Peguei meu filho no flagra e quase acabo com o psicológico dele (continuação).✌

É impressionante como uma atitude errada pode transformar uma gota d'água em tempestade, mas o caso é que eu podia imaginar qualquer coisa do meu filho, menos que ele tava se relacionando com homens, pois ele não tinha jeito algum, afinal muitos garotos você percebe desde novo. Antes do flagra eu estava certo que ele estava usando drogas, mas meu queixo caiu no chão. Certo que nunca vi Yuri com namoradas, ficantes, mas pra mim era só porque ainda era muito novo.

Eu sempre tão alerta e atento, nem percebi os sinais nítidos à minha frente. André e Yuri eram muito, amigos, muito chegados, muito companheiros. Na loja eles brincavam, perturbavam um ao outro, riam, piculavam, falavam bobagens, até nas brincadeiras de bater que não gosto eles se davam bem; eles alegravam e deixavam o ambiente descontraído. Achava uma cumplicidade excelente entre os dois, mas nunca me passava pela cabeça algo a mais entre eles.

Continuando no flagrante, eu estava sem saber como agir pra não piorar a situação. Logo eu que meu segundo trabalho é resolvendo problemas e conflitos, não estava tendo a menor idéia de como resolver o conflito dentro de minha casa, e que eu mesmo provoquei.

Eu tinha que voltar ao eixo, colocar a mente no lugar e agir de alguma forma. Eu provoquei um mal estar e eu quem tinha de desenrolar. Então fui primeiro no quarto, bati, insisti pra André abrir. Não vi sinal de vida no quarto. Fui na área dos fundos, Yuri inconsolável, abaixado, com a cara metida entre as pernas. Passei a mão no cabelo dele, tentei puxar o rosto pra olhar pra mim. Yuri tava travado.

Encostei meu peitoral em sua cabeça, abracei ele.

- Filho, não tem nada de errado. Vamos conversar.

Ele me retribuiu o abraço e disse chorando:

- Não era pra ser assim.

Fiquei me sentindo tão mau!

- Perdoe seu pai. Eu agi como imbecil. Era pra te chamar e conversar. Poderia não ter sido tão marcante pra você. Mas olha, tá tudo certo. Te aceito numa boa.

- Me aceita? E aceita André comigo?

- Claro que aceito. Só quero te ver feliz.

Ele tirou a cabeça do meu peito e me abraçou pra valer. Ficamos assim por um momento.

- Agora precisamos conversar com André. Faz ele abrir a porta.

- Se você brigar com ele eu sumo e não volto nunca mais.

Eu não achei legal Yuri justamente com André por alguns motivos. Primeiro André era meu funcionário, poderia interferir no trabalho; segundo ele tinha namorada sério há muitos anos; terceiro ele tinha praticamente o dobro da idade de Yuri; quarto meu filho era só um guri, se ele queria namorar masculinos, tudo bem, mas deveria ser alguém da mesma faixa que ele; quinto ele tinha fama de pegador. E se ele levasse doença pra Yuri?!

Outra coisa que me preocupou depois: André é um negão esquelético com quase 2 metros de altura, imagine o tamanho do membro. Aquilo poderia arrebentar Yuri.

Mas voltando ao momento.

- Não se preocupe, filho! Vamos só conversar e ver o que ele quer realmente com você.

Fomos até o quarto e Yuri chamou.

- Tá tudo bem! Pode abrir.

André destrancou a porta mas manteve fechada. Yuri abriu. Ele estava sentado na cama já todo vestido, calçado, de cabeça baixa, com as mãos entre as pernas.

Yuri sentou colado nele, enfiou a mão por baixo de seu braço e meteu nas pernas pra segurar a mão dele. Aquilo me deu uma coisa por dentro.

- Painho aceita, nego, só quer conversar.

Quando Yuri falou assim isso me deu uma certa gastura.

Comecei conversar com André sobre eles dois, mas André permaneceu calado e imóvel.

Yuri insistiu:

- Fala alguma coisa.

André só abriu a boca pra dizer baixinho:

- Quero ir embora.

- Não André, vamos conversar.

André soltou a mão de Yuri, se levantou, ficou frente a mim na porta olhando pro lado, esperando eu dar passagem. Saí da frente.

Yuri voltou chorar e foi atrás de André, segurando, pra ele não ir. Na rua ficou implorando pra ele voltar, observado-o até dobrar a esquina. Quando Yuri abriu berro eu tive que puxá-lo pra dentro. Já haviam luzes acendendo em algumas casas, e com certeza o vizinho fofoqueiro tava escondido de bituca, atrás do seu portão.

Não deu outra, caiu na boca do povo da rua, mas ninguém abria boca pra falar abertamente nem fazer críticas pra eu saber.

Yuri sentou no sofá.

- Ele vai me deixar. Acabou... acabou!

Meu filho que raramente chorava, estava desabando. Eu cada vez mais me sentindo mal. Era tudo minha culpa.

Sentei junto de Yuri, puxei ele e coloquei sua cabeça no meu colo. Fiquei ali tentando consolá-lo pra ver se amenizava a situação. Preferi ficar calado pra não acabar dizendo ou fazendo mais besteira. O silêncio prevaleceu.

Fiquei com Yuri ali até ele adormecer. Deixei-o no sofá, dei-lhe um beijo na cabeça e fui deitar, mas perdi o sono. Consegui dormir quase amanhecendo e quando me assustei já era quase 9. Quando vou trabalhar na loja sempre saio umas 10 pra 8 da manhã.

Yuri estava dormindo na mesma posição que deixei. Só fiz escovar os dentes e corri pra loja. Estava fechada. Fiquei preocupado, André não foi trabalhar.

Entrei rapidinho e procurei o endereço dele no registro.

Numa folha de ofício escrevi: FECHADO PARA BALANÇO. REABRIREMOS AMANHÃ, e colei na frente.

Fui até o endereço de André num bairro que é uma invasão. A rua que ele morava bem movimentada, cheio de gente faz nada. Não tô insinuando que são vagabundos, sei que o maior culpado é o sistema, mas óbvio que tem os que optam pela malandragem ou vida bandida.

Na frente da casa, onde constava no endereço, havia dois rapazes conversando sentados num tronco de árvore que usavam como banco. Os dois eram negros mas só um tinha traços de André.

- Bom dia!

Um deles se levantou e veio até a moto:

- Diga!

- Aqui é onde mora André?

- E você, quem é?

Ele tava bem sério.

- Ele trabalha pra mim. Só vim saber porque ele não foi hoje.

O cara logo mudou o semblante e transpareceu simpatia no rosto.

- Porra meu patrão, vá desculpando. É que sem conhecer é barril dar informação. Ele é meu irmão. Deve tá doente porque não deu uma palavra hoje e não saiu da cama nem pra tomar café. Pera que vou chamar.

Enquanto ele entrou, saiu uma senhorazinha magra, com uma cara muito sofrida, que perguntou:

- O que foi, meu filho? Dé fez alguma coisa?

Eu supunha que Dé era apelido de André.

- Não, senhora, fique tranquila. Ele não foi trabalhar e fiquei preocupado.

Nisso o irmão de André voltou.

- Ele só mandou te entregar isso e disse que não vai trabalhar.

André mandou me entregar a cópia das chaves do estabelecimento.

- Eu posso entrar e falar com ele?

- Agora mesmo, patrão. Chega aí.

Me deu uma dó. Dentro de casa não tinha móveis, só um sofá velho, umas cadeiras de sala de aula reaproveitadas, chão de cimento, lixo pelo chão, mal cheiro. Os quartos não tinham portas, apenas cortinas.

Entrei no quarto de André. Ele estava deitado virado para o canto da parede, as pernas dobradas, coluna curvada, uma braço entre as pernas e a outra mão cobrindo o rosto que estava virado pro travesseiro.

A senhorazinha e o rapaz ficaram na porta do quarto.

- E aí, rapaz, como é que tá?

Não respondeu nada.

- André, se você não quiser, a gente não conversa sobre você ter tratado mal aquela cliente ontem. - (falei isso pra disfarçar) - Mas quero que saiba que tô arrependido em ter agido como idiota. E saiba que não vou aceitar você abandonar o trabalho. Não vou perder meu braço direito, um excelente funcionário que me acompanha há anos. Não deixa o que aconteceu ontem afetar tudo.

(Eu puxei o saco de André mas realmente ele era tudo isso. André começou trabalhar comigo quando tinha 16 anos. Ele sempre pareceu marginal pelo estilo de se vestir, pelas gírias, jeito de falar, andar, aderiu há muitos anos a ponta dos cabelos pintado de loiro, curte brinco; mas ele é a prova viva que aparências enganam. Sempre fora honesto, super trabalhador, não tinha tempo ruim, tratava os clientes sempre com total excelência, sem sequer nunca fazer curso de atendimento).

E André continuou calado.

- O que me diz?

Continuou mudo.

- Olha, vou deixar você em casa hoje pra colocar a mente no lugar, mas amanhã quero você lá. E isso aqui é seu. - Coloquei a chave no ombro dele e ao menos ele pegou. Mas continuou na mesma posição que tava.

Quando fui saindo, a senhorazinha pergunta:

- Dé tratou quem mal? Ele não é de fazer essas coisas.

- Foi uma cliente. Aí fui estúpido com ele mas eu quem fui errado.

O irmão dele disse:

- Todo mundo erra, tenha certeza que Dé é gente fina.

Respondi:

- Vi ele virar homem na minha companhia. Eu sei que sim. Só não deixem ele abandonar o trabalho.

- Deixa comigo, patrão. E não tem alguma vaga lá pra mim não?

- Por enquanto não, mas quando tiver eu te falo.

- Se conseguir em algum outro lugar eu também aceito.

- Deixa comigo!

- Depois chega aí com mais calma pra trocar idéia, tomar uma skol. Ou o senhor não bebe?

- Se não me chamar de senhor, eu volto sim, e enchemos a cara.

- É dos nosso então.

- Tamos junto! Vou nessa!

Montei na moto e voltei pra casa.

Yuri não havia ido pro colégio. Estava deitado ainda na mesma posição no sofá, cara triste, assistindo TV. Me partiu o coração.

- Poxa moleque, olha o que acabei fazendo contigo!

Ele ficou calado.

- Já tomou café?

- Tô sem fome.

- Vai tomar sim. Vem comigo pra cozinha pra fazer alguma coisa só pra nós.

- Não abriu hoje né. Eu tive na loja e vi a placa. Você foi procurar ele, não foi?

- Fui na casa dele. Mas não se preocupe que não foi caçar confusão não. É que cheguei na loja umas 9 e pouca e tava fechado. Aí fui na casa dele pra tentar conversar. Ele ia abandonar o trabalho.

- Convenceu ele?

- Eu acho que sim. Ele não pode largar o trabalho.

- E me largar, pode né?

- Claro que não! Só tô feliz quando te vejo bem e feliz.

Dei-lhe um beijo na cabeça, sacudi seu cabelo e fui fritar ovo pra comermos com pão.

- Ele não me atende. Tô ligando a um tempão.

- Vai dar tudo certo. Esquenta não.

Sentei na mesa com Yuri, deixei claro o quanto ele era, ainda é, importante pra mim, e que aceitava ele com quem ele quisesse, desde que ele estivesse feliz e fosse alguém bom pra ele.

E comemos.

Naquele dia fiquei com meu filho. Não abrimos a loja. Aproveitei pra conversarmos sobre tudo aquilo e pra conhecê-lo melhor porque senti que muita coisa ia mudar.

Conto na sequência.✌👊👍

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Quem comentou no outro texto procurei na página de cada se havia conto pra responder diretamente, quem tinha, respondi; quem não tinha, respondi no meu conto anterior. Valeu aí gente fina! Tamos junto!😉✌👍