No mesmo dia a tarde, já começamos a ter os preparativos para o baile de máscaras. Oliver tratou de contratar toda a criadagem para a casa... Nesse meio tempo, levantei uma lista de todos os nobres, burgueses e ricos da região de Florença. Não me esquecendo é claro, convidar um certo Duque de Saint-Clair. Apesar de tudo isso, era de vital importância que meu anonimato fosse mantido...
Queria pegar Louis na surpresa. O baile era só um pretexto para duas coisas: Marcar a minha chegada ao círculo social e político e é claro, me reencontrar com o fedelho. O importante era garantir que fizesse amizade com os poderosos, por que mesmo se fosse rico, isso de nada valeria sem a influência deles... Ter laços com eles eram ter as portas abertas para fazer o que quiser. E era assim que se iniciaria os meus planos.
No dia seguinte, tive de sair para encomendar a roupa para festa. Apesar de pouco me importar com essas coisas, era mais do que vital ter uma boa aparência... E enquanto estava caminhando, me lembrei de ter visto o fedelho naquele estabelecimento... Voltei para trás, temendo reencontrá-lo lá. Rodeei o caminho e fui para outro do outro lado da cidade.
-- Olá Signore... No que posso servi-lo? - disse um senhor idoso bem vestido, quando eu já estava dentro da loja.
-- Gostaria que fizesse uma fantasia... Recebi um convite... Para o baile - menti. Era óbvio que não falei que era o anfitrião.
-- Ah sim. Hoje todos os alfaiates estão sendo requisitados, para esse baile... Qual será o seu tema? - ele perguntou sorrindo.
-- O que me sugeres? - perguntei casualmente.
Ele me rodeou, analisando...
-- Que tal... Ente das trevas? É trágico, misterioso... E perdoe-me a indiscrição, mas... Cairá perfeitamente! - ele disse com os olhos brilhando.
-- Pode ser... - falei. "Nada mais apropriado" pensei comigo mesmo. - Mas não irá causar muito estranhamento?
-- Não... O que causa estranhamento é um viúvo encomendar roupas para festa! Ah isso sim o que eu chamo de escândalo! Não é querendo fazer cochichos é claro. - ele tagarelou tirando as minhas medidas.
-- Como? - perguntei.
-- É um duque francês que ficou viúvo recentemente... Imagina, ele me mandou fazer uma roupa que foge do luto!!! - ele disse. - Eu não quero nem estar por perto quanto a sociedade começar a falar...
Com a mais absoluta certeza ele estava falando de Louis.
-- GIOVANNI !!! ESTOU AQUI ESPERANDO A MINUTOS!!! - reconhecia a voz... Era o fedelho.
-- Perdoe-me vossa alteza, irei agora! - ele disse em voz de bajulador. Depois olhou para mim e disse. - Desculpe-me Signore, terei de ir antes que ele pule no meu pescoço.
Ri um pouquinho nervoso. Uma parede me separava dele... Como não havia ninguém por perto e a porta estava entreaberta, me aproximei aos poucos e olhei pela brecha. Louis estava de costas, somente com a roupa de baixo: meiões que iam até um pouco acima dos joelhos, uma cueca que marcava a bunda linda, uma camisa de linho de mangas curtas e o corpete que deixava a coluna reta e o tórax delineado.
Depois de três anos eu o vejo naquela situação... Ontem eu o havia visto de longe, mas agora nem o rosto eu via... Eu estava inquieto é claro. Depois de anos eu o vejo ali... Quase nu. Mas de que infernos eu estava falando? Giovanni pegou uma fita métrica e passou em volta da cintura do fedelho que estendeu os braços.
-- Hummm... 67 centímetros! - Giovanni disse.
-- TUDO ISSO?! - ele arfou incrédulo - Faça voltar para 65, como antigamente Giovanni!
-- Vossa alteza não tem mais 16 anos... Não posso fazer nada. - ele disse dando os ombros.
-- Óhh céus... Desse jeito vou ficar velho e gordo que nem o padre Alfredo!!! - Louis falou choramingando. – Ahhh, mas eu não me permito ficar assim!
-- Mas ainda és formoso... Com todo o respeito. - ele disse, pegando uma mecha do cabelo loiro suspirando de inveja.
-- Obrigado. - ele disse saindo dos degraus em que estava para tirar as medidas. - Quando ficará pronta?
-- Amanhã à tarde. Tens certeza que... - disse o senhor falando amedrontado.
-- Sim. Está mais do que na hora de mostrar para essas cobras saberem com quem estão lidando. - ele falou confiante.
Perto de onde estava, havia uma camisa de Louis jogada no tapete, provavelmente ele havia trocado por outra quando se trocava. Peguei-a e enfiei dentro do espaço interno de meu gibão. Sai de lá sorridente por algum motivo. Mas a cada minuto que passava mais ansioso ficava para a noite do dia seguinte... Paguei a Giovanni, e ele disse que entregaria as roupas na parte da manhã.
Sai de lá agradecido, e voltei para o meu casarão, vendo Oliver coordenando os criados a começarem a arrumar o antigo salão de festas que estava há muito tempo trancado, com uma extensa camada de poeira, teias de aranha e coisas quebradas. Ele me garantiu que no dia seguinte estaria perfeito.
Enquanto subia as escadarias, começava a pensar em qual seria o primeiro poderoso que iria me aproximar nele. E cheguei a conclusão que seria o banqueiro. Quem era a melhor pessoa para se ter uma visão geral das riquezas do que o banqueiro? Ele sabia de toda a vida financeira dos nobres. E com ele quem sabe a chave para a ruína de Louis.
Entrei em meus aposentos fechando a porta, começando a tirar a minha roupa. Foi quando uma peça de linho foi ao chão... Peguei ela com cuidado, sentindo a textura do tecido... Levei ao nariz, e aspirei o perfume. O cheiro não era como um carinho. E sim um soco forte em meu rosto, me puxando de volta exatamente em uma hospedaria de uma vila na França, no ano de 1515, três anos atrás.
Um perfume sutil e luxuoso ao mesmo tempo... Rosas e jasmim, talvez, misturados com algo mais amadeirado e quente. Não era um odor contínuo... Ele ia e voltava em meu nariz, como em ondas: Uma hora mais vívido e depois diminuía lentamente como em um pequeno rastro e voltava mais uma vez em toda a sua glória e esplendor. Encostei-me na parede, escorregando aos poucos... Esqueci onde eu estava, qual era o meu nome, e até quem era eu mesmo.
Meu sangue subia em meu rosto e descia mais uma vez. Eu não sabia ao certo o que fazer... Minha mente ficava dispersa em lembranças que agora eram tão vivas e nítidas. Com os olhos fechados, conseguis ver Louis... Meus dedos ficavam ansiosos para sentir a textura da pele dele e a boca formigava como se estivesse seca... Atirei aquela camisa para longe do meu nariz. Aquilo era um veneno fatal.
Agarrava-me a ideia de que aquilo era uma perigosa distração. Eu ODIAVA Louis. Era isso o que mentalizava... Amanhã à noite, tudo irá mudar. Era só ter paciência. Não podia deixar tudo ir abaixo sem nem mesmo começar. Andei até em direção a camisa de linho e peguei, prendendo a respiração. As iniciais "L.S.C" ainda bordadas pareciam um lembrete de com quem eu estava lidando. Caminhei até a lareira ameaçando a jogar no fogo. Mas na hora não fiz. Dobrei com cuidado e guardei em um pequeno baú a chave.
Fui para a cama cansado pelo longo dia, dormindo em questão de minutos.
...
De manhã, a movimentação em toda a casa era enorme. As moitas dos jardins eram milimetricamente podadas, e as roseiras aparadas... Colocaram também mini vasos onde continham velas que quando acessas, liberavam essência de floral que se misturava com as flores já por perto. Quando abri as portas do salão tive uma surpresa.
O piso de mármore branco e preto estava brilhando de tão limpos... Refletiam como um espelho o teto abobadado com pinturas e os lustres de cristais. As janelas com os vitrais transparentes, limpos que davam vista para o jardim do lado de fora e o terraço com as fontes e os chafarizes. Faixas de tecido dourado e verde escuro rodeavam as colunas de mármore branco e flores se enroscavam nas arcadas delas. Tudo muito bonito.
-- E então... O que acha? – disse Oliver animado.
-- Perfeito!!! – disse andando pelo piso.
-- Bem, os músicos chegaram provavelmente nas seis da tarde e os convidados uma hora mais tarde!!! Vai ser uma festa e tanto!!! – ele disse comendo uma uva que estava em um arranjo de comida.
-- Nem imagina o quanto. – disse. – Vai estar fantasiado? – perguntei me virando para ele.
-- Sim!!! Vou vir de cavalo!!! – ele riu que nem um bobão.
-- Bem a sua cara. – disse.
-- Nossa... Que consideração pelo o irmão aqui!!! – ele falou sarcástico.
-- Vai pro teu quarto antes que eu dê chute a tua bunda, imprestável – falei na risada, vendo-o correr. Oliver mais parecia uma criança do que o homenzarrão que era.
Sai de lá vendo uma cadeira no alto de uma pequena escadinha... Nesta noite. Apenas nesta noite. Quando fui aos meus aposentos, uma caixa estava na cama, abri o pacote e peguei a minha roupa. Aparentemente Giovanni acertou bem no que fez... A parte de cima era feita em veludo preto com abotoaduras de ouro, com calças apertadas em um tom de cinza escuro e com uma longa capa negra com capuz. A máscara era forrada de seda, cobrindo a região dos olhos e era quase uma coisa meio... Sombria. Qualquer autor de poesia medíocre adoraria escrever uma obra sobre este ente das trevas.
Pedi a uma criada que enchesse a banheira com agua morna, e fiquei lá de molho por um bom tempo. Enquanto passava a esponja ficava a todo o momento rindo... Sabe quando você faz uma coisa tão absurdamente genial, e fica se gabando por isso? Pois é bem assim mesmo. Era aquele gosto de vitória na língua que me dava uma sensação de poder. Sai de lá e fui me vestir...
No espelho a coisa toda da roupa parecia bem melhor... Coloquei a máscara dando um sorriso cínico para mim mesmo no espelho.
-- Vamos lá, que a noite vai ser longa!!!
Desci as escadas e ordenei que as criadas começassem a colocar na grande mesa, os diversos tipos de peixes e aves, com tortas e bolos diversos. As sete da noite, Oliver lançou os fogos de artifícios ( Sim eles existiam naquele tempo rsrs :O)anunciando assim o inicio do baile. Em algum tempinho depois, chegaram os primeiros convidados, todos trajando fantasia e uma máscara. Os cumprimentei me lembrando das regras de decoro que havia aprendido.
Havia se espalhado o boato, de que eu era herdeiro de uma imensa fortuna... Não era de total mentira... Mas eles não sabiam que eu era daquela família que todos acusaram e queimaram na fogueira da inquisição. A música tocava animada, quando chegou um dos convidados que eu tanto queria: Rafael Marionelli (representando uma águia), o banqueiro e a sua filha Alice (vestida de cisne).
-- Hum, a quem devo agradecer o convite para esta comemoração? – ele falou sorrindo. Era um senhor rechonchudo, de cabelos pretos e olhos castanhos que indicavam um bom humor e certa benevolência.
-- A mim Signore Marionelli... Sou Enzo Tussolini – disse assumindo um antigo sobrenome. – E quem é essa dama? – lógico que eu sabia quem era ela. Precisava saber o terreno onde pisava.
-- Alice... – ela disse em uma voz tímida. Ela tinha olhos e cabelos castanho claro, com uma pele que parecia macia... Linda ao todo.
-- Olá Alice... É um prazer em conhece-la... – disse pegando a mão dela e beijando.
Ela sorriu corando envergonhada. Depois ficamos conversando eu e o signore Rafael que ficava cada vez mais entusiasmado com a noticia de mais um cliente em seu banco. Por volta de mais ou menos uma hora, enquanto todos dançavam e conversavam a musica foi parando aos poucos... O silêncio tomou conta, enquanto as pessoas cochichavam incrédulas. Me virei de frente a entrada e o vi parado, com a sobrancelha erguida em tom de desafio e um leve sorriso.
Louis estava... Inacreditavelmente lindo. Vestia um gibão branco/prateado de seda que se abria em uma leve gola em V que mostrava discretamente o colo e os ombros... Mangas bufantes curtas que revelavam os braços nus. O saiote pregueado que ia até o joelho bordado com fios de prata e pequeninos cristais e pérolas em um intricado padrão, que revelavam as panturrilhas perfeitas pelos meiões branco, com um sapato prateado. O cabelo loiro repartido ao meio arrematado por um aro de diamantes na testa como uma aréola.
Parecia um anjo... Ou um antigo deus do amor e da beleza ou qualquer coisa do gênero... Absurdamente deslumbrante. Vendo o de frente e de perto agora, fui notar umas leves mudanças... O conheci quando ele ainda tinha 16 anos... O rosto naquela época tinha traços de criança, e era meio bochechudinho. Agora a face adquiriu linhas mais simétricas e perfeitas, o amadurecimento era perceptível, mas quase impossível de se apontar onde. Alguma coisa claramente mudou, mas no geral era o mesmo... Vê-lo ali... Tão perto...
-- Por que pararam? – ele perguntou descendo os degraus, com um sorriso descarado no rosto.
Em meu redor houve uns cochichos.
-- “Eu não acredito que ele veio...”
--“Veja como se veste!!! Parece que nem é viúvo!!!”
--“Ele pode ser um francesinho abominável... Mas é lindo, isso não posso negar.”
-- “Mas é claro que ele tinha que vir... Quem mais gosta de ser o centro das atenções?!”
Louis caminhou até nós e se reverenciou. Ainda mais perto de mim... A música voltou a tocar, e todos voltaram a dançar e a papear.
-- Por que todo aquele silêncio? – perguntei, fingindo-me desinteressado.
-- É por causa de Louis Saint-Clair... Ele é um duque que se casou com falecida Cecília Garleranni. Ninguém aqui o suporta, por ele ser totalmente detestável... Um garoto fútil... E frígido. É tão imprestável que só teve uma filha!!! – disse uma velha ao meu lado.
-- Mas me pergunto, como alguém consegue gastar tanto?! Os Garleranni já não são mais os mesmos... Desse jeito não há dinheiro que suporte. – Disse Signore Rafael.
-- Hummm... – disse o vendo conversando com outros rapazes.
-- Oras não seja maldosa tia Petúnia... Louis é apenas muito espirituoso e alegre! – disse Alice. – Como podem ser tão anti receptivos com ele?
-- Sei... – falou a velha bufando.
Eu e Alice fomos cumprimentar Louis. Minha mão suava... Meu coração parecia que iria saltar do peito.
-- Boa Noite Louis! – disse Alice.
-- Alice Marionelli, vejo que nos reencontramos de novo... Que bom em vê-la! – disse Louis.
-- Ah Louis fico tão feliz que esteja bem... É tão alegre e tão cheio de vida... Sempre quis ser que nem você... – falou ela bondosa.
-- Oras, não precisa me bajular e dizer coisas que não sente, certo? – ele sorriu, dizendo tudo sem rodeios.
Alice olhou para baixo envergonhado.
-- Fomos apresentados? – perguntei nervoso.
-- Acho que não... – ele sorriu me fitando com os olhos verdes.
-- Me desculpem... Eu irei me retirar – disse Alice corada.
Passou-se um tempo até que perguntei:
-- Eles não parecem serem muito... Receptivos com tu...
-- Pouco me interessa o que esses abutres pensam ou deixam de pensar... – ele arqueou a sobrancelha em desprezo.
Ri um pouco.
-- Qual é o seu nome? – ele perguntou.
-- Lorenzo. – disse.
Por um momento ele pareceu pensativo... Distante...
-- Com toda a licença... – ele saiu, constrangido do local com os olhos mareados.
Ele me descobriu? Será? Larguei o cálice de vinho e fui atrás dele.
-- Fiz alguma coisa errada? – perguntei educado.
-- Não... Eu só precisava de um pouco de ar... – ele falou de olhos fechados e pálido.
O fitei por um momento, percebendo que ele não me reconhecia.
-- Se é um baile de máscaras... Por que veio sem uma? – indaguei curioso.
-- Por que eu não tenho NADA a temer... – ele disse escorado na balaustrada, com as mãos pousadas no colo.
Sorri comigo mesmo, desatando o laço de cetim de minha máscara olhando-o os olhos dele.
-- Não tem mesmo? – perguntei sorrindo.
CONTINUA.
Tá na hora de arrebentar a boca do balão tchê!!!