Os Primos (Capítulo 08)
Andei sem rumo por alguns instantes aquela tarde com pensamentos fervilhando na cabeça sem dar trégua. Podia sentir a solidão pegando no meu pé mais uma vez. Um dos meus maiores desejos havia se esvaído em pouco tempo. O que vivi nos meses anteriores parecia uma mentira quando eu pensava em Cauã e Diana transando no quarto de Vitor. Era uma cena tão horrenda que embrulhava meu estômago só em fantasia-la.
Duas ou três lágrimas escorreram do meu rosto, mas as sequei rapidamente com receio que alguém percebesse. Odiava demonstrar fraqueza em público. A primeiro momento quis chamar um táxi, mas preferi andar até a Prefeitura Municipal de Campinas e pegar um ônibus com destino ao meu bairro. Por sorte tinha alguns trocados no bolso da bermuda, pois havia deixado minha carteira e quase todos os meus pertences na casa de Cauã e não tinha a pretensão de buscá-los aquele dia.
Abri o portão de casa e logo meus pais se colocaram na janela para ver quem entrava. Disfarcei com um sorriso ao vê-los quando cruzei a sala de estar e fui às pressas para o meu quarto. Após isso, tranquei a porta e liguei o rádio. O CD do Legião Urbana começou a tocar. Droga! Aquelas músicas me traziam memórias... Mudei para uma estação de rádio qualquer. Um homem fazia felicitações de boas festas enquanto uma música natalina tocava ao fundo, aumentei o volume, cai na cama e enfiei a cara no travesseiro.
O choro veio aos poucos, enquanto eu analisava todo o incidente. Talvez estivesse sendo um pouco dramático com a situação, mas me magoava a não resistência de Cauã perante aquele circo armado por Diana. Meu celular começou a vibrar. Cauã.
- Alô?
- Oi, John.
Silêncio. Não tinha força para dizer qualquer coisa.
- Não espero que você esteja disposto a voltar para a minha casa agora. Mas precisamos organizar tudo. Eu tenho que esclarecer algumas coisas. – Não existia barulho na ligação, ele deveria estar em casa. – A sua bolsa está aqui, se precisar, eu mesmo levo ela para você amanhã.
- Faça como quiser.
Uma batida na porta interrompeu a conversa, sequei algumas lágrimas e corri para o espelho desejando não estar com a face avermelhada. Por sorte meus olhos não estavam muito inchados e talvez eu conseguiria disfarçar tentando não olhar fixamente os meus pais.
- Querido, abre a porta. – Falou minha mãe, alto, para que sua voz sobressaísse a do rádio.
Desliguei o Mini System e abri a porta. O visor do meu celular notificava que a ligação havia sido encerrada.
- O que está havendo? Você não iria voltar só amanhã?
- Estava com saudade de casa.
-Você não parece bem. – Ela disse tentando me avaliar, enquanto eu deitava na cama de frente com a parede.
- Estou cansado, só isso. – Inventei. – Quase não dormi essa noite.
- O Cauã te tratou bem?
- Sim mãe, nós nos divertimos muito.
Ela puxou meu rosto de modo que me obrigava a encará-la.
- Johnny, meu filho, você está bem mesmo?
- Sim, mãe, estou ótimo! – Disse, contendo algumas lágrimas que queriam sair.
- Se tiver alguma coisa que queira dizer para a mamãe, pode falar. – Sussurou, suave, com a delicadeza serena de mãe.
Assenti com a cabeça.
- Estou com fome. - Lembrei que não comia nada desde o café.
- Vou trazer alguma coisa para você.
Terminei aquela tarde comendo três fatias do delicioso panetone caseiro da minha mãe e um copo de Coca-Cola.
...
Dormi por volta das três da madrugada, antes disso as memórias iam e vinham. A rádio me fez companhia enquanto eu tentava me distrair o máximo possível. Peguei no sono depois de mudar de posição na cama inúmeras vezes.
Acordei às dez da manhã com a minha mãe me chacoalhando e perguntando se eu gostaria de ir ao shopping. Tudo o que eu queria era dormir um pouco mais, por isso rejeitei.
Duas horas depois acordei mais disposto. Coloquei os pés fora da cama e andei até a cozinha, desejando que tivesse sobrado mais um pouco do panetone. Cortei três fatias novamente e comi acompanhado de suco de laranja. Em seguida, tomei um banho demorado que ajudou a aliviar uma sensação de corpo pesado. Escovei os dentes e andei até a sala de estar para assistir um pouco de televisão. A casa estava vazia como sempre, então eu tinha total liberdade para trocar os canais quando quisesse.
A campainha tocou. Os traumas do dia anterior já estavam sendo esquecidos, mas ao ouvir o toque era como o despertar da fúria de um vulcão. Nervosamente andei até a janela e através do vidro vi um rapaz parado em frente ao portão, trazendo uma bolsa nos braços fortes e longos.
Abri o portão sem pronunciar um som sequer. O garoto me encarava, estudando minha fisionomia. Retornei à sala com ele me acompanhando. Sentei no sofá e fiquei assistindo TV, aguardando que Cauã deixasse a bolsa e fosse embora. Tudo o que eu mais queria era não ter de lidar com aquilo.
-Os seus pais estão em casa? – Perguntou, observando em volta.
- Foram ao shopping.
- Eu acho que seria melhor se nós conversássemos sobre o que houve.
-Cauã, eu nunca me envolvi com ninguém da mesma forma que estive com você. Eu entendo que você tenha as suas inseguranças. Talvez você ainda esteja preso a àquilo que a Diana pode te proporcionar. Você não sabe dizer não para ela, não consegue pará-la. E eu tenho medo disso, porque o que eu sinto por você é forte. Me consome saber que você anda se entregando para outra pessoa. – Essas palavras encontravam-se engasgadas na minha garganta.
- A Diana fez parte da minha vida, ela está sempre no meio do meu círculo de amigos, eu não posso dizer a ela que não quero mais conversa. – Ele justificou. – Ela nunca fez algo para me magoar ou prejudicar. Eu sei que talvez ela não seja a melhor pessoa do mundo para você, mas não tenho motivos para afastá-la de mim.
- Isso não dá a ela um convite para transar. – Disse com muita dificuldade. –Eu vi vocês no quarto, ela nua e depois colocando a roupa.
- Então você esteve espionando o tempo todo?
-Sim! Ela te tirou de mim, planejou toda aquela droga para te ter. Como você acha que eu fico?
-Não aconteceu nada do que você está pensando! Você viu somente ela nua, não a mim. Sabe por quê?
Encarei-o firmemente, aguardando a justificativa.
- Maysa e Jéssica me levaram até o quarto. Enquanto isso, Diana me aguardava com um presente. Ela me deu uma caixa com uma coleção de perfumes franceses que o pai comprou na última viagem. Eu não pude recusar pois eram caríssimos e masculinos. Além do pai, que odeia perfumes de fragrâncias extravagantes, ninguém mais iria utilizar. Claro que fiquei contente, você sabe o amor que tenho pela França.
Ao menos a explicação era bem convincente.
- Mas não eram somente esses “presentes” que ela quis me dar. –Continuou. – Segundo ela, tinha pensado muito sobre como gostava de mim e que estava disposta a ter algo mais intenso para celebrar a ocasião. Eu não entendi muito bem, mas ela começou a tirar o vestido pouco a pouco. Tentei dizer a ela que não tinha necessidades de fazer aquilo, mas não adiantou.
Minha intuição dizia que eu deveria confiar em Cauã. Ele parecia muito sincero e eu não duvidava que as atitudes de Diana teriam sido essas.
- Ela vai te perseguir. Ela é o tipo de pessoa que não sossega enquanto não tem o que quer! – Afirmei.
- Eu não ligo para isso. Só quero deixar claro que não é só você que tem motivos para ficar enciumado. Eu também tenho.
- Do que você está falando? Eu nunca te dei razão para desconfiar de mim.
- Tem certeza? E quanto ao Leandro?
Revirei os olhos.
-Eu percebi que você ficou tenso ontem enquanto eu preparava o café da manhã, foi como se tivesse se desligado por alguns instantes. Enquanto atendi a ligação do Vitor, vi seu celular em cima da minha escrivaninha, tinha uma mensagem de texto do Leandro selecionada, eu a abri e li. Naquele instante eu fiquei puto, confesso que desconfiei de você. Um dos motivos de eu ter aceitado ir à aquela festa foi para não ter de ficar o dia todo desconfortável por causa daquele torpedo idiota.
- O Leandro ainda pensa que eu sou escravo sexual dele ou que tenho uma dívida eterna por ele ter sido o primeiro cara que transou comigo.
- Mas o texto estava escrito de forma que leva a qualquer um deduzir que vocês se encontraram.
- Isso faz muito tempo. A última vez que estive com Leandro foi no casamento do Renan.
- Eu percebi que vocês dois sumiram durante a festa. –Indagou Cauã, arqueando uma das sobrancelhas. – Eu esperei o momento certo pra te dizer aquelas coisas aquela noite... Que estava de saco cheio de tudo... Enquanto você estava com o Leandro!
-Nós dois não tínhamos nada. Você não pode me culpar.
- O que rolou aquela noite?
Titubeei, pensei em contar uma mentira, mas precisava ser sincero. Não é justo querer sinceridade de alguém sem oferecer o mesmo.
- Nós ficamos.
- Viu só! E acha que eu não devo entender que o Leandro é uma ameaça?
- O que importa é que não estamos juntos mais, eu jamais teria aberto mão de uma relação com você para viver uma com ele.
- John, acho que você não me entende. Quem me garante que vocês não têm algo escondido?
-Essa sua falta de confiança está me ofendendo! - Sim, estava.
- Então quer dizer que eu sou o único desconfiado aqui?
Eu tinha mil motivos para culpar Cauã, mas ele estava revertendo tudo ao seu favor.
- Chega! Se nós ficarmos cedendo à essas coisas, elas vão nos destruir. Eu juro, eu nunca tive envolvimento com Leandro depois daquela noite e não voltarei a ter.
- Eu vou acreditar em você, afinal, não acredito que você seja capaz de mentir assim para mim. Sei que você tem uma alma boa e foi por isso que me apaixonei por você.
Meu rosto começou a queimar, todo o gelo que existia dentro de mim se derretia...
- Prometo que serei maleável com a Diana. Apesar de odiar a proximidade que você tem com ela.
- Esquece isso. E me dá um abraço.
Nos levantamos e fui até ele para embarcar nos belos braços do rapaz que eu amava. Ainda que eu estivesse frustrado pelo ocorrido do dia anterior, a palavra “confiança” me obrigava a esquecer qualquer mágoa.
A crise foi deixada de lado na semana que se seguiu. Nenhum de nós voltou a falar sobre os sujeitos que nos levaram a discutir relação. A paz caiu entre nós dois, agora mais determinados a não permitir que impostores viessem a destruir nossa união. O decorrer da semana foi tranquilo. Nenhuma perturbação e sem sinais de preocupação. Até mesmo Leandro, indivíduo que eu poderia jurar que daria as caras em algum momento, sequer tentou me enviar outro SMS.
Recebi a notícia que me fez ter um surto de alegria. Meus pais planejaram passar a virada do ano em Lagoinha na fazenda de vovó Isaura. Junto a eles, Elaine optou por fazer o mesmo, logo toda a família de Cauã estaria lá para a festança. Eu amava estar naquele lugar, as recordações de dias felizes me animavam e ascendiam meu desejo de ter o encerramento de 2006 perfeito.
Animados por mais uma data comemorativa, na manhã do dia 31 eu e minha família saímos cedinho de casa para pegar a estrada rumo a àquela pequena cidade. Era ótimo retornar depois de um tempo e sonhar com os bolos de milho da tia Heloísa, as anedotas da vovó Isaura e os animais apresentados por tio Miguel.
A sorte de não pegar trânsito em plena véspera de feriado nos concedeu a proeza de ficar apenas três horas e meia dentro do carro, portanto chegamos antes do planejado. Descer e sentir o ar puro do ambiente rural nas minhas narinas era como estar de volta ao passado, quando corria livremente na grama frente ao casarão amarelo com uma sacada de ponta a ponta, onde todos os meus familiares colocavam uma cadeira de madeira no fim do dia e sentavam para contar histórias de um passado que não participei, mas mesmo assim deixava-me nostálgico.
Dirigi meus cumprimentos a uma senhora que já nos aguardava em uma cadeira de rodas na fachada da casa. Ansiosa, vovó Isaura encheu meu rosto de beijos e disse que um maravilhoso café estava me esperando na mesa da cozinha. Isso soava como música para os meus ouvidos.
Nos servimos de um café fresquinho e comemos bolo, broa de milho e pamonha, apesar de ser onze da manhã, quase hora do almoço, e as panelas já estivessem no fogão a lenha a todo vapor. Eles eram bem rigorosos com horários, em breve a nova refeição sairia. Mas ninguém resistiu em experimentar ao menos um pouquinho daquele delicioso banquete matinal.
A família de Cauã ainda não tinha chegado, provavelmente isso aconteceria no meio da tarde ou no final dela, como era de costume. Peguei minha mala no carro de papai e levei até os quartos do casarão. Era um lugar demasiadamente extenso, um corredor com vários quartos se alongava. Lembrei da minha infância quando acreditava que existiam passagens secretas e porões com milhares de segredos para serem revelados. A saudade do meu avô apertou meu coração. Morreu quando eu tinha apenas dez anos, mas ainda conseguia lembrar da sua voz ecoando por aquele lugar, a risada vibrante, o bigode branco, chapéu de palha, camisas listradas... Era o homem que herdou aquele lugar ainda jovem, e sem pestanejar casou-se com a Isaura, filha da empregada. Assim constituíram-se os Santiago, nome herdado de seus pais portugueses.
Existia um quarto propício para eu e Cauã passarmos a noite. Ele tinha justamente duas camas para solteiro. Levando em conta que os outros hóspedes eram casais, se eu me hospedasse naquele quarto, a outra cama sobraria para o meu primo. Entrei, depositei minha bolsa ao lado e deitei um pouco, ainda sonolento por ter acordado cedo. Resolvi tirar uma soneca sonhando com um almoço delicioso, mesmo já estando satisfeito pela refeição que acabara de comer.
Acordei duas horas depois com mamãe me cutucando para que eu fosse até a cozinha. Estavam colocando a mesa e em breve o almoço seria servido. Um garoto que transparecia ter a minha idade, alto, com chapéu de cowboy, camisa social, calça jeans e botas de couro entrou acompanhado do meu tio Miguel, que vestia-se da mesma maneira. Titio abraçou a todos enquanto falava:
- Esse rapaz aqui se chama João Clemente. É meu ajudante agora, depois que o meu outro vaqueiro faleceu.
João cumprimentou a todos de maneira carismática. Aproximou-se de mim e ofereceu a mão em cumprimento. Era um jovem bonito que despertava a atenção facilmente em quem gosta de avaliar belezas.
Nos sentamos para almoçar um delicioso frango guisado preparado pela tia Heloisa, que nos advertia para deixar um espaço em nossas barrigas para um delicioso jantar, além do churrasco que Miguel iria comandar.
Demos boas risadas enquanto comíamos e meus tios falavam sobre a vida no sítio, João Clemente fazia algumas intervenções para fomentar os assuntos. Ele era comunicativo e engraçado, logo gostei de sua presença na mesa.
Ao fim da refeição, Eliane se apresentou à porta, junto com todos os seus familiares. A cozinha encheu com os mais novos cinco hóspedes, dentre eles o destaque eram os recém casados Renan e Maria Eduarda.
Contido, depois de beijar todas as tias, Cauã sentou conosco e me cumprimentou com um aperto de mão. A presença de muitas pessoas no mesmo lugar o deixava sem jeito.
...
As duas horas que se seguiram foram dedicadas apenas para conversar sobre o pós processo de matrímônio de Renan. No rosto de todos era nítida a expressão de satisfação. Maria Eduarda conseguia ser interessante a ponto de deixar todos boquiabertos com a descrição de uma lua de mel em Roma, Paris e Madri.
Escutei a conversa calado, aguardando o tempo necessário para sair dali e convidar Cauã para irmos ao quarto ter um momento de privacidade. O assunto teve seu ponto alto quando ainda pertencia a Maria Eduarda, mas ao assumir a voz, Sérgio jogou uma bomba entre nós.
- Agora resta nosso pequeno primogênito. – Sorriu para o seu filho que corava ao meu lado. – Esse processo de casamento me fez muito bem. É como reviver o meu matrimônio com Eliane. Mal posso esperar para isso acontecer de novo. – Disse, levando à boca uma xícara de café servida por tia Heloísa.
Suponho que quando o pai disse isso, Cauã teve vontade de sumir, mostrava um sorriso sem graça nos lábios para disfarçar a frustração do momento.
- E como estão as namoradas? – Tio Miguel falou, cutucando-o no ombro.
- Bem. – A resposta foi tão curta, baixa e sem graça que um silêncio a seguiu.
- No meu tempo eu não tinha vergonha de estar namorado. Este menino é muito parado. Ah que geração é essa, Deus!? – Exclamou o pai. – Fale para eles sobre a Diana.
O nome soou como um baque. Eu ainda me desintoxicava do ocorrido no natal, a última coisa que desejava era ter qualquer lembrança daquela garota. Muito menos ouvir o pai de Cauã a citar, como se ela fosse uma boa referência.
- Pai, já falamos sobre isso. Nós não temos nada...
- Bobagem. Você quase implorou para ir naquele acampamento de natal só porque ela estava lá... Eu sei que vocês ainda tem algo.
- Não constrange o menino, Sérgio. – Interferiu minha mãe.
- Ah Marisa, esses rapazes precisam aprender a criar relações. Amanhã serão profissionais, pais de família, cidadãos responsáveis pela própria vida, isso é fundamental. – Argumentou.
- Mas agora são só jovens. É importante que curtam esse momento, não serão adolescentes duas vezes na vida.
Meu pai sorriu, feliz pela colocação de minha mãe.
A conversa mudou de rumo novamente. João Clemente abandonou o assunto para ir tomar conta de suas obrigações, resolvi seguir o fluxo e em meio a isso sai para a varanda desejando tomar um ar fresco. Ao longe observei o garoto buscar um dos cavalos do meu tio e amarrá-lo em uma árvore. Minutos depois andei até ele para analisar o animal de perto.
- Estou reconhecendo esse bicho. – Eu disse, animado. – É a égua Teresa!
- Ela mesma.
- O tio Miguel costumava me colocar em cima dela quando eu era criança. Claro que ele me segurava, e eu me sentia um verdadeiro cowboy. – Ri.
- A Teresa é dócil e obediente, é a minha preferida. – Disse, alisando a pelugem amarronzada. – Né não, Te?
Sorri, um pouco emocionado por ver aquela égua novamente.
Cauã se juntou a nós e João Clemente narrou sua rotina diária na fazenda. Era fascinante os seus relatos da vida no campo, o que me deixava ainda mais encantado por aquele local. Acredito que levo certo jeito para a vida rural, talvez por meus ancestrais terem as raízes do campo, estar ali era como viver um pouco da história dos meus avós.
João nos contou sobre um dos pontos turísticos da cidade, a famosa Cachoeira Grande, que ficava não muito distante da fazenda e poderíamos chegar lá sem dificuldades. Muitas vezes, ouvia relatos sobre o local e minha mãe tinha fotos de infância que registravam uma enorme queda d’água. Isso atiçou minha curiosidade.
- Seria ótimo tomar um banho para me limpar de todas as impurezas desse ano. – Sugeri.
João e Cauã riram de mim.
- Não trouxe sunga para isso. – Cauã observou.
- Não vão precisar disso, um short basta. – João informou.
Animados com a ideia, anunciamos a nossos pais que sairíamos para um passeio no ponto turístico. Logo, Sérgio e Eliane quiseram proibir a ida do filho ao lugar por se tratar de um “local de risco”. Tia Heloísa os tranquilizou argumentando que não havia problemas pois tratava-se de um lugar calmo, apesar da enorme queda d’água. Além do mais, Cauã era um rapaz forte e de espírito esportista. Para pôr fim a teima, utilizamos o João como argumento, ele tinha ido a àquela cachoeira milhares de vezes durante a vida, que mal poderia nos acontecer? Depois de resistir por minutos, não muito contente, Sérgio liberou a ida de Cauã. Fomos até a mala buscar dois shorts e pegamos caminhos.
Andamos por volta de vinte minutos. O calor insistente que tomou toda a manhã e boa parte da tarde se abrandava, ventos sopravam e isso tornava nossa caminhada ainda mais agradável. Adorei estar conectado com a natureza, entre árvores e flores, fazendas e plantações. Na estradinha de terra que tomamos algumas passagens eram um pouco dificultosas, tivemos que pular algumas cercas devido aos atalhos sugeridos por João, mas isso deixava a aventura mais emocionante. Estive ao lado de Cauã o tempo todo, ele também curtia tudo, correndo os olhos por todo ambiente. Eu quis seguir caminho segurando sua mão, mas a presença do vaqueiro me coibia de realizar tal ato.
A cachoeira ficava logo depois de uma ponte. “Deus! Que lugar maravilhoso” pensei quando tive a primeira imagem daquele paraíso. A cachoeira era maior do que eu imaginava, a água batendo no rio produzia um barulho delicioso, o cheiro, ar ... Tão renovador que imaginei como seria maravilhoso viver naquele lugar.
- Já escalei a cachoeira. É bem emocionante. – Exclamou João, ajeitando o chapéu na cabeça, comportando-se como um guia exemplar.
Chegando à margem do rio, coloquei meus pés na água. Atrás de mim, Cauã começou a se despir. Não existia ninguém ao redor, apenas um quiosque gigante (ou restaurante) fechada. Tive certo receio em ficar pelado na frente de João, mas ele estava fazendo o mesmo. Cauã não armou cerimonia para esconder o pinto e tirou a cueca sem se virar para o lado oposto. Percebi que João também não teve vergonha de se expor, pois sem a pretensão de espiá-lo, de relance vi seu pênis flácido não circuncidado à mostra. Fui o último a tirar a roupa e não querendo ser muito diferente dos outros fiquei nu sem resistir. Vestimos o short reserva e corremos para a água.
A adrenalina pulsava em meu sangue, assim como no dos outros três. Apostamos uma corrida de nado, a qual obviamente João ganhou sem fazer muito esforço. Cauã e eu éramos acostumados com piscinas, o rio nos despertava certo receio. Chegando na queda d’água, nos lavamos com o rosto para cima. Subimos em cima de uma pedra onde a água nos acertava delicadamente. João disse que nos deixaria alguns instantes para tentar encontrar uma quiosque aberta do lado oposto e nos trazer água de coco, bebida muito popular entre os frequentadores daquele local, achei interessante a ideia pois senti a necessidade de beber algum líquido após a caminhada. Essa ausência liberaria alguns minutos a sós com Cauã.
- Um dia vamos morar em um lugar como esse? - Perguntei a Cauã, quando João se afastou.
-Nos seus sonhos. – Respondeu ele, quase gritando, para que eu o eu o escutasse em meio ao barulho da água.
- Isso significa que não temos um futuro? – Questionei, um pouco chateado.
- Significa que sou um homem da selva de pedra. O campo é maravilhoso, mas nada como meus prédios e fumaça.
Rimos.
-John... – Ele tinha uma expressão nervosa.
- Sim?
- Eu percebi que precisamos dar um passo adiante. Para evitar brigas... Eu quero que nossa relação seja mais sólida, saudável. Eu tenho medo de te perder.
- E por que perderia? Não me diga que tem medo do Leandro...
- Esquece ele. Isso é passado. Eu só quero ter um compromisso sério com você.
Minhas bochechas começaram a arder. Não estava acreditando que...
- Quer ser meu namorado? Digo... Eu sei que já temos uma relação, mas estava pensando em ir além, assumir um compromisso, construir algo juntos. Sei que esse não é momento propício para contar aos meus pais sobre a minha sexualidade. Mas quero começar a preparar o terreno, trabalhar por certa independência, e quando chegar o momento certo eu quero ter uma vida com você!
Minha resposta para aquela pergunta não poderia ter sido diferente de um enorme sim. Vontade não me faltava, aliás, sentia que toda a vida caminhava para aquele instante.
- Nós seremos muito felizes juntos, eu prometo. – Respondi.
Abracei seu corpo e trocamos um beijo, cercados por um pedaço do éden ao redor. Não muito depois João voltou, chateado por não encontrar as bebidas, todos os comércios da redondeza já tinham fechado as portas. Era seis da tarde e à noite chegaria em breve, por isso nos apressamos em dar um novo mergulho e voltar para a fazenda.
...
Era quase noitinha e entramos no casarão, tomamos um banho e nos vestimos para comemorar a chegada de 2007. Tomei um banho gelado e voltei para o quarto, pronto para a comemoração. Lá, Cauã se preparava para entrar na ducha com uma toalha amarrada na cintura. Não resisti e lhe meti uns beijos, encostando a porta para evitar invasores. Nos atracamos por breves instantes.
Tio Miguel orgulhosamente comandava a churrasqueira com o auxílio do meu pai. A varanda comportava uma mesa de madeira tamanho família, decorada por uma deslumbrante toalha vermelha e branca. Lugar onde Sérgio e Eliane tomavam um champanhe de nome francês cuja a garrafa descansava em um balde de gelo. Seguramente eles mesmos tinham trazido a bebida.
Na cozinha, mamãe e Maria Eduarda ajudavam tia Heloísa a preparar um pernil, arroz com passas e uma deliciosa maionese. Minha barriga roncava ao imaginar todo o banquete sendo servido dali alguns instantes.
Quase todos, com exceção de Sérgio e Renan, vestiram-se com camisa xadrez, uma homenagem singela ao estilo camponês de vovô. Mais uma vez, Cauã me surpreendia com a sua capacidade de ser belo, trajando uma linda camisa manga longa que alternava diferentes cores de cinza entre desenhos quadriculados. Nos juntamos e sentamos na escadinha entre a varanda e a fachada da casa.
O carro de papai colaborava com o som: um sertanejo animado, um tanto sem graça para mim, mas todos os mais velhos curtiam aquele estilo. João Clemente veio até nós. Com o visual cowboy restaurado, parecia ter vestido sua melhor roupa para a ocasião. Logo atrás, sua mãe, Ana Lúcia, que apresentou-se como vizinha e entrou para conversar com as mulheres na cozinha.
A ceia não demorou muito para ser servida. Logo estávamos todos reunidos, tirando fotos, rindo e felizmente tendo conversas saudáveis. Ainda bem que eu e Cauã participávamos desse porto seguro chamado família, ainda que não fôssemos próximos todos os dias do ano, compartilhávamos o sangue Santiago nas veias.
...
Com a barriga lotada de pernil e churrasco, sentei em uma cadeira de balanço. Cauã ainda bebia vinho e conversava com os parentes. João veio até mim para fazer companhia.
- Já pensei em ir para a cidade grande. Viver em São Paulo, continuar os estudos por lá depois de terminar a escola, tenho um irmão que fez isso.
- E por que não tenta?
- Não posso deixar mamãe sozinha. E não sei se eu conseguiria ficar longe daqui. Eu sinto que meu lugar é aqui, lidando com a natureza.
Ele estava certo.
- E também preso... as pessoas... – Esse instante seus olhos foram de encontro ao tio Miguel, que passava com mais uma rodada de carne. – Eu sempre quis trabalhar nessa fazenda. Digo... Eu moro em uma casinha simples no começo da estrada, mas por causa da amizade da Heloísa com a minha mãe, costumava vir aqui quase sempre. A vida no campo me encanta.
- Confesso que tem me encantado também. - Admiti.
- Mas você e seu amigo parecem estar bem ligados à cidade. Parece que o pai deposita muitas expectativas nele com um homem de negócios, pelo que ouvi na mesa hoje à tarde. – Observou João.
Concordei, sem entender muito bem onde ele gostaria de chegar.
- Você não tem medo?
- Por que deveria? – Perguntei, sentindo um nó no estômago.
- Desculpe. Não quero me envolver, mas não deixei de reparar no comentário das namoradas feito pelo pai do Cauã. Sem pretender, eu vi que vocês têm algo...
- Quando? Como?
- Hoje na Cachoeira Grande. Desculpe, eu estava retornando depois de procurar a água de coco e vocês pareciam muito apaixonados... – Ele explicou. – Quero deixar claro que não tenho nada contra. Conheço um rapaz que também é gay e nós nos damos bem. Por isso eu fico sensibilizado quando vejo histórias como a de vocês.
- Tudo bem. – Consenti, ainda um pouco assustado. – Não conte a ninguém, por favor.
- Não vou dizer.
- Cauã foi um tormento para mim um tempo atrás. Hoje estamos bem, e espero que nossa relação seja tranquila.
- Desejo que bons ventos soprem sobre vocês. –Disse, sorrindo. – Eu entendo bem sobre os amores contrariados.
Soltei uma risada. Aquilo seria uma referência ao O Amor Nos Tempos do Cólera ? Aquele garoto era surpreendente.
...
Recebemos a chegada do novo ano com muitos abraços. Houve até um entre Cauã e eu, talvez um pouco mais longo do que deveria, mas ninguém prestou a atenção nisso.
Depois de retornar a mesa e escutar a conversa dos nossos familiares, um pouco mais de três da manhã, eu e meu namorado fomos para a cama. Era estranho dividir o quarto com ele e ficarmos em camas diferentes. Daria tudo para ter a oportunidade de dormir coladinho com o seu corpo, apesar do calor... Acredito que Cauã também. Ele veio e abriu um espaço na minha cama de solteiro e se deitou.
- Está louco? Não podemos dormir juntos, alguém pode abrir a porta e pegar a gente...
- É só por uns instantes amor. – Disse, jogando um lençol branco sobre nós dois. - A gente se esconde.
Nos beijamos lentamente naquele ninho abafado. Ele tinha gosto de bebida alcoólica na boca. Vinho.
- Tenho uma surpresa. – Disse, mostrando sua cueca nas mãos.
Habilidosamente Cauã se despediu da calça deixando seu pênis roçar entre minhas pernas. Segurei-o com firmeza e masturbei, enquanto ele se contorcia, beijando a minha boca. Gozou sobre mim não muito tempo depois. Sequei a porra com um lenço de papel que guardava na bolsa.
Contra nossa vontade, dormimos separados aquela noite. Eu demorei para cair no sono rememorando os bons momentos do dia e ansiando pelos que viriam dali algumas horas... Mas uma mensagem de texto no meu celular deixou as coisas um pouco mais obscuras.
Leandro: Olá, sumido. Estou indo para a fazenda da vovó amanhã, to louco pra encontrar com você lá. Bjs e feliz ano novo!
Droga.
...
Agradeço aos leitores que vierem a dedicar um tempo para realizar a leitura, e gosto de receber críticas de toda natureza (me refiro as construtivas), então, não deixe de comentar o texto, isso é muito importante para mim.
Também disponibilizei o texto no Wattpad, que proporciona uma leitura mais confortável, não deixarei o link pois o site Casa dos Contos Eróticos pode o censurar. Busquem por Os Primos (Romance Gay).
Obrigado a todos!