O Minotauro VI (Consumação /Parte 2)
Parte II
Pelos corredores e salas do terrível labirinto eu caminhei, o sol surgiu acima das altas paredes dele e se foi, enquanto eu ainda caminhava, divido entre estar fazendo o correto, e para minha surpresa, estar fugindo de algo que seria minha obrigação.
Eu marcava as paredes para evitar vagar pelo mesmo corredor novamente, assim como na primeira vez, quando a luz esvanecia e as sombras dentro do labirinto ficavam mais densa eu comecei a acha-los, de primeira foi uma mão decepada, depois o resto dos corpos, meu coração ia a boca toda vez que encontrava uma parte, eu conhecia quase cada milímetro do corpo de Galen, mas os pedaços no chão não pertenciam a ele, foi quando das sombras um vulto se ergueu no fundo do corredor no qual eu estava, carregava uma espada na mão e o que parecia ser um braço na outra.
Eu fiquei paralisado, esperando que ele não tivesse me visto, de onde estava eu ouvia o homem grunhir. Poderia ser aquele o orc do qual o fauno falara, eu não tinha como saber, nunca havia visto tal criatura, de qualquer maneira a figura não carregava uma espada, nem vi alguma por perto, exceto as que obviamente eram dos soldados.
Vi a coisa olhar em minha direção e me virei para o outro lado para começar a correr.
“Hector?!”
Eu parei e me virei lentamente, Galen! Ele soltou o pedaço de corpo que carregava e veio em minha direção, eu corri até ele sem pensar, eu estava salvo, tudo iria voltar ao normal agora, iriamos para casa e seriamos felizes, nem reparei que ele estava coberto de corte e sangue quando cheguei perto o suficiente ele pegou pelo quadril e me abracei forte no pescoço dele.
Eu não sabia pelo que ele tinha passado para chegar ali, mas sabia que era tão terrível ou pior do que eu enfrentara, estávamos ambos agarrados um ao outro, eu chorava e sentia seu corpo também tremer. Minha boca procurou a sua e não me importei com o gosto de sangue que senti na boca, Galen se ajoelhou me colocando no seu colo e suas mãos subiram pelo meu corpo, quando elas chegaram ao meu pescoço e apertaram eu percebi o que tinha ignorado até então.
Ele começou a gritar como um animal selvagem ferido, seus olhos tinham um brilho maníaco e sua pele estava estranhamente fria e grudenta. Eu estava chocado demais para revidar ou lutar pela minha vida, se esse fosse o desejo dele eu me entregaria, ele podia fazer comigo o que provavelmente tinha feito aos homens em pedaços no chão.
Enquanto perdia o ar entendi o que havia acontecido, a loucura do labirinto chegou até ele, ele matou os homens que o acompanharam, Galen veio me salvar, então era justo que morrêssemos ali juntos.
Manchas escuras começavam a dançar diante dos meus olhos, meu corpo ia ficando leve e quando me preparava para desistir totalmente da vida um rugido ecoou pelo labirinto, Galen me soltou e levando as mãos aos ouvidos começou a gritar também, enquanto ele se afastava cambaleante vi sangue brotando das mãos que tampavam os ouvidos, quando o mundo parou de girar e eu pude me levantar dei de cara com o Minotauro. Ele ficou parado olhando para mim e senti minha face pegar fogo, como eu ia explicar a fuga, por que eu deveria?
Mas havia algo de errado com ele também, estava ofegante e meio curvado, o veneno!
Eu dei um passo em sua direção e ele avançou irado para mim, me agarrou com ambas as mãos e quando achei que iria ser esmagado fui girado no ar e pressionado contra seu peito, se curvando sobre mim ele fez um abrigo, eu estava coberto por uma casa de Minotauro, e vindo do fundo do seu peito ouvi um som o horrível, molhado, como uma pá sendo enfiada na lama e isso se misturou aos gritos insanos de Galen, quando as primeiras gotas de sangue pingaram sobre mim entendi que meu irmão havia pego uma espada e estava retalhando as costas do Minotauro.
Nesse momento meu pé encostou no metal frio, me desvencilhei os braços do Minotauro e abaixei pegando a espada mas o Minotauro segurou meu punho, olhei para cima e ele me olhava, balançou a cabeça negativamente. Mas através da parede de músculos eu ouvia os sons de corte e os gritos insanos de Galen.
“Me deixe te ajudar.”
Eu implorei, enquanto lagrimas escorriam pelo meu rosto. Eu me preocupava com a fera, ela tinha sido minha única companhia nesses últimos dias, a coisa que atava pelas costas não era meu irmão.
Mas eu não precisei implorar por muito tempo, o Minotauro foi perdendo as forças e desabou lentamente. Eu observei o Minotauro inerte caído de lado, quando olhei para frente a coisa que um dia havia sido meu irmão se preparava para me atacar, ele carregava um pedaço de ferro nas mãos, não uma espada como eu imaginava, ele avançou por cima do Minotauro e usou o pedaço de ferro como um taco, o fato de eu ter conseguido bloquear o golpe já era prova o suficiente que aquilo não pensava nem agia como meu irmão, que podia me derrotar de mãos atadas mesmo se eu usasse cinco espadas.
Frustrado por não conseguir me acertar ele atirou o pedaço de ferro contra mim com tanta força que me derrubou, e então ele se lançou sobre mim, eu afastei a espada no último minuto para que ele não caísse encima dela, Galen montou no meu peito e começou e desferir porradas em meu rosto, enquanto eu fazia o melhor para me defender percebi pelo canto do olho o Minotauro se contorcer como se sentisse dor, ele ainda estava vivo!
E isso me deu forças e coragem para cravar a espada no ombro direito de Galen, onde eu achava que não iria feri-lo seriamente mas tiraria ele do combate.
Enquanto ele caia se contorcendo eu removi a espada dele e usando o cabo desci com toda força sobre seu rosto, fazendo ele cair desmaiado, eu esperava não ter matado meu irmão, quando me virei o Minotauro continuava se contorcendo.
O que eu faria? Eu não sabia qual era o veneno, nem como fazer um remédio.
Eu estava sozinho, entre um monte de cadáveres despedaçados com um irmão maluco e um monstro que era meu único aliado na ilha e que estava morrendo.
Caminhei em direção ao Minotauro e me ajoelhei ao seu lado, peguei a cabeço dele e tentei colocar me meu colo, eu não podia salva-lo, mas podia pelos menos dar conforto.
“Me diz como eu posso te ajudar, o que eu devo fazer?”
Mas nenhuma resposta veio, seus olhos focaram em mim por um momento e então se fecharam, a única coisa que denunciava que ele estava vivo era sua respiração que diminuía. A culpa daquilo tudo era minha, eu nunca deveria tê-lo abandonado a própria sorte, mas ainda assim ele veio me salvar.
Então uma luz se acendeu em minha mente, o Minotauro era meu único aliado na ilha, mas eu não era a única pessoa interessada em mantê-lo vivo.
“Resista, por favor, você não pode morrer por minha culpa.”
Eu deitei a cabeça dele no chão novamente e sai correndo pelo labirinto escuro, seguindo minhas marcas eu consegui chegar até a entrada do santuário em menos de uma hora.
Eu corri pelo pátio e atravessei as arvores que o separava do lago, passei correndo pelas piscinas e parei em frente ao lago.
“Tritão!”
Chamei pelo deus e quando já perdia minhas esperanças achando que ele não apareceria para mim uma forma negra apareceu na margem do lago, sem submergir. Eu sabia que ele estaria me escutando.
“O Minotauro foi envenenado, ele está morrendo dentro do labirinto!”
O monstro permaneceu dentro do lago, me observando. Até que sua voz monstruosa pareceu falar dentro da minha cabeça.
“Ele morre por sua culpa.”
Antes que ele prosseguisse eu explodi em fúria.
“Ele morre por SUA culpa, você trouxe meu irmão aqui, você permitiu que o fauno envenenasse ele! Eu não sou um deus, eu sou só um garoto, eu não controlo vida e morte!”
Eu cai de joelho e comecei a chorar, eu estava disposto a implorar se fosse preciso.
“O fauno...”
A voz ressoou na minha cabeça, pensativa.
“Salve eles, por favor, eu faço o que mandar.”
Eu estava com a mão no rosto, engolindo o que restava de dignidade, quando ouvi um baque atrás de mim, quando olhei me deparei com o Minotauro e Galen caídos lado a lado.
Uma brisa passou por mim e quando vi o tritão estava em sua forma humana inspecionando as feridas da fera.
“Traga-me um pouco das plantas que crescem na beira do lago.”
Eu quase cai quando me levantei, mas peguei as plantas que cresciam em moitas na beira do lago e as trouxe para tritão, que as pegou sem olhar para mim, segurou-as em suas duas mãos juntas e então um liquido azul caiu delas para as feridas nas costas do Minotauro. Então o corpo do Minotauro sumiu na minha frente, como se nunca tivesse existido ali.
Eu fiquei boquiaberto, tritão olhou para mim e riu de mim como se eu fosse um tolo.
“Acho que você não conseguiria carrega-lo até o abrigo, então o depositei lá.”
Ele olhou com desgosto para a forma de Galen.
“Que decepção, ele não foi capaz de resistir a magia que meu pai colocou nesse labirinto, eu esperava mais dele.”
“Por favor, cure meu irmão, ele é inocente, ele veio me salvar. Deixe pelo menos ele voltar para casa.”
Então os olhos de tritão brilharam como se um raio cruzasse seu olhar.
“Cuidado criança, não se esqueça com quem está falando, não sou seu gênio magico para realizar seus desejos e nem um tolo para ir contra a vontade de meu pai.”
Ele se acalmou e olhou para Galen.
“Ele está perdido, não posso reverter a magia de meu pai, e ele não pode deixar a ilha pelo mesmo motivo, somente alguém com um pouco de sangue de Creta pode fazer isso.”
Eu me ajoelhei novamente em frente a ele.
“Por favor, eu lhe imploro, senhor Tritão.”
Ele me olhou e pareceu considerar.
“Eu não posso deixar ele sair, mais posso impedir que ele morra.”
Meu coração se encheu de esperança, se Galen sobrevivesse e ficasse aqui comigo poderíamos iniciar tudo novamente.
“Para que eu faça isso você tem que me prometer nunca mais deixar essa ilha, eu achei que você fosse uma ameaça ao espirito branco, mas eu estava enganado, você pode ser a chave da redenção dele e da liberdade de todas as almas malditas aprisionadas no labirinto.”
“Eu concordo, eu faço o que quiser, somente salve meu irmão.”
“Entenda bem, ele será salvo, mas é provável que você nunca mais volte a vê-lo.”
Eu o encontraria, não falei isso a Tritão, mas tinha certeza que iria acha-lo.
“Eu concordo, mas salve ele, por favor.”
“A salvação dele é por sua conta, basta leva-lo até o lago e deixar a agua levar seu corpo, ela vai guia-lo até a outra margem, e lá ele vai começar uma nova vida, pode ser até que ele se lembre de você.”
Dito isso tritão sumiu em uma brisa que passou por mim e foi para o lago. Eu fui até Galen que começava a se mexer, acordando, segurei pelos seus ombros e o arrastei para o lago, não quis olhar para ele, queria ter em minha memória o Galen alegre e determinado da minha infância, não o ser louco que tentara me matar a poucas horas atrás. Com muito custo o arrastei até o lago, um pouco antes de entrar na agua ele acordou, começou a se debater e tentar pegar meu pescoço. Com esforço e me desvencilhando das suas garras consegui leva-lo fundo o suficiente no lago, assim que a agua o cobriu ele se acalmou e caiu em profundo sono, foi como se eu observasse meu antigo Galen dormindo, ele boiou e como se fosse levado por mãos invisíveis começou a ir em direção a margem oposta do lago, que mergulhava na densa floresta.
Eu me sentei na margem abraçando os joelhos enquanto chorava silenciosamente, fiquei lá acompanhando a trajetória lenta do meu primeiro amor até que ele ficou distante demais para identificar e bem mais, na vã esperança dele voltar para mim.