Amor de Carnaval não Vinga (22)

Um conto erótico de Peu_Lu
Categoria: Homossexual
Contém 4980 palavras
Data: 07/03/2016 23:38:06

“As máscaras vão cair, e tudo que você vestiu, agora você vai despir; tire o fone do ouvido, sinta o som que vem do chão, sacudindo os sentidos, vem comigo, atenção...” (As Máscaras, Cláudia Leitte).

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- Posso entrar? – escutei uma batida na porta.

- Oi tio, pode sim – ajeitei-me na cama.

Ele acendeu a luz e um clarão invadiu o quarto, antes só iluminado por uma lanterna escondida debaixo do travesseiro.

- Já não passou da hora de dormir, jovem? – aproximou-se sorrindo.

- Eu sei, estou sem sono.

- Tentou fechar os olhos? – o humor involuntário tinha um tom de bronca.

- Vou só terminar de ler essa HQ e prometo que durmo.

- Você e seu vício... – desdenhou – Podemos conversar rapidinho?

- Claro – encostei-me à cabeceira.

- Como andam as coisas na escola? – sentou-se à beira do colchão.

- Bem, eu acho. Aconteceu algo? – estranhei o assunto.

- Não, não... – ele teorizou na esperança de me tranquilizar – Na verdade sua tia anda meio preocupada.

- Com o que? – indaguei.

- Nós achamos que você não se enturma ou sai, nem traz colegas para casa. Admiramos o afinco com os estudos, mas se divertir também é necessário.

- Fazer amizades não é o meu forte, tio... – ponderei – Mas estou bem com isso, pode acreditar.

- Não duvidamos, só para esclarecer. Sabemos que é inteligente e esforçado, mas queremos o seu bem. Estão te tratando de um jeito diferente? Pode me contar...

Desconhecia se o fato de estar mais isolado dos demais alunos da turma era uma consequência da introspecção aflorada após a morte dos meus pais, ou se realmente me viam a olhos tortos.

- Acho que não. É só uma questão de interesses mesmo, prefiro focar nos estudos – desconversei.

- Tudo bem – suspirou –Podemos fazer um trato?

- Como assim?

- Quero te fazer uma proposta, mas só aceito uma recusa depois de uma tentativa válida.

- Então acho que não tenho escolha – ri desajeitadamente.

- Espera...

Osvaldo abriu a porta e se retirou por um instante. Não tardou muito e logo voltou com uma sacola na mão. Em pé, retirou um pedaço grande de tecido branco, desdobrando-o na minha frente.

- O que é isso? – não estava entendendo o objetivo.

- Um quimono. Legal né? – parecia entusiasmado – Inscrevi você numa academia de judô.

Franzi o cenho, desaprovando aquela intromissão no meu cotidiano:

- Tio, não acho que seja uma boa...

- Ah-ah-ah... – fez um sinal negativo com os dedos para me interromper – Pelo menos uma tentativa, lembra? Temos um acordo.

Encarei o uniforme, reticente. Se recuasse, certamente eles achariam alguma outra distração para me “animar”. Concordei pesaroso, fazendo-o comemorar:

- Exercícios físicos são revigorantes, te garanto. Futuramente você pode fazer o que achar mais prazeroso, mas precisa começar de alguma forma.

- Tudo bem – tentei não demonstrar impaciência.

- Guto... – ele agora parecia mais sério – Independente de dar certo ou não, nunca se dê por vencido, ok? Não quero que isso soe como lição de moral nem nada do tipo. Todo problema tem uma solução, certifique-se que está acima disso e as respostas sempre chegarão.

Agradeci com a cabeça o estímulo que perduraria anos a fio. Dias depois, fiz valer a proposta e enfrentei a minha primeira aula. Por mais que negasse, meu tio me acompanhou para garantir que não fugiria da raia. Tinha certeza de que nada daquilo me serviria, jamais cogitaria entrar num confronto físico com alguém.

No fim das contas, é claro, estava errado. Enxergar o judô como um simples método de luta é amador e equivocado. Trata-se do relacionamento primordial com o seu eu, de forma a superar desafios e obstáculos, e descobrir o poder interior. Inspirador, não?

Passei alguns anos praticando a técnica e cheguei à faixa roxa (a reta final do nível intermediário). Cumpri o objetivo dos meus familiares e comecei a me soltar e socializar mais. Sem nenhuma aspiração profissional, me permiti desbravar outras áreas e praticar outros esportes. Como sabem, me encontrei na natação.

Ainda hoje agradeço meu tio Osvaldo pela paciência e por me mostrar um caminho desconhecido, mas fascinante. Rememoro frequentemente aquela primeira aula, onde saí suado e vermelho depois de extravasar a raiva, solidão, dor e tantos outros sentimentos ruins. Já me arrumava a fim de seguir para o vestiário quando o mestre, atento aos primeiros passos, me levou a um canto do tatame e enfatizou:

- Nunca esqueça o nosso principal ensinamento, Augusto: “Quem teme perder, já está vencido”!

Mais do que isso, abracei a frase como uma regra para a vida.

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20 anos depois:

Minha mandíbula estava dormente, enquanto a bochecha ainda ardia com o murro amortecido.

- Tá achando que vai foder comigo? Que vai destruir os meus amigos?

Encarei o olhar irado do oponente ainda atordoado. Meu fôlego estava se esgotando com a asfixia. Precisava pensar e agir rapidamente. “Koshi-waza, te-waza, ashi-waza...”, mentalizei, “Quadril, mãos e perna”, e estudei o contra-ataque. Puxei o máximo de ar que consegui e parti para o confronto. Segurei os punhos que me prendiam e, com rigidez, atingi o seu tórax com o joelho. Usando a palma da mão, afastei o corpo e desferi um soco no seu rosto. Em seguida, aproveitei a vantagem momentânea e forcei uma rasteira, derrubando-o no chão.

Assustado com a réplica, César tentou se recompor ligeiramente, forçando-me a ser mais incisivo:

- Não levanta! – ordenei – Fica aí senão te asseguro que não vai conseguir mexer as pernas pelos próximos meses.

Estava ofegante. Não tinha como averiguar o meu estado físico naquele momento, mas não mediria esforços para manter a superioridade.

- Você não me conhece – ele passou o dedo no canto da boca, encontrando uma ferida aberta pelo golpe – Não sabe com quem está mexendo...

- Vá se foder, porra! – chutei a sua coxa, furioso – Sei muito mais do que imagina! Acha que vai me intimidar com esse papo furado de justiceiro vingativo?

- Fique longe deles...

- Ou o que? Vai ligar pra polícia?

- Sei onde mora e trabalha... Acabo com sua vida em dois tempos.

- Engraçado, sei o mesmo de você. Aliás, também conheço os negócios do papai. Quem será que tem mais a perder?

- Não fui eu quem virou mulherzinha de quatro caras no carnaval...

Dei um novo chute no seu abdome, fazendo-o se contorcer e gemer em súplica. Cedo ou tarde chamaríamos a atenção da vizinhança. Agachei-me e segurei a sua camisa com robustez:

- Acha que é mais esperto que os outros né? – apalpei os bolsos da sua calça – Cadê o seu carro?

- Vai fazer o que, me roubar?

- Anda moleque, não me faça perder a paciência!

Tentava ao máximo manter a frieza, ainda tateando no que estava metido. Encontrei uma carteira, um chaveiro e me levantei em seguida. Apontei para o alto e acionei o botão do alarme. Do outro lado da rua, um apito ecoou.

- Volta pra lá – ordenei e apontei para o automóvel.

“Como é o nome do pai dele, como é o nome do pai dele...”, buscava montar um plano na mente, examinando um possível trunfo. Com certo esforço, reergueu-se e atravessou a via mancando, olhando com fúria para confirmar se o seguia.

- Senta no banco do motorista – comandava a operação, ainda que mantendo a distância.

Enquanto completava o pedido, investigava ao redor, na vã tentativa de me certificar que ele estava sozinho ou que ninguém nas residências nos observava. Abri a porta de trás e sentei-me, fazendo-o com que me encarasse apenas através do retrovisor.

- E agora? Vou virar chofer? Ou quer ser a nossa putinha de novo? – riu desafiador.

A provocação seria incessante, tinha plena certeza disso. Permiti que meu lado demoníaco aflorasse. Puxei o cinto de segurança, passei pelo seu pescoço e, num ímpeto, trouxe em minha direção, enforcando-o:

- Acha que está em condições de fazer piadinhas? Tá esquecido que já deu essa bundinha pra mim também? Quer que te lembre de como gritou alto?

César começou a se debater no assento, agonizante. Decidi que se não tinha como fazer nada naquela situação, pelo menos tentaria encontrar respostas:

- Como descobriu?

- O que? Me solta, porra!

- Você é meio burro né? Pensou que iria me amedrontar e pronto, acabou? – já conhecia o jeito amador de atuação cínica – Fala logo, como chegou até aqui?

- Vá tomar no cu! – tentava se desvencilhar da tortura – Vai me matar?

- Não duvide – apertei com mais força – Fala logo!

Sua face começou a ficar roxa, mas mantinha o semblante incitador através do espelho.

- Seu... Seu carro –balbuciou.

- Não escutei – afrouxei a pressão, em trégua.

- Seu carro! –aumentou a entonação, tossindo bastante para depois recuperar o fôlego – Você entrou com o carro no meu prédio.

- Sim, e daí? – não entendi a relação.

- Peguei o vídeo de segurança e pedi a identificação para meu pai. Disse que era para um amigo.

“Puta merda...”, lamentei a minha ingenuidade, sem atentar para o fato de ele ser herdeiro de um conglomerado de concessionárias.

- Demorei um pouco para te reconhecer, mas já tem algumas semanas que sigo os seus passos...

“Algumas semanas...”, repassei toda a minha rotina nos últimos dias. Se ele fosse disciplinado, poderia até conhecer alguns horários do meu cotidiano. Isso não era bom.

- Te vi passando aqui uma vez, vigiando Adriano sair de um táxi, e percebi que hoje você entrou no edifício. Achei que tivéssemos caído na mesma armadilha – confessou.

“Então se ele for mesmo inocente, pode estar em apuros...”, pensei na possibilidade daquele encontro repentino não ser um plano conjunto:

- Ué, você disse que ele era o mais distante do grupo... – sondei.

- Não tenho intimidade, mas pensei que ele poderia falar dos outros.

- Há mais a ser dito, é isso?

Um breve silêncio se fez, e ele parecia captar que tinha se metido numa enrascada. Voltei a sufoca-lo.

- Não, não há mais nada, eu juro! Contei tudo! – desesperou-se.

- Escuta bem o que vou te falar – me aproximei do seu ouvido – Eu não devo nada a ninguém. Foda-se o que conhece de mim. Você ainda sofreu muito pouco perto do que está por vir para os outros. Júlio não está atrás das grades por acaso. Pense nisso como um gesto benevolente.

- O que quer dizer?

- Que já me vinguei, mas se for necessário posso aumentar a sua pena. Caso não saiba, tenho tudo aquilo gravado.

César arregalou os olhos, incrédulo.

- Ficou assustado? Pois é. Se eu souber que algum dos seus amiguinhos ficou sabendo dessa conversa, vou garantir que aquela cena seja divulgada em grande estilo. Já pensou? A turminha da faculdade, seus pais, os funcionários deles...

Soltei o cinto de segurança e ele massageou o pescoço, como se quisesse abrandar o aperto. Sua fachada mesclava uma aparência de derrota e temor:

- Ambos ficamos em silêncio – propôs – Mas não te enviarei mais nenhum histórico, estou fugindo de encrencas.

- Não que você esteja em posição de pedir algo, mas fique despreocupado. Todos já estão em minha mira – blefei.

Apesar de ter a faca e o queijo na mão, não queria arriscar o acordo. Eles ainda tinham o vídeo e provavelmente outras informações a meu respeito. Uma carta fora do baralho era a melhor solução:

- Temos mais algum ponto a discutir?

Fixei a mirada no reflexo e ele negou com a cabeça.

- Ok, suma da minha frente – completei.

Tornei a abrir a porta e desci do carro. Joguei a chave e os documentos no banco traseiro e sinalizei onde estavam. Só então atravessei a rua em direção ao meu veículo. Antes de alcançar o meio de fuga, escutei pneus cantando no asfalto e o persistente adversário desaparecer após dobrar um quarteirão. A noite, enfim, resultara mais tenebrosa do que o esperado.

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Passei toda a madrugada deitado com uma bolsa de gelo na cara, sem conseguir dormir. Anotei no celular todos os pontos controversos do embate duplo, da teórica integridade de Adriano à confissão de César. O jogo, de fato, já tinha mudado sem que eu percebesse. A partir de agora, os disfarces estavam descartados e precisava ser extremamente hábil para considerar muitas possibilidades à minha frente.

Na terça-feira, cheguei cedo à empresa, evitando olhares e questionamentos indelicados. Apressado, passei despercebido pela recepção e fui direto para a minha sala. Para onde olhasse no cubículo de vidro, via a marca roxa impiedosa na maçã do rosto. Naquele dia, fiquei trancafiado no escritório, totalmente isolado. O fato raro, claro, não impediu algumas presenças constantes ou inusitadas no espaço.

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Quatro visitas entre quatro paredes de negócios:

A Sócia (Manhã):

- Meu deus! – ela se alvoroçou assim que entrou sem pedir licença – O que foi isso, Guto!?

Já estava preparado para o inquérito, com um discurso totalmente ensaiado:

- Fui ver um amigo ontem de noite e tentaram me assaltar, mas não levaram nada.

- Você reagiu?

- Não, foi totalmente gratuito, mas relaxa, eu tô bem.

- Que droga! Chamou a polícia, foi numa delegacia?

- Era madrugada, os caras fugiram rápido. Não ia dar em nada, como sempre.

- Devia ter ficado em casa hoje! A gente segurava as pontas aqui.

- Ju, esquece isso, tô vivo e apto para trabalhar – exibi um sorriso amarelo – O que manda?

- Vou acreditar, tá? – sentou-se na poltrona – Vim pra gente bater o martelo sobre a reunião da Wear4, mas antes queria falar sobre outra coisa.

- Claro, fique à vontade.

Minha sócia espreitou a minha expressão, como se quisesse garantir que poderia levar o conteúdo adiante:

- Você sabia, né?

- Hein? – fiquei encucado.

- Sobre o Guga e o Flávio. Era isso que tentou confidenciar ontem de manhã?

Desconhecia o teor da interlocução que ambos poderiam ter tido com ela. Tinha que jogar limpo ou acabaria me contradizendo.

- Prometi ajuda-los – decidi ser sincero – Mas não seria correto revelar nada. Eles só estavam apreensivos.

- O que acha disso tudo?

- E eu tenho que achar alguma coisa? – me peguei encabulado.

- Ah não, nem venha com essa de querer ficar em cima do muro... Eles também são seus amigos. Já tava rolando?

- Fiquei tão surpreso quanto você, provavelmente. Acho que se eles se gostam, tem mais é que curtir a vida mesmo.

A naturalidade com que aquela frase saiu da minha boca me fez constatar o fato de já digerir melhor a questão.

- Sei lá... Não tenho nada contra, mas sempre achei que meu irmão fosse declaradamente afim de você.

- Olha... – tentei colocar da melhor maneira possível – Vamos colocar uma pedra em cima dessa história, beleza? Teve aquela confusão no hospital, eu expliquei todos os meus motivos para ele. Depois, fiz o mesmo com você. O Guga veio conversar comigo quando tudo aconteceu, e o Flávio também. Acredite, estou de boa. Vou repetir sempre: acima de tudo, vocês são minha família. É isso que importa.

- É... O Flavinho veio falar comigo ontem, cheio de dedos, como se pedisse algum tipo de benção. Achei fofo da parte dele.

- E demonstra algum respeito, certo? – defendi – O Marcos já sabe?

- Já. Não é desfavorável, mas pediu para não confundirmos os relacionamentos, já que estamos falando de um funcionário. Acho que ele precisa conviver mais para se habituar.

- Após tantos anos, a prova da lealdade já foi superada, mas entendo o posicionamento. É natural.

- Concordo... – ela refletiu por um instante – Você jura que está bem em relação a esse assunto?

Dei um beijo nos dedos cruzados, confirmando o questionamento:

- O seu irmão está feliz, e com alguém legal. Isso já me satisfaz – concluí.

- Eu não sei se já te falaram isso, mas obrigado por dar essa força, tá? Desde que minha mãe morreu, sempre esteve por perto, dando apoio, incentivando. Isso é mais do que qualquer um faria.

- Para com isso Ju... – verifiquei que ela desconhecia todos os pormenores – Garanto que vocês fariam o mesmo – e senti meu rosto queimar, envergonhado.

- Bom, sendo assim... – exibiu um sorriso mais animado – Estava pensando em fazer um jantar lá em casa, com nós cinco, pra deixar o casal mais à vontade. Topa?

“Que ótimo...”, revirei os olhos mentalmente. Até quando o destino continuaria jogando na minha cara as oportunidades perdidas?

- Claro, eles irão gostar – tentei soar verdadeiro – Quando será?

- Amanhã de noite. Ai de você que fure o esquema.

- Pode deixar, mas vamos à pauta que o dia não tem hora pra acabar – me adiantei para partir para outro tema.

A apresentação da Wear4, a empresa têxtil que estava montando uma mega campanha digital, se aproximava. Precisávamos discutir prazos, linhas de criação, período de testes... A semana estava correndo e muitas demandas teriam de ser ajustadas. A reunião ocupou boa parte da manhã, e focar no trabalho parecia ser um antídoto para a carga de estresse emocional a qual fui submetido ostensivamente.

>>>

A Página Virada (Almoço):

- Foi daqui que pediram uma pizza tamanho família? – o timbre familiar tirou a minha concentração do monitor.

- Guga?

Surpreendi-me com a sua presença, mais pelo fato de estar segurando o meu almoço (e provável lanche da tarde). Rapidamente, o cheiro da massa dominou o ambiente:

- Está fazendo um bico de office-boy agora?

- Vim entregar uns documentos pra Juliana e vi o pessoal da recepção assinando a entrega, aí me prontifiquei a trazer – justificou – Vai comer isso tudo? Tá voltando da guerra, é?

- Engraçadinho... Tô sem tempo pra nada, resolvi me abastecer pra aguentar o tranco.

- Entendi. E a natação? Vai furar também?

- Hoje tá difícil. Acho que só apareço por lá na quinta.

Enquanto falava, não percebi o seu semblante de dúvida e apreensão, fitando o meu rosto machucado:

- O que foi isso? – apontou.

“Lá vamos nós de novo”, me esforcei para transparecer paciência:

- Uma tentativa de assalto ontem de noite. E antes que pergunte – apressei-me – Não levaram nada, e estou bem.

- Isso é uma história oficial ou uma desculpa? – cruzou os braços.

- Que viagem é essa?

- Alguma coisa me diz que está mentindo... Por acaso está relacionado com nomes escritos na parede do escritório?

- Gustavo – suspirei – Mesmo que estivesse, ia preferir deixa-lo de fora disso.

- Achei que ainda poderíamos confiar um no outro.

- Não tem nada a ver com o seu namoro. Por favor, sem neuras. Só acho melhor mantê-lo distante de toda essa confusão.

- Conta outra, Augusto – ele parecia contrariado.

- Além do mais, quando alguém confidencia algo importante, costuma-se manter em sigilo.

- Então é sobre isso...

- Sim, também. Confiança costuma ser sobre isso.

- Se disse a Flávio é porque confio igualmente nele.

- Você não tinha o direito.

- Ele é seu amigo! Não acha que está rendendo demais o tópico?

- O que acharia se dissesse a meu amigo que já tentou suicídio?

Sua feição pareceu se esvaziar repentinamente:

- É diferente.

- Você acha mesmo? Esqueça o mérito da intimidade ou fidelidade, existem motivos para guardarmos isso, e só cabe a nós respeitar essa decisão.

- Tudo bem, eu peço desculpas. Imaginei que ele pudesse ajudar, só isso.

- Não quero escutar um pedido de perdão. Apenas entenda que contei porque queria me abrir de alguma forma, tirar parte desse peso. Se mais alguém sabe, está feito, mas manteremos assim daqui pra frente, certo?

Ele assentiu, cabisbaixo.

- Não fique chateado, só quero encerrar esse capítulo o quanto antes. Prefiro que poucos saibam, e me vi obrigado a dizer isso para você.

- Certo... Mais uma vez, não era a minha intenção.

Comecei a achar que peguei pesado na represália e precisava quebrar o gelo.

- Acho melhor ir embora. A gente se vê...

- Nada disso – interrompi – Desfaz essa cara, senta aí e pega um pedaço de pizza. Vamos falar sobre o seu namorado dormir na sua casa.

- Como assim? – espantou-se.

- Tenho informações confidenciais sobre o que um certo cunhado pensa disso.

Rimos juntos.

- Viu? – abri a caixa, oferecendo um pedaço – Esse é o tipo de segredo que merece ser compartilhado.

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O Fiel Escudeiro (Tarde):

- Tá ocupado? Posso passar aí?

- Claro, pode chegar! – autorizei.

O dia estava realmente puxado e, fora a pausa rápida para o almoço, ainda não tinha parado para respirar. Poucos minutos depois, escutei uma batida na porta, anunciando a sua chegada. Carregando uma pilha de papeis, Flávio entrou cheio de formalidades, querendo mostrar alguns prints do aplicativo em desenvolvimento e solicitando uma aprovação prévia. Olhamos arte por arte, discutimos códigos e variações de funcionamento, tudo de maneira bastante meticulosa.

Vez ou outra, mirava o hematoma, mas mantinha-se quieto. A atitude era um alívio, mas de certa forma me deixava ansioso. Ao terminar, avisou que enviaria o andamento do projeto por e-mail no final do dia, para me deixar a par do processo. Quando já se retirava, dei o braço a torcer:

- Flavinho, antes de sair, queria te falar um negócio.

- Opa, claro.

Esperei ele se acomodar novamente para prosseguir.

- Olha, eu sei que você sabe. O Gustavo me contou sobre essa revelação. Não quero que fique assim encabulado, como se estivesse deslocado.

- Augusto... – riu – Eu sei que você sabe que eu sei. Nossa, que confuso! E não estou encabulado. Não toquei no tema ainda, porque acho que isso precisa partir de você. E jamais falaria sobre isso aqui dentro.

- Eu agradeço.

- O Guga me disse que você ficou meio puto, e te dou total razão. Mas pode ficar tranquilo que esse segredo está muito bem guardado.

- Desculpe por ter te metido aleatoriamente naquele esquema do Rio.

- Como assim? Aquilo foi demais! Faria tudo de novo, se fosse necessário.

- Você... – vacilei – Tem ideia do que se trata tudo isso, certo?

- Soube por alto, mas sem os detalhes.

Respirei fundo e, pela primeira vez, admiti a alguém o que acontecera de verdade na noite anterior. “Já que sabe, que saiba por completo, pelo menos”, pensei. Falei de quem se tratava, do embate e o motivo da minha visita a Adriano. Deixei de fora, porém, a ligação entre o membro da liga e o seu namorado. Não queria atormenta-lo, pelo menos até que entendesse as reais pretensões do delator da Liga do Mal.

Flávio escutava tudo atento, ora aterrorizado com as ações da gangue, ora preocupado com a minha integridade. Em nenhum momento, contudo, demonstrava qualquer tipo de julgamento, permitindo-me abrir ainda mais a história da vingança. Quando terminei, senti um enorme alívio, enquanto ele permanecia pensativo.

- Não espere a poeira baixar – retomou – Esses caras precisam pagar. O que rolou com César é a prova de que eles não irão aprender a lição.

Não tinha parado para analisar sob aquele ponto de vista. Era inevitável concordar com o posicionamento.

- Mas faça do jeito certo, você já está correndo perigo suficiente.

- Eu sei... – admiti pesaroso. Levar aquilo adiante seria bastante complicado.

- Vamos fazer assim: Está livre algum dia dessa semana? Pela noite, de preferência.

- Amanhã não posso. Quinta-feira, depois da natação. Por quê?

- A gente se reúne na sua casa. Você mostra o que já fez e o que tem guardado. Aí a gente começa a bolar os próximos planos.

- Tá falando sério? – seu gesticular mirabolante estava me deixando intrigado – Não quero envolve-los. O Gustavo vai ficar uma fera se souber dessa conversa.

- Sem essa, é o mínimo que poderia fazer por você. O bem vai prevalecer, de um jeito ou de outro.

A maneira como estava aceitando toda a minha jornada era empolgante. Agradeci o companheirismo e aceitei o auxílio. Seu conhecimento em tecnologia viria a calhar na hora certa. Em tom de brincadeira, selamos o acordo com um aperto de mão.

Contra o Esquadrão do Mal, nada melhor do que efetivar uma Liga da Justiça.

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O Alvo Renegado (Noite):

Estava cansado, mas pretendia adiantar o máximo que conseguia do trabalho. Um pouco depois do anoitecer, o telefone na minha mesa tocou, provavelmente a décima vez naquele dia. Era da recepção, informando que uma pessoa desejava me ver. Questionei averiguando que não tinha nada marcado para o horário, e a identidade foi revelada: Adriano. Surpreso com a audácia, adverti que estava ocupado e pedi que fosse dispensado.

Perguntei-me o motivo dele estar ali. Poderia ter ciência da briga com César, ou mesmo ter articulado a tocaia. Aquela indefinição era irritante. Necessitava distinguir de uma vez por todas de que lado ele estava. Ou simplesmente aceitar. O telefone voltou a tocar:

- Desculpa, sou eu de novo. O jovem insiste que tem um assunto urgente a tratar com o senhor.

“Assunto urgente?”, estranhei. Um pensamento oportuno chegou de repente. Talvez aquela fosse uma chance única de entender o tipo de jogo o qual estava participando. Se ele soubesse de tudo e fosse tão justo, não titubearia em precaver o que está por vir. Caso contrário, poderia criar uma história e atuar nela, sustentando a sua inocência até onde pudesse.

- Senhor? – a voz do outro lado da linha insistia.

- Rebeca, traga-o até a minha sala.

Era a hora de avaliar os sinais. Blefe ou verdade, sinceridade ou teatro, decidiria que tipo de máscara aquela grande interrogação estava usando. Assisti a porta se abrir e a minha funcionária invita-lo a entrar. Olhei para os lados e, através do vidro, percebi que o setor já estava praticamente vazio. Assim que me certifiquei de que estávamos a sós, iniciei o tira-teima:

- Vamos combinar uma coisa: não apareça aqui sem ser convidado, ok?

- Desculpe a intromissão. Eu não sabia ao certo o que fazer.

- Já percebeu que isso é uma constante na sua vida – indaguei com curiosidade verdadeira – Aparentemente, você nunca sabe ao certo o que fazer. Estranho, não?

A grosseria de minha parte era completamente gratuita. Meu sistema de defesa ainda não estava pronto para confiar nele.

- Eu... – fixou o olhar no chão, incomodado – Eu precisava falar algo importante. Pode ser agora?

- Espero realmente que seja.

- É sobre o César. Ele apareceu na minha casa ontem, pouco tempo depois que você partiu.

O espanto foi inevitável e continuei paralisado.

- O porteiro avisou que era algo imprescindível, e pedi que subisse. Perguntei o que tinha acontecido e escutei um papo estranho, se eu estava bem, com quem tinha me encontrado horas antes.

- O que você disse?

- Na verdade não conseguia entender qual era a real intenção daquela visita.

- O que você disse? – repeti mais incisivo.

- Seria incapaz de adivinhar o que ele sabia. Se mentisse, teria caído numa grande cilada, e ele poderia me considerar um traidor. Por outro lado, se falasse toda a verdade, estaria igualmente ferrado.

- Qual foi a sua opção? – estava impaciente.

- Contei sobre você, não tinha saída...

“Pronto, ele está no outro time”, intuí angustiado.

- Mas inventei o motivo da sua presença na minha casa. Achei que poderia despista-lo.

“Calma Augusto, não tire conclusões precipitadas”, voltei a fita-lo em total atenção:

- O que quer dizer?

- Lembrei o que rolou na festa da sua empresa. Disse que me seguiu e tentou me ameaçar. Aliás, quase uma verdade.

- E ele?

- César me mostrou o machucado na boca e disse que sofreu o mesmo. Falou que tinha ido ao apartamento para me aconselhar e que o grupo precisava se unir, porque você iria atrás de todos nós para se vingar.

“Filho da puta...”, já tinha conhecimento que a ameaça verbal foi infrutífera.

- Pediu a minha ajuda para avisar os outros, porque você já tinha armado para ele. Informei que iria pensar numa maneira de solucionar a questão.

- Ele também possui os vídeos? – interpelei.

- Não que eu saiba. Acho que só Alexandre tem esses arquivos.

- E depois?

- Falou que estava com pressa, pediu um curativo para colocar na ferida e foi embora. Mas não falei mais nada sobre o nosso diálogo, eu juro.

Levantei apertando os lábios e fechando os punhos, caminhando de um lado para o outro:

- Por que... Só me diz isso, por favor – coloquei a mão na cabeça em agonia – Porque acha que deveria acreditar em você?

- Mas eu já te disse tudo....

- Você sempre tem uma justificativa perfeita, na ponta da língua, a postos para qualquer questionamento. Mas nunca é capaz de agir, simplesmente assiste todos os episódios de camarote.

- Te dou razão em duvidar de mim, e talvez fizesse o mesmo no seu lugar. A história que escutei sobre a retaliação contra o grupo também é um tanto absurda e se ela for real, posso estar correndo sérios riscos. Ainda assim, estou aqui, certo?

Permaneci em silêncio, tentando assimilar as informações em busca de um desfecho.

- Recordei quando me disse lá na garagem que todos nós iríamos pagar e que ninguém poderia se inteirar do encontro. Eu não acho que César esteja mentindo sobre as suas intenções. Desconheço a sua vida, com exceção da sua carreira e o ocorrido no carnaval. Fiz o possível para esclarecer toda a situação e me expus de uma maneira que jamais faria com nenhuma outra pessoa próxima. Você é mais uma vítima, droga! Mas se por acaso eu não passo de um alvo, preciso saber. Não vou impedir nada, mas preciso saber.

- O que te faz imaginar que tem credenciais suficientes para saber de alguma coisa?

- Eu... Eu só queria um norte– os argumentos fracassados pareciam deixa-lo exausto – Sei da minha covardia, da minha inércia e todos os meus defeitos. Achei que se uníssemos forças, teria um resultado mais concreto.

Novamente, me faltavam palavras. Os prós e contras estavam em cima da mesa, a verdade absoluta inexistia. Era acreditar ou não, e aquela balança na minha mente estava me corroendo.

- Olha... Eu vou embora – o semblante de derrota estava quase rendendo um choro – Desculpe novamente por tomar o seu tempo.

“Não seja idiota Augusto. O garoto não mediu esforços para te comunicar...”, ponderei, “Seus amigos também abriram mão de um senso equivocado de julgamento pela sua causa...”, lembrei a confabulação animada com Flávio:

- Espera... – o alertei antes que alcançasse a maçaneta – Podemos continuar essa conversa em outro lugar? Vou te contar tudo.

(continua)

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Oi pessoal!!! Peço desculpa pelo atraso mas o trabalho mal tem me deixado dormir. Foi um sufoco revisar tudo (e se alguém encontrar algum erro, pode me avisar!). Drica Telles (VCMEDS), eu também ficaria com o pé atrás (acho que todo ser humano normal né?). E, para o bem ou para o mal, o seu xará ainda tem muitas surpresas para revelar (rs)! LC.Pereira, obrigado pelo elogio! Mrs. B, abandonar a história? Nunca! Irish, o seu comentário não apareceu para mim, não sei se deu algum erro. CrisBR1, será? Será? Torce aí (rs)! Plutão, que alegria contar com a sua presença lá no Wattpad também. Sabia que a sua escrita era inconfundível! O ruivo também manda um abraço! Obrigado a todos pelo carinho, votos e comentários! Sábado estou de volta! Bjão e até lá!


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Comentários

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Fico contente que postaste mais um capítulo. Irei ao Wattpad para verificar.Quanto à escrita, não desejo que haja mesclas de lá com aqui,pois lá uma parte de mim está revelada e sou pessoa pública. Um abraço carinhoso para ti e para o ruivo. A propósito, li uma saga aqui que é análoga à tua: "Meu ruivinho perfeito"

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Acho q o guto não perdeu nada deixando de ficar com o Guga,e olha q O cara foi super rápido em arranjar outro né, que amor era esse? e o flavio eu ainda tenho minhas duvidas sobre ele. Já o Adriano seria uma boa opção para o guto.

Em relação a história no geral, como sempre muito bem escrito. Acho foda sua criatividade. Parabéns 👏👏👏

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Espero que volte logo. Tenho sentido falta de alguém ao lado do Augusto enquanto casal. A sede por vingança o fez perder várias oportunidades... 10

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