Consultório de Meninas - Caso 01/01
<center><b>ÂNGELA FILGUEIRAS</b></center>
<blockquote><i><b>Garota tímida, um pouco gordinha, olhos esverdeados que parecia grudar no chão Ângela entrou na sala espiando pros lados como se procurasse algo ou alguém que lhe desse apoio.</b></i></blockquote>
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Boa tarde! cumprimentei a mãe, uma senhora com seus 38 ou 39 anos Dona Mirtes, não é?
Segurava o ombro da filha, também espiou pelos cantos tal a filha.
Boa tarde doutor...
Ficaram paradas a dois passos da porta. Olhei interessado, pareciam arrependidas.
E essa gatinha é Ângela? dei um sorriso sem demonstrar estar afetado.
A garota pareceu se espantar ao ouvir dizer seu nome, olhou paras mim e depois para a mãe.
Se aproximem... convidei Vamos sentar?
Levantei da cadeira e estendi a mão, Mirtes olhou primeiro para meu rosto, mediu-me da cabeça aos pés como se querendo se certificar que realmente era eu o psicólogo.
O senhor é muito novo... segurou minha mão Pensei que era mais velho...
Sorri para ela, todas tinha esse impressão e aprendi usar em meu favor o porte de garoto que esconde meus quase quarenta e três anos.
É brincadeira da mãe natureza segurei a mão, estava fria e um pouco trêmula Parece que o bom velhinho lá de riba não quer amassar minha pele e nem pintar meus cabelos...
Continuei segurando a mão, era macia e dizia que não pegava no batente.
Sou Ângelo... Como você, princesa... olhei para a garota Você sabia que nosso nome quer dizer enviado do Senhor?
Soltei a mão de Mirtes e farfalhei os cabelos curtos da garota, ela parecia querer sair correndo.
Vamos sentar... apontei o sofá de três lugares Em pé cansa...
Pareceu ver um sorriso nascendo no rosto de Mirtes, mas foi só um instante, logo voltou a ficar séria. Tornou olhar para os lados, meu consultório não parece ser consultório: um conjunto de sofás, uma pequena geladeira num dos cantos, uma televisão, um vídeo cassete, uma pequena mesa atulhada de revistas e livros, prateleiras com livros de histórias infantis, romances e nada desses compêndios empoados que pululam pelos consultórios de colegas.
Você é muito bonita Ângela... não estava mentindo, apesar de um pouco cheinha, era bonita Como é? Vamos ficar em pé?
As duas se moveram ao mesmo tempo, pareciam ter ensaiado os movimentos. Olhei as duas e esperei que sentassem. Mirtes ficou empertigada, coluna reta, mãos pousadas ao joelho e pescoço ereto. Ângela se deixou cair na maciez do sofá, ajeitou-se e ficou encostada espiando as coisas do consultório.
Quem lhe indicou foi uma amiga... Mirtes começou falar nervosa Ela me falou muito bem do senhor... Eu não queria vir, mas ela disse que o senhor é bom mesmo... Não sei por onde começar... Será que posso fumar aqui? abriu a bolsa prateada e tirou uma cigarreira de couro cru.
A vontade... Também sou fumante... andei até a porta e mudei a placa para ocupado, voltei Vocês aceitam beber alguma coisa? parei perto da geladeira Água, refrigerante, suco de manga...
Ângela olhou para a mãe, também estava escabriada com o jeito do lugar. Esperavam encontrar um consultório asséptico e cheio de quinquilarias que só servem para impressionar a clientela, mas não viram nada que pudesse ligar o lugar a um consultório de um psicólogo. Mais parecia uma sala de estar normal de uma casa e nem mesmo cartazes tão comuns ou meus diplomas e certificados enfeiavam as paredes verde clara.
Aceito um cafezinho... Mirtes tinha visto a cafeteira expresso numa mesinha perdo da geladeira Você aceita um refrigerante filha?
A garota fixou o olhar na mãe, não falou nada, parecia acabrunhada e estava, não por menos eu sabia. Esperei que respondesse, mas continuou muda e a mãe pediu que lhe desse uma coca-cola. Servir o refrigerante, entreguei o copo nadir outro espanto e coloquei a garrafa na mesinha com tampo de cristal uma exigência de Mica, minha namorada. Esperei que o café fosse coado, coloquei em duas xícaras pequenas e sentei na poltrona em frente às duas. Mirtes recebeu a xícara e provou, novamente pensei ter visto um pequeno sorriso nos lábios. Tomamos o café em silêncio, Ângela fazia de tudo para não cruzar o olhar com o meu.
Bem... coloquei a xícara na mesinha e recebi a de Mirtes Sua amiga deve ter falado sobre como eu ajo... parei um instante, olhei para as duas Esse primeiro contato é somente para nos conhecermos... Eu sou Ângelo, me formei fora do país há alguns anos sorri Estou no país há onze anos e vim para cá há nove respirei, olhei para as duas e as duas estavam quietas, Ângela fixa no chão sem ao menos piscar e Mirtes me olhava atenta Sou divorciado, tenho duas filhas que moram com a mãe, adoro meu trabalho e gosto muito mais com quem trabalho... Não aceito mais que três casos por dia, isso dá um nó na cabeça da gente e se termina até mesmo não ajudando quem devemos ajudar... Este lugar aqui, que chamo de meu lar, pode ou não ser o local onde me encontro com quem trabalho e não tenho paciente, tenho amigos e amigas que confiam em mim...
Parei, respirei fundo e fiquei olhando as duas. Mirtes olhou para a filha e depois para mim.
Doutor Ângelo... O senhor... O senhor já deve saber, ou desconfiar o motivo de estarmos aqui...
Não! cortei E não sou doutor e muito menos senhor...
Mirtes sorriu, dessa vez foi sorriso de verdade.
Ta bom... Me chamo Mirtes e minha filha, minha caçula olhou para a filha e colocou a mão na ponta da perna da garota Tem umas coisas que... Ângela é uma menina doce, meiga... parou e respirou fundo Não se como isso veio acontecer....
Conversamos por mais de uma hora até Mirtes de dá por satisfeita. Ficou acertado que a próxima vez seria apenas com Ângela.
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Boa tarde Ângela... estendi a mão, a garota me olhou assustada Você não quer entrar?
Me afastei da porta, a garota vacilou e olhou para trás.
Vai filha... Mirtes incentivou Posso esperar aqui doutor?
Falei que sim. Era uma quarta-feira, minha primeira conversa com Ângela.
Mãe... ela virou para a mãe Não acho preciso...
Fiquei parado, não iria forçar nada, as duas já deviam ter conversado muito sobre isso. Notei que também Mirtes estava um pouco incomodada, voltei para o sofá e aguardei.
Doutor... Eu... Eu... a garota parou no meio da sala.
Ângela... me virei para ela Não é preciso dizer nada, não vamos fazer nada além de conversar, mas se você desejar...
Não doutor, não... andou com passos vacilantes Vai ser até bom mesmo... - sentou e cruzou as pernas, estava tensa A Miriam falou que o senhor é legal...
Miriam é outra amiga com quem venho conversando há oito seções.
Como vai ela? perguntei.
Ângela me olhou de cima a baixo, tem olhos inquietos apesar da maciez dos gestos. Os olhos dizem muito sobre as pessoas.
Amanhã é dia dela, né? a voz pequena era o próprio retrato da garota Ela disse que vocês batem papo, que o senhor conta histórias, piadas...
Era verdade, sempre tenho um causo na ponta da língua para os momentos certos.
Ela é muito legal também... respondi e levantei para buscar refrigerante Também no primeiro dia ficou cheia de medos e vergonha, mas você verá que não é nenhum bicho de sete cabeças... abri duas garrafas de coca-cola, ofereci uma para ela E nosso papo vai ser o que você quiser, viu?
Ela recebeu o copo e tomou uma golada pequena.
A mamãe acho esquisito esses copos... olhou para o Nadir Figueiredo Ela disse que pensava que o senhor ia servir em copos mais finos... riu Ela é assim mesmo, bota olho em tudo...
Gosto desse tipo de copo... olhei para o meu É de gente da gente e dá até pra beber café...
Ela riu, estava mais calma.
Você gosta de música? perguntei.
Gosto... Mas gosto mesmo é de MPB, de samba... voltou a beber Não me amarro nesse tipo de música de hoje...
Que cantor você prefere? perguntei e tornei abastecer seu copo Se você quiser ouvir alguma em especifico... Olha ali! virei e mostrei Lá estão mês discos preferidos e também gosto muito de MPB...
Ela olhou a estante de vidro atulhada de cds. Levantei e coloquei Chico Buarque.
Esse é um de meus preferidos, você conhece a obra de Chico Buarque? perguntei.
Ângela levantou e foi ver os títulos, me afastei, deixei que ela ficasse olhando as capas e coloquei a cafeteira para funcionar.
Posso mudar o disco? perguntou.
Claro que pode, coloque o que você quiser...
Ela colocou Maria Bethânia. Coloquei café na xícara e fui levar para Mirtes que lia entretida um livro de Mario Vargas Llossa.
Olha o cafezinho do cigarro! falei demonstrando alegria.
Ela se espantou e sorriu, recebeu a xícara e espichou o olho para dentro da sala.
E aí doutor? perguntou interessada e nervosa.
Olhei para ela e sorri.
Tudo bem... Você me cede um cigarro? pedi, ela me entregou a carteira, tirei um e acendi, dei uma tragada longa E você, como está? perguntei.
Mirtes se recostou na poltrona e também acendeu um cigarro.
E a Gelita? deu uma baforada para cima Ela falou alguma coisa?
Sorri para ela.
Estamos nos conhecendo... olhei para a porta, a garota estava parada nos olhando Agora me deixe papear um pouco com a princesa...