Reuniões, 22: Na queda d'água

Um conto erótico de Anjo
Categoria: Heterossexual
Contém 1915 palavras
Data: 12/05/2010 19:34:00

REUNIÕES, SOB O LUAR DO SERTÃO - Na queda d’águaContinuação da série REUNIÕES, para entender leia os anterioresNão sabia que ainda poderia sonhar com a felicidade. Minha vida estava uma merda e fui àquele churrasco somente para cumprir uma obrigação social Ainda bem que fui...

(Recordações de Suelem)

Saudades antes que a saudade chege...

29º Dia - Sexta-feira

Todos beberam bastante no churrasco da Serrinha naquele sábado quando passaram o dia se divertindo na queda d’água da nascente do rio. Também foram os amigos de infância dos irmãos Vie com suas famílias. O Jode, colega dos primeiros anos de Manoel no Grupo Escolar, também levou sua mulher e seus dois filhos – o Juca com sua noiva e Suelem com o marido.

Juca sempre foi um rapaz recatado que puxou à mãe à mãe, uma senhora já beirando os cinqüenta anos. Suelem é mais aberta e brincalhonha.

- Essa pestinha sempre me deu trabalho – falava Jode se referindo a filha.

Realmente a Su, como é conhecida, não para um só momento. Brinca com um, corre para outro escuta uma piada aqui, conta outra picante ali, empurra esse na água, belisca aquele acolá. Seu marido é bastante diferente.

- O imã tem dois pólos diferentes, por isso é que dá certo – justifica dona Leda, sua mãe.

Joaquim foi forçado a casar com Suelem quando Jode soube que sua filha não era mais virgem e que fora ele quem o fizera. Ele com dezesseis anos e Suelem com quatorze assumiram perante Deus e os homens o compromisso do matrimônio e iniciaram uma relação que se mostrou traumática para ambos.

Suelem mesmo casada continuou sendo a garota que encantava as pessoas com sua espontaneidade juvenil, enquanto Joaquim passou a ser apenas o marido de Sue criando uma casca de inveja que o levou para fora de casa em busca de aventuras. Passou a ser visto com freqüência em festas sem a mulher e em puteiros enquanto Suelem, por causa da inexperiência ou talvez para livrar-se das brigas constantes, voltou a estudar e a concluir o seu sonho: tornar-se médica.

Por causa da vida desregrada do marido Suelem evita filhos e se entrega para a profissão, afastando-se cada vez mais do playboy que era sustentado pela mulher.

- Ô Suelem! Ô Suelem! – grita Joaquim sentado em uma mesa na companhia de alguns amigos.

Suelem se exaspera com o embriagueis constante do marido. Vai até ele, segreda algo a seu ouvido e retorna alegre. Joaquim levanta e sai com os amigos.

- Que a senhora falou para ele sair daquela maneira – Cíntia pergunta.

- Senhora não Cíntia, afinal não sou tão mais velha que você – Suelem se formou a um ano e meio, hoje tem vinte e três anos.

- Ok! Suelem...

- Não disse quase nada, só mandei ele ir à merda e me deixar em paz. Não agüento mais essa bebedeira desse cara.

Jode percebeu a saída repentina do genro e se aproxima da filha.

- Pô moreninha – afaga com carinho a cabeça de Suelem – Cuidado com esse cara...

- Preocupa não pai, sei o que estou fazendo.

Continuam a brincar, comer e beber se esquecendo por completo o ocorrido.

- Cadê a Larissa? – pergunta sentindo falta da paciente.

- Menstruada e chateada com a vida – responde Flávia sob risos gerais.

- E o Nat? Ficou tomando conta da priminha! – Suelem dá um sorriso maroto demonstrando outras intenções na pergunta.

- Não! Ele foi até a cidade resolver uns negócios da fazenda – apressa-se em responder Cíntia notando a intenção da médica. – E ele não cuida só da priminha, doutora Suelem! Ele tem responsabilidades – conclui indignada e sai de perto.

Silvia e Flávia acompanham a prima. Suelem fica sem graça na roda composta agora por Isabelle, Nadir e Nininha. Nadir percebe o desconforto da jovem.

- Quem ficou com ela foi a Carmem.

- Me desculpem, não fiz por maldade – levanta-se. – Vou conversar com ela.

- Fica aqui mulher! – Nininha segura Suelem pelo calcanhar – Deixa que isso é porque ele não está aqui. Essas três são muito ligadas.

Aos poucos volta a normalidade nas rodas formadas. Os homens bebendo debaixo das árvores, rindo das piadas pesadas, as casadas sentadas à beira d’água trocando informações sobre os maridos e filhos e os jovens se divertindo na água descontraidamente.

- Pô Cíntia! Ta acabando a festa... – lembra Isabelle entristecendo pelo retorno próximo.

- Até parece que foi ontem que chegaram buzinando e tocando foguetes – Cíntia recorda o dia da chegada com um sorriso trise.

A constatação do término das férias ainda não tinha sido colocada, ninguém queria aceitar o fim próximo, a separação, o retorno ao sul.

Como que por encanto cessou o burburinho e o chapinhar da água, calaram-se os sorrisos, pararam as brincadeiras e um silêncio pesado abate sobre elas que se juntam em um círculo estreito. Abraçam-se, silenciam, entristecem.

- Não quis pensar nisso... – lamuria Larissa com os olhos rasos d’água.

Logo ela que viera armada contra tudo e contra todos é quem mais sofre, quem mais entristece.

- Eu não queria vir, vocês sabem. Fiz de tudo para ficar em Belô, aporrinhei mamãe, fiz a cabeça do pai e enchi de besteiras as cabeças de vocês – pára entristecida. – Acho que tinha medo de sentir a liberdade desse lugar novamente, temia encontrar o primo, as tias e o tio. Não sei a causa ou por quê, mas eu não queria vir...

Silvia abraça a irmã que encosta a cabeça em seu ombro. As meninas emudecem, todas também relutaram deixar o conforto das praias, dos shoppings, dos cinemas com ar condicionado, das danceterias para se embrenharem no mato.

- Queria que o tempo parasse... – recorda Flávia dos momentos de encanto passados no lugar, dos passeios, dos banhos e até do acidente – Não pensei que seria tão divertido aqui.

Cíntia deixa rolar em seu rosto cândidas lágrimas de saudades antecipadas. Ela almejava essa reunião, sonhava conhecer os tios e as primas e foi quem mais vibrou ao saber que viriam. Doía forte no peito a sensação de perda iminente e deixa escapar soluços tristes que não conseguira conter.

Silvia também lhe abraça e estreita a prima em seu corpo, acaricia os cabelos louros e sedosos.

- Shiiii... – sussurra em seu ouvido – Não chora bobinha! Esse é o primeiro de muitos encontros. Foi a largada em nossas vidas e o primeiro contato, o conhecer...

Mas a prima não vê assim, mas sim uma ruptura dolorida da normalidade construída, uma separação de difícil retorno, uma cisão abrupta que lhe roubará pedaços de sua vida. E chora baixinho sentindo a mão de Silvia lhe acariciando, lhe confortando sem, no entanto surtir o efeito desejado.

- Não vou ficar aqui chorando por algo que ainda não aconteceu! – Isabelle levanta resoluta querendo expulsar a tristeza, a melancolia e se joga no lago nadando ensandecida para baixo da queda d’água. Fugia para que as primas e a irmã não vissem seu choro dolorido, sua tristeza apalpável, seus soluços convulsivos que lhe estremecem o corpo.

As garotas não se mexem, apenas choram baixinho o fim próximo.

João se aproxima estranhando a quietude e vê a tristeza e as lágrimas.

- Que aconteceu?Por favor! Me digam o que aconteceu – insiste temeroso.

Larissa se solta da irmã e se joga nos braços do pai.

- Ta terminando paizinho... Nossas férias ta terminando... – encosta a cabeça do ombro do pai e chora solto.

- Que é isso Lalá! Não fica assim. É tempo de alegria, de aproveitar bem esses momentos, de brincar... – segura o queixo da filha e lhe beija os olhos molhados de lágrimas.

- Oh paizinho, eu não queria vir... Agora não quero voltar...

- Eu sabia disso querida – fala balançando a cabeça complacivamente – tua mãe sempre falou que tu irias te apegar a esse lugar. Ela te conhece como ninguém e sabe a alma boa que mora dentro de ti – pára de falar e acaricia o rosto da filha. – Mesmo quando tu te enganavas dizendo querer ficar em Minas, ela sabia que a verdade seria outra quando tivéssemos que voltar. Mas tua vida é lá, é lá onde estudas, onde nasceste, onde moram teus amigos... Teu namorado, lembra?

- Eu não sabia o quão maravilhoso era aqui... – seu corpo estremece pelo soluçar incontinente, seus olhos brotam lágrimas, sua boca riste faz de seu rosto uma careta de dor.

João sinaliza para a esposa, chamando. Carmem estranha e levanta apreensiva.

- Que foi bem!

- Conversa com Lalá... – com os olhos rasos d’água empurra carinhosamente a filha para os braços da mãe. – Lalá! Nos sabíamos que esse dia ia chegar – se afasta ainda segurando as pontas do cabelo da filha.

Senta na roda das meninas chorosas e tenta consola-las.

- Que foi Larissa? – pergunta carinhosa a mãe afagando a filha.

- Tô triste mãe! As férias tão acabando e não sei o que fazer...

- Não tens que fazer nada garota, o tempo vai cuidar disso...

- A senhora sabe que eu não queria vir, queria ficar em Belô...

- Não minha filha! – suspira profundo – Eu tinha certeza que você queria vir, só você quem tentava espanar essa verdade – afasta a filha e olha em seu rosto banhado de lágrimas. – E sabia que seria você a que mais sofreria a partida – beija seu rosto e sente o sabor salgado das lágrimas. – Mas tudo tem um fim, só que esse fim é o início. Novas férias virão e você pode voltar quando quiser, Minas não é tão longe do Maranhão. Avião existe para encurtar distâncias, mas agora temos que voltar para nossas vidas normais e guardarmos as lembranças que nos acompanharão por toda a vida. Essas, as lembranças boas, é que dão ânimo para continuar em frente, para vencermos, pois temos a certeza de que existe um lugar onde conseguimos ser felizes.

Nada adianta, nada cala a dor sentida pela constatação de que essas não foram apenas mais umas férias gozadas, e sim as férias que perdurará por todo o sempre em suas vidas.

As intrigas, os disse-que-disse, as brincadeiras, as noites alegres na casinha transformada carinhosamente no aconchego, a liberdade de ser e de agir sem os grilhões aprisionantes das convenções sociais, a constatação livre do corpo e da mente e do sentimento e do carinho que impera todos instantes. Tudo e todo o conhecimento adquirido é motivo de sofrer pela separação inevitável.

O encontro festivo perdeu o sentido de ser. As meninas, apáticas, ficaram largadas sem as emoções de antes. Não mais sorriam, não mais gritavam, não mais chapinhavam a água e apenas o silêncio restou, silêncio pesado e impregnado de dor.

João ainda ficou um tempinho tentando – logo ele que chegara tão retraído – reacender a chama da alegria, em vão. Carmem também embrenhou-se na apatia contaminando a irmã e a cunhada e Manoel, ao saber, também não mais demonstrou ânimo, e calou.

- Bem gente! Acho que o clima fechou – Julio encara a realidade – e só nos resta voltar para a fazenda.

Fazendo de suas palavras ação, chama Ataliba e desfazem e limpam o lugar. Aos poucos os convidados se retiram acabrunhados.

- Vou com vocês pra fazenda – se oferece Suelem.

- Claro amiga! Aproveita e passa o final de semana conosco – convida Nadir.

- Vou falar com papai – se afasta e diz ao pai que irá para a fazenda com as amigas.

- Vai ser bom para você moreninha. Pelo menos ficas livre do traste de teu marido beberrão – abraça a filha e procura o amigo Manoel a quem pergunta se não há problemas.

- Que é isso Jode! Claro que não, e pode ser até que ela consiga levantar o ânimo das garotas.

O retorno foi melancólico, triste, cheio de um silêncio de dor pela saudades das saudades que virão.


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