Apaixonado pelo Diabo - IV
Capitulo quatro: Compaixão
– Você sabe as regras Davi – meu pai disse pegando a carteira em cima da mesa – Nada...
– Nada de bagunça, sem amigos, não deixar estranhos entrar em casa e ir para a cama as dez horas – recitei as regras ouvidas milhares de vezes – Pai eu tenho dezesseis anos e não sete – respondi me recordando da idade que eu tinha quando ele as proferiu pela primeira vez ao me deixar com meu primo mais velho, que na época tinha quinze anos.
– Eu sei muito bem quantos anos você tem e me lembro muito bem das coisas que pensava e fazia na sua idade – meu pai alertou – Nada de chamar a Gabriela como da última vez.
– Eu não quero ficar um mês só indo de casa para a escola de novo pai – falei e jogando no sofá da sala ao lado de Daniel – Eu aprendi a lição.
– Você pode confiar nele Marcelo – minha mãe descia as escadas.
– E quando foi que passamos a confiar nos adolescentes? – meu pai disse.
– Desde que esse adolescente seja nosso filho que não nos dá trabalho a quase um ano – minha mãe me defendeu.
– Você lembra de quando ele fugiu de casa no meio da noite para ir a uma festa junto com a Gabriela e o Eduardo?
– O Eduardo está morto pai – falei sentindo aquela dor de novo – E se você não vai confiar em mim, me deixe na casa da tia Silvia com o Daniel – me levantei e fui para o meu quarto batendo a porta ao passar.
Me joguei na cama e deixei que as lágrimas escorressem pelo meu rosto com a lembrança de meu melhor amigo vivo... E feliz. Feliz como eu não via nos últimos meses antes de sua morte.
Havíamos combinado de ir a uma festa na casa de Thiago mesmo que os meus pais ou os pais de Edu não fossem deixar. O pai de Eduardo era o pastor da igreja onde meus pais são diáconos e foi lá que nos conhecemos. Os pais de Gabriela não eram da igreja e concordaram que ela fosse desde que acompanhada por seu irmão mais velho, Junior, que na época tinha dezenove anos de idade. Apesar da idade, o irmão de Gabriel fazia tanta merda como nós aos quatorze anos e estava a par de que iriamos fugir de casa. Era meia noite quando eu saí escondido para encontrar com Eduardo, Gabriela e Junior na porta da casa dela. Ele nos levou de carro até a festa no outro lado da cidade. Nós nos divertimos muito e bebemos até que meus pais, os pais de Eduardo e os de Gabriela e Junior parecessem e nos arrastassem de volta para casa. Fiquei uma semana sem ver meus amigos, mas valeu a pena. Nós três realmente havíamos nos divertido muito naquela noite.
– Davi? – minha mãe se esgueirou pela porta e entrou no meu quarto. Eu me virei para a parede evitando que ela me visse chorar, mas é claro que ela podia ouvir. A senti sentando ao meu lado na cama e com a mão, ela afagou meu cabelo – Sabe que seu pai não queria fazer você sofrer meu filho – Falou com aquele tom de voz gentil que só ela consegue.
– Então por que ele fica me lembrando dele? – perguntei com a voz fanhosa.
– Seu pai só não entende – falou com um tom de voz triste – Eu confesso que eu também não e com toda a certeza do mundo não concordo – senti que sua voz se tornou trêmula – É doloroso perder alguém que se ama.
Meu coração se acelerou naquele momento. Eu não sabia se de que tipo de amor ela falava e isso me deixava tenso. Será que ela falava do amor fraternal do tipo que dois irmãos sentem um pelo outro ou do tipo de amor que eu sentia por Eduardo.
– Mãe... – falei sem saber como continuar. Afinal de contas o que eu diria? Que era gay e que estava apaixonado pelo meu melhor amigo? Que eu o matei por medo desse amor? Que o cara que veio em casa mais cedo era meu namorado?
– Não fala nada agora – disse – Sei o que você é e sei quem era aquele garoto que veio aqui hoje – falou com pesar em seu tom de voz – Vire para mim meu filho – obedeci e percebi que eu não era o único que estava chorando. Lágrimas também escorriam pelo rosto de minha mãe, mas ao contrário de todas as vezes que imaginei aquele momento, aquelas não eram lágrimas de ódio e sim de um sentimento que não esperava dela com relação a esse assunto. Aquelas eram lágrimas de compaixão – A mamãe te ama ouviu? Não importa quem ou o que você seja. Eu te amo.
– Você não me odeia? – perguntei chorando – Não vai dizer que vou para o inferno e nem nada disso?
– Desde o dia que você nasceu, você me fez questionar tudo o que julguei ser certo ou errado. Sei que inúmeras vezes falei e fiz coisas que te magoaram para tentar te corrigir, mas com o tempo percebi que aquilo era o que você era. Não havia nada para ser corrigido – disse secando as lágrimas com as mãos – E como poderia ter? Você é perfeito do jeito que Deus te fez e se tem uma coisa que nunca duvidei é de que Deus não comete erros.
Me sentei na cama e a abracei apertado. Nunca em toda a minha vida esperei tamanha compreensão da minha mãe. Nunca esperei uma prova de amor tão grande vinda de alguém que ao longo de toda a minha vida.
– Eu te amo mãe – disse a ela – Te amo muito.
– Também te amo – respondeu – Você e seu irmão são as tudo para mim e eu os amo de qualquer jeito. Gay ou hétero. Só não conte ao seu pai por enquanto – disse me soltando e olhando em meus olhos – Ele não vai ter uma reação tão boa quanto a minha.
– Eu sei – respondi enxugando as minhas lagrimas.
– Eu estou indo então – respondeu se recompondo – Não esqueça de dar janta ao seu irmão e nem de comer. Eu te amo – disse me dando um beijo na cabeça e se levantando para ir embora.
Fiquei no quarto até ouvi meus pais saírem do com o carro. Me levantei da cama e desci as escadas onde meu irmão continuava assistindo Bem 10 sem parecer ter percebido o que aconteceu. Me sentei ao lado do meu irmão e peguei meu celular que esqueci na mesa de centro da sala e vi que tinha uma notificação. Era um whasapp de Lucas: “Mudança de planos. Te encontro amanhã na escola”. “Aconteceu alguma coisa?” Indaguei. Vi que ele recebeu minha mensagem, mas o ícone não ficou azul indicando que ele não leu a mensagem. Fiquei esperando por cerca de quinze minutos até que ele visualizasse, mas isso não aconteceu. Foi quando tentei ligar para ele, mas sempre caia na caixa postal. Comecei a ficar preocupado, mas não podia deixar meu irmão sozinho para ir atrás de Lucas. Foi quando meu celular emitiu o toque de mensagem e eu me enchi de esperanças que fosse Lucas, mas era Gabi: “Está em casa?”. “Estou sim”. Respondi. “Que bom, preciso falar com você”. “Sobre?”, “Amanhã faz um ano que ele se foi” respondeu. Foi quando percebi que hoje era vinte e um de fevereiro e amanhã completaria um ano da morte de Eduardo. Como eu pude esquecer disso? Como pude esquecer que fazia um ano desde que cometi o maior erro da minha vida? “Estou te esperado” respondi.
Coloquei me celular no bolso da bermuda e fui até a cozinha que era dividida da sala por uma bancada de mármore. Abri a geladeira e procurei pelo macarrão que minha mãe tinha deixado para meu irmão e eu. Servi um prato para Daniel e esquentei no micro-ondas. Quando ficou pronto chamei meu irmão para a mesa. Ele reclamou um pouco, mas no final cedeu. Ele sentou-se à mesa me indagou:
– Por que você nunca ora? – ele tinha um olhar curioso sobre mim – O papai diz que devemos orar a cada refeição, mas sempre que você fica tomando conta de mim nós nunca fazemos isso.
– Papai e eu temos um jeito diferente de pensar – Falei.
– Papai diz que temos que orar para não ir para o inferno – falou com medo.
– O papai não sabe de tudo – falei me referindo ao fato dele odiar o que eu era e me condenar ao inferno repetidas vezes sem nem saber que amaldiçoava o próprio filho.
– Mas tá escrito na bíblia isso Davi – meu irmão argumentou.
Não queria discutir religião com meu irmão de dez anos de idade e por isso fiquei extremamente grato a Deus pela campainha ter tocado naquele momento. E sim, sei o tamanho da ironia nisso. Me levantei da mesa e abri a porta só para encontrar Grabriela parada li com uma cara péssima segurando uma garrafa de vodca e um pacote de biscoitos.
– Isso é para subornar o Daniel – ela disse sacudindo o pacote de biscoito de chocolate recheado – Isso é para nós – ela e deu a garrafa de vodca e entrou em minha casa indo diretamente ao meu irmão – Isso é pra você, mas você tem que prometer que não vai contar aos seus pais que eu vim aqui.
– Eu posso jogar videogame até a hora de dormir? – Daniel perguntou para mim sabendo que em condições normais eu não o deixaria jogar por tanto tempo.
– Tudo bem, mas você vai ficar quieto – Falei – Estou lá em cima com a Gabi. E pelo amor de Deus não abra a porta para ninguém.
Peguei dois copos e subi a escada com minha melhor amiga até o meu quarto. Mantive a porta aberta para me certificar de que Daniel não abriria a porta para ninguém. Me sentei na cama ao lado de Gabi que se serviu de um copo de vodca.
– Eu não paro de pensar nele – falou depois de dois copos – Não consigo parar de pensar em como sinto a falta dele. Todos os dias eu acordo pensando que vou para a escola e ele vai estar aqui com a gente de novo.
– Eu também – disse bebendo um gole do meu primeiro copo – Não tem nenhum dia em que eu não sinta falta dele. Ele era meu melhor amigo.
– O meu também – ela disse fungando – E eu queria mais do que isso – confessou – Eu nunca te falei isso por que não conseguia. Mas eu o amava.
– Eu sei – respondi olhando bem fundo em seus olhos verdes – Eu via o jeito que você olhava para ele.
– Eu o amava Davi. Amava aquele garoto como nunca amei ninguém. Eu só queria estar com ele a cada momento da minha vida. Só queria construir uma vida com ele. Só queria ser feliz com ele e ele fez isso comigo. Não acredito que ele se matou daquele jeito – A dor que trazia com sigo era tão intensa quanto a minha. Eu nunca percebi que Gabriela sofria tão intensamente pela morte de Eduardo como eu estava percebendo agora – Eu me lembro que a última vez que nos falamos, eu me declarei para ele – falou com um sorriso nostálgico – Disse que o amava, mas ele falou que eu era uma irmã para ele. Irmã! – falou incrédula – Foi quando ele me disse que estava apaixonado por outra pessoa. Nós discutimos e eu o mandei para o inferno – ela bebeu meio copo de vodca de uma só vez.
– Você nunca me contou isso – falei para ela sentindo em mim a sua culpa – Nem você nem ele.
– Como eu poderia dizer que a última vez que estive com ele eu olhei no fundo dos seus olhos e disse: “Vai para o inferno seu filho da puta”? – ela se serviu de mais vodca – Você nunc entenderia isso. Você nunca diria isso para ele.
– Mas eu disse – as palavras saíram de mim de uma forma tão inesperada que eu não pude conte-las – Eu o mandei para o inferno também.
Gabriela me olhou nos olhos sem entender. Foi quando eu lhe contei como matei meu melhor amigo.
...
Espero que tenham gostado de mais esse capitulo e nos vemos no próximo.
Para aqueles que esperaram uma reação negativa de Gabriela, só digo uma coisa: Esperem, pois nem mesmo Davi suspeita do que ela é capaz de fazer.