Capítulo revisado. Esta é a versão definitiva.
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“O relato deste conto foi inspirado e derivado de fatos reais. Os nomes de todos os personagens são fictícios, inclusive do próprio narrador.”
Nota de conteúdo: Este capítulo contém cenas e vivências que refletem a complexidade das relações humanas, incluindo o uso de substâncias psicoativas como a cocaína. É crucial enfatizar que o conto não tem intenção de fazer apologia ao uso de drogas.
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Ao sair do quarto, senti um alívio imediato. Léo estava no banheiro com a porta fechada. Não havia muito tempo. Fechei a porta do quarto de Marcelo e desci lentamente as escadas na ponta dos pés. Atravessei a porta da escada com cuidado ao abri-la e fecha-la. Estava fugindo, não só do andar, mas da nuvem de pensamentos sórdidos que me corrompiam. Me senti sujo, por ter me escondido.
Passando pelo extenso corredor principal que dá acesso a parte dos cômodos da casa, cheguei à nossa cozinha. Encontrei meu pai tomando um suco e, com um olhar, ele indicou a cópia da minha chave, que eu sempre esquecia em algum lugar e nunca lembrava onde. Ele tinha muito cuidado com nossa segurança, especialmente a minha. Ele nunca desconfiava dos hóspedes, pois sempre eram pessoas com algum vínculo com conhecidos nossos. O receio dele era com os possíveis convidados, que certa vez lhe trouxeram problemas.
— Meu filho, o que você estava fazendo lá em cima? – Deu uma breve pausa enquanto finalizava o copo do suco de abacaxi. - Marcelo saiu cedo hoje.
— Tava jogando, pai. Hoje é sábado. — respondi tentando sinalizar que estava tudo bem passar do horário.
— Lembre-me de comprar um desses para você logo. Marcelo é um cara bacana, mas todo mundo gosta de privacidade — disse, me dando um abraço breve e indo em direção à porta.
— Mas não foi o senhor que disse que não queria comprar para eu não perder o foco?
— Ah, é verdade! Mas, de qualquer forma, não adianta você não ter um, não é mesmo? Está se distraindo do mesmo jeito! Vá cuidar de dormir. Já está tarde — disse ele, já saindo para a garagem.
Quando meu pai saiu, fui para o meu quarto. Comecei a refletir sobre tudo o que havia acontecido. De repente, algumas lembranças vieram à tona, invadindo minha mente como uma tempestade inesperada.
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Lembrei-me da época em que conheci Marcelo. Eu estava chegando da escola e ele estava na sala, conversando com meu pai. Passei por eles sem dizer nada.
— Meu filho, temos visita. Cumprimente o jovem — disse meu pai.
Olhei para ele, meio envergonhado, e depois para Marcelo. Ele também parecia um pouco sem jeito, mas tomou a iniciativa.
— E aí, rapaz! Tudo bem? Sou Marcelo. Você é o Pedro, né? Seu pai falou sobre você! Vou passar um tempo aqui com vocês até conseguir financiar uma casa.
— Ah, sim! Desculpa, não ter falado. Estou estressado com a prova que fiz hoje — respondi, apertando a mão dele. Eu sempre escolhia bem as palavras quando meu pai estava presente. Meu pai deu um sorriso de canto, como se aquilo não fosse problema. Marcelo reagiu da mesma forma, só que com o olhar.
— Vai ficar com a suíte? — tentei alongar a conversa, mas não tinha muitas ideias.
— Não, não. Não cabe no meu orçamento e seu pai disse que esse quarto é melhor para casais ou para estadias curtas — respondeu Marcelo, tentando ser simpático.
— Beleza. A gente se vê por aí — disse, apertando sua mão novamente. — Quando você vem?
— Amanhã ele já estará conosco — respondeu meu pai, e Marcelo confirmou, arrumando levemente o cabelo.
No dia seguinte, quando cheguei, Marcelo já tinha se instalado. Ele tinha poucas coisas: apenas uma cama, uma televisão, uma cômoda e muitas malas. Nesse dia, algumas horas depois do almoço, fui jogar bola com a galera da rua. Quando voltei, todo suado e sem camisa, Marcelo estava na calçada fumando um cigarro.
— E aí, rapaz! Tá suado, hein — disse ele, dando uma tragada.
— Estava jogando, mano. Tô cansadão.
— Tô ligado… ei, sabe onde tem algum local de xerox por aqui? Seu pai saiu e esqueci de perguntar.
— Eu tenho uma impressora no meu quarto. Ela também digitaliza.
— Oh, rapaz. Você faz esse favor para mim? Tenho que digitalizar uns documentos para enviar para a empresa. Vou embarcar na próxima semana.
— Já é! — falei, abrindo o portão e chamando-o.
Quando chegamos no meu quarto, ele ficou meio hipnotizado com a quantidade de mangás e BOX de series e filmes em DVD que eu tinha. Sempre fui "nerd" e, naquela época, gastava dinheiro com qualquer futilidade dessa indústria de entretenimento. Meu pai nunca negava nada, mas sempre que me entregava o cartão de crédito, dizia para eu comprar um livro ou dois. Ele sempre me estimulou a leitura, e fui aprendendo a dedicar parte do dia a esse lazer.
— Esse homem dá valor à Marvel, é? — perguntou, virando-se a todo momento no quarto. — Eita, tem até miniatura.
Olhei para ele, rindo da pergunta. Não respondi, apenas me sentei à mesa e liguei o notebook. Ele falava bastante, mas eu só queria tomar um banho e me deitar naquele dia. Ele começou a puxar uns assuntos aleatórios sobre a cidade, e eu respondia sem entrar em detalhes. Pedi seus documentos. Enquanto digitalizava, eu tentava criar algum assunto, mas me perdia. Naquele momento, não conhecia nada que fosse em comum para nós dois. Mas Marcelo não desistia de tentar criar um vínculo, e hoje em dia percebo isso. Ele olhava por todos os cantos do quarto até que notou que uma das miniaturas era do Kratos, de “God of War” (jogo de PlayStation).
— Já zerou o 3? — perguntou. Demorei um pouco para entender, aí percebi quando ele apontou para o lado da cama, onde a miniatura estava.
— Ah! Não, mano. Joguei algumas vezes na casa de um amigo, mas não finalizei. Não tenho o console. Meu pai disse que enquanto eu não entrar na faculdade, não posso ter distrações — falei, aumentando o tom em "distrações".
— Ah, qual é. Ele não deixaria você jogar nem uma hora por dia? — olhei para ele, pois percebi uma comunicação familiar. Era como se ele fosse da minha idade. De alguma forma, ele estava criando uma conexão ali.
— Ele não vê problema que eu jogue. Só não quer que eu tenha para eu não virar a madrugada jogando.
Marcelo ficou pensativo e calado por um tempo. Eu terminei de digitalizar e dei lugar a ele para enviar o e-mail para a empresa. Quando terminou, ele me agradeceu e, ao sair, parou ao ver uma pilha de jogos de PS3 e PS4 ao lado dos filmes. Ele voltou o rosto para mim com uma expressão de dúvida. Respondi antes que ele pudesse questionar.
— Vai que um dia o coroa libera, né — disse, enquanto ele balançava a cabeça meio sem jeito e deslizava a mão pelos cabelos. Achei estranho no começo, mas depois de um tempo vi que ele tinha muito cuidado com seu penteado.
Acompanhei-o até a escada. Quando abriu a porta para subir, agradeceu novamente e disse:
— Parceiro, seu pai chega logo, né?
— Sim, chega já — respondi, conferindo a hora no celular. — Por quê?
— Ah, nada não. Eu ia te mostrar uma coisa, mas deixa pra amanhã. Valeu aí.
Quando ele subiu, voltei para meu quarto sem sentir curiosidade. Estava cansado demais para isso. Naquela época, a ansiedade do mundo contemporâneo ainda não havia me afetado.
No dia seguinte, meu pai não saiu de casa e eu nem vi o Marcelo, já que passei o dia praticamente estudando. Os demais dias não cruzei com ele. Então, no dia antes da primeira viagem de Marcelo, ele esperou meu pai ir para o plantão à noite e me chamou do portão interno. Estranhei, mas fui ver se ele estava precisando de algo, sem nem perceber que estava sem camisa. Meu pai sempre me dizia para não receber ninguém em casa sem camisa e que eu deveria aprender a usar cueca. O problema é que eu não gostava de usar cueca em casa, pois me incomodavam. E ainda me incomodam.
— E aí, mano! Qual foi? — perguntei, um pouco sem jeito.
Marcelo também estava sem camisa e me chamou para subir. Nesse dia os quartos não estavam ocupados. Subi em silêncio, mas no caminho ele me perguntou se eu me lembrava que tinha algo para me mostrar. Respondi que sim, e assim que viramos à esquerda na ponta da escada, entramos em seu quarto.
— Então… — ele abriu a porta e apontou para um PlayStation 3 em cima da cômoda, ao lado de um televisor enorme. Não consigo lembrar do detalhe das polegadas, mas era uma baita tela.
— Não acredito, mano! Você estava escondendo isso de mim?! — exclamei, como se já nos conhecêssemos há anos.
— Pensei por um tempo se devia contar ou não. Não quero que seu pai fique chateado comigo. Ele é muito gente boa — respondeu, tentando disfarçar a conquista de ter chamado minha atenção.
— Fica tranquilo! — falei, enquanto tentava catalogar os jogos mentalmente que estavam empilhados em cima da cômoda. — Pelo contrário! Ele gosta que eu troque ideia com os hóspedes, mas eu sou fechado demais. Vamos jogar?
— Vamos sim! — respondeu empolgado. — Na verdade já estava jogando. Só esperei ouvir o carro do doutor saindo pra te chamar. Qual vai ser?
— Vamos de FIFA, então — respondi, já indo pegar uma versão antiga do jogo que gostava. Ele fez uma cara de espanto quando toquei no jogo.
Quando abri a caixa do jogo, vi alguns sacos com um pó branco. Percebi rapidamente do que se tratava. Ao olhar para Marcelo, notei que seu rosto estava vermelho e sua expressão transbordava vergonha. Minha reação foi uma breve crise de riso. Ele, encabulado, me perguntou qual era a graça. Respondi que achei engraçada a reação dele.
— Relaxa, mano. Já vi isso antes. Em uma das festas que meu pai deu na chácara, tinha uma galera usando. Meu pai não percebia, mas eu sacava o movimento — disse, batendo nas costas dele.
Na verdade, eu não vi nada e não sabia identificar os sinais de usuários. Aquilo era intangível pra mim apenas tendo como matéria-prima os conteúdo de breves palestras na escola sobre drogas. No dia da festa na chácara, eu não tinha como notar esses padrões; estava apenas na piscina com alguns filhos dos amigos do meu pai quando os ouvi conversando sobre o que estava acontecendo. Responder a Marcelo que eu reconhecia tais padrões de comportamento e que era natural pra mim foi um tiro no pé, pois isso o deixou à vontade para usar na minha frente e posteriormente atiçar minha curiosidade.
— Cara, uso isso só de vez em quando. Quando tô jogando, gosto de usar pra ficar mais focado — ele disse, tentando mostrar que não era viciado. E, de fato, não era. Para ele, era apenas um hobby.
— Tô ligado. Fica tranquilo! Se quiser usar, pode usar. Nem ligo. Já até experimentei um fino uma vez com meus parceiros do futebol — falei, orgulhoso, como se fosse uma grande conquista. Mas, naquela hora, fui verdadeiro: — Meu pai não sabe, viu? Fica na sua que eu fico na minha. Fechou? — Dito isso, fechamos as mãos e as socamos. Marcelo ficou tranquilo a partir de então.
Nessa época que conheci Marcelo, fazia pouco tempo que eu havia completado 14 anos. A pandemia estava prestes a colocar todos em quarentena. O que ajudou muito a aproximação entre a gente.
Sempre fui maduro para a minha idade, apesar de demonstrar uma certa reclusão. Na verdade, eu era “sonso”, a palavra mais adequada. Ninguém nessa idade deveria ter que ver alguém usando drogas. O destino e suas armadilhas não escolhem idade nem classe social. As coisas simplesmente acontecem.
Depois de um tempo jogando, já estávamos na maior amizade. O sinal verde que eu tinha dado fez com que ele ficasse à vontade. De vez em quando, ele preparava uma carreira de pó, puxando de um lado e depois do outro. Eu percebia que ele realmente ficava mais focado no jogo.
Já estava começando a sentir sono quando perguntei a ele que horas iria viajar para o trabalho no dia seguinte. Ele não se recordava do compromisso e deu um pulo, repetindo que precisava dormir logo. Correu até a geladeira e virou duas latinhas de cerveja em poucos minutos. Tempos depois, eu entenderia que ele estava tentando cortar o efeito da droga. Levantei-me para descer ao meu quarto, mas ele pediu para eu esperar. Vi quando ele puxou duas grossas carreiras de pó e guardou o restante da droga em uma gaveta com tranca. Fiquei surpreso quando ele me entregou a chave. Ele pediu que eu a guardasse comigo, comentando que, se não o fizesse, não conseguiria parar e precisava viajar ao meio-dia, precisando chegar com uma boa aparência no trabalho.
Perguntei se era tão difícil assim encerrar o uso, e ele respondeu que nem sempre, mas que não podia correr o risco. Guardei a chave em meu bolso. Quando a gente bateu os punhos, antes de descer pela escada, notei discretamente que a bermuda dele estava com um volume maior. Era bem claro que ele estava excitado. Na hora, pensei que fosse algum ritual dele, algo como assistir um pornô antes de dormir, então não fiz nenhuma associação naquela momento.
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Marcelo viajou e, durante os quinze dias em que esteve fora, continuei com minha rotina de colégio, casa, estudos e vendo Carla, que, por sinal, hoje é uma grande amiga. Naquela época, no entanto, eu me esforçava para tê-la como namorada.
Quando Marcelo voltou de viagem, meu pai estranhou nossa proximidade, mas ficou feliz por eu ter me soltado mais. Às vezes, nós três saíamos para almoçar ou jantar, quando meu pai estava disponível. O coroa gostava bastante de Marcelo e confiava muito no nosso novo hóspede. Marcelo sentia uma profunda gratidão por ele, pois meu pai o acolheu com um quarto em uma casa bem localizada e com um preço bem abaixo do que era normalmente cobrado. Com o tempo, o coroa nem recebia mais pagamento de Marcelo. Ele se tornou uma espécie de inspetor do andar, os olhos do coroa.
Tudo isso aconteceu por causa da confiança que se formou entre os dois quando Marcelo contou sua história e explicou como era importante para ele estar na cidade para recomeçar a vida com o novo trabalho que havia conseguido. Marcelo certa vez comentou que via meu pai como o pai que nunca teve. Esses detalhes só soube anos depois.
A partir de então, começamos a nos encontrar mais frequentemente à tarde para jogar. Essa regularidade deixou Marcelo mais solto e à vontade. Lembro que, em um dia, ele estava muito alto de pó e se deitou na cama enquanto eu jogava. Como eu ficava no chão, em frente à televisão e encostado na ponta da cama, não conseguia ver o que ele estava fazendo, mas comecei a ouvir aquele som que nós homens conhecemos. Eu não me incomodava; afinal, eu era o intruso no quarto dele. O cara poderia ficar à vontade, então eu evitava interromper. Obviamente, nessas horas, deixávamos a porta do quarto fechada, pois sempre havia algum hóspede.
De vez em quando, ele se levantava e ia até a cômoda que ficava bem na minha frente para dar um "tiro" (gíria para aspirar uma porção de cocaína). Notei que a bermuda dele parecia estar prestes a estourar, pela ereção. Quando ele voltou para a cama, acelerou a frenética e soltou gemidos abafados que me deram certeza do que estava acontecendo. Às vezes, quando ele percebia que tinha exagerado, ou ficava ofegante, dava uma pausa e conversava comigo sobre o jogo, tentando disfarçar o que estava fazendo. Quando chegou a hora de "finalizar", ele deu dois tiros e disse que ia ao banheiro.
Esses episódios não aconteciam sempre, apenas quando ele estava usando. Marcelo era um usuário esporádico. Ele não gostava de se drogar todos os dias, mas, quando começava, deixava até de ir ver a namorada para ficar no quarto. Nesses dias, eu sempre procurava fazer companhia a ele jogando; às vezes descia para fazer alguma atividade, mas, logo que desocupava, subia novamente. Sentia que ele merecia minha companhia, pois já tinha ouvido certa vez numa das palestras do colégio que se drogar sozinho é muito perigoso.
Em um desses dias de "lombra", me virei para a cama sem aviso prévio, impulsionado pela alegria de ter derrotado um chefão do jogo. Ele tentou esconder o que estava fazendo, virando-se de lado e dobrando uma das pernas para obstruir minha visão. A reação dele foi totalmente atrapalhada, pois, em uma das mãos, segurava o celular e, a outra trabalhava o instrumento dele. Nesse movimento, o fone acabou saindo do celular e a gritaria do pornô ficou no alto-falante. Eu me virei e baixei a cabeça entre os joelhos, tentando não rir. Ele nem tentou justificar; apenas pediu desculpas. Falei para ele que podia ficar à vontade, já que éramos homens e isso não tinha problema. Francamente, aquilo pra mim, em certas ocasiões me causava desconforto, pois sabia o quanto é bom tocar uma à vontade. Pensava as vezes que estava atrapalhando, mas me preocupava com meu amigo. Ele ficou ressuscitando esse assunto durante todo o tempo que estava no seu quarto, mas eu sempre rebatia, dizendo que não me importava.
Após aquele dia, ele aumentou a frequência ao banheiro para se masturbar enquanto eu jogava, pra não correr o risco de ser flagrado de novo. Com o passar do tempo e a nossa proximidade de quase irmãos, ele se desinibiu e ele já chegava até a andar pelado pelo quarto de pau duro quando ia calibrar o "teko". Eu conversava com ele com a mesma naturalidade. Em nenhum daqueles momentos eu senti alguma curiosidade de vê-lo, ou de acompanha-lo na punheta, nem mesmo tive sinais de ereção. Achava natural. Acreditava que "irmãos" tinham essa liberdade entre eles.
Certo dia, em que ele não estava usando, comentei que tinha curiosidade de experimentar o pó. Ele respondeu que, se dependesse dele, eu nunca iria experimentar cocaína na vida, e que não era saudável para mim ter essa vontade. Ele perguntou o porquê da minha curiosidade.
- Por causa do tesão que dá, macho. Queria sentir como era uma "punheta" com isso. Toda vez que esse homem cheira, você toca umas três seguidas.
Hoje em dia, percebo o quanto é danoso usar drogas na presença de pessoas jovens que ainda não têm a mente formada. Nunca o culpei pelas decisões que tomei, mas acredito que dificilmente teria essa curiosidade se não tivesse notado esse relação da cocaína como estimulante sexual. Essa curiosidade não chega em um dia específico. Esse despertar chega lentamente quando você alimenta dia após dia. Quando se dá conta, já é algo que você precisa matar dentro de si.
Marcelo ficou calado. Desde então, nunca mais usou na minha frente e evitava dar sinais de que ia usar no banheiro para se divertir.
Essas foram lembranças que eu resgatara antes de ambicionar novas descobertas aquela noite.
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Estava deitado olhando o teto alimentando aquele monstro dentro de mim. Eu sabia que meu pai só voltaria no dia seguinte, então resolvi me arriscar. Criei coragem, pois estava limpo na história. Teoricamente eu não sabia de nada do que aconteceu e/ou estava acontecendo lá em cima. Fui audacioso demais. Estava no ápice da curiosidade sobre a sensação que aquilo poderia proporcionar na masturbação. Então decidi subir para o quarto e tentar a sorte: Se chegasse lá e encontrasse Léo “cheirado”, pediria para experimentar e desceria em seguida pra descobrir a sensação. Tudo parecia muito simples em minha mente.
Precisava de uma desculpa para subir, caso ele perguntasse por que eu estava lá naquela hora. Peguei alguns jogos de PS3 e subi, repetindo comigo mesmo o que ia dizer. Só não esperava que aquela noite renderia muito mais do que eu esperava.
Levantei-me do jeito habitual, sem camisa, vestindo apenas minha bermuda tactel, sem cueca, como sempre faço em casa. Abri o portão da escada e subi, desta vez sem me preocupar em fazer silêncio. Queria que ele percebesse que havia alguém se aproximando.
Ao chegar ao andar, encontrei-o deitado em uma das camas do seu quarto, com as pernas pendendo para o lado e os pés descalços apoiados no chão. Um brilho suave da luz de fora refletia em sua pele, criando um contraste sutil com a penumbra do ambiente. Uma de suas mãos estava enfiada na cueca, enquanto a outra segurava o celular. Seu rosto estava escondido pelo ângulo meio fechado da porta quebrada. Ele permanecia em silêncio, o que me levou a deduzir que estava usando fones de ouvido. Sem cautela, destranquei a porta do quarto de Marcelo e acendi a luz. A área comum, que interligava os três quartos, estava completamente imersa em escuridão, enquanto o quarto de Léo era apenas iluminado pela luz da rua.
Assim que liguei a luz do quarto de Marcelo, fui direto à TV, ligando-a e iniciando o jogo "God of War 3". Esperava ansioso que ele notasse minha presença. O som dos primeiros acordes da trilha sonora ecoou pelo ambiente, quebrando o silêncio. Léo, ao perceber minha presença, saiu do quarto e aproximou-se rapidamente da porta para conversar comigo. Naquele instante, não pude deixar de notar o quão audacioso ele era, demonstrando uma confiança que parecia desmesurada, mesmo diante da situação. Se apresentou apenas com a cueca marcada pela vara que curvava quase que chegando a cintura de tão dura que estava. Parou se recostando no batente da porta, como se esperando permissão pra entrar. A mão livre segurava um cigarro eletrônico.
— E aí, parceiro? De boa? — falou depois de soltar um vapor grande e denso pelo quarto. Olhei para ele como se estivesse tranquilo em relação à situação.
— Esse homem não tinha ido para a festa? Cadê o Caio? Está dormindo? — perguntei, já iniciando o jogo e evitando olha-lo diretamente.
— Vai jogar o quê? — perguntou, ignorando o que falei e me encarando com um excesso de confiança.
— Ia jogar GOW 3, mas mudei de ideia — respondi tão nervoso que não percebi que não fazia sentido trocar o jogo assim que iniciou. — E o Caio? Nem me respondeu. Ele tá dormindo?
— Ele tá na festa ainda. Voltei pra cá pra poder ficar no sossego. Tá ligado? - Ele não parava de me olhar, como se a pergunta não tivesse importância.
Me levantei da beira da cama pra procurar algum jogo. Precisava me mexer pra queimar aquela crise nervosa que nasceu com a presença dele. No meio do meu embaraço, acabei abrindo a caixa do jogo antigo FIFA que, naquele momento, havia esquecido do que residia dentro dela. Se eu tivesse me lembrado desse detalhe antes, teria saciado minha curiosidade mais cedo e poderia ter me ajeitado com Marcelo depois.
Quando os saquinhos de pó caíram no chão, fiz-me de desentendido, como se não soubesse o que era. Mas, antes que pudesse continuar com o teatro, Léo disse:
— Achou o esconderijo do Marcelo, hein, playboy... Ele me disse que você não curtia, mas que tinha curiosidade sobre como era a lombra.
Eu fiquei surpreso por Marcelo ter comentado isso com Léo, mas tinha certeza que não havia más intenções. Deveria saber que um “cheirador” reconhece o outro. Portanto, eles já deveriam ter usado juntos. Só me perguntava quais foram as circunstâncias em que isso aconteceu. Não entendia como essa dinâmica entre usuários funcionava.
— Pois é, mano, sempre quis, mas nunca tive a oportunidade; o Marcelo não me dá a moral... — respondi com a voz pausada, tentando disfarçar a insegurança.
— Ah! Teve sim, parceiro — ele disse com uma cara de safado, apalpando o próprio pau.
— Tá me tirando, mano? — fingi surpresa. Ele me ignorou e entrou. Devolveu o veneno para a caixa do Jogo.
- Marcelo não vai gostar de ficar sem o pó dele quando chegar da festa. Ele ficou parado bem na minha frente e apertou o bico do meu peito esquerdo. Eu tremi. O olhar dele parecia me devorar vivo, enquanto o meu refletia um misto de confusão e medo. Com a audácia dele, eu fiquei inexpressivo por alguns segundos. Afastei-me e disse que ele estava muito “lombrado” e que eu ia descer.
- Vai perder a oportunidade de novo? – ele lançou a provocação que eu temia. Um frio na barriga me percorreu, e os pelos do meu corpo se eriçaram. Já sabia aonde a conversa estava indo.
- Como assim, mano? – perguntei, tentando soar despreocupado.
- Tenho certeza de que você estava aqui no quarto quando eu cheguei... – comecei a interromper, mas ele continuou, incisivo. – Só podia ser você! Mandei uma mensagem para Marcelo perguntando se ele tinha passado por aqui, e ele disse que você estava com a chave do quarto.
Naquele momento, percebi que não havia como negar.
- Cara, eu fiquei sem jeito de falar... e se eu saísse na hora, ia ser pior – confessei, tremendo e sentindo meu rosto esquentar pela situação.
- Isso é o que você diz... – ele mexeu na cueca de forma provocativa. – Mas relaxa, pô. Você tá tenso, maninho. Vamos jogar... Posso? - assenti com a cabeça sem entender o que ele queria na verdade. Fiquei encarando-o por alguns instantes, e pela primeira vez, duvidei da minha sexualidade, pois nem meu corpo nem minha mente queria sair dali.
-Hoje você mata sua curiosidade - Ele se virou e foi até seu quarto; quando voltou, estava de bermuda e trazia um prato, dois canudos pela metade, um cartão e um saquinho cheio de pó, bem maior do que a quantidade que Marcelo tinha. Colocou tudo na cômoda ao lado do console e começou a preparar quatro carreiras de pó.
- Essas menores são suas. A primeira vez tem que ir com calma. Relaxa que eu conduzo aqui a lombra. Qualquer coisa, eu sei como reverter o efeito. Fique sossegado! – disse ele, me transmitindo uma confiança ensurdecedora.
- Deixa esse jogo aí mesmo. A gente reversa com o Kratos (personagem do jogo).
Ele começou, aspirando de cada lado, e logo me orientou a puxar cada raio “bem forte” e “de uma vez”, para evitar entupimento. Enfatizava as instruções. Inclinei-me e dei meu primeiro tiro. Senti uma leve vontade de espirrar. O segundo veio ainda mais rápido. Uma onda de frenesi passou pelo meu corpo.
Depois de poucos segundos um pensamento ecoou em minha mente: “Começou!”. Era como um sussurro turbulento. Quando finalmente cruzamos os olhares, algo dentro de mim se transformou. No olhar de Léo, que refletia tanto desafio quanto a segurança de quem dominava aquele mundo, percebi a mudança que acabara de acontecer em mim. Era como se a realidade tivesse se desfeito, e uma nova dimensão, envolta em sombras e luzes, estivesse prestes a me engolir.
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