que fazer... – disse Mauricio chorando igual uma criança.
- Calma. – sugeriu Márcio abraçando o meu esposo. – Mauricio... eu queria te pedir perdão... por tudo... pelas humilhações... insultos e besteiras que eu fiz. – ele disse chorando também.
- Não quero fazer mal para minha família.
- Não precisa. Lute contra ele. Seja forte. Sei que você é.
Estava nervoso. Tomei quase os dois litros de refrigerante. Queria saber se o Mauricio conseguiu desabafar e o principal se esse pesadelo teria fim.