A noite começou como um escapismo perfeito. Murilo, meu personal trainer, era um verdadeiro monumento, tanto em tamanho quanto em presença. Ele tinha um ar tranquilo que contrastava com seu físico imponente. Cada músculo do seu corpo parecia esculpido à mão, coberto por tatuagens que contavam histórias – uma tribal detalhada adornava seu braço, e uma imensa carpa vermelha tomava conta de suas costas, como se nadasse em sua pele.
Naquela noite, ele me surpreendeu. O toque de Murilo era diferente, sem a pressa que muitas vezes encontrava em outros encontros. Ele sabia onde pressionar, onde acariciar, como se cada centímetro do meu corpo fosse um mapa que ele havia memorizado. Sua voz baixa e rouca me guiava, e sua respiração lenta ditava o ritmo. Não havia pressa, apenas um prazer crescente que culminou de uma forma tão intensa que nem precisei me tocar para chegar ao ápice.
Depois, deitados, recuperando o fôlego, ele me olhou de lado e quebrou o silêncio com um sorriso tranquilo.
— Eu aprendi algumas coisas com um cliente que era massoterapeuta. Ele dizia que o segredo é não ter pressa. O prazer vem quando você respeita o tempo.
Ri, ainda tentando absorver o que acabara de acontecer.
— Acho que ele estava certo.
Enquanto ele falava, meu celular vibrou. Era uma mensagem de Fernando. Ele tinha enviado fotos da sua próxima fantasia: um personagem de Genshin Impact. A produção estava impecável, como sempre. Nas imagens, ele parecia tão envolvido e feliz que, sem perceber, sorri.
Murilo notou.
— Pelo visto, o cara tem o seu coração. — disse ele, levantando-se e jogando o preservativo no lixo.
Revirei os olhos e espreguicei o corpo.
— Que mané coração. É apenas meu amigo. Ele é cosplayer.
— Ele é um daqueles esquisitões?
— Ele não é esquisito, Murilo. — defendi, talvez mais do que deveria. — O Fernando é super talentoso e tem muitos fãs nas redes sociais.
Murilo deu uma risada leve, pegando sua roupa.
— Eita, esse te fisgou mesmo, hein. Cuidado, Joel.
— Não quero namorar, Murilo. Tenho meus objetivos. Quero ficar gostoso, entrar em uma universidade e conseguir um emprego bom.
Ele assentiu, enquanto vestia a camiseta justa que destacava ainda mais seu corpo.
— Gostoso você já é, Joel. É de longe um dos alunos mais focados que já vi. Se continuar assim, com treino, alimentação e suplementos, vai atingir todos os seus objetivos.
Ele se despediu com um sorriso e um abraço rápido, deixando o apartamento. Fiquei deitado por alguns minutos, perdido em pensamentos.
Pensei em Fernando e no quanto ele era diferente de todos com quem já estive. Não era só sobre o físico – era sobre como ele me fazia sentir visto, admirado por algo além do que eu mostrava por fora. E, claro, tinha o Lucas. Ainda não tinha me recuperado daquele beijo. Ele era um misto de arrogância e charme que me deixava confuso. Como podia estar interessado em alguém tão bobão?
Sacudi a cabeça para afastar os pensamentos e me levantei. Depois de um banho demorado, o frio paulistano me atingiu com força. Peguei o moletom do posto – um presente da empresa, com uma logomarca enorme, mas que pelo menos era quentinho. Enfiei também um par de luvas no bolso. Trabalhar com as bombas geladas no frio de São Paulo era tortura sem proteção.
Com tudo pronto, saí para mais uma noite de trabalho, tentando me concentrar no presente e esquecer o turbilhão de sentimentos que me acompanhava.
A noite estava congelante, do tipo que cortava a pele, mesmo com o moletom e as luvas. Saí do apartamento em direção ao ponto de ônibus, onde o vento gelado parecia zombar de qualquer camada de roupa. Meu ritual para chegar ao trabalho era sempre o mesmo: um ônibus e depois o metrô até a estrada que levava a Guarulhos. Era um trajeto longo, mas já fazia parte da minha rotina.
No ônibus, coloquei os fones de ouvido e dei play no meu podcast favorito de true crime. Histórias de mistério e crimes não resolvidos eram um dos meus vícios. Enquanto a narração preenchia minha mente, olhava para as pessoas ao redor. O senhor que sempre descia uma parada antes da entrada do metrô estava lá, com seu casaco surrado e olhar perdido. Imaginava se ele tinha família ou se era apenas mais uma alma solitária em São Paulo.
Na entrada do metrô, passei pelo "mendigo gato". Era impossível não notar. Ele estava sempre no mesmo lugar, com os olhos claros e um rosto que parecia ter saído de uma campanha publicitária. Apesar das roupas sujas e do olhar cansado, ele exalava uma beleza que chamava atenção. A cidade era assim: cheia de histórias que passavam despercebidas, como flashes de uma vida maior que ninguém tinha tempo de enxergar.
Quando finalmente cheguei ao trabalho, a reunião da noite começou. Heitor, o gerente do posto, anunciou algumas mudanças. Ele havia conseguido transformar um depósito abandonado em um quarto para descanso dos funcionários. Achei a ideia incrível, mas o olhar de Lucas, acompanhado de uma piscadela, me irritou profundamente. Sério, como eu odeio esse cara. Ele sempre parecia encontrar um jeito de me provocar.
Depois da reunião, fomos para os nossos postos. O vento gelado fazia a madrugada parecer interminável, e as bombas de combustível eram como blocos de gelo. Notei um motorhome estacionado no pátio do posto. Segundo Paloma, era normal viajantes pararem ali para descansar, mas aquele veículo parecia diferente – era maior, quase como um ônibus adaptado.
Estávamos trabalhando quando ouvimos gritos vindos do motorhome. Todos pararam o que estavam fazendo. Olhei para Lucas, que apenas deu de ombros. Peguei uma vassoura e, reunindo toda a coragem que tinha, me aproximei.
— Para! — ouvi a voz abafada de dentro do veículo. Meu coração disparou, mas continuei andando.
O motorhome era imenso, e suas laterais brilhavam sob a luz do posto. Cheguei perto da porta e bati com a vassoura.
— Tá tudo bem aí?
A porta se abriu devagar, e antes que eu pudesse dizer mais alguma coisa, um gato cinza saltou no meu colo, me pegando de surpresa. Sua língua áspera lambeu meu rosto, e um arrepio percorreu meu corpo. Mas o que realmente me deixou sem palavras foi o homem que saiu do veículo. Ele era alto, com um físico impressionante e uma beleza quase sobrenatural.
— Tá tudo bem? — perguntei, tentando manter a calma.
— Tá. Só esse projeto de serial killer que tentou me atacar. — disse ele, apontando para o gato no meu colo.
— O bichano? Ele parece tão fofo. — comentei, acariciando os pelos do animal.
Logo, dois outros rapazes se aproximaram, carregando sacolas da loja de conveniência do posto. Um deles tinha um cavanhaque bem aparado e um sorriso encantador, enquanto o outro parecia um modelo, com um rosto tão simétrico que chegava a intimidar.
— Benê? — chamou o de cavanhaque, arqueando as sobrancelhas ao ver a cena.
— Desculpa, moço. Meu irmão não sabe se comportar. — disse ele, lançando um olhar repreensivo para o homem alto.
— Cala boca, Joaquim. O gato tentou me matar de novo. — rebateu Benê, cruzando os braços.
— Meu filho não é um assassino. — interveio o terceiro rapaz, pegando o gato das minhas mãos. — Com licença, moço.
Depois do susto, todos se apresentaram. Benedito, Joaquim e Roberto estavam voltando de uma longa viagem de motorhome pela Argentina. Fiquei impressionado com a coragem deles de viajar para tão longe em um veículo assim. Descobri também que eram famosos no YouTube, com um canal sobre viagens. Eles mostraram alguns vídeos, e claro que eu segui o canal na hora. Ainda garanti uma foto com eles e com o gato, que se chamava Piccolo.
Quando voltei para o posto e contei a história para o pessoal, todos caíram na gargalhada. Passei o resto da madrugada maratonando os vídeos deles. O motorhome, que eles chamavam de Leopoldo, era praticamente um personagem à parte, com histórias e aventuras incríveis. Um vídeo específico chamou minha atenção: Joaquim e Roberto falando sobre o relacionamento deles. Eram tão fofos juntos que era impossível não torcer pelo casal.
Mas confesso que não conseguia tirar Benê da cabeça. Ele era um verdadeiro deus grego. Pensei comigo: por que não posso ter clientes assim no posto? Já estava na hora de a sorte virar para o meu lado.
— Ei, Joel. — Heitor se aproximou com uma caixa. — Pode colocar isso nas prateleiras.
— Tudo bem. — peguei a caixa de suas mãos. — Ei, Heitor, o quarto novo, tipo, a gente pode usar para...
— Claro, mas lembre de sempre manter limpo. — ele orientou, antes de voltar para dentro do escritório. Ele quase nunca ficava na pista conosco.
Eu mal tinha terminado de organizar os suprimentos no mostruário do posto quando um cliente chegou. Era madrugada, e o frio da noite parecia menos intenso quando ele surgiu na porta. Alto, com ombros largos e um porte físico imponente, ele chamava atenção sem esforço. Sua pele negra brilhava sob as luzes artificiais do posto, e aquele olhar sério carregava um magnetismo que me prendeu no lugar por alguns segundos.
— Precisa de algo? — perguntei, tentando soar casual, mesmo sentindo meu coração disparar.
— Você tá disponível? — ele respondeu, a voz grave e direta me fazendo estremecer por dentro.
Indiquei o caminho para o quarto dos fundos, aquele que o Heitor tinha mencionado como espaço de descanso para os funcionários. Mas naquela noite, eu sabia que seria usado para algo bem diferente. Enquanto caminhávamos pelo corredor silencioso, eu sentia a presença dele logo atrás de mim, cada passo firme reverberando no piso.
Assim que entramos no quarto, ele não perdeu tempo. Me puxou pela cintura, me prensando contra a parede, e seus lábios encontraram os meus em um beijo voraz. A força dele era impressionante, quase esmagadora, mas eu já estava acostumado a lidar com intensidade. Ainda assim, havia algo nele — quase selvagem — que fazia meu corpo reagir de forma incontrolável.
Suas mãos grandes começaram a explorar meu corpo, e eu retribuí, sentindo os músculos rígidos sob a camisa dele. Quando ele finalmente a tirou, precisei de alguns segundos para processar o que estava vendo. Seu peito definido, os braços fortes e as tatuagens que se espalhavam pelo torso pareciam obras de arte que eu nunca decifraria, mas naquele momento, nada mais importava além de nós dois.
Ele me deitou na cama com firmeza, mas sem ser brusco. Eu ri internamente quando vi o tamanho do "equipamento" dele. Depois de tudo que já vivi, achei que nada mais me surpreenderia, mas aquilo me fez engolir em seco.
— Impressionado? — ele perguntou com um sorriso provocador, claramente percebendo minha reação.
— Nem tanto assim. — provoquei de volta, puxando-o para mais um beijo.
Ele era como um touro no cio, se movendo com uma energia incontrolável, explorando cada centímetro de mim de todas as formas possíveis. O calor dos nossos corpos preenchia o ambiente, afastando o frio lá fora. Os sons da nossa conexão ecoavam no quarto, e, por um momento, parecia que o tempo havia parado. Mas, acostumado a ceder o controle, resolvi mudar o jogo. Eu queria mostrar que sabia muito bem como conduzir também.
No auge da intensidade, sentimos algo errado. O preservativo havia rasgado. Paramos de imediato, trocando olhares que misturavam surpresa e um pouco de tensão.
— Relaxa, a gente troca. — falei, tranquilo, enquanto pegava outro preservativo na gaveta ao lado da cama.
Dessa vez, resolvi assumir o controle. Subi por cima dele e comecei a ditar o ritmo, movimentos firmes e calculados. Eu sabia exatamente o que estava fazendo, e ele parecia completamente rendido, seus olhos fixos nos meus, criando uma conexão que ia além do físico.
— Você sabe o que tá fazendo, hein? — ele comentou, ofegante, enquanto segurava firme na minha cintura.
— Eu disse que nada mais me abala. — respondi com um sorriso confiante, inclinando-me para mordiscar o lábio inferior dele.
Os minutos seguintes foram uma dança entre controle e rendição. Meus movimentos eram precisos, arrancando gemidos baixos e roucos dele. Ele, antes tão dominante, estava agora completamente entregue. Quando finalmente chegamos ao ápice, o quarto mergulhou em silêncio, quebrado apenas pelas nossas respirações pesadas.
Deitados lado a lado, ele ainda recuperava o fôlego enquanto eu me levantava para organizar o quarto.
— Você é incrível, sabia? — ele disse, ainda deitado, me observando com um sorriso satisfeito.
— Eu sei. — respondi, piscando para ele enquanto recolhia os lençóis amassados, sentindo-me mais do que vitorioso naquela noite.
O atraso de um colega me rendeu algumas horas extras no turno. Já estava morto de cansaço, mas como dizer não? Pelo menos o movimento pela manhã era mais tranquilo. O trio do motorhome, o famoso Leopoldo, partiu logo cedo. Fiquei olhando enquanto eles iam embora, Joaquim acenando da janela e Piccolo, o gato, miando como uma despedida.
Com o turno da manhã, conheci alguns colegas novos. A vibe era diferente, quase como se fosse outro mundo. O rapaz responsável pela loja de conveniência, por exemplo, me chamou atenção de cara. Ele era estilo alternativo: cabelo descolorido, algumas tatuagens visíveis e acessórios que combinavam com o visual despojado. Era bonito, daqueles que prendem o olhar sem esforço. Fiquei me perguntando se ele era só charmoso ou se também tinha alguma história interessante por trás daquele estilo. Quem sabe numa próxima troca de turno eu descubra.
Quando finalmente acabou meu turno, encarei o metrô e ônibus lotados no caminho de volta para casa. Enquanto eu estava exausto, voltando de uma madrugada trabalhando, as pessoas iam cheias de pressa para seus próprios compromissos. Era sempre curioso observar os rostos sonolentos e as interações rápidas. Gente escutando música, lendo ou simplesmente encarando o nada. Algumas delas, talvez, estivessem tão cansadas quanto eu.
No caminho, parei na padaria para pegar alguns pães e fui até o mercado comprar coisas básicas para a semana. De volta ao meu quarto pequeno, a primeira coisa que fiz foi abrir meu cofre improvisado — uma velha lata de biscoitos que escondia na parte mais alta do guarda-roupa. As gorjetas do mês estavam lá, somando um total de R$ 700. Era uma conquista e tanto para mim, considerando o esforço que fazia para juntar cada centavo.
Eu tinha um objetivo claro na cabeça: fazer o Enem. Havia decidido há algum tempo que precisava estudar e abrir novas portas para o meu futuro. Os R$ 700 seriam úteis para pagar um curso preparatório. Não podia mais adiar o plano. Sentei no computador e finalizei minha inscrição. Quando terminei, senti um orgulho inexplicável. O primeiro passo estava dado.
Olhei para a tela do computador por alguns instantes, pensando em como tudo isso era um investimento no Joel que eu queria ser. Ainda havia muito a fazer, muitos obstáculos para superar, mas aquele momento me deu confiança. Sorri para mim mesmo e, pela primeira vez em dias, me senti mais próximo de algo maior, algo que sempre quis: um futuro melhor.