As vezes acho que o destino tentou de todas as formas não me fazer me aproximar do Lucas. O destino deu vários sinais, e eu ignorei todos. Claro que, para mim, hoje é fácil olhar para trás e falar: "Nossa, o destino me deu tal sinal, não era para eu ter feito tal coisa". Isso vem depois de muito tempo, depois que adquiri uma certa inteligência emocional e controle sobre as emoções. Mas naquele momento, eu não tinha nada disso. Na realidade, eu acho que até tinha, mas era muito pouco. A verdade é que o meu relacionamento com o Lucas começou errado antes mesmo de começar. Antes mesmo do nosso primeiro beijo, já era errado, e eu insisti nesse erro porque eu precisava.
Eu tinha sede pelo Lucas. Eu ansiava por seus beijos e por seu corpo. Eu pensava nele noite e dia. E quando a gente está assim por uma pessoa, qualquer sinal é ignorado.
Quando saí do hospital, fui me encontrar com o Lucas. Parei o carro de frente ao prédio dele, e ele desceu pouco tempo depois, vestindo um desses shorts de futebol que ele adorava, uma camisa regata e uma sandália Havaiana. Seu rosto estava sério, mas com a mesma beleza de sempre: a barba bem feita e o cabelo bagunçado, típico de quem estava à vontade em casa. Ele entrou no carro, me olhou, ficou em silêncio por alguns segundos e, então, me puxou para um abraço.
Eu não esperava por aquele gesto. Lucas não era do tipo que demonstrava sentimentos de forma tão direta. Senti o calor do corpo dele e, por um instante, esqueci de todas as nossas discussões, das mensagens duras trocadas e da confusão que era tudo aquilo entre nós. Ele se afastou levemente, segurando meus ombros e me olhando nos olhos.
— Você está bem? — perguntou, com a voz baixa, quase um sussurro.
Assenti.
— Sim. E você?
Ele deu de ombros, desviando o olhar para o painel do carro.
— A mesma merda de sempre. Mas não é disso que a gente precisa falar agora, não é?
Suspirei e encostei no banco, tentando organizar meus pensamentos.
— Lucas, eu precisava te ver. Precisava explicar o que está acontecendo. O Bernardo está doente, e é sério. Ele precisou de mim, e eu não podia simplesmente ignorar isso.
— Eu sei, Rafa. Eu… — Ele fez uma pausa, passando a mão pelo cabelo. — Eu não estou bravo com você por causa disso. Não mesmo. Eu… estava com raiva porque… é complicado. Tudo isso é complicado pra caralho. Eu sou complicado.
— E você acha que eu não sou? — retruquei, forçando um sorriso que logo desapareceu. — Lucas, a gente começou errado. Eu sei disso. Mas eu quero consertar. Quero entender o que está acontecendo aqui. Entre nós.
Ele me olhou novamente, com aquela expressão que sempre me deixava sem saber o que esperar.
— Entre nós… tem alguma coisa, não tem? — Ele perguntou, a voz carregada de hesitação.
Eu apenas assenti, sentindo o coração acelerar. Lucas balançou a cabeça, como se tentasse organizar os próprios pensamentos.
— Rafa, eu não sei se consigo. Não sei lidar com o que sinto quando estou perto de você. Eu gosto muito de você, mas tudo isso é novo pra mim. Ficar com garotos... eu nunca imaginei, e ao mesmo tempo, eu me sinto atraído por você. Quando estou com você, parece que o mundo para. Você faz com que eu esqueça tudo, todos os meus problemas.
Ele fez uma pausa, desviando o olhar para suas mãos, que agora apertavam o banco do carro com nervosismo.
— Mas não é fácil, Rafa. Eu não sei se você está preparado. Eu sou complicado, extremamente complicado. Minha família é conservadora, entende? Eu não posso simplesmente te levar para jantar em casa, te apresentar para os meus pais e dizer: "Esse é o cara que eu amo, com quem quero passar o resto da vida." Eles não aceitariam.
Lucas suspirou, sua voz carregada de frustração.
— E pior... eu não sei se isso é algo que eu quero. Não sinto essa vontade de me assumir, e também... eu ainda me sinto atraído por mulheres. Não está nos meus planos mudar isso. O que eu sei, Rafa, é que eu quero estar com você, mas... será que você aguenta? Porque eu não vou conseguir te tratar como um namorado na frente dos outros. Não agora, não sei se algum dia.
Ele finalmente levantou os olhos para mim, os olhos brilhando de honestidade e vulnerabilidade.
— Você é tão bem resolvido. Sua família te apoia, seus amigos também. E eu? Eu não sei se posso fazer parte desse mundo. Não quero te iludir. E tem outra coisa... minhas crises de ciúmes.
Ele riu, sem humor, balançando a cabeça.
— Eu morro de ciúmes de você e do Bernardo. Sei que ele foi seu namorado, e eu tenho medo, medo de que ele ainda possa te tirar de mim. Eu preciso aprender a conviver com isso porque sei que ele vai estar sempre presente na sua vida.
Lucas respirou fundo, sua expressão agora firme, determinada.
— Estou sendo sincero, Rafa. Não quero esconder nada de você. Mas, se mesmo sabendo de tudo isso, você quiser continuar comigo... se você achar que vale a pena... saiba que você vai me fazer o cara mais feliz do mundo.
Um sorriso tímido apareceu no rosto dele.
— Eu quero estar com você, viajar com você, te beijar, dormir ao seu lado. Quero pegar meu violão, passar a noite cantando pra você, e depois te encher de beijos. Eu escolhi você, Rafa. Você é quem me faz bem. Eu posso não ser o cara 100% perfeito pra você, talvez eu seja somente 20%, mas saiba que esses 20% vai te fazer feliz, eu quero você Rafa.
Ele então me puxou para um beijo. Um beijo leve e doce. Nossa química era intensa, algo palpável. O que sentíamos um pelo outro era fogo e gasolina, queijo e goiabada, uma combinação improvável, mas perfeita. Éramos a melhor coisa que poderíamos ser um para o outro.
O discurso dele foi lindo, devo admitir. Mas, com o tempo, aprendi que pessoas narcisistas têm uma habilidade peculiar de fazer discursos assim: começam apontando todos os defeitos e coisas ruins, para depois falar as coisas boas e nos fazer esquecer das coisas ruins ditas.
Lucas havia sido sincero comigo naquele momento. Era uma escolha que ele colocou em minhas mãos. Ele não teria culpa se eu sofresse ou se não conseguisse aceitar as condições. Ele foi claro sobre como as coisas seriam, e eu aceitei. Aceitei porque eu o amava.
Eu estava perdidamente embriagado por Lucas — pela paixão, pelo desejo, por tudo que ele representava para mim. E, como já falei antes, se naquela época eu tivesse a inteligência emocional que tenho hoje, talvez as coisas não tivessem chegado onde chegaram. Mas acredito que tudo na vida tem um propósito. As coisas que aconteceram comigo e com Lucas no futuro — e que ainda vou narrar — foram lições que me fizeram quem sou hoje. Foram os momentos que me ensinaram a ser forte, a amadurecer, a me enxergar como um homem, e não mais como um moleque.
Naquele tempo, eu tinha apenas 20 anos. Era um jovem bobo, apaixonado, prestes a viver um grande amor... e uma grande decepção amorosa. Mas, quem nunca fez besteira por amor? Quem nunca se apaixonou por alguém que não valia nada? Quem nunca? Talvez seja essa a pergunta que me consola, que me faz lembrar que não sou o único bobo apaixonado no mundo.
Minha resposta para Lucas foi tão clara quanto poderia ser:
— Lucas, eu quero viver isso. Eu entendo que você não se aceita ou não quer se assumir, mas saiba que eu quero você. Quero que a gente, pelo menos, tente. Sei que não vai ser fácil, e sei que vou precisar de muita paciência. Mas espero que você também tenha paciência comigo. É isso. Não tenho muito o que dizer. Eu quero que você me faça feliz, quero que me beije, quero ouvir você cantar para mim, e quero fazer de você o cara mais feliz do mundo. Quero muito que tudo isso dê certo. Quero que a gente encontre uma maneira de não se machucar, de viver uma história linda juntos.
Então, foi a minha vez de puxá-lo para um beijo. Naquele momento, selamos o nosso amor. Foi ali que começou a nossa conturbada história de amor.
__ 2 meses depois –
Dois meses se passaram, e algumas coisas importantes aconteceram nesse tempo. Primeiro, o Bernardo. Ele se recuperou bem, recebeu alta e, aparentemente, estava tudo normal de novo. Sua rotina voltou ao normal, mas meu tio e minha tia decidiram que ele não retornaria para São Paulo tão cedo. Ele precisaria esperar mais um ano, até estar 100% recuperado, para retomar o curso de piloto de avião.
Tive uma conversa com o Bernardo sobre o Lucas. Não fui totalmente sincero, mas contei o essencial: disse que estava gostando do Lucas, que ele era especial, e que ficamos pela primeira vez na Semana Santa. Bernardo não acreditou. Na cabeça dele, eu e o Lucas já nos pegávamos muito antes disso. Mesmo assim, ele aceitou bem o meu relacionamento, ou melhor, o meu namoro com Lucas. Sim, era um namoro. Tínhamos nossas brigas, mas estávamos nos entendendo da melhor forma possível.
Quanto ao Bernardo e ao JP, o que eu já suspeitava se confirmou: eles meio que engataram um namoro. JP quase todo final de semana ia para o Alto, ou Bernardo vinha para cá. Eles tinham um relacionamento aberto, algo que funcionava bem para os dois.
Falando nisso, Bernardo me perguntou se o meu relacionamento com Lucas também seria aberto. Respondi que não. Lucas nem cogitava essa ideia, e só de mencionar algo do tipo seria motivo para uma briga.
Durante esses dois meses, minha relação com o Lucas era incrível. Estávamos nos conhecendo melhor, e, apesar de vocês já terem acompanhado minhas aventuras sexuais em outros momentos, eu e Lucas ainda não tínhamos transado. Não faltava desejo, mas era algo delicado. Na minha cabeça, ele tinha medo. Eu imaginava que ele ainda não tinha tido nenhuma relação sexual com outro homem. Por isso, estávamos indo com calma — muita calma.
E, sim, nesse tempo, eu me mantive fiel. Não fiquei com meu pai, meu tio ou qualquer outra pessoa. Não tinha interesse ou vontade. A rotina puxada da faculdade me ajudava a canalizar essa energia, e os momentos que eu tinha com o Lucas bastavam. Trocar beijos e sarros com ele era muito melhor do que qualquer transa que eu já tinha tido antes.
Claro, tínhamos nossas brigas. O principal motivo? As meninas. Lucas ainda ficava com algumas garotas. Ele tinha seus amigos héteros na faculdade, e sempre que saía com eles acabava ficando com alguém. Isso me deixava triste. Afinal, eu queria o Lucas só para mim. Mas, desde o início, aceitei essa condição. Sabia que precisaria conviver com isso — pelo menos enquanto minha paciência aguentasse.
Quando estávamos sozinhos, porém, era mágico e único. Conversávamos sobre absolutamente tudo, e Lucas sabia ser extremamente romântico. Ele me dava presentes criativos, pegava o violão e cantava para mim. Saíamos para a praia, íamos ao cinema, fazíamos programas simples como bons amigos aos olhos dos outros. Mas, entre nós, era um namoro. Não houve pedido oficial, nem uma data para comemorar um ano. A gente simplesmente foi ficando, dia após dia.
Lucas me completava, e eu o completava. Era assim que vivíamos — um dia de cada vez.
O Dia dos Namorados estava se aproximando, e seria o nosso primeiro juntos. Eu estava animado, imaginando como seria especial. Como de costume, estávamos no carro após a academia, conversando e ouvindo música. Tocava “Forró dos Plays”, uma banda bem conhecida no RN e no CE. De repente, começou uma música que parecia escrita para nós. A letra dizia:
“Não faz assim, não me toca assim, pois a carne é fraca
Sei que namoramos há um tempo, mas o amor espera
Tire a mão do meu pescoço, sabe, desse jeito vamos pegar fogo aqui no carro…
Tu sabes que eu tenho vontade de fazer aquilo que tu bem sabes…
A música continuava, e Lucas, acompanhando a voz da cantora, cantava olhando diretamente para mim. Eu me perdia na sua beleza e no timbre suave da sua voz.
Às vezes dá vontade de avançar
Fazer e saciar
Não sei como estou aguentando
Tu acha mesmo, que é a minha vontade
De dizer não, só por pura vaidade
Eu só quero fazer tudo certo
Dando passo a passo
Por isso, que vai ter que esperar (iê-iê-ié)
A nossa primeira vez
Não vai ser num carro
Nem pode ser em qualquer esquina
Em qualquer beco
Tem que ser algo especial (ié)
Fora do normal (ié)
Algo sem igual (iê-ié)
Quando a música terminou, ele me puxou para um beijo e sussurrou no meu ouvido:
— Tem que ser algo especial, fora do normal, algo sem igual!
Eu sorri, mas uma pergunta veio à tona:
— Você está com medo da nossa primeira vez? – perguntei, olhando fundo em seus olhos.
Ele hesitou um instante, depois confessou:
— Confesso que sim, mas já estou planejando. Quero que seja inesquecível, no Dia dos Namorados, na surpresa que estou preparando para você.
Fiquei tocado pela sua sinceridade, mas também não resisti a provocá-lo:
— Que fofo você! Já estou ansioso e, confesso, subindo pelas paredes. Mas me diga… Vai ser sua primeira vez com um homem, não é?
Lucas desviou o olhar, focando na estrada à nossa frente. Meu estômago revirou com a tensão. Ele então respondeu, num tom quase baixo demais para ouvir:
— Não. Eu já transei com outro cara.
Fiquei atônito, quase sem acreditar no que ouvia.
— O quê? Quem? Quando? Você me traiu? Achei que eu seria o seu primeiro!
Ele respirou fundo antes de responder:
— Foi no Canadá. Eu ficava com uma menina e ela quis fazer um ménage. Chamei o cara que morava comigo… A gente ficou, e acabou rolando entre nós dois e ela. Depois disso, fiquei algumas vezes com ele. Desculpa, eu não queria mentir pra você.
Minha mente fervilhava. Eu não sabia como reagir.
— Todo esse tempo, Lucas? E só agora você me conta?
— Eu não tive oportunidade. Foi algo no passado, antes de te conhecer.
Ainda incrédulo, pedi:
— Quem é ele? Quero ver uma foto.
Lucas pegou o celular e me mostrou a foto de Artur. De imediato, reconheci o garoto de uma postagem que Lucas havia feito no Carnaval.
— Uai, você postou uma foto com ele no Carnaval! A gente já se conhecia naquela época!
— Sim. A gente se encontrou no Ano Novo e no Carnaval, e acabou rolando de novo. Mas não precisa ter ciúmes, Rafa. Ele sabe de você. Na verdade, ele sempre soube de você e me incentivou a ficar com você. Ele era o único amigo com quem eu podia desabafar sobre tudo isso. Se eu tive coragem de me abrir com você, foi graças a ele.
Minha cabeça estava girando. A decepção tomou conta de mim.
— Não vou dever meu relacionamento a esse estranho. Você deveria ter me contado tudo isso antes. Estou me sentindo enganado. Esse tempo todo eu achando que você estava com medo ou que não estava pronto… Mas, na verdade, você passou anos transando com outro cara. Sinceramente, Lucas, estou muito decepcionado.
Não sei se foi frustração por ter idealizado que eu seria o primeiro do Lucas, mas aquilo mexeu comigo, principalmente com meu ego. Era um sentimento de posse tomando conta de mim novamente. Eu sei que muitos podem me julgar por ter ficado com raiva de algo que fazia parte do passado dele, mas, para mim, aquilo era estranho. Como já disse, eu ainda não tinha a maturidade necessária para lidar com situações como essa.
Fiquei profundamente abalado. Claro, eu também escondia coisas do Lucas. Coisas que eu jamais pensava em contar, como as minhas transas com meus tios, primos e… meu pai. Eu sabia que ele não entenderia, muito menos me perdoaria, então preferi guardar tudo para mim. Mesmo assim, estava errado em querer “massacrá-lo” pelo fato de ele ter transado com outro cara. Era meu ego ferido misturado com a frustração, e eu não tinha esse direito.
Fechei a cara, e o Lucas, percebendo minha mudança de humor, tentou contornar a situação. Ele ficou cheirando meu pescoço e pedindo desculpas, mas eu não estava pronto para perdoar naquele momento. Disse que estava tarde e que queria ir para casa, precisava pensar. Dei um selinho rápido e, ao me afastar, vi seus olhos marejados. Ele me pediu desculpas mais uma vez, e eu saí sem olhar para trás.
Hoje eu entendo que passado é passado, presente é presente, e o futuro… bem, o futuro é incerto. Mas naquela noite, eu só queria ficar sozinho, refletir sobre as minhas atitudes. Cheguei em casa, tomei um banho e, com a mente mais calma, percebi o quanto eu estava errado. Não era justo sentir raiva dele por algo que aconteceu antes de sequer nos conhecermos. As coisas com o Lucas sempre aconteceram de forma natural, e nunca tínhamos tido essa conversa antes. Não fazia sentido cobrar algo que ele não me devia.
Decidi que colocaria uma pedra nesse assunto e que não mandaria mensagem para ele naquela noite. Eu precisava de tempo para digerir tudo. Assim, esperei até a manhã seguinte. Quando acordei, peguei o celular e enviei uma mensagem:
“Bom dia, Lucas. Desculpa pela minha cena de ontem. Fiquei, sim, com ciúmes, mas entendo que é algo do passado. Entendi o seu lado e não suporto ficar brigado com você. Te amo. Tenha um ótimo dia.”
A resposta não demorou:
“Bom dia, Rafinha. Tudo bem. Peço desculpas mais uma vez por não ter sido sincero antes. Já estava triste achando que teria que desmarcar o nosso Dia dos Namorados. Saiba que será algo especial e fora do normal, igual à música. Te amo. Até a academia à noite, onde a gente vai combinar direitinho esse dia 12. Te amo, te amo.”
Ler aquilo me trouxe alívio. Era isso que importava: nosso amor, nossa conexão. O passado, por mais complexo que fosse, não deveria ser um peso para o presente que estávamos construindo juntos.