O depoimento - Parte II

Um conto erótico de Kherr
Categoria: Gay
Data: 23/03/2020 11:03:59
Nota 10.00

O depoimento - Parte II

Retomei minha vida sabendo que de ora em diante não contaria mais com a proteção do Viny, algo a que eu havia me acostumado e, de certa forma, até negligenciado, pois ninguém ousaria fazer nada comigo com receio de ter que ajustar contas com ele. Logo percebi que não podia negligenciar os cuidados que cada pessoa da favela, a seu modo, precisava tomar para não se meter em encrencas. Caras sensíveis e delicados como eu precisavam ter seu homem, uma espécie de salvo-conduto para circular por aquelas vielas sem pôr em risco a própria vida. Eu tinha meu macho, o João, mas ele não podia me assumir e, nem tinha cacife para se impor frente à facção.

Não fosse esse porém, estava quase completamente feliz com a vida que levava. Mal minha mãe saía para o trabalho e meus irmãos para a escola, o João vinha se engraçar por cima de mim. Já vinha com o tesão à flor da pele, rola à meia-bomba dentro da cueca samba-canção ou totalmente exposta, me envolvia em seus braços e me bolinava até minha resistência se aquebrantar e irmos para a cama. Eu gostava de chupar sua verga morena, retona e grossa de cabeçorra rosada, e ele de ser mamado sem pressa e sem pudores, algo que muitas mulheres se recusavam a fazer, por nojo ou por outras reservas. Certamente minha mãe era uma delas, sempre às voltas com a moral, que horas diante da televisão assistindo às pregações dos pastores de sua religião, incutiam nela como a ferrugem se incrusta nas tubulações. O João e eu tínhamos as manhãs livres para o sexo, alimentávamo-nos dessa dádiva que o destino nos concedeu. O sol de fim do verão brilhou cedo naquela manhã. Depois do movimento matinal corriqueiro, a casa voltou a mergulhar no silêncio. Fui descalço ao banheiro para não acordar o João, mas ele me chamou assim que viu minha silhueta passar pela fresta da porta do quarto entreaberta. Quando enfiei a cara para dentro, ele brincava com a pica dentro da cueca.

- Vem tomar seu leitinho, vem! – exclamou assanhado.

O cheiro e sabor da porra dele tinham um efeito alucinógeno sobre meus desejos. Aproximei-me dele com um sorriso ladino. Ele alcançou minhas coxas, acariciou-as e puxou para baixo a cueca cavada que ficava presa no meu rego, presente dele, antes de apalpar minhas nádegas. Sentei-me sobre suas pernas e o beijei, enquanto ele enfiava e rodopiava ora um, ora dois dedos no meu cuzinho. Quando tirei o cacetão da cueca ele já estava molhado, fechei os lábios e sorvi o melzinho pegajoso, ele me encarava com um sorriso de quem estava para se dar bem. Lambi e chupei seus testículos ingurgitados, ele soltava uns grunhidos e impedia que minha boca ficasse por muito tempo longe de seu falo. Mamei-o com desvelo e carinho até ele esporrar na minha boca, sem me prevenir. Ele gostava de me ver engolindo seu esperma, afoito para não desperdiçar nenhuma gota daquele néctar. Beijou-me quando eu ainda tinha o gosto de sua porra na boca, antes de me fazer deitar de bruços ao seu lado. Algum tempo depois, investiu contra minha bunda, abrindo as bandas e lambendo meu rego até umedecê-lo de saliva. Tornei a sentar sobre suas pernas peludas com as minhas abertas roçando as dele. Ele me puxou para mais um beijo impudico, enquanto o caralho dele ia endurecendo e deslizando dentro do meu rego. Ergui ligeiramente as ancas, o suficiente para ele posicionar a glande babona na portinha do meu cu e, sentei-me lentamente sobre ela, fazendo-a entrar em mim progressivamente, até deixar apenas o sacão de fora. Ele se movia no meu cuzinho como um animal agitado e enjaulado. Tomei seu rosto nas mãos e o beijei.

- Me molha João! – pedi com a voz sussurrada. Ele segurou minhas ancas e começou a me foder a bundinha empinada e dura, me fazendo gemer feito uma cadela. Eu o cavalgava como se fosse um peão de rodeio, sentindo um ardor crescente nos esfíncteres dilacerados.

De repente, o grito atrás de mim. A voz conhecida e exasperada da minha mãe.

- Sua bicha lazarenta! Puta dos infernos! Com o meu homem na minha própria cama, sua desavergonhada miserável! – tomei um susto tão grande que meu cu travou num espasmo violento engolindo todo aquele mastro, que se manteve rijo apesar de surpreendido na esbórnia.

Ela partiu para cima de mim com socos e tapas que desceram sobre as minhas costas como as pedras que faziam sucumbir as adulteras dos tempos antigos. Protegi-me no peito do João, que tentava se esquivar do ataque de fúria dela. Insatisfeita com os estragos que suas mãos podiam causar, ela partiu para cozinha para se armar. Cega de ódio voltou com a tampa da panela de pressão e a desceu no meu lombo sem dó nem piedade. Quando saí de cima da pica do João, a porra vazou pelo cu arregaçado, o safado tinha gozado mesmo com aquela zorra.

- Cadela! Viado desgraçado! Cobra traidora! – berrava minha mãe, vindo atrás de mim com a tampa da panela me acertando o corpo estremecido.

- Piedade, mãe! Em nome de Jesus, piedade! – supliquei entre os gritos que cada golpe que me atingia me fazia soltar.

- Jesus o caralho! Vou te matar de porrada seu viado, ladrão de macho! – onde teria ficado toda aquela santidade que ela arvorava aos quatro ventos? – Fora da minha casa, bicha lazarenta! Não vou me matar de trabalhar para sustentar puta que rouba meu macho debaixo do meu teto!

Corri para o meu quarto a fim de vestir alguma coisa às pressas, pois possuída como ela estava não demoraria a arrombar a porta. Cobri-me com o que pude e agarrei mais alguns pertences, uma vez que era certo que não voltaria a pisar naquela casa tão cedo. Ainda levei uma vassourada antes de me atirar porta afora. Um aglomerado de curiosos se juntara na viela atraídos pelos gritos. Brigas de família sempre rendiam bons espetáculos de baixaria e, aquele povo era ávido por eles. Saí em disparada pelas vielas com seu costumeiro movimento matinal, sem destino e tentando entender o que tinha acontecido. O único refúgio que me veio à mente foi a casa da Cleide. A passos largos, com a porra do João me lubrificando cheguei à porta dela. Bati feito um louco, até perceber que estavam me observando. Ela veio abrir toda esbaforida.

- Pirou, Rosi? O que deu em você? – questionou ela.

- Por tudo o que é sagrado, me ajude! – comecei, enquanto ela me dava abrigo. Meia hora depois, ela estava a par de tudo, escandalizada, mas solidária.

- O macho da tua mãe? Você não tem limites mesmo! – criticou.

- Não foi eu quem deu em cima dele, juro! Foi ele quem foi se achegando com aquela pica carente e, você sabe, eu tenho a carne fraca para essas coisas. – argumentei. Ela riu.

- Carne fraca? Eu bem sei que tipo de carne fraca você tem! – devolveu sarcástica.

- Juro, não foi culpa minha! Só não entendi o que minha mãe fazia em casa naquela hora, era para estar no trabalho. – só então eu começava a tentar entender o que havia acontecido.

- Se não estivesse dando carinho para o pinto do teu padrasto você saberia que ônibus e metrô estão em greve. Está tudo parado. A cidade está um caos. – revelou ela.

- Caos é a minha vida! – murmurei.

A Cleide me escondeu por alguns dias, enquanto eu procurava ver que rumo dar à minha vida, sem dinheiro, sem macho para cuidar de mim, desvalido num mundo que queria me devorar. O destino do Viny tornou-se público com uma rapidez incrível e, isso teve seu preço para mim, não podendo contar nem com a ajuda da minha família. Não fazia nem um par de meses que o Viny repousava para a eternidade quando fui abordado por uma galera na volta da escola. Não passavam de quatro ou cinco sujeitos tentando mostrar o quão durões podiam ser, numa atitude de autoafirmação para deixar claro que eram capazes de participar de esquemas importantes dentro da facção. Chovia naquela noite, a maioria das pessoas estava reclusa em suas casas, eu havia descido do ônibus e entrado correndo na favela. O ar estava impregnado de alho frito, cheiro de comida misturado a perfumes de sabonete e desodorante. Sons de televisões e rádios ligados, somados a conversas, xingamentos e choros de bebês formavam uma cacofonia devassa. O grupo surgiu da escuridão na esquina da segunda viela que dobrei. Como estava correndo topei diretamente com o sujeito que me interceptou, caindo involuntariamente em seus braços, que logo se fecharam ao redor do meu corpo. Debati-me deixando cair os cadernos e apostilas na água que vinha do alto da favela correndo como o fluxo de um rio. Mas, logo me vi cercado pelos outros, sendo apalpado e desnudado com brutalidade, ao mesmo tempo que em ouvia impropérios, propostas libidinosas e palavrões de toda espécie. Haviam rasgado minha camiseta molhada e aderida ao corpo, deixando um mamilo exposto à depredação. Soltei um grito quando senti a mão de um sujeito agarrá-lo e amassá-lo com força.

- Se abrir a boca mais uma vez, sua putinha, vou quebrar esses lindos dentes da sua boquinha! – ameaçou o sujeito, cravando em seguida os próprios dentes no meu mamilo devassado. Nas casas ao redor, reinou repentinamente o silêncio. Era certo que as pessoas estavam ouvindo, pelas paredes finas, o que se passava do lado de fora, mas ninguém se atreveu a me ajudar. Acerto de contas era assunto no qual ninguém se metia.

Estavam tentando arrancar minhas calças quando dois cães alertados pela confusão surgiram correndo e latindo. Aquilo os distraiu momentaneamente, e eu corri desesperado de volta para a entrada da favela, pois sabia que se tentasse correr para a casa da Cleide seria novamente alcançado e, com a ira deles exacerbada, pagaria caro pela fuga. Assim que cheguei à avenida, pedindo socorro feito uma mulher de bandido habituada a ser espancada, dei de cara com o Carlão chegando de carro. O grupo que me perseguia estancou assim que viu o carro dele e se dissipou tentando não ser identificado. Ele desceu do carro e veio ao meu encontro, abraçou-me mesmo empapado como eu estava.

- O que aconteceu? – a pergunta foi apenas retórica, uma vez que ele sabia muito bem o que tinha acontecido. – Te machucaram? – questionou, confirmando saber do que se tratava.

- Só aqui. – respondi abalado, mostrando meu mamilo e o arroxeado da mordida.

- Vem comigo! – disse ele, sem me soltar, até chegarmos junto ao carro e ele me mandar entrar.

- Para onde vai me levar? – Tive a certeza de que estava correndo risco maior agora do que antes.

- Onde ninguém vai te fazer mal! – exclamou, assumindo o volante.

Rodamos poucos quarteirões antes de ele entrar na garagem de um edifício. Subimos até um apartamento minúsculo, onde ele me serviu um copo d’água que tomei trêmulo de suas mãos.

- Você precisa tirar essas roupas molhadas e rasgadas. – disse ele.

- Não! Não tenho outras. – respondi de pronto.

- Não se preocupe com isso agora, depois damos um jeito. – o que seria esse ‘depois’?

Despi-me encabulado e lentamente diante do olhar aquilino dele. Pés juntos, braços caídos ao longo do corpo e as mãos cruzadas tapando meu sexo e aquele homem estudando cada detalhe da minha anatomia. No primeiro passo que deu em minha direção, eu não sabia se corria ou se deixava a abordagem acontecer sem oferecer resistência. Como correr não fazia sentido, fechei momentaneamente os olhos quando a mão dele tocou meu mamilo machucado.

- Que judiação! Tão delicado para ser espoliado brutalmente. – seu tom de voz era baixo e grave. Não ousei me esquivar de sua mão, que se movia lenta e suavemente sobre o peitinho empinado.

- Estou sentindo frio. – afirmei, como forma de sair daquela situação embaraçosa.

- Claro! – exclamou, apressando-se a me cobrir com um lençol.

- Estou com medo! – minha afirmação tinha duas origens, o bando de tarados e o homem que não tirava aquele olhar penetrante de mim.

- De mim? – ele pareceu ler meu pensamento.

- Não! Daqueles caras. Por pouco escapei de ser estuprado. – aleguei queixoso.

- Ninguém mais vai tocar em você! Eu garanto. – havia naquelas palavras a mesma determinação com a qual o Viny fizera a mesma afirmação.

- Como? – eu não precisava perguntar isso. A posição dele naquela comunidade era razão mais que evidente daquilo que ele estava a garantir.

- Vou cuidar de você! – respondeu, com um sorriso reconfortante.

- Obrigado! Prometo que vou ser muito grato. – devolvi, pois sabia que haveria um preço a pagar.

- Eu sei que sim! – as palavras vieram acompanhadas de um beijo que ele deu nas minhas mãos presas entre as dele.

O Carlão era um cara atraente. A situação privilegiada do pai permitia que ele cobrisse o corpo atlético malhado em academia com peças de grife. A ascendência, um misto de portugueses e italianos, concedera-lhe uma cabeleira negra e vasta, bem como uma distribuição viril dos pelos corpóreos. Também herdara um olhar sagaz e um queixo anguloso e másculo. Até então, eu nunca havia reparado nele tão atentamente, até porque nossos encontros sempre haviam sido fortuitos e raros.

- O que foi? Por que está me olhando assim? – eu não havia me dado conta de que tinha me perdido com o olhar fixo nele.

- Nada! – respondi corando. – Você é um cara legal! – deixei escapar, para sair da saia justa.

- Posso ser bem mais legal se você topar! – com a mesma resignação que um boi é conduzido ao curral, lá estava eu; ele havia conseguido o que queria.

Meu silêncio foi a deixa para ele avançar. Tentado por aquele mamilo inchado, ele tirou vagarosamente o lençol dos meus ombros. Voltou a tocar o mamilo ferido. Olhou para mim como que pedindo para eu ceder. Foi a minha vez de pegar em sua mão e leva-la de encontro aos meus lábios, pousando um beijo suave e agradecido nela. Ele tocou meu queixo e levantou meu rosto. Sua boca veio ao encontro da minha com o esboço de um beijo já delineado nela. No momento em que elas se encontraram, ele me puxou para junto de si, e eu envolvi meus braços em seu tronco quente. Inclinei as costas no sofá à medida que ele forçava sua boca contra a minha com violência e desejo. Sinto-o mordendo meus lábios, a língua me penetra. A mão direita dele entra no lençol e alcança minha bunda. Olhar fixo no meu, ele dedilha minhas preguinhas. Ajudo-o a tirar a camiseta, e gosto do que vejo. Ele me sorri compreendendo que me agradava. Me puxa mais uma vez contra o peito e repete o beijo libidinoso, movendo-se sobre mim para me fazer sentir sua ereção. Levanta-se e rapidamente se livra da calça e da cueca. Uma pica grossa e pesada sai lá de dentro, de um salto. Ajoelhado ele a aproxima do meu rosto. Sinto seu cheiro androgênico. Levo minha mão até ela e sinto como pulsa intensa e agitadamente. Começo a acaricia-la, levo o prepúcio alguns milímetros para trás e a cabeçorra roxa surge por inteiro, como um cogumelo gigante. Toco meus lábios nela e dou uma sugada, ele geme. Repito o movimento diversas vezes, ele se contorce. Tocando com a ponta da língua a saída da uretra, minha mão desliza pela pica até alcançar o sacão camuflado entre o matagal de pelos pubianos. Acaricio-o delicadamente, e sinto dois bagos quase do tamanho de um ovo deslizando dentro daquela bolsa peluda. Ele me encara soberbo e esperançoso. Quando afasto lentamente minha boca, vejo que ele admira o fio que vai dela até seu orifício uretral. Ele enfia a rola na minha garganta, segura minha cabeça contra sua virilha e me fode a boca. Sou arrastado até o quarto sem resistência, o tesão já comandava meu corpo e meus desejos e, eu desejo aquela jeba dentro de mim. Ele me força a ajoelhar na cama, separa minhas pernas, acomoda-se abrindo minha bunda, noto que admira meu cuzinho recuado antes de enfiar a cara coberta com aquela barba espetando. Sinto minhas pernas bambear quando ele mete um dedo nele e começa a movê-lo, em círculo, ágil e devassamente. Gemo pelo tesão incontrolado. O Carlão se levanta abruptamente, enfia o caralhão de uma só vez, minhas pernas tremem feito gelatina, solto um grito de dor. Ele puxa a pica para fora e mete novamente, apenas a cabeçona. Enquanto ele repete aquilo diversas vezes, eu gemo e tento não pensar na dor. Ele agarra meu cabelo, puxa minha cabeça para trás e começa a bombar com força, sei que quer me ouvir ganindo feito uma cadela, e atendo seu desejo.

- Tá doendo Carlão! – balbucio.

- É o preço a pagar para ter um macho que cuida de você. – rosnou ele.

Sinto que estou com a mucosa anal toda assada, mas ele continua bombando cada vez com mais força. Gozo com a pica balançando devido as estocadas que ele me dá. Volto a alegar que está doendo, ele ignora minha lamúria, pois percebe que meu corpo está gostando. Aos poucos ele sente que está perdendo ligeiramente as forças na pica e sua musculatura se retesa. Ouço seu grunhido rouco brotando do peito insuflado e ele me esporra, jatos quentes de um creme esbranquiçado espesso encharcam minha ampola retal até ela vazar, e seu conteúdo escorrer pelas minhas coxas. Deitamo-nos lado a lado na cama, olhando para o teto, em silêncio. É ele quem o quebra depois de algum tempo.

- Sou seu macho! – estabelece ele. Não digo nada, pois sei que de agora em diante minha obrigação é honrar e fortalecer aquele macho, cuidar dele e me manter comprometido com isso. É essa a lei que impera naquele lugar.

Rolo para cima dele e beijo-o com carinho. Ele sabe que entendi o recado e me sorri, sua mão roça de leve minha nádega esquerda.

- Sei que você não tem para onde ir e, também não quero que fique na casa da dona do salão. – o Aristides sabia de tudo e de todos, conhecia as fraquezas e as mazelas de cada um naquela favela, era assim que mantinha a mão de ferro determinando o destino da cada um. Certamente seu sucessor estava aprendendo as lições com o mestre.

- Estou pensando em ir morar com a minha avó, ela sempre gostou mais de mim do que a minha mãe. – comentei.

- Você vai ficar é aqui mesmo! Eu vou cuidar de você! E, não me invente nenhuma bobagem se não quiser se haver comigo. Estamos entendidos? – sua voz soou doce, mas o recado estava dado. Coloquei a cabeça dele no meu colo e, fiquei pensando como as mulheres e caras como eu eram peças frágeis e sem importância naquele tabuleiro machista; onde machos podiam tudo, espezinhar, humilhar, agredir e inclusive matar, sem que nenhuma lei os alcançasse.

Não posso dizer que o período que se seguiu tenha sido de todo ruim. Na verdade, e analisando diversos aspectos, posso dizer que foi o melhor da minha vida, se considerarmos o fator financeiro, o de proteção, o de diversão e claro, o sexual. Não me faltou nada do ponto de vista material. Como havia chegado praticamente apenas com a roupa do corpo, o Carlão foi comigo a um shopping, vestiu-me da cabeça aos pés e, pelas minhas contas, vendo as cédulas de cem Reais fluírem de sua carteira como se fossem folhas ao vento, posso afirmar que gastou mais de quinze mil Reais comprando roupas das mesmas grifes que ele usava. Ele ignorou minha preocupação com gastos tão extravagantes e, à semelhança do Viny, dinheiro em espécie era algo com o que ele não tinha que se preocupar, parecia sempre estar disponível. Também não tive que me preocupar com moradia, pois desde aquela noite eu passei a morar no apartamento. Era pequeno, aconchegante, e muito bem mobiliado, o lugar mais descente onde já havia morado. Uma diarista, que eu conhecia de vista da favela, vinha semanalmente fazer a faxina e se encarregar das roupas, coisa que não levava mais do que três horas. Quando disse que ele não precisava manter esse gasto, que eu mesmo daria conta do serviço, ele, a seu modo autoritário, me mandou não inventar moda, que tudo ficaria como estava. Todos os demais custos do apartamento também eram bancados por ele, portanto, mesmo sem um tostão no bolso, eu tinha tudo do que precisava. Quanto ao aspecto proteção, nem é preciso dizer que além de resguardado de qualquer engraçadinho que ousasse mexer comigo, eu tinha a impressão de que todo e qualquer dos meus passos era monitorado, tal qual um cachorrinho que o dono deixa passear na calçada sem desgrudar as vistas dele. Desconfiei do celular topo de linha com o qual ele me presenteou, e nada me tirava da cabeça que através dele o Carlão sabia exatamente por onde eu andava, tanto que muitas vezes o deixava em casa, alegando que o tinha esquecido, quando ele me questionava sobre meu paradeiro. Também foi um período no qual me diverti muito, o Carlão viajou comigo levando-me a lugares onde jamais sonhei estar um dia. Foi nessa época que voei pela primeira vez num avião, enquanto ele mantinha minha mão suada entre as dele como forma de me acalmar. Quanto ao sexo, bem, não havia dúvida de que essa era a grande razão de eu desfrutar de toda essa mordomia. O Carlão passava uma, às vezes duas vezes por semana no apartamento com o único propósito de me foder. Eu sabia que não era exclusividade minha satisfazer suas necessidades, que em algum lugar uma ou até mais putinhas tinham a mesma incumbência. Mas, não era prudente pressioná-lo ou questioná-lo sobre isso, se não quisesse voltar a ser um sem-teto à mercê do escárnio de um pilantra qualquer. O Carlão era o homem mais bonito com quem eu já havia estado, portanto, agradá-lo não era nenhum sacrifício. Das poucas coisas que ele dizia e, nas quais eu realmente acreditava, era a de que ele jamais se sentira tão realizado e satisfeito no aspecto sexual quanto desde que eu havia entrado em sua vida. Nosso sexo era maravilhoso, o tesão brotava em mim só de sentir o cheiro dele. Seus beijos molhados e seu sêmen tinham sabor de felicidade. Habituei-me à maneira bruta e selvagem com a qual ele me fodia, a ficar completamente esfolado após o coito com dificuldade para andar e sentar, a gostar do jeito com que suas mãos deslizavam pelo meu corpo, como se ele estivesse acariciando seu maior tesouro. Eu havia me transformado numa puta, numa bicha tida e mantida, sem a menor dúvida.

Eu finalmente havia concluído o ensino médio. Deixei de frequentar as aulas de balé de que tanto gostava na ONG da favela por imposição do Carlão, que não queria me ver circulando por aquelas bandas. Ele as substituiu pelas que eram administradas na mesma academia que ele frequentava, mas essas tinham mais a cara de ginástica do que propriamente dança. Mesmo assim, eu as frequentava para preencher a enorme ociosidade de que dispunha. Minha única distração quando não estava com o Carlão eram as visitas à Cleide. Apesar de haver me proibido de ir à favela, talvez temendo que eu me encontrasse com o João, ele cedeu ao meu pedido para continuar a frequentar o salão dela. A Cleide era uma espécie de líder comunitária a quem muitos recorriam quando as coisas apertavam. Era ela quem muitas vezes socorria uma grávida parindo sem ter o macho a ampara-la, era quem levava uma mistura para os velhos acamados, quem comprava um remédio para a criança que os pais não tinham como adquirir. Se ela própria não tinha recursos para tanto, não hesitava em bater à porta do Aristides, que jamais se atreveu a interferir nas atitudes dela, colaborando sem pestanejar com as demandas que ela lhe trazia.

- Ando tão desolado, minha amiga! – queixei-me com a Cleide, numa tarde de salão cheio em meio à cutícula de uma cliente que eu estava atendendo, por pura falta de ter o que fazer.

- Desolado? Por que? Com aquele bofe de quatro a seus pés, o que mais você está querendo? – questionou.

- Justamente por isso! Virei uma teúda e manteúda, mal posso dar um passo que já querem me cortar as asas. – aleguei.

- Bem! Todos sabemos o que acontece se deixarmos você voando por aí sem controle. Não vai haver mulher nessa favela que não corra o risco de perder o macho. – disse ela rindo.

- Nossa Cleide! É isso que você pensa a meu respeito? – devolvi indignado.

- Vai me dizer que não é isso o que acontece? Quer que eu pergunte a sua mãe? – retrucou ela.

- Isso é golpe baixo! Eu já disse que foi o João quem deu em cima de mim. Eu nem gostava dele, você bem sabe!

- Isso foi antes de você conhecer a piroca dele! Depois... – as outras meninas do salão também riram.

- Juro que não te conto mais nada! Se é para ficar tirando uma com a minha cara, nunca mais falo nada! – disse, com cara de zangado. Mais risos.

- Erga as mãos aos céus e agradeça por aquele bofe estar rastejando aos teus pés. Teúda e manteúda ou não, você está em melhor situação que qualquer outra putinha que anda por aí. – afirmou ela.

- Como assim? Pensa que sou exclusividade dele? Só sendo muito ingênua para acreditar nisso. Quando não está comigo, está dentro da xana de uma dessas adolescentes oferecidas que andam caçando macho pelas vielas. – devolvi.

- De ingênua você sabe que não tenho nada! Meus ouvidos já ouviram histórias muito mais escabrosas do que sua cabecinha pode sonhar. A diferença entre você e elas é que você se esbalda quanto e como quiser com o brinquedinho do Carlão e nada te acontece. Já elas, numa brincadeirinha boba qualquer, tem o bucho preenchido e, dali a nove meses, estão com as tetas sendo devoradas por uma criança faminta, que ninguém quis, num calvário que vai selar o destino delas pelo resto da vida. – ela sabia muito bem do que estava falando, aquela realidade eu conhecia desde que me reconheci como gente.

- Tá, tá bom! Então sou um sortudo, se você quer assim. – resmunguei, sabendo que ela estava coberta de razão.

- Sabe por que esses tarados andam feito lobos atrás de você? Por que você nasceu com essa carinha de anjo, cresceu e ficou com esse corpinho de deus grego, e meter o pau no seu fiofó não vai lhes trazer nenhum tipo de complicação. É só alegria! Entendeu, não é? – sentenciou ela.

- Entendi! – exclamei, num muxoxo, derrotado por seus argumentos infalíveis.

O tédio me consumia outra vez. A Josilaine estava empenhada na faxina da casa, o que me fazia sentir como se não houvesse espaço para mim naquele apartamento exíguo. O dia estava lindo e ensolarado, o que me deixava ainda mais irritado com as possibilidades que estava perdendo. Resolvi ir ao encontro do Carlão no depósito de material de construção. Ele estava atrás do balcão, próximo ao caixa quando entrei no estabelecimento. Outros três funcionários se distraíram no atendimento que estavam fazendo para me encarar com um sorriso amistoso, mas cuidadoso.

- Oi! – disse, abrindo meu sorriso de estou morrendo de saudades suas, quando me aproximei do Carlão.

- O que faz aqui? Aqui não é lugar para você aparecer! – respondeu, de cara amarrada.

- Tá um tédio ficar sozinho lá em casa. E eu estou com saudades! – retruquei.

- Vai caçar o que fazer! – minha última frase o havia desarmado, mas ele precisava manter a pose.

- É justamente isso que vim fazer. – respondi, já atrás do balcão e tão próximo dele que disfarçadamente fiz meus dedos circundarem suavemente o volume sob suas calças. Ele deu um sorriso ladino, ciente de não conseguir resistir ao assédio.

- Estou trabalhando, e já te disse para você não aparecer na favela. – ele tentava a todo custo manter a compostura, embora uma ereção estivesse em pleno desenvolvimento.

- Não estou na favela, estou aqui! Com você! – argumentei. Esse – com você – encarando-o com o olhar pedinte, o derrotou.

Depois de ordenar ao funcionário mais próximo que ficasse de olho em tudo, ele me levou até um andar acima, onde duas salas amplas estavam com as portas abertas. Numa delas ficava uma espécie de escritório, que deduzi ser o lugar onde o Aristides tratava de seus negócios não legalizados; na outra, uma mesa rodeada de cadeiras e um sofá de couro preto com as almofadas cedidas pelo uso compunham todo o mobiliário, à exceção de dois tripés de ferro diante dos janelões que davam para a entrada da favela, os quais me lembraram os suportes de metralhadoras pesadas que havia visto em filmes e, cuja finalidade de estarem ali era exatamente o mesmo. Em duas incursões distintas feitas pela polícia na favela eu me recordo de as reportagens na televisão terem exibido os carros de polícia perfurados por projéteis de grosso calibre cuja origem ninguém conseguiu apurar. Eu sabia quem era o Carlão, mas naquele momento surgiu um pavor no peito que eu nunca havia sentido na presença dele.

- Vai ficar aí parado feito uma estátua? Não veio todo serelepe dizendo que estava com saudades? – a voz excitada dele e aquela mão agarrando o pau duro dentro da calça me tirou daqueles pensamentos.

- Sinto sua falta! Faz quatro dias que não te vejo. – choraminguei.

- Estive ocupado! Mas, sou todo seu agora! – disse ele, tomando-me em seus braços.

Não demorei a estar ajoelhado no sofá de couro, me agarrando ao espaldar enquanto ele metia a rola sedenta no meu cuzinho num vaivém torturante, após eu tê-lo deixado louco de tesão, chupando e lambendo seu sexo descomunal.

- Era disso que a minha cachorrinha estava com saudades? – grunhiu ele, agarrando meus cabelos e puxando minha cabeça para trás, enquanto eu gemia exatamente como uma cadela.

- Ai Carlão! – eu já sabia que ia sair dali trôpego e com o cu em brasa, mas apesar de uma porção de temores que eu alimentava a respeito dele, não conseguia deixar de gostar dele, mais do que já havia gostado de outro.

- Adoro você, minha cadelinha fogosa! Adoro você! Por isso não consigo ficar zangado com suas desobediências. – rosnou ele, enquanto me estocava tão profundamente que eu já não conseguia distinguir a dor do prazer. Embora eu soubesse que ele tinha um carinho especial por mim, algo com o que até ele se sentia surpreso, foram raras as vezes em que ele confessara esse sentimento com tanta ênfase.

- Eu amo você, Carlão! – foi a primeira vez que aquele sentimento em meu peito se verbalizou. Eu nunca antes havia pronunciado essas palavras quando estive com outro macho. Elas eram fruto de uma verdade que só soube existir no momento em que as ouvi saindo da própria boca.

- Ah, garoto! Não me deixa mais maluco do que já estou. Não respondo por mim quando você se entrega desse jeito e me fala essas coisas. – inclusive ele, em sua frieza, percebeu naquelas palavras uma verdade que o sensibilizou.

Ele arrancou o cacete do meu cuzinho, me fez sentar no sofá, agarrou meus cabelos posicionando meu rosto diante do caralho e ejaculou na minha cara, uma porra quente e densa eclodia em jatos fartos que cobriram meu rosto, enquanto ele pincelava a jeba e me oferecia seu néctar viril. Com a ajuda dele, coletando a porra espalhada pela minha cara e colocando-a na minha boca, eu lambi até a última gota, fitando meu olhar no prazer estampado na cara dele. Ao descermos, demos de cara com o Aristides. Pela expressão carrancuda, pude notar que ele não ficou nem um pouco feliz de me encontrar ali.

- Acho que encontrei quem possa fazer aquele serviço! – exclamou o Carlão, quando cruzamos com seu pai.

- Ele? Já sondou se ele consegue ser discreto o suficiente para esse trabalho? – questionou o Aristides.

- Não! Não falei nada ainda.

- Bem! Está quase na hora do almoço, leve-o ao restaurante conosco dentro de meia hora, vamos conversar a respeito. – devolveu-lhe o pai.

- Ok!

- Você está pensando em arrumar um trabalho para mim? – perguntei ao Carlão, depois que o pai se afastou.

- Você não estava reclamando que não sabia como preencher suas horas, que estava entediado de ficar sem ter o que fazer? Pois então! Talvez eu tenha algo para você. – respondeu ele, como se estivesse me fazendo uma concessão.

- Jura! Que legal! Você é um fofo! O mais fofo dos fofos! – retruquei entusiasmado.

- Eu disse talvez! – exclamou sério. Depois tentou disfarçar o riso.

O Aristides era um homem que me causava arrepios. Nunca tinha me feito nada, nem sido grosseiro comigo, mas eu o temia como uma criança teme fantasmas. Apesar da minha barriga estar roncando de fome, à mesa do restaurante diante do Carlão e do Aristides, havia perdido o apetite.

- O que gosta de comer? – perguntou o Aristides, enquanto o Carlão havia ido ao banheiro e me deixado ali, como um pastor descuidado que abandona suas ovelhas.

- Qualquer coisa. – respondi, a boca seca, de tão tenso.

- Acho que não servem isso aqui! – retrucou ele, tentando se fazer gentil.

- Uma salada! Uma salada está bom. – a droga da voz não queria sair.

- Não é à toa que está tão magro! Como que um sujeito com a sua altura vai encorpar comendo capim? Quem gosta de pastar é bode. – devolveu ele, achando que estava sendo engraçado. Coloquei um sorriso abestalhado na cara.

- Chuleta para dois, este fagottini de queijo ao sugo. – pediu o Carlão assim que voltou à mesa. – E o que quer beber? – perguntou dirigindo-se a mim.

- Água!

- E duas águas com gás! – completou o Carlão para o rapaz que viera pegar os pedidos.

- E uma salada! – completou o Aristides antes de fazer seu próprio pedido. O Carlão o encarou sem entender, e ele riu. Corei na hora, pois ele constatou o quanto o filho tinha controle sobre mim e, mais constrangedor, intimidade.

Acabei me desiludindo tão logo soube qual era o trabalho que estavam me propondo. Nada mais do que levar uma ou duas vezes por semana umas encomendas a um escritório na região da Avenida Paulista, receber o pagamento e entrega-lo pessoalmente ao Carlão ou ao Aristides. Se estivéssemos somente o Carlão e eu, eu talvez tivesse dito que aquilo não era um trabalho, que não ocuparia mais do que algumas poucas horas e, que eu continuaria a me sentir um desocupado. Mas, diante da presença do Aristides não ousei ser tão tolo. O que, pensando depois de passado o almoço, foi providencial, pois o Carlão também teria se zangado comigo se eu me pusesse a reclamar.

O almoço teria sido a mais normal das situações não fosse um acontecimento para o qual ninguém estava preparado. Uma garota de mais ou menos vinte e poucos anos, tinturada e coberta de penduricalhos, vestida num jeans justo e numa blusa de decote profundo que acabava sobre uma barriga de no mínimo seis meses, entrou feito um raio no restaurante e veio diretamente a nós, gritando para quem quisesse ouvir, um festival de impropérios dirigidos ao Carlão. Eu reconheci a fisionomia dela, era uma putinha da favela que vivia jogando olhares convidativos para a molecada adolescente, a fim de povoar o imaginário daqueles jovens movidos a hormônios.

- Não adianta não atender minhas ligações, mandar dizer que não está, fazer de conta que eu não existo, por que você não vai sair dessa numa boa, e me deixar arcando com tudo sozinha! – berrou ela, histérica.

- Faça o favor de se controlar. Pare de fazer escândalo, sua louca! – devolveu o Carlão, já possesso, mas tentando manter a linha.

- Vou fazer escândalo sim! Aqui está, a prova de que me engravidou! Já que fez pouco da minha palavra. Você vai assumir esse filho nem que eu tenha que te arrastar para os tribunais, seu cafajeste miserável. – Ela agitava uma folha de papel na cara dele, que tirara da bolsa.

- Chega! – disse o Aristides, antes de terminar de colocar a garfada que estava pronta, há algum tempo, na boca.

- Não chega não! Ninguém vai me intimidar! Eu não sou uma qualquer que vocês podem fazer o que bem entenderem. Eu vou lutar pelos meus direitos! Você vai me bancar e ao seu filho conforme manda a lei. Eu já consultei um advogado e você vai ter que assumir o que fez em mim. – ela continuava exaltada e fazendo com que o restaurante inteiro estivesse focado em nossa mesa.

- Vamos sair daqui e conversar num lugar mais apropriado. – disse o Carlão, levantando-se e tentando conduzi-la para fora dali.

- Não toque em mim! Não vou a lugar algum se não for para você assumir o que fez. – sentenciou ela, esquivando-se da mão dele.

Eu olhava de relance para a cara do Aristides e me deu um frio na barriga só de imaginar o que aquela expressão gélida, de sobrancelhas praticamente unidas sobre a ponte nasal significava. Contudo, algo me dizia que o destino daquela garota já estava selado. Depois de uma conversa, um pouco distante da mesa, o Carlão saiu com ela do restaurante. Fiquei mais uma vez frente a frente com o pai dele, sem saber onde enfiar a cara e as mãos.

- Quer alguma sobremesa? – as palavras dele eram tão frias quanto um iceberg.

- Não obrigado! – gaguejei, de tão nervoso.

Mais constrangedor e perturbado fiquei quando percebi que o Aristides tinha pego o caminho para o apartamento. Certamente ele sabia de cada detalhe do que acontecia entre o Carlão e eu. Embora não houvesse novidade alguma nisso, pois se ele sabia de vida de cada um naquela favela onde era tido com um rei absoluto, por que não haveria de conhecer tudo o que se passava entre o filho e seu brinquedo homossexual? Eu era atirado sim, era espevitado, era uma bicha arretada, mas diante daquele homem eu não sabia como agir.

Esperei por uma ligação, ou que o Carlão aparecesse no apartamento para me explicar que cena tinha sido aquela, mas ele não fez nenhuma das duas coisas. Desde quando ele me daria explicações sobre seus atos? No entanto, eu estava puto e minha vontade era de pô-lo contra a parede e exigir que me dissesse que barriga era aquela, pois já estávamos juntos bem antes disso. O que eu estava sentindo nada mais era do que ciúmes; ciúmes porque aquela garota estava grávida do meu homem, ciúmes porque eu jamais poderia lhe dar um filho, ciúmes porque aquele filho podia tirá-lo dos meus braços. Minhas ligações e mensagens não obtiveram retorno durante todo o dia seguinte. Minha raiva só crescia. Eu já estava na cama quando ele apareceu na sexta-feira, esfreguei os olhos sonolentos para constatar que passava das onze horas.

- Não quis te acordar. – disse ele, despindo-se para entrar na cama. Como não respondi, ficou pairando um silêncio em suspense.

- É tudo o que tem a me dizer? – questionei, quando ele voltou do banheiro onde tinha ido mijar, sem se incomodar de recolocar o caralhão dentro da cueca de seda.

- É. – devolveu ele, como se o episódio do dia anterior nunca tivesse acontecido.

- Como assim? Eu estou há dois dias esperando que você me explique como foi que aquela puta ficou grávida, e você me diz que não tem nada para me contar. Cínico! – retruquei exasperado.

- Provavelmente porque uma pica despejou porra na buceta dela. – afirmou.

- E você tem coragem de aparecer aqui, colocar esse bagulhão para fora e agir como se nada tivesse acontecido?

- Tive um dia cansativo. Não é hora para você ter um piti. – ele contraiu as sobrancelhas, sua marca registrada de quando estava irritado.

- Eu tendo um piti? O que você esperava que eu fizesse?

- Que colocasse isso aqui na boca para não ficar falando besteiras. – respondeu ele, balançando o cacetão diante do meu rosto.

- Pode tirar seu cavalinho da chuva! Não quero nem saber desse troço que você enfia em qualquer buraco. – sentenciei ofendido.

- Azar o seu! Já que não vai dar um trato nele, boa noite! – exclamou, entrando na cama e virando-me as costas. Saí do quarto e fui me deitar no sofá como uma mulher ultrajada pela traição do marido. Eu só não levei em consideração que, eu não era uma mulher e nem ele era meu marido e, mais relevante, eu não sabia que tipo de relação era aquela entre nós dois, somente que era tão frágil quanto uma bolha de sabão.

Havia esfriado bastante durante aquela madrugada de outono. Lá pelas tantas, o Carlão veio me buscar, tirando-me do sofá como se eu fosse uma criança que tivesse adormecido diante da televisão, levando-me para a cama e colocando uma manta sobre meu corpo enregelado. Fingi que estava dormindo quando ele acariciou meu rosto com as costas dos dedos.

Na manhã seguinte, acordei com a ereção dele roçando meu rego. Não percebi que ele, em algum momento, havia tirado minha cueca. O hálito quente dele resvalava delicadamente minha nuca e, contrariando minha disposição, meu cuzinho começou a se assanhar. Estava prestes a me levantar para não cair na tentação, mas ele, instintivamente, me reteve com o braço que estava abraçando meu corpo. Permaneci imóvel, na esperança de que o tesão passasse. No entanto, ele foi despertando aos poucos, e ia se aconchegando às minhas curvas, se amoldando ao meu corpo, fazendo a ereção atingir seu apogeu. Fingi estar dormindo e não notar sua excitação, até ele forçar a pica contra meu cuzinho que, infiel e travesso, me traia piscando e xuxando aquela cabeçorra úmida a fim de deixa-la penetrar. Ele sabia que eu estava fingindo, tentando me fazer de difícil.

- Zangadinho? – sussurrou ele.

- Nem vem! Odeio você! – resmunguei. De um só golpe a rola distendeu minha musculatura anal e me invadiu.

- Odeia mesmo? Me parece que esse cuzinho tem outra opinião. – continuou sussurrando, libertino e tarado.

Gemi permissivo e subjugado quando outro impulso terminou de colocar aquele cacetão nas minhas entranhas. Ele me fodeu até sentir que os bagos ingurgitados e opressivos estavam aliviados.

- Como você foi um menino bonzinho, vou te levar para passar o fim de semana no sítio. – disse ele, enquanto eu fazia sua barba debaixo do chuveiro, e ele bolinava minha orreta galada com seu esperma até a boca.

- Amo você! – disse quando terminei de escanhoá-lo e acariciei aquela pele que mais parecia uma lixa. Ele riu.

- Pensei que me odiasse! – zombou.

Ele já havia me falado daquele sítio na zona rural de um município vizinho e, eu pedido uma centena de vezes para ele me levar até lá. Partimos pouco depois daquela transa que, como sempre, havia deixado meu cu ardendo. O sol da manhã despontava lentamente, como se estivesse com preguiça. Tomamos café num posto à beira da rodovia, pouco antes de enveredarmos por um emaranhado de estradas de terra que levavam ao sítio. A propriedade ficava no final de uma estrada esburacada, isolada por um remanescente de mata praticamente intocada. Era composta por uma casa sede avarandada e mais duas menores que serviam de morada dos caseiros, além de uma edificação alongada da qual vinham relinchos indicando que serviam de abrigo para cavalos. O Carlão me levou num passeio de reconhecimento, pouco depois de deixarmos nossa pouca bagagem numa suíte ampla com vista para um vale. Não dava para saber onde a propriedade terminava, pois sempre se chegava a um ponto do qual só seria possível prosseguir se nos emprenhássemos no mato. Ele procurava se mostrar descontraído, me provocava com pequenas observações, uns amassos durante o percurso, nos quais me roubava alguns beijos, fazia piada de tudo que eu falava, mas estava tenso. Eu sentia essa tensão em sua boca quando nos beijávamos, na musculatura dos braços que pareciam não relaxar, na inquietude com a qual parecia estar procurando por alguma coisa. No início da tarde, estávamos deitados à beira da piscina, sob um sol que não esquentava. Mas, me pareceu que meu corpo exposto bastava para ele se sentir confortável ali. Uma camionete apontou no topo da rampa que acabava diante da casa. Dela desceram a garota do escândalo no restaurante, um sargento da polícia que costumava ficar numa viatura estacionada próximo ao depósito de material de construção do Aristides e, um outro sujeito que costumava fazer serviços sujos para o pai do Carlão. Arrepiei-me quando vi o sargento, que a princípio não havia reconhecido sem a farda. Meu pavor por sua pessoa era maior que o pelo Aristides, pois numa ocasião, quando ainda morava na favela, vi do que aquele sujeito era capaz. Os dois filhos mais velhos da Damiana, uma mulata quarentona de seios enormes, eram bandidinhos criados na malandragem e no oportunismo daquelas vielas. De delinquentes juvenis com passagens pela Fundação CASA, a antiga Febem, eles se transformaram em assaltantes a mão armada, ladrões de estabelecimentos comerciais e residências em bairros nobres próximos à favela. Tinham sido afastados do tráfico de drogas pelo próprio Aristides que se cansara de contornar os problemas que causavam nos pontos de venda controlados por ele. Numa ocasião, com outros capangas, assaltaram um supermercado nas redondezas. A polícia chegou antes que pudessem empreender a fuga e um intenso tiroteio em plena luz do dia abalou a rotina do entorno. Na fuga, após terem baleado um policial, fugiram para o emaranhado de vielas da favela, trazendo um enorme contingente de policiais em sua perseguição. Tropas bem armadas vasculharam casa por casa, fazendo uma devassa na favela. Foram encontrando armamento pesado e restrito ao exército, um carregamento de cocaína que estava sendo processado para ser distribuído, além de prenderem alguns dos mais importantes e fiéis capangas do Aristides, causando um prejuízo incontável à facção. Além de praticamente acabarem com os negócios, pois o noticiário não parava de mencionar os feitos da polícia na mídia diária e, era preciso cautela antes de retomar a rotina. Depois de baixada a poeira, o sargento e mais um grupo do Aristides, passou a vigiar cada passo dos filhos da Damiana e, num final de tarde de domingo, em meio a uma partida de futebol do campeonato paulista, ela teve sua casa invadida pelos capangas decididos a ajustar as contas com aqueles dois. A ação não foi nada discreta, era para servir de lição a quem não rezasse pela cartilha do Aristides. Um chute escancarou a porta da casa de quatro cômodos. A Damiana ia protestar quando foi derrubada com uma rasteira inesperada, as duas filhas menores gritaram e começaram a chorar, os dois filhos não tiveram tempo de abandonar o sofá e correr em direção à porta dos fundos, foram pegos antes de vislumbrar a escapatória. Nas casas vizinhas, janelas e portas foram se fechando, apesar do calor que a falta de uma brisa exacerbava.

- Pelo amor de Deus, minhas meninas não! – gritava a Damiana, enquanto as filhas eram estupradas por dois dos homens.

Ela própria apanhou de um mulato até se urinar toda, antes de ter as tetas riscadas por um canivete e, a vagina preenchida pela verga animalesca do sujeito. Os filhos assistiam a tudo tendo a única certeza de que seria a última coisa que seus olhos contemplariam. As filhas desvirginadas vieram procurar abrigo nos braços de mãe, com as entranhas tão molhadas quanto as dela, quando foram deixadas num canto do chão ladrilhado. Pouco antes de dois estampidos terem colocado os nervos da vizinhança em frangalhos, ouviam-se os gritos por perdão e misericórdia dos dois rapazes. Na casa escancarada só se ouviam os gemidos desolados de uma mãe para quem a vida nunca tinha sido fácil.

Ao me recordar desse fato, e ver aquele sujeito truculento vindo em nossa direção, senti um calafrio. O Carlão levantou-se da espreguiçadeira e cumprimentou efusivamente os recém-chegados, numa atitude que me deixou perplexo, para não dizer puto. Aquela mulher tinha uma relação muito mais estreita com o Carlão do que eu havia imaginado. Ela agiu como se estivesse em casa, despreocupada, arrogante e senhora de si. Um bucho cheio era mesmo um excelente meio de barganha, concluí. Logo ela estava de biquíni se juntando a nós, sorrindo como se houvesse conquistado um campeonato e pronta para usufruir das glórias da vitória. Minha felicidade evaporou como por encanto. O que eu havia imaginado ser um final de semana todinho com meu homem, tinha se transformado num calvário. Soubesse eu como retornar por aquelas estradas truncadas pelas quais viemos, eu sairia dali, a pé mesmo, só para não ver aquela mulher se pendurando no pescoço do meu macho, o macho que eu havia satisfeito naquela manhã, o macho que dengosamente se deixara barbear sob o chuveiro compartilhado na mais doce intimidade, o macho do qual eu ainda podia sentir a porra formigando no cuzinho.

- Quero ir embora! – disse ao Carlão, quando tivemos uns instantes a sós.

- Fica na sua! Nada de faniquitos agora, entendeu? – devolveu ele, ríspido.

- Você trouxe essa mulher para cá para me esfregar na cara que ela é mais importante do que eu, só porque você a engravidou. – queixei-me choroso.

- Eu não engravidei ninguém! Não me traga mais problemas dos que eu já tenho. – ele não estava a fim de discutir e, tentava me fazer calar.

- Ela esfregou o papel na sua cara naquele dia no restaurante. Eu não tenho como competir com ela, aqueles peitos, aquela bunda e agora aquela barriga com seu filho dentro. – lamuriei.

- Aquilo era o resultado de um teste de gravidez. Não prova que sou o causador dela. – retrucou ele. – Como está a sua bunda? Tenho certeza que assada e cheia de porra, então quem está com a vantagem? – revidou, deixando-me desolado e perdido.

Preferi me trancar no quarto a ver aquela gente bebericando e se divertindo ao redor da piscina como um velho grupo de amigos, do qual eu não fazia parte. Algo me dizia que o Carlão ia se chatear com a minha atitude, mas eu estava com raiva dele e, atrevidamente, pouco me importando com o que ele achava ou deixava de achar. Quando anoiteceu ele mandou um dos caseiros me avisar para descer, pois estavam fazendo um churrasco.

- Obrigado, Seu Dito, mas faça o favor de avisar que eu estou com uma dor de cabeça terrível e prefiro continuar descansando. – instrui o caseiro.

- Desculpe, senhor Rosivaldo, mas o patrão não vai aceitar que eu desça sem o senhor. – havia um tom ameaçador em suas palavras, embora estivesse sendo gentil.

- Tudo bem então. Diga que estou indo. – minha intensão era retribuir a gentileza do caseiro, sem contudo satisfazer a vontade do Carlão.

- Eu aguardo se for necessário, mas não desço sem o senhor. – ele devia estar muito ciente de que não cumprir alguma ordem tinha um preço. Eu o acompanhei contrafeito.

- Que cara é essa? – questionou o Carlão assim que me juntei a eles.

- A minha!

- Trate de melhora-la! Já te disse que estou com problemas demais para me incomodar com mais um. – retrucou zangado. Fiz uma careta com um sorriso irônico.

Nas horas em que estive ausente, algo devia ter acontecido, pois a garota já não estava tão petulante e desafiadora. Parecia medir as palavras com cuidado antes de pronunciá-las, e foi econômica ao fazê-lo. Havia uma tensão entre o Carlão, o sargento e aqueles homens, que se entreolhavam como se uma conversa sem palavras estivesse acontecendo. Passava das nove horas da noite quando o Carlão subiu comigo para o quarto. Por breves instantes senti uma alegria pueril por ele vir se deitar comigo e não com a garota, mas foram muito breves mesmo, pois enquanto eu havia me enfiado sob a ducha me preparando para mais uma noite de sexo, ele deixara o quarto. Quis ir ter com ele, mas ao abaixar a maçaneta da porta, constatei que estava trancada. Eu fora encarcerado. De tão furioso, tive um ataque de choro. Ele apenas me ludibriara para se refestelar entre as pernas dela. Eu até podia ver a cara desavergonhada dela, a mesma que usava para seduzir os garotos da favela, ao se abrir toda para levar o cacetão intrépido do homem pelo qual eu estava tola e completamente apaixonado. No entanto, uma altercação parecia vir da área da churrasqueira. Eram vozes de homens indistinguíveis e a da garota, que reconheci pelo timbre áspero, embora ele soasse um pouco diferente agora, como se acometida de uma rouquidão. Abri as portas francesas que davam para uma sacada e tentei distinguir melhor aquilo que parecia uma discussão, mas não consegui ouvir nada além de sons sem sentido.

- O que faz aí? – a voz do Carlão surgiu às minhas costas e quase me matou de susto.

- Parece que alguém está discutindo lá embaixo. – afirmei, notando que ele não havia aprovado minha bisbilhotice.

- Deu para ouvir conversa alheia, feito uma comadre? Devia estar aqui para se penitenciar pelas bobagens que andou fazendo o dia todo. – disse ele, batendo no colchão onde estava sentado.

- Pensei ter ouvido uma briga. Não estou bisbilhotando nada. – devolvi.

- O pessoal deve estar discutindo futebol ou algo que o valha. Ajoelha aqui e mostra para o teu macho como é que deve se comportar. – disse ele, abrindo as pernas e manipulando a rola.

Ele não estava se fazendo de engraçado quando disse isso, pelo contrário, havia mesmo uma ordem subliminar em suas palavras, que eu não quis afrontar por duas razões; uma porque seu semblante estava soturno demais para ser desobedecido e, outra, porque havia uma rodela úmida no tecido da calça indicando que a jeba estava babando de excitação. Fiz o que ele determinou. Ajoelhei-me entre suas pernas, abri a braguilha e comecei a deslizar os dedos através dos pentelhos densos como se estivesse desencavando um tesouro. Seus olhos brilharam, e ele passou a língua pelos lábios na tentativa de aplacar a secura que sentia. Libertei o caralhão e comecei a lambê-lo da glande molhada até o sacão, percorrendo a sinuosidade das veias que iam se dilatando à medida em que eu progredia. Ele soltou um gemido e mais pré-gozo pela uretra calibrosa. Sorvi-o com os lábios e fitei seu olhar acabrunhado. Não havia nele aquela inquietude libidinosa que eu costumava ver quando o estimulava daquele jeito. Tirei seus tênis e sua calça, acariciando as coxas musculosas e peludas. Depositei beijinhos por todo o trajeto entre os joelhos e a virilha, antes de abocanhar um testículo e chupa-lo ao mesmo tempo em que o tracionava de leve. Ele tornou a gemer e aprendeu minha cabeça entre suas pernas.

- Quero arregaçar esse cuzinho! – exclamou, como se estivesse entre duas opções e essa fosse a que mais lhe agradava.

Eu me levantei e engatinhei sobre a cama, livrando-me simultaneamente da cueca. Ele alcançou minhas nádegas com as duas mãos, apertou-as com força desmedida, e mordeu uma delas até me ouvir gemer. Abriu meu rego e roçou a língua úmida sobre minha rosquinha esfolada. Gemi cheio de tesão. Ele voltou a sair da cama, ficou em pé e me puxou pelas pernas até minha bunda ficar pendurada na beira do colchão. Apoiou minhas pernas sobre seus ombros e guiou o pau com a mão para dentro do meu cu, cruel e impiedosamente. Não ouvi apenas o meu grito alto e sonoro, mas o da garota vindo de algum lugar mais afastado daquele quarto. Meu coração batia rápida e descompassadamente. O Carlão inclinou-se sobre mim para exigir meus cuidados. Socava a rola dura como ferro na minha carne receptiva e me beijava como se minha boca pudesse aplacar todas as suas preocupações. Eu o tomei nos braços e chorei, não sei se de dor ou se por sentir que naquele momento eu era mais forte do que ele.

Na manhã seguinte, os homens conversavam em torno da mesa do café. Fez-se um silêncio assim que viram o Carlão. O único que ousou cumprimentar foi o sargento, sem fazer uso de palavras, apenas um aceno. Aquele aceno também transmitiu ao Carlão outra mensagem.

- Bom dia, senhores! – exclamou o Carlão. Uma anuência silenciosa e respeitosa surgiu na cara de cada um daqueles sujeitos. Fiquei arrepiado só de pensar no que aquilo significava.

Eles partiram logo após o churrasco do almoço. Por duas vezes peguei o Carlão e o sargento conversando isoladamente. Da garota nem sinal. Parecia ter se dissipado como a escuridão da noite ao raiar do dia. Em nenhum momento mencionou-se o nome dela e, embora eu estivesse curioso para perguntar sobre seu paradeiro, não me pareceu ser uma boa ideia.

Na segunda-feira à tarde, o Carlão veio com duas passagens nas mãos. Agitou-as diante dos meus olhos, contente como um menininho que acabara de ganhar um presente. Um estado de humor totalmente diverso do da véspera.

- Sabe o que é isso? – perguntou, fazendo suspense e não me deixando pegar os bilhetes de suas mãos.

- Já sei! Vai me levar num jogo de futebol, e está fazendo onda só para me convencer a acompanha-lo. Você sabe que eu detesto futebol!

- Errou feio! Se errar de novo, vai ter que ficar de quatro e eu só vou te largar quando acertar. – disse, caçoando.

- Não Carlão, por favor, eu ainda estou todo dolorido de ontem. Conta logo, vai. – pedi, receoso de ter que encarar mais um destempero daquele macho. Ele colocou as passagens nas minhas mãos. – Passagens aéreas? Para Miami? Você vai me levar para os Estados Unidos? Jura? Quero ir na Disney! – eu mal pude acreditar.

- Ainda está todo dolorido? – questionou jocoso.

- Adoro, adoro, adoro você! – exclamei, pendurando-me em seu pescoço e cobrindo-o de beijos. – Eu vou para a Disney! – emendei, como uma criança que nunca cheguei a ser, por ter que encarar, desde cedo, uma realidade da qual todos queriam fugir.

Nosso voo saiu no dia seguinte e, durante aquelas três semanas, eu não questionei o motivo daquela viagem inesperada. Somente ao retornar, numa visita que fiz à Cleide, cheio de novidades para contar, e que fiquei sabendo de algo terrível.

- Vou te mostrar uma coisa, mas você vai me prometer que não vai abrir a boca com ninguém, especialmente com aquele seu papa-cu. – disse-me ela. Quando ficava séria assim era porque a prudência falava mais alto. – Promete, bichinha desbocada, anda!

- Afffê! Prometo. Você me conhece, sabe que sei guardar segredo. – retruquei magoado.

- É justamente por te conhecer que estou te avisando! Não é um segredo, saiu até na televisão, mas bico calado quanto ao que está por trás do que vou te contar, se não quiser ter o mesmo destino. – ela continuava séria, e não riu como costumava fazer quando fazia uma fofoca descompromissada sobre alguém que conhecíamos.

Ela gravara no celular uma reportagem veiculada na televisão poucos dias após eu ter viajado. Tratava-se do corpo de uma mulher encontrada com hematomas e o pescoço quebrado, jogado nu num matagal no mesmo município onde ficava o sítio do Aristides. A boca retorcida, provavelmente por um maxilar fraturado, os olhos arregalados, o pescoço arroxeado e completamente fora de posição, além dos cabelos tingidos cobrindo parcialmente o rosto do cadáver, não me impediram de reconhecer a garota grávida. Precisei fazer um esforço para não vomitar e, por alguns segundos, faltou-me o ar. A Cleide percebeu minha perturbação.

- Reconheceu, não é? Reconheceu a garota que fazia ponto na rua atrás do motel lá da avenida. E está com esta cara por que sabe que ela estava acusando o seu bofe de ser o pai da criança. Ela não escondia isso de ninguém, falava abertamente pelas vielas que tinha pego barriga do filho do Aristides. Veja no que dá se meter com essa gente! Eu vivo te falando. Você me escuta? Óbvio que não! Só consegue sonhar com o pau daquele outro. Abre seu olho, ou vai terminar do mesmo jeito. – ela nunca tinha sido tão ríspida comigo.

- Não foi ele! – exclamei, tentando convencê-la daquilo que eu mesmo não acreditava.

- Claro que não foi ele! Mas foi a mando dele, não se iluda! – ela conhecia a vida muito melhor do que eu.

- Não fala assim! Você não tem certeza.

- Olha aqui, seu tonto! Presta muita atenção no que vou te falar agora. Todos que se meteram com aquela família acabaram comendo grama pela raiz. Não pense que com você vai ser diferente, por que não vai!

Saí do salão perturbado e confuso. Eu sabia que tinha sido o sargento e aqueles capangas que fizeram o serviço sujo no mesmo tempo em que eu agasalhava a pica do Carlão. Comecei a tremer de medo, um medo que brotava da consciência, da alma, de não sei onde no mais remoto lugar do meu ser. Aquele macho que me enchia de felicidade era um assassino, e eu estava tão apaixonado que seria capaz de dar minha vida por ele. Precisei que a Cleide me ajudasse a inventar um pretexto para nos ausentarmos por alguns dias, pois se ficasse a sós com ele seria capaz de pôr tudo a perder.

Ele não era num ingênuo, nenhum marinheiro de primeira viagem. Tão logo regressei de viagem a uma suposta prima doente da Cleide no interior do Paraná, ele me aguardava no apartamento. Estávamos morando junto, só eu não havia me apercebido disso, de que aquelas vindas esporádicas se tornaram uma presença constante.

- Senta aí, precisamos ter uma conversa. – disse ele, após eu ter saído do banho, pouco depois da minha chegada. Comecei a tremer incontrolavelmente, pensei que fosse ter uma síncope.

- Tenho mesmo um montão de coisas para te contar. – minha voz saiu gaguejada.

- Não tenho dúvida! Mas, temos um assunto a resolver antes disso. – afirmou. Pensei que ele fosse me ameaçar se abrisse meu bico sobre o que tinha acontecido no sítio, pensei que fosse me expulsar do apartamento e de sua vida, pensei que havia entrado na fila do cadafalso e seria o próximo a ser encontrado com a boca cheia de formigas. Não consegui encará-lo.

- Pode falar. Eu juro que não .... – estava pronto para fazer todas as concessões, guardar meu silêncio, fazer o que fosse preciso para, ao menos, continuar respirando, quando ele me interrompeu.

- Sei que andaram colocando uma porção de minhocas na sua cabeça, além daquelas que você mesmo já vinha cultivando. – começou. Eu ia dizer que não, para proteger a Cleide, mas ele ergueu o dedo e me fez calar. – Olha bem para mim! Eu não engravidei aquela putinha. Peguei ela uma única vez e foi com camisinha, muito antes de você e eu ficarmos juntos. Aquele papel não dizia quem era o pai da criança, era só um teste de gravidez e não um teste de paternidade confirmando ser eu o pai. Nem podia ser, porque nunca cedi material para fazer um teste de paternidade. Não sou pai de ninguém e nunca engravidei mulher nenhuma, porque sempre usei preservativos e nunca gozei numa mulher como gozo em você, diretamente do cacete para sua boca ou seu cuzinho. Mandei olhar para mim! Também não sou o responsável pela morte dela. Está me ouvindo? Não fui eu quem mandou aquela infeliz para o raio que a parta. Vontade não me faltou, mas não fiz isso. Nunca mandei alguém para o inferno e, nem dei ordem para que alguém o fizesse por mim. Você me entendeu? – ele viu meus olhos começarem a marejar, mas continuou solicitando meu olhar.

- Entendi! – ou eu era o mais tolo dos homens, ou era o mais apaixonado dos seres, pois só isso explicava o porquê de eu haver acreditado em tudo o que ele acabara de dizer.

- Então por que está com medo de mim? – questionou, erguendo meu queixo para que prendesse meu olhar no dele.

- Não estou com medo. – mal ouvi minhas palavras.

- Não deveria mentir para mim! – exclamou ele.

- Eu tenho medo de toda essa situação. Me senti enredado uma trama da qual nada sei. Tenho medo de ficar sem você. Tenho medo de acabar nas páginas policiais por conta de algo que nunca fiz. – desabafei, caindo num choro convulsivo, pois era assim que vislumbrava meu destino.

Ele não disse mais nada. Havia se acomodado aos travesseiros e aberto as pernas, me puxado para cima dele e deitado sobre seu peito, envolvendo os braços no meu tronco. Minhas lágrimas se perderam entre os pelos daquele torso musculoso. Eu jamais havia sentido tamanha dor na consciência.

Em alguns meses, aquele episódio foi se diluindo no tempo. O santo remédio para todos os males. Os fatos jamais se apagarão da minha memória, estão lá gravados a ferro e fogo, mas já não me afligiam como no início. Meu relacionamento com o Carlão entrou num estágio de calmaria. Quando me refiro a calmaria, quero dizer que deixamos de ter altos e baixos relacionados ao que acontecia a nossa volta, e não à impetuosidade e ao fogo que nos unia no leito conjugal. Eu conduzia o que ele e o pai chamavam de trabalho, mais para não criar qualquer atrito entre eles, pois ficava cada vez mais notório que o Aristides não estava nada satisfeito com a maneira como o filho conduzia sua vida sexual.

O escritório onde eu ia de duas a três vezes por semana para entregar as tais encomendas, ficava no vigésimo andar de um elegante edifício na Avenida Paulista. A austeridade e o refinamento do ambiente ficavam evidentes assim que se descia do elevador. Pairava um estranho silêncio no ar, contrastando com o movimento frenético da avenida. Quem me recebia, muito prontamente assim que a secretária anunciava meu nome, era um quarentão muito bem apessoado, sempre trajando um terno que se amoldava a seu corpo estruturado como se fosse uma luva. Ele nunca estava só no escritório. Ao lado dele, ou sentado num dos sofás que compunham uma espécie de sala de visitas, havia um sujeito cuja função nunca consegui definir, mas que minhas suspeitas podiam adivinhar. Ele também sempre vestia um terno, menos alinhado que o do quarentão, mas não menos elegante.

- Hola, que tal? Mi nombre es Gutierrez! Es un placer recibir a un chico tan hermoso de parte del señor Aristides. – disse o quarentão da primeira vez que nos encontramos.

- Boa tarde! Obrigado! – respondi, atendendo às instruções que o Carlão havia me passado – seja gentil e educado com o cara, ele gosta dessas formalidades – juntamente com a recomendação de segurar minha onda e não ser tão bandeiroso, nem desmunhecar além do aceitável. Fiquei puto com ele, mas seu sorriso e um beijo voluptuoso me desarmaram.

Eu, de fato, havia me transformado bastante depois de conhecer o Carlão. Tudo se iniciara logo naquele primeiro encontro, quando ele me salvou de ser estuprado, quando me levou ao shopping para comprar roupas. Nada do que eu gostei o agradou. Uma camiseta justa num tom rosado precisou ser substituída por uma polo jovial, mas sóbria, sob o balançar de negação de sua cabeça. O mesmo aconteceu com um jeans skiny desfiado nos joelhos com os bolsos contornados por apliques reluzentes, que foi substituído por outro, menos justo e sem atrativos. Embora estivesse com o guarda-roupa renovado, tudo me pareceu carecer de glamour. No entanto, o Carlão estava feliz com meu novo visual. Também precisei recatar meus modos, pois era constantemente advertido pelos meus excessos. Cheguei a protestar com ele, alegando que estava me transformando numa freira. Ele sempre ria, agarrava meu queixo e mergulhava aquela sua língua tarada na minha boca fazendo minhas pernas bambearem e eu seguir suas determinações. Com o tempo, fui notando que já não era mais tão agredido nas ruas, ou visto com olhares de desprezo nos estabelecimentos onde entrava. Portanto, diante do Gutierrez, eu me sentia seguro de não estar parecendo uma drag queen fora do palco, embora permanecesse com algo que tinha a incrível capacidade de atrair olhares cobiçosos. Foi isso que notei por trás daquela gentileza toda.

O tal Gutierrez sempre encontrava uma maneira de me reter por mais tempo que o necessário; ora me oferecia um café, que a secretária parecia tê-lo ido plantar antes de regressar com a xícara fumegante; ora a conferência da encomenda que eu havia trazido parecia estar sendo feita na China, pois a pessoa que a viera conferir não voltava nunca. Nesse interim, ele arrumava uma desculpa para sentar-se ao meu lado, sempre me encurralando entre seu corpo rescindindo a um perfume amadeirado e o braço do sofá. Nem o olhar indiscreto do outro sujeito presente na sala o impedia de fazer galanteios ou me contar estórias picantes, talvez com a intenção de elas despertarem meu apetite por atitudes libidinosas. Eu passava o maior sufoco para não parecer desagradável, embora minha vontade fosse a de manda-lo à merda.

Numa dessas ocasiões, ele cismou com meu rosto. Logo que cheguei naquele final de manhã, ele veio ao meu encontro e, já se achando íntimo devido aos sucessivos encontros, contornou meu rosto com uma das mãos.

- No es la cara más perfecta que hayas visto, Raul? – perguntou ao sujeito que apenas se limitou a responder com um sorriso. – Alguna vez pensaste en ser modelo? – indagou-me, sem parar de roçar aquela mão atrevida pela minha face ruborizada.

- Não senhor, nunca! – respondi com a voz débil e constrangida.

- Ya dije que no me llame señor, solamente Gutierrrez! – retrucou ele com um risinho de empáfia.

- Sim senhor.... sim, Gutierrez!

- Tengo uma amiga que quiero que conozcas. Le perguntaré que la próxima vez ella se encontre com usted. – onde ele queria chegar com aquilo eu não sabia, mas tinha a certeza de que se o Carlão soubesse que meu rosto estava sendo bolinado com tamanha desfaçatez, minhas idas àquele escritório teriam seu fim decretado sumariamente e, o Gutierrez arrumado um arqui-inimigo. Por isso, nunca mencionei as agruras pelas quais passava nessas visitas.

Abri-me com a Cleide. Ela, para variar, me encheu de recomendações. Chegou a ficar tão abalada que me arrependi de ter tocado no assunto.

- Isso pode acabar mal, muito mal você bem sabe. E não digo isso por causa do tal gringo que está dando em cima de você, mas por sua causa. Não vai sobrar para ele, pois pelo que você me contou, o sujeito é tão ou mais bandido que o teu papacu. Quem vai se ferrar nessa história é você. Não se iluda com os beijos e as passadas de mão do Carlão na sua bunda, isso não é carinho, é confirmação de posse. No momento em que ele desconfiar que pode estar sendo chifrado, você já era. Quando digo já era, não quero dizer que ele vai te dar um pé na bunda, ele vai te matar. – sentenciou ela.

- Ai Cleide! Como você é trágica e agourenta! Vira essa boca para lá! – retruquei.

- Não se faça de besta! Você sabe que é exatamente isso que vai acontecer. Enfia uma coisa na sua cabeça, criatura! Você precisa pensar numa maneira de sair dessa na maciota. Esqueça esse papacu. O cara deve ter algum alucinógeno naquela porra, pois você não raciocina mais. – afirmou.

- Você nunca vai entender. Eu amo aquele homem, sem ou com aquele zilhão de defeitos, com ou sem alucinógeno naquele sêmen dos deuses. Para mim bastam aqueles olhos verdes pousarem nos meus, mansos, profundos e enigmáticos quando ele coloca aquele bagulhão bem lá no fundo do meu ser. Ele não precisa falar nada, eu sei que significo muito na vida dele. – aleguei.

- Você é um caso perdido! Desisto! – exclamou ela, decepcionada.

Conheci a tal amiga do Gutierrez, Pilar, uma mulher baixinha e troncuda vestida num tailleur azul marinho, no encontro imediatamente após. Ela teceu os mesmos rapapés que ele em relação ao meu rosto. Porém, ateve-se ao meu corpo para o qual não faltaram elogios, alguns indecifráveis naquele espanhol ruminado às pressas. Sei que saí dali naquele dia com o cartão de visitas do Gutierrez sendo colocado na minha mão enquanto ele a segurava entre as suas, com a recomendação que o procurasse a qualquer momento em que eu precisasse e, três pares de olhos fixados no contorno da minha bunda carnuda.


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Comentários

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11/06/2020 15:52:44
maravilhoso fantastico
25/03/2020 03:25:23
Excelente. Um enredo instigante...
24/03/2020 11:35:12
Perfeito!!!
24/03/2020 00:26:52
Ser 1° Dama de bandido é um mundo sem volta onde vc acaba deixando o poder subir pela cabeça e vai se perdendo aos poucos tem seus lados bons e ruins mais parabéns ao conto estás perfeito
24/03/2020 00:03:42
Ahhhhh quero mais já!


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