Era a Nicole. Fiquei simplesmente sem reação diante da visão dela do outro lado da porta do apartamento do Rubens. Ela também me olhou apreensiva. Havia muita cautela em seu olhar.
- Nicole, o que significa isso? - Perguntei enquanto meu olhar ia dela para o Rubens.
- Dee, menino. Quase morri de preocupação.
- E eu quase morri de ser espancado, sua filha da puta. Que brincadeira é essa comigo, Rubens?
- Calma, Dee. - Falou Rubens. - Ouve o que ela tem para dizer.
- Ouvir o que, ela vai dar alguma desculpa para ter me vendido para o Bill?
- Dee, eu não te vendi. Foi tudo uma armação daquele corno. - Falou Nicole.
Era difícil ouvir qualquer palavra vinda dela. Foi a pessoa que me acolheu quando fui jogado no olho da rua e a quem confiei toda a minha vida. Quando me senti traído por ela, foi como se quebrasse a confiança na própria humanidade dentro de mim. Era como se a vida estivesse esfregando na minha cara que não existem mais pessoas boas nesse mundo. Apenas aproveitadores e exploradores. Mas quando ela disse que foi engano, me acalmei um pouco. Sem falar que aquela coisa toda do Rubens me levar até ali não teria propósito se ela tivesse realmente me vendido.
- Tudo bem, Nic. Pode falar o que quer que você tenha a dizer. - Falei baixando a cabeça.
- Melhor sentarmos. - Aconselhou Rubens fazendo um gesto para Nic Entrar. - E eu suspeito que o Dee aceitará outra bebida.
- Aceito. - Falei, a Nic fez menção de me dar um abraço mas me joguei novamente no sofá e ela parou e simplesmente sentou no sofá diante de mim em silêncio.
- Bem. - Falou Rubens voltando com as bebidas, entregou uma a mim, outra a Nicole e sentou do lado dela. - Acho que podemos começar nossa conversa.
Não falei nada, apenas fiquei esperando a Nicole começar, ela remexeu um pouco as mãos em ansiedade, tomou um longe gole da bebida que Rubens lhe entregou e, me encarando, começou a falar:
- Dee, eu não te vendi a ninguém. Foi isto que ele te contou? - Confirmei e ela continuou. - Eu conheci o Bill há dois meses, ele é cliente de uma amiga, aquela maricona adora dar para travesti. Ela disse que ele tinha um local de garotos de programa e falei com ela quando você me pediu algo. Pensei que era um local de nível e que você se daria bem. Naquela tarde apareceram dois homens lá em casa dizendo que tinham ido buscar tuas coisas. Eu disse que queria falar contigo, eles me bateram e levaram tua mochila. O filho da puta pensou que eu iria ficar quieta, me mexi de todas as formas até descobrir como o esquema dele funcionava e pedi ao Rubens para me ajudar a te tirar de lá.
Foi impossível segurar as lágrimas diante das palavras dela, eu tá tinha odiado tanto nos últimos dias. Cada chicotada que levei do Bill eu pensava na traição dela. Mas notei em seu olhar aflito que ela sofreu tanto quanto eu, sabendo que em algum lugar eu estava escravizado e pensando que era tudo culpa dela. Eu mesmo me levantei e me joguei nos braços dela chorando muito.
- Me desculpa Nic. Eu sofri tanto. Eu apanhei, fui estuprado, pensei que ele ia me matar.
- Desculpa também, menino. - Eu chorei tanto. - Pensei que nunca mais ia te ver.
- Bem, Nicole. -Falou Rubens. - Sei que estão emocionados, mas sejamos práticos. O que vocês irão fazer?
- Eu vou esconder ele. - Respondeu ela.
- Não Nic. Eu tenho que voltar.
- Como? - Falaram Nicole e Rubens espantados de uma vez.
- O Bill disse que se eu não voltar, ele mata o Thor.
- Quem é Thor? - Perguntou Rubens.
- É um amigo meu, ele também trabalha lá. Foi vendido pelo padrasto. A gente se conheceu a pouco tempo, mas eu gosto dele. E mesmo se não gostasse, não podia deixar ninguém morrer lá.
- Podíamos denunciar à Polícia, não é Rubens? - Falou Nicole.
- Seria preciso muito cuidado, quem sabe os contatos que um demente daquele não tem até na polícia.
- Não da pra resolver tudo agora assim, Nic. - Falei. - Se a polícia chegar lá ou ele for avisado antes, ele é capaz de matar todos os meninos. Eu não posso correr esse risco.
- Tudo porque está apaixonado pelo tal Thor? Vamos quebrar a barraca, a polícia chega lá arrebentando tudo.
- Nic. - Falou Rubens calmamente. - O garoto tem razão. Se fosse só para levar ele para longe, daria tudo certo. Eu podia dizer que ele fugiu, pulou do carro ou algo assim. Mas tem os outros garotos, que devem sofrer também. Acho que talvez seja melhor ter calma e esperar o momento certo para agir.
- A gente também podia colocar gente barra pesada nisso. - Falou Nic. - Conheço uma pessoa que podia ser convencida a dar um fim no Bill.
- Mas em todo caso. - Falei. - Eu tenho que voltar. Senão o Thor morre.
- Dee, eu não posso te deixar voltar para lá. - Falou Nic.
- Então pense em como eliminar o Bill da face da terra até o amanhecer. - Sentenciou Rubens.
- Aquele Bill não é a pessoa mais perigosa dessa cidade, Rubens. Ele é até peixe pequeno, é só um demente psicopata. - Falou Nicole nervosa.
- Mas ele deve conhecer gente grande. Deve ter cliente importante e como trafica, deve ter contato com pessoas bem mais perigosas que ele também.
- Eu vou dar um telefonema. - Falou Nic levantando e indo até a varanda do apartamento.
- Você mal chegou lá e já arranjou um namorado? - Indagou Rubens.
- Não estamos namorando não, só gostei dele. É mais um lance de se importar.
- Amar é isso. - Falou ele.
- Não quero falar disso. - Falei.
- Tudo bem. - Riu ele. - Outra bebida?
- Não, senão vou cair bebasso aqui.
- Isso seria divertido.
- Dee. - Falou Nicole voltando. - Eu talvez tenha uma solução.
- Sério. - Meus olhos brilharam. - Como?
- Uma pessoa perigosa talvez ajuda a gente. Mas, você teria que atender ele. Você topa?
Continua...
P.S.: Logo sai outro, Tô possuído hoje.
