Antes dos trinta, eu já acumulava prêmios, estampava capas de revistas e atraía seguidores desconhecidos no LinkedIn, ávidos por acompanhar minha trajetória. Nem mesmo o mais visionário dos futuristas poderia prever no que minha vida se tornaria.
Mas agora, revivo o passado obsessivamente, tentando encontrar o instante exato em que tudo desmoronou. Vasculho cada detalhe, esperando uma resposta definitiva. Mas ela nunca vem.
Talvez tudo tenha começado com um oito.
Cursei engenharia de software. No meu trabalho de conclusão de curso, precisei desenvolver um projeto do zero. Dediquei-me obsessivamente, refinando cada detalhe, despejando ali cada grama do meu talento e sanidade. Quando finalmente o apresentei, ele já não era apenas um programa de computador. Era meu filho.
E então, veio a nota. Oito.
Fiquei puto.
— É um bom trabalho, mas falta viabilidade econômica. — Foi assim que o professor, com a delicadeza acadêmica de um martelo, me disse que meu projeto era apenas um passatempo sem futuro.
Não existe combustível melhor do que a vontade de provar que alguém está errado. E aquelas palavras do professor queimaram em mim como gasolina jogada no fogo.
Passei madrugadas aprimorando meu programa, obcecado em refinar cada linha de código, cada funcionalidade, cada detalhe. Não enviei um único currículo. Para quê? Minha confiança era inabalável. Enquanto meus colegas planejavam entrevistas e atualizavam seus perfis no LinkedIn, eu já estava abrindo minha própria empresa. Mesmo antes de terminar a faculdade.
E funcionou.
No primeiro ano, minha empresa não apenas sobreviveu — ela prosperou. Sentia como se tivesse decifrado o código secreto do sucesso, me comparando com tantos outros executivos que tiveram várias falências e fracassos antes de conseguir qualquer coisa. Eu não, logo na primeira tentativa já estava colhendo os frutos do meu trabalho.
E a empresa cresceu tanto, que, a certa altura, ficou evidente que eu não daria conta de tudo sozinho. Eu precisava de alguém para cuidar da parte comercial, alguém que soubesse vender tanto quanto eu sabia construir. Foi aí que Renato entrou na jogada.
Ele era persuasivo, carismático, exalava confiança. Fechava contratos com naturalidade e conquistava investidores como se estivesse vendendo a ideia mais óbvia do mundo. Parecia a peça que faltava para levar a empresa ainda mais longe.
Mas hoje, olhando para trás, me pergunto se o verdadeiro ponto de partida para tudo o que aconteceu não foi aquele oito — e sim ele, o meu sócio.
Apesar de contribuir com sua rede de contatos e habilidades, ele moldou uma cultura na empresa que fugia completamente do que eu havia imaginado.
O desgraçado tinha uma visão peculiar — e deturpada — de gestão de pessoas. Sempre que um currículo feminino caía na mesa dele, a entrevista era garantida, independentemente de quantos candidatos mais qualificados houvesse. Cada nova vaga virava um concurso de beleza, e Renato, o juiz, escolhia sempre a mais atraente, transformando a empresa, pouco a pouco, no seu harém particular.
Eu nunca aprovei o fato de meu sócio dormir com várias funcionárias. A sensação era de que, aos poucos, eu perdia o controle da empresa — como se fosse um filho crescendo e eu já não pudesse mais escolher suas influências.
Comecei a ter pesadelos. Sonhava que suas “conquistas” começavam a se assassinar no escritório. E depois do massacre, lá estava eu, tentando limpar o carpete empapado de sangue.
A única coisa que fiz para tentar mudar o rumo da empresa foi marcar uma reunião com Renato em um bar, depois do expediente. Quando compartilhei meus receios e mencionei os sonhos que andava tendo, esperando ao menos um vislumbre de desconforto, tudo o que recebi foi uma gargalhada.
— Você se preocupa demais.
Ele tomou um gole da cerveja e balançou a cabeça, como quem observa um ingênuo tentando entender as regras do mundo.
— Todo mundo aqui sabe como o jogo funciona.
O jogo.
Segundo ele, ninguém ali estava apaixonado de verdade. Nem elas. Nem ele. O que queriam não era Renato — era o que ele podia oferecer. Um cargo melhor, uma fatia da empresa, um atalho para uma vida mais confortável.
E o jogo tinha regras claras. Nada de crises de ciúmes, nada de escândalos, nada de exigências. Quem quisesse exclusividade estava fora.
Não só ele descartou todas as minhas preocupações, que depois de “resolvido a situação”, Renato ainda quis me mostrar a mais nova conquista dele. A nova estagiária era ruiva. Cheia de tatuagens. Pelo menos uma década mais nova que ele. Mal tinha começado a trabalhar e já andava de carona no carro dele.
Pegou o celular, abriu um vídeo e deu play.
Ela estava ajoelhada entre as pernas dele, olhando diretamente para a câmera com um sorriso provocante.
— Diz aí, mano… Não é uma obra de arte?
Ele riu, satisfeito, enquanto aumentava o volume.
Eu ri também. Não porque achava engraçado. Ri porque não sabia como reagir.
O que se diz numa situação dessas? Finjo indiferença? Dou os parabéns? Pergunto se ele não tem medo de isso vazar?
A verdade é que éramos como óleo e água. Enquanto Renato usava o sucesso da empresa para impulsionar sua vida amorosa, eu nunca tinha sequer namorado.
Meus pais sempre estranharam o fato de eu nunca ter apresentado uma namorada. Em algum momento, suspeitaram que eu fosse gay ou que tivesse algum problema físico. Mas a realidade era bem menos interessante.
Interesse pelo sexo oposto nunca me faltou. O problema é que nunca foi recíproco. E era fácil entender o porquê.
Eu não tinha nada a oferecer.
Não era bonito, nem confiante, nem carismático. Não sabia flertar, não tinha presença, não exalava aquela energia magnética que faz uma mulher parar e prestar atenção. Sem isso, eu era praticamente invisível.
Com o tempo, aceitei que minha vida seguiria um caminho diferente. O que me restava era focar no trabalho, me afundar no meu próprio mundo e fingir que o sexo oposto não existia. Não por escolha, mas por exclusão.
Basicamente, uma versão masculina da velha dos gatos.
Minha vida jamais se pareceria com aquela loucura que era a do meu sócio, que equilibrava múltiplas mulheres como um malabarista experiente. E, por mais que sua conduta me horrorizasse, havia momentos em que eu não conseguia deixar de admirar sua habilidade em navegar aquele caos.
Mas nada — nada — se comparou ao que testemunhei na festa de fim de ano da empresa.
Alugamos um sítio com piscina e churrasqueira. O clima era descontraído e as conversas se tornavam mais soltas conforme o álcool circulava. Era para ser apenas uma confraternização, um dia tranquilo para celebrar mais um ano de sucesso.
Então, Renato decidiu transformar aquilo em um de seus espetáculos.
No meio da bebedeira e das risadas, lá estava ele, dentro da piscina, conversando com duas mulheres. Uma delas era uma de suas habituais. A outra, uma loira casada, recém-contratada, que tinha uma semana de empresa.
Fui até a mesa buscar uma cerveja e, quando olhei de volta, ele já levava as duas pela mão para o banheiro. Ninguém estranhou.
Pelo contrário — quando os gemidos começaram a vazar pela porta mal fechada, os funcionários se juntaram por perto, rindo, trocando apostas, assistindo ao desenrolar da cena como se fosse parte da festa.
E eu, parado ali no canto, me perguntava o que era mais absurdo: o espetáculo em si ou o fato de, por um breve instante, me imaginar no lugar dele.
<Continua>
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