Ser ou não ser? Capitulo 4 - A fúria

A água estava uma delícia, mas isso não me deixava menos mal por ter fugido de uma situação que eu vou ter que enfrentar mais cedo ou mais tarde. Eu não posso fugir e bancar o covarde para sempre. E agora, enquanto eu nado eu me sinto bastante corajoso e forte para enfrentar qualquer coisa e qualquer um. Me lembro que nadar me ajudou na terapia, agora eu me sinto com as forças renovadas.

Quando eu estava andando na rua da minha casa eu percebi que não estava voltando do mesmo jeito que tinha saído. Aquele ato de bravura inesperada mudou alguma coisa aqui dentro, eu só não sabia o que era.

Quando chega na minha porta, minha mãe corre e me abraça.

_ Você está maluco, Dany? Está tentando se matar?

What??? Como ela já está sabendo o que aconteceu?

_ Eu já fiquei preocupada quando eu fui no seu quarto hoje cedo e não te encontrei e agora vejo um vídeo na linha do tempo do meu facebook: você se jogando do mirante. _ Ela enche minha cabeça de beijocas, coloca minhas bochechas entre as mãos e pergunta: _ Você quer me matar do coração?

Eu solto um sorriso, mesmo sem querer, já que a situação não pedia isso. Minha mãe estava tão preocupada, estava cada vez mais convencido de que eu amava aquela mulher.

_ Dany Torintho, você está rindo de mim?

_ Não, mãe! Mas eu fico tão feliz em saber que você se importa comigo. _ Digo dando um beijo caprichado na bochecha dela. _ Só quero saber quem me filmou num ato de loucura pós-sono.

_ Ah, era um garoto da sua escola. Amigo do Binho: o Charles.

“Tinha que ser. Pelo jeito ele não perdeu essa mania de filmar coisas embaraçosas. Só queria que alguém o gravasse numa situação bem constrangedora. Se bem que eu...” Tento afastar esses pensamentos porque sei aonde vai dar. ‘A vingança nunca é plena mata a alma e a envenena’. Respira fundo e esquece isso.

Vou para o jardim torcendo para não encontrar ninguém no caminho. Cruzo com Cecilia no caminho, mas a única coisa que recebo é um ‘bom dia’ seco. Aí me lembro de pegar meu livro para ler a beira da piscina: Quando Coisas Ruins Acontecem as Pessoas Boas

Harold S. Kushner. Percebo que ainda estou com a roupa molhada, entretanto nem dou atenção quanto a isso.

Depois de uns quinze minutos lendo meu livro, eis alguém se põe na minha frente. Nem ergo os olhos, já sei quem é.

_ Você está maluco? Acho que ficar esse tempo todo com a sua mãe não te deixou bem da cabeça!

Quem esse projétil de tripa seca de olhos verdes acha que é para falar da minha mamãe?

_ O que foi, querido Binho? _ Digo seu apelido com a melhor expressão de nojo que consigo.

_ Eu tenho que falar? Você poderia ter se machucado ou até morrido.

Não sei por que, mas eu estava enojado com isso. Eu jogo meu livro no chão, pego no colarinho dele, apesar dele ser maior que eu.

_ Olha aqui sua tripa seca _ minha voz sai em um rosnado _ é melhor você sair da minha vida, porque eu ainda posso acabar com a tua farra e contar para todo mundo o que aconteceu naquele galpão e acabar com a sua vidinha miserável.

Com toda força que eu pude eu empurrei no chão e virei de costas.

_ Você não faria isso Dany, eu conheço você e sei que jamais prejudicaria alguém.

Eu dou meio volto e chuto o estomago dele com a maior força que posso.

_ Não me subestime Fábio Mendes, você não tem ideia do que eu sou capaz.

Então eu me volto para dentro da minha casa. Eu estava tão furioso, que começo a morder o meu lábio com força, só paro quando sinto gosto de sangue na boca e percebo que o único sangue que eu na minha boca é o daquele imbecil. É eu quero arrancar as tripas dele enquanto ele se contorce de dor.

Adentro o meu quarto e por fim quando olho o espelho e caio em mim. Eu estou com uma verdadeira feição de demônio. Meus olhos estão vermelhos, minha pele idem. As veias do meu pescoço estão saltadas, meus dentes estão cerrados e meus punhos fechados.

Se controla Daniel, se controla. Você não pode deixar a raiva virar sua cabeça, não pode deixar que o que aconteceu há dois anos atrás aconteça novamente. ‘A vingança nunca é plena, mata a alma e a envenena’, o passado tem ficar no passado e você tem que perdoá-los. Você consegue, mas o que você não pode deixar é que alguém saia ferido outra vez.

É, eu tenho razão. Ninguém mais vai ter nada quebrado por mim. E a primeira coisa a fazer é pedir desculpas para o Fábio.

Faça-me rir Daniel, pedir desculpas pro cara que te estuprou, nenhuma dor que você o faça passar, compensará o que ele te fez. Se entregue e deixa que ela ajeitará, você sabe que pode faze-los sofrer muito. Não seria a primeira vez que você se entrega, então deixe resistir e deixa rolar.

Daniel você sabe que você não quer isso, você quer viver em paz e com o coração limpo. Você vai ser feliz de novo, só tem que se dar uma chance das coisas se acertarem.

Ter o coração limpo não te ajudou quando você brutalmente estuprado e depois humilhado por toda a cidade. Ninguém gosta de você, então não faria diferença. Vingue-se!

Que viagem, desse jeito eu vou acabar é louco. Da última vez que eu ouvi a voz do ‘vingue-se’ eu me arrependi amargamente. Então eu vou a voz ‘paz e amor’, quem sabe ela não tem razão.

Eu desço e o encontro no lugar em que eu o deixei, eu quero fugir. É muita humilhação pedir desculpas para alguém tão mal. Mas engoli meu orgulho e me aproximei dele. Ele estava sentado na beira da piscina. Depois de um tempo eu me sentei ao lado dele. Mas o pedido de desculpas teimava em não sair.

_ Eu aceito suas desculpas.

_ Eu não te pedi nada!

Ele deu uma risada e disse:

_ Não precisa, sua cara de culpada já pede por você. _ Ele abaixa a cabeça e continua: _ Mesmo eu não merecendo, você vem me pedir desculpas. Você não existe.

_ Eu não quero ser seu amigo. _ Eu digo na lata.

_ Eu esperava por isso. Tudo bem, eu respeito o seu espaço.

Ele se levanta e diz:

_ Então falou, eu vou parar de vir aqui. A gente se ver na facul, beleza?

Eu não olho para ele, eu não me sinto pronto pra isso, mesmo assim respondo um ‘tá’.

Depois que ele sai, eu escorrego pra piscina e sento no fundo. ‘Ou eu sou um aspirante a santo ou um tremendo babaca.