O tempo vai correr um pouquinho 🤏🏽
O primeiro trimestre da gravidez de Júlia foi aquela mistura de sensações. Ela sentia muito enjoo, vomitava, cheiros fortes davam náuseas, libido alta e estava um pouco mais emotiva que o normal, nada como quando estava injetando hormônios.
Passamos o São João no interior, e embora ainda não existisse uma barriguinha aparente, logo todos ficaram sabendo. Já estávamos com três anos de relacionamento e, graças a Deus, não existia mais aquela confusão toda com pessoas atrás de mim.
No segundo trimestre, tudo estava se ajeitando, dando ao meu amor um tempo de paz. Com quinze semanas, descobrimos que estávamos esperando uma menina e, dentre as opções muito bem debatidas, chegamos à conclusão de que ela se chamaria Maya.
O aniversário das crianças estava se aproximando e eles não entravam em consenso para decidir um tema. Pedi que conversassem; os dois têm gostos praticamente idênticos, não deveria ser uma tarefa difícil.
Eles foram brincar do lado de fora e Juh foi tirar um cochilo. Eu fiquei jogando na sala e percebi que meus filhos discutiam, mas como sabem se resolver, não dei importância. O tom foi aumentando e resolvi levantar pelo menos para entender do que se tratava. Milena se bateu comigo furiosa e prosseguiu subindo as escadas.
— Eu não estou nem aí que você estava no casamento das nossas mães e eu não! — gritou Kaique.
— Pera aí, o que está acontecendo aqui? — perguntei.
— Você não é mais o meu irmão, para mim, seu nome é João! — gritou Milena de volta.
— Milena, volte aqui agora! — ordenei, e ela já voltava.
— E você não é filha da mamãe porque não tem o sobrenome dela! — finalizou meu filho.
— Kaique! — exclamou Juh ao ouvir a gritaria.
Milena estava paralisada no meio da escada; ela segurava um copo que caiu ao ouvir aquelas palavras. Quando conseguiu, não disse nada, apenas correu para seu quarto. Juh foi atrás dela e eu sentei com Kaique para conversar.
— Me conta agora o que aconteceu — pedi para ele.
Kaká estava muito irritado, prendendo o choro e forçando a mandíbula. Eu conseguia ver as veias saltadas em seu rosto.
— A senhora ouviu, Milena me chamou de João. Eu odeio esse nome! — e, nesse momento, contra sua vontade, as lágrimas começaram a cair.
— Vem cá... — o chamei para meu colo. — Você vai me contar tudo do início, mas antes precisa se acalmar...
O bichinho chorou muito, de um jeito que eu ainda não tinha visto. Como ele estava deitado no meu peito, agarrado ao meu pescoço, minha blusa ficou completamente molhada; ele estava muito chateado mesmo.
— Você lembrou de quando morava no abrigo? — perguntei quando senti que Kaique estava mais calmo.
Ele acenou que sim com a cabeça e apertou o abraço, voltando a chorar. Fiz carinho em suas costas e depositei um beijo em sua cabeça até que ficasse tranquilo novamente.
— Agora nós podemos conversar? — perguntei e ele confirmou ao sentar, enxugando o rosto na camisa.
— A gente estava brincando e tentando resolver o tema da festa. Eu queria que fosse relacionado a futebol e Milena não queria um tema assim; ela queria escolher uma cor e ficou falando do casamento de vocês, que eu não estava, que tinha roxo e que foi bonito. Eu fui ficando irritado e disse que não queria só uma cor, queria um tema... A senhora disse para a gente escolher um tema, eu não quero cor, é muito sem graça! — disse, se irritando novamente.
— Huuuuuuum, entendi... Mas me explica uma coisa que não entendi: ela enfatizou que você não estava no casamento ou saber que não estava em um momento importante te deixou bravo? — perguntei.
— Fiquei chateado por não estar... — disse.
— O nosso casamento foi mesmo lindo, e graças a ele, nós pudemos ter você como filho. Você tem mães e uma irmã que te ama muito e outra que está a caminho... A nossa família só é completa porque tem você. Não fique triste por não ter participado da cerimônia; fique feliz por ela ter acontecido e por termos uns aos outros agora...
— A senhora não ouviu? Ela disse que não sou mais irmão dela! — falou, bravo.
Eu ia começar uma conversa para tentar clarear as ideias dele quando Juh me gritou do quarto pedindo para ir até elas. Não queria deixar Kaique sozinho e pedi para que ela descesse, mas ela não veio. Resolvi subir para ver... Encontrei Milena hiperventilando, ela puxava a camiseta com força, como se estivesse sendo sufocada, e o colo estava todo aranhado de tanto tentar.
Olhei para a penteadeira e tinha um saquinho desses de papelão que dão de lembrancinha em aniversário infantil. Esvaziei e pedi que ela respirasse dentro dele.
— Amor, fica com o Kaká que ele não está legal também — na verdade, eu só não queria deixá-la mais preocupada; lá embaixo estava uma situação controlada.
Nisso, Milena começou a chorar e esticar os braços para Juh, perdeu novamente o controle da respiração.
— Calma, calma, filha, eu estou aqui, tá bom? — disse, se aproximando novamente.
Fiz a técnica do cinco, quatro, três, dois, um, e depois vendo que estava tudo tranquilo, com ela já estável, dei um beijo e desci para ver meu filho.
Os dois foram tomar banho e partiram cedo para o quarto. Juh e eu conversamos sobre. A versão de Milena foi idêntica à de Kaique, só que ela se estendeu até a discussão na escada e, quando chegou no momento do sobrenome, teve uma crise de ansiedade.
— Maya, por favor, venha mais calma — supliquei à baby enquanto alisava a barriguinha que tinha crescido um pouco, finalmente.
Milena bateu na porta do quarto e eu pedi que ela entrasse.
— Estou com muita dor de cabeça — falou baixinho, os olhos dela estavam lacrimejando.
— Foi por conta do estresse... — falei.
Ao tocar na sua pele, senti bem quente. Quando aferimos no termômetro, vimos que estava com 38,5°. Verifiquei a garganta, mas não estava inflamada; ela não sentia nada além da dor de cabeça. Deduzi que era emocional e decidi não dar um remédio, mas mantê-la conosco para um melhor monitoramento. Logo, Mih dormiu e, em alguns minutos, a febre passou, ela estava completamente agarrada a Júlia.
Algum tempo depois, novas batidas na porta; dessa vez, era Kaique.
— Não consigo dormir e não quero pedir ajuda a Milena! — falou sério.
— Vem pra cá — chamei para a cama.
Quando o coloquei no meio e ele percebeu quem estava ao lado dele, tomou um susto.
— O que ela tá fazendo aqui? — me perguntou.
— Ficou com febre — justifiquei.
Em poucos minutos, com alguns carinhos, ele também pegou no sono.
— Um filho para cada — brinquei com Juh, que riu um pouco, mas eu sabia que ela estava tensa.
— Como vamos resolver isso? — me perguntou.
— Amanhã a gente vê, mas, dessa vez, vamos ter que tomar uma atitude... Eles jogaram baixo um com o outro, usaram o que sabiam que doía para se atacarem... Eu, sinceramente, não esperava — falei, um pouco triste.
— Não fica assim, amor... Eles se amam... Eu ainda não sei como, mas vão se entender... — falou, se esticando para tocar meu ombro.
— Espero que isso não seja recorrente, quero que o mal seja cortado pela raiz — concluí.
Nós dormimos e, no outro dia cedo, levantei para pensar em como eu falaria com eles sem causar uma histeria, mas também deixando claro que aquilo nunca mais poderia se repetir. Meus pensamentos foram interrompidos com um beijo no pescoço; Juh também já tinha acordado e ficou fazendo massagem nos meus ombros. Depois, fomos preparar o café da manhã e resolvi levar para os dois na cama. Milena estava acordada, com o olhar vago, observando Kaique dormir. Demos bom dia, observei a temperatura e perguntei se sentia mais algo. Foi um alívio receber uma resposta negativa.
— Acho que não vou ter um barrigão — falou Júlia de repente ao se olhar no espelho.
— Também acredito que não — concordei, dando um beijinho.
— Será que Maya vai ser pequenininha igual a eles dois? — me perguntou, sorrindo.
— Mais uma pra gangue de oompa loompa — disse-lhe de forma divertida, ao beijar sua barriga.
Quando Kaká acordou, viu que estava bem próximo de Mih e girou para a ponta da cama. Os dois se alimentaram sem se comunicar e, após o banho, fomos para a sala conversar.
— A gente não está aqui para achar um culpado, nós vamos dialogar para resolver um problema
— Eu não quero que vocês se exaltem, quero uma conversa tranquila. É normal sentir raiva ou frustração, mas existem formas de expressar isso sem machucarem um ao outro... — enfatizou Juh.
— Vocês são irmãos... Acho que esqueceram disso ontem, porque as ofensas que ouvi vocês preferiram um contra o outro, sabendo onde doía e nem ligando nas marcas que isso poderia deixar. A gente se importa com vocês, sabemos que se amam e queremos ver respeito nessa relação. Eu tenho plena certeza de que os dois conseguem sentar, conversar, resolver isso e decidirem o tema... O que me preocupa mesmo é imaginar vocês se ferindo novamente, que esse tipo de briga vire algo comum... Nós não criamos vocês para esse tipo de coisa; a gente quer ver a união de sempre, o carinho de sempre, o amor de sempre. Não quero que, de forma alguma, aquilo se repita, entenderam? — falei.
Eles confirmaram com a cabeça, os dois choravam de forma controlada.
— As ações terão consequências. Vocês vão de casa para a escola e da escola para casa. Sem telas, sem fut, sem jiu-jitsu e sem teatro — finalizei.
— As peças!!!!! — eles exclamaram juntos, se referindo às duas que estavam ensaiando.
— Não é culpa nossa, quem procurou isso foram vocês... — falei.
— Quero que vocês fiquem aí sentados um tempo. Não digo refletindo sobre a briga porque já tiveram tempo para isso, mas pensando se é assim que querem viver, se machucando. Seria bom se conversassem também... — disse Juh.
— Então estamos de castigo? — perguntou Kaká.
— Sim... — respondeu Juh.
Nós fomos para o sofá e eles permaneceram na mesa de jantar, ambos com a cabeça baixa por mais ou menos uma hora, até que Milena começou a falar algo. Não dava para entender e eu até achei melhor assim.
Depois, vieram até nós e disseram que tinham conseguido se resolver e já haviam pedido desculpas, mas que queriam se desculpar com a gente por ter nos decepcionado, e também porque não pensaram na mamãe grávida.
Se juntaram a nós por ali e passamos o dia grudados, mas sem muita conversa. Eles já interagiam. Ficamos conversando com Maya e Milena disse que escolhemos um nome bonito. Fiquei até feliz porque ela é tão criteriosa com essa questão de nomes, se conseguimos agradá-la, era um bom sinal.
Fomos preparar o almoço e os dois ficaram abraçadinhos, Mih ainda estava fazendo carinho no cabelo de Kaká. Eles são fofos e carinhosos; eu torci muito para que aquela briga tivesse sido um caso isolado.
Na cozinha, eu fiquei provocando Júlia enquanto ela estava no fogão. Toda vez que passava por trás, fazia uma gracinha; beijava o pescoço, batia na bunda, colava nossos corpos, falava besteirinha no ouvido... Queria tirar aquele clima ruim da casa e, também, eu amo fazer esse tipo de coisa.
Milena apareceu e me abraçou pela cintura. Eu sabia que ela queria dizer algo e a coloquei no balcão. Olhei para o Kaique e ele estava dormindo.
— Kaká nunca teve uma festa de aniversário, pode dar para ele, eu não quero mais e vai ficar tudo bem — falou baixinho.
— Não... Não é assim que funciona — falei.
— Você também nunca teve uma festa de dez anos — disse Juh, tentando convencê-la.
— Por que o papai não deixa eu ter o nome da mamãe? — perguntou-me.
— Isso aí só o papai sabe... — respondi.
— Filha, não se preocupa com isso... Você é minha filha, minha primeira filha, minha princesinha que eu amo muito. Não pense ao contrário só por não ter um sobrenome, por favor — disse Juh, fazendo carinho em seu cabelo.
Ela não disse mais nada, apenas apoiou a cabeça no peito de Júlia e a abraçou.
— Quero um tema para o aniversário... — falei, fazendo cócegas nela, que riu e disse que iam conversar melhor.
Chegou o dia e o tema escolhido foi Circo. Eu sabia que tinham escolhido juntos e que tinha a ver com o teatro, porque estavam muito animados para apresentar. Uma das peças era autoral e todos os personagens eram palhaços.
Foi bem divertido, no mesmo espaço do aniversário de oito anos de Milena, novamente lotado com nossos familiares e amigos.
Tinham alguns artistas fazendo pinturas faciais, mas na nossa vez, os artistas foram alterados. Milena pintou o meu rosto e Kaique o rosto de Juh. Todo mundo tinha um desenho bonitinho e nós tínhamos uma arte abstrata!
Nesse dia, Júlia não estava muito bem. Há alguns dias, Maya estava chutando muito, bem agitada. Perguntei se era isso, mas ela negou, disse que a neném estava quietinha só que sentia uma dor naquele momento. Ela tinha acabado de completar 19 semanas e no outro dia teria uma ultrassom e falaríamos sobre isso.
Kaká estava extasiado na festinha, ele se divertiu bastante com os amigos. Tem um detalhe que acho bonitinho nos dois: eles têm diversos amigos, às vezes em comum, às vezes não, mas nunca esquecem um do outro; estão sempre juntos.
Após os parabéns, levei Juh para um lugar reservado e fiquei fazendo carinho, massagem até ela se sentir melhor. Perguntei se ela tinha feito algum grande esforço e ela negou, disse que já estava passando e pediu que eu continuasse fazendo carinho, porque ela estava gostando.
Enquanto eu ria do pedido e dava alguns beijinhos, minha sogra bateu palmas onde estávamos, perguntando se podia entrar. Nós dissemos que sim e, quando olhei para Juh, ela estava coradinha. Acho que todo mundo ali lembrou do flagra.
— Queria conversar com vocês duas... — disse ao sentar.
— Aconteceu alguma coisa, sogrinha? — perguntei.
— Eu estava conversando com o padre João na minha última confissão e cheguei à conclusão de que devo um pedido de desculpas a vocês... Agi muito errado, principalmente com Juh, que é minha filha. Eu não tenho nada a ver com as escolhas pessoais de cada um, não deveria ter me afastado. Perdi muito tempo das nossas vidas por não aceitar vocês do jeito que são, sem conversar, cultivar o amor ou curtir a companhia. Não foi justo... Hoje eu entendo que só existe amor aqui... Lore, com certeza você é uma bênção em nossas vidas, na vida da minha filha; ganhei netos amorosos e inteligentes que se tornaram a alegria da minha existência... — nesse momento, eu a abracei. — Só quero pedir perdão pelas minhas atitudes anteriores e dizer que nada do tipo vai voltar a acontecer...
— Por mim, isso já está no passado e é claro que desculpo a senhora, fique tranquila... Se eu já te aporrinhava tentando criar um laço, uma intimidade antes, pode se preparar que agora que eu tenho não vou te deixar em paz — falei e ela sorriu.
Juh só chorava; minha sogra foi até ela e colocou a cabeça em seu colo até que se acalmasse.
Expliquei que ela queria denguinho porque estava com dor e minha sogra permaneceu por lá enquanto eu fui dar uma checada no que estava rolando. Já estava no final e fui agradecer a presença dos convidados enquanto eles se despediam.
Kaká ainda estava elétrico, mas Mih já estava morrendo de sono, então deixei-a deitada com Juh. Sabia que logo estaria dormindo e foi o que aconteceu; o pai dela teve que levá-la carregada. Ia ser o final de semana dele.
Fomos para casa e Kaká seguiu para a pousada com meus sogros. Resolvemos fazer esse tipo de coisa quando Milena tivesse que ficar com o pai. Às vezes, eu sentia que ela ficava com sensação de culpa por estar se divertindo sem o irmão. Colocar os dois para fazer algo acabou com isso. Eles até sentem saudade, mas conseguem ficar e aproveitar.
Júlia não conseguiu dormir com dores, consequentemente, eu também não. Fiquei bastante preocupada, pois ela relatava uma dor aguda, mas o que nos desesperou de verdade foi quando ela começou a perder sangue de madrugada.