A LÉSBICA E A TRANSEX
A LÉSBICA E A TRANSSEX
Vou contar a vocês a história de uma amor aparentemente impossível, entre, eu, Marcela, uma mulher que gosta de mulheres, e Fabiana, uma mulher que veio ao mundo em corpo de homem.
Sobre mim, pouca novidade e interesse. Sou lésbica, nasci e cresci num ambiente de mulheres que se relacionam com mulheres. Minha mãe é lésbica, feminina, e durante o tempo que vivi na sua casa, teve dois casamentos com outras mulheres. Minha casa era frequentada quase que somente por mulheres, amigas da minha mãe e das minhas madrastas. Natural que minha primeira experiência sexual, e todas as outras que se seguiram, tenham sido com mulheres. Não teria qualquer problema de contar essas aventuras inaugurais da minha adolescência, não fosse o eventual despertar das libidos de pedófilos que certamente frequentam este site, e teriam na narrativa de sexo entre menores uma fonte de inspiração. Mas o fato é que a minha orientação sexual veio determinada, e faz parte de mim. Sou feminina, como a minha mãe, e, sem falsa modéstia, fico linda tanto maquiada e produzida, quanto interessante de roupa casual folgada e cabelo preso sob o boné. Sou um mulherão.
Leitor: não acredite no padrão que lhe venderam de que a ‘lésbica-lady’ é sensível e submissa e a ‘sapata-bofe’ é ogra e dominadora. Simplesmente não há padrão. Cada um sabe a dor e a magia de ser o que é”, como cantava Gal. Gosto de MPB das antigas.
A história que conto começa aos meus 22 anos, quando recém formada em Direito, passei a ser assediada pela companheira da minha mãe. Confesso que sucumbi algumas vezes, aliás, muitas vezes, tantas que resolvi sair de casa e morar sozinha, antes que eu magoasse quem sempre me quis tão bem. Não sou santa, bem ao contrário.
Nesta época, junto com colegas da faculdade e um professor, fundamos um escritório de advocacia dedicado quase que exclusivamente a questões ligadas aos direitos dos homossexuais e relações homoafetivas. Além disso, em três turnos por semana, prestava assistência jurídica a uma ONG que tinha por objeto a defesa dos direitos das minorias. Assim, lutava pela classe e ao mesmo tempo captava potenciais clientes. Sou idealista, mas gosto de dinheiro. Importante dizer que nosso escritório começava bem, com muito trabalho e pouco honorário, na medida em que os processos tramitam lentamente.
Estava terminando meu plantão em um final de tarde quando chegou um menino franzino de cabelos compridos à sala de espera. Foi orientado pela recepcionista a voltar outro dia, eis que o expediente se encerrava naquele momento. “Eu não tenho para onde ir”, respondeu à funcionária. Passei a prestar atenção no diálogo, percebendo vários hematomas no rosto e no braço do menino.
Falei à secretária: “Deixa comigo. Eu atendo. Pode ir que eu fecho tudo.”
Conversamos ali mesmo na sala de espera vazia, ele contando uma história igual a tantas outras que eu havia ouvido ou testemunhado. Era gay, sempre se comportou como menina, completou 18 anos naquele mesmo dia e seu pai o expulsara de casa após uma surra cujas marcas agora me eram mais evidentes: “a partir de hoje tu és maior não tenho mais obrigação de ter uma bicha dentro da minha casa” foram as últimas palavras que ouviu, sob os olhares acusadores e aliviados da mãe e do irmão. Tinha pouco estudo, porquanto a família, envergonhada do filho veado, não permitira que fosse à escola após os primeiros anos do ensino fundamental e tampouco nenhuma reação de amizade. Pensava em prostituir-se para conseguir dinheiro, mas a condição do seu rosto machucado não lhe permitiria conseguir clientes que lhe pagassem. Estava desesperado, e já havia, sem sucesso, tentado suicídio, frustrado pela habilidade do motorista que freou a tempo e o trouxe até a nossa ONG.
Mesmo nos casos extremos, sigo o protocolo. Neste caso o protocolo era a queixa na delegacia, o exame de corpo de delito no IML, o encaminhamento a uma entidade assistencial para pernoite e, posteriormente, as ações penal e indenizatória contra os agressores. Expliquei exatamente o que aconteceria; ela aceitou meu roteiro, à exceção da instituição assistencial: estava cansada de ser agredida.
Fizemos os procedimentos, e contrariando o rígido protocolo que estabeleci de não me envolver nos problemas com clientes, resolvi levá-la a minha casa, ao menos por aquela noite. Casa é força de expressão. Praticamente tudo na minha vida é alternativo, e minha casa consiste em um ‘loft' construído em uma fábrica abandonada, ao estilo dos 'lofts' de Nova Iorque, onde não há paredes internas entre quarto, sala, cozinha e garagem, tendo apenas uma parede e porta separando o banheiro do resto. Em resumo: privacidade interna zero.
Em compensação, os vizinhos, que vivem no mesmo tipo unidade dentro do prédio da fábrica, são discretos e vivem suas vidas sem prestar atenção nos outros.
Chegando em casa, percebi o quanto a menina - vou usar o feminino, porque é assim que a Fabiana se sente e quer ser reconhecida - estava machucada. O próprio laudo do IML descrevia tecnicamente a gravidade dos hematomas. Liguei para a Dra. Denise, plantonista da emergência de um hospital público, companheira da minha mãe. Felizmente não era dia de plantão, e demonstrou alegria ao ouvir a minha voz quando relatei o caso. Concordou em vir. Veio tão rápido que quase não consegui melhorar meu visual para recebê-la. Ao entrar em casa, beijou minha boca como se eu fosse sua namorada, alisou meu cabelo e disse estar com saudades. Pediu que Fabiana se despisse, e foi rigorosamente profissional no exame clínico. Fabiana era magra, corpo fino, praticamente sem curvas e sem pelos. Sua pele azeitonada, seu cabelo negro, liso comprido, seu olhar profundo e melancólico faziam um conjunto interessante. Seu pênis - era a primeira vez que eu via um - era pequeno, fino, insignificante. Um apêndice desnecessário naquele corpo que queria ser feminino. Até hoje lembro a primeira vez que vi Fabiana nua.
Findo o exame, aplicados os curativos, ministrados os medicamentos, Dra. Denise, carinhosa, pediu a Fabiana que nos desse licença, pois queria tratar algo particular comigo. Sem graça, eu disse: “Fabi, tu te importas de esperar um pouco no banheiro?”.
Denise partiu para cima de mim, praticamente sem me deixar respirar. Beijando, arrancou minha roupa, enquanto eu desabotoava a blusa e a calça jeans dela. Nuas, corpos colados, senti os bicos dos seios siliconados espetando os meus, a mão, ligeira e forte explorando meu corpo enquanto que a boca não desgrudava da minha. Atirou-me na cama, elogiou meus pés com unhas vermelhas, pôs a cabeça entre as minhas pernas e de forma competente e ritmada, friccionou a língua contra o meu clitóris. Sou escandalosa na cama: gemo alto! Esqueci completamente da Fabi esperando no banheiro e traduzi em grunhidos e gemidos o prazer que estava sentindo. Percebendo-me satisfeita, Denise levantou e começou a vestir a roupa. “Deixa eu te chupar …”, propus; “Não dá, tem uma pessoa me esperando em casa …”, respondeu. “Eu seria tua mulher, se tu me quisesse…”. Ela foi definitiva: “Não ia dar certo, eu tenho mais de 50, tu pouco mais de 20. Sei o que é ser uma mulher safada, e nós duas somos vinho da mesma pipa! Além disso, eu amo a tua mãe.”
Assim que Denise saiu, abri a porta do banheiro e encontrei Fabiana sentada sobre a tampa do vaso. Teve a elegância de não comentar nada do que ouvira, então lembrei que deveria estar morrendo de fome. Preparei uma lanche rápido, conversamos banalidades. Tive dó de fazê-la dormir no sofá, duro demais para tanto ferimento, e a coloquei na minha cama, ao meu lado. Dormimos em seguida, Na manhã seguinte, acordei com o aroma do café passado, a mesa posta, suco recém feito. Trocamos bom dia, perguntei se estava melhor, terminei o café e saí para trabalhar, recomendando que ficasse em casa, assistisse tv, navegasse na internet e usasse qualquer roupa de uma pilha que eu separara para doação.
O dia passou rápido, como todos têm passado, ainda mais que fora tomado pelas discussões internas do escritório sobre a divisão de honorários. Meus colegas são homossexuais, de matizes diferentes: um bastante afeminado, outro gay circunspecto, porém assumido, e o professor, que reluta em sair do armário. Por insistência minha concordamos que quem leva o cliente fica com 50% dos honorários, e o restante é dividido por quatro, independente de quem faz o trabalho. Neste mundo capitalista que vivemos, dinheiro é a medida certa do sucesso.
Trabalhamos também nas peças acusatórias contra a família da Fabiana. Tinhamos que ser rápidos antes que a dor amainasse e ela mudasse de ideia. Além da questão criminal, que usáramos como moeda de troca, pedíamos perante a vara de família indenização pelos danos morais e físicos sofridos durante a adolescência, agravados pela ausência de carinho e assistência que a família deve ter para com os seus, além de indenização por conta dos rendimentos que Fabiana deixaria de ter no futuro, dada sua má formação escolar. A família, de classe média, tinha posses. A Justiça de família é simpática às minorias e às injustiças.
Terminado o dia, voltei para casa pensando na minha hóspede e como eu faria para me livrar daquela menina, que invadia um ambiente tão pequeno quanto o meu 'loft'. Mudei de ideia logo, não sei se quando vi a casa metodicamente limpa e arrumada, quando senti o cheiro da comida no forno ou quando ela me sorriu, usando um vestido que estava pequeno em mim, cabelo solto e rosto leve e muito bem maquiado. Simplesmente linda, apesar de um pouco inchada ainda. “Desculpa usar tuas coisas”, disse tímida; “Pode usar sempre, porque tu ficaste linda. Quem te viu ontem e quem te vê hoje, hein? Poderosa!”
Estava morrendo de fome e jantamos juntas, eu falando do processo, dos argumentos, das chances de sucesso e do valor da indenização. Ela ouvindo e fazendo perguntas pertinentes, contando de outros casos de meninas como ela que conhecera na internet. “Indica o meu escritório para essas tuas amigas” E expliquei como era a regra do escritório. Fabi pegou no sono em seguida, eu demorei pensando na vida, no escritório, na Dra. Denise, na minha mãe e principalmente na Fabi.
Outro dia cheio, e quando cheguei em casa, além da arrumação e da comida, Fabi, mais linda que podia anterior, me apresentou uma lista dos possíveis clientes que ela prospectou nas redes sociais. Eu estava explodindo de tesão, pensando até em transar com a trans, que certamente não me negaria esse gosto, quando o telefone tocou e a Dra. Denise disse:
“Estou com vontade, quero te ver!”
“Vamos para um motel!”
Estou sem tempo, e já estou aqui na frente!”
“Sobe!”
Não demos importância à presença da Fabi; acho que ela assistiu muito coisa do que rolou. Já na porta começamos a nos beijar, eu praticamente arrancando a camisa dela, estufada com aquele peitão bicudo. “É a minha vez de te comer, sua puta”. Lutamos para decidir quem comia a outra, e venci quando baixei suas calças até os joelhos, fazendo com que, desequilibrada, caísse na cama sob o meu corpo. A tesão injetou adrenalina, me fazendo mais forte. Com uma mão segurava seus cabelos, minha língua dentro da boca dela prendia sua cabeça ao travesseiro, enquanto nossos seios se cruzavam, compartilhando prazer cada vez que roçavam um no outro. Com a outra mão, enfiava dois dedos na buceta molhada da minha ‘madrasta’. Demorou, mas ela gozou, de forma contida, comportada, silenciosa, elegante. Baixei minha calcinha’, agachei sobre a cabeça loira e reclamei: “fode agora a tua enteada …’’ Meia dúzia de linguadas e eu já gozava, de forma extravagante, barulhenta, vulgar. Trocamos carinhos enquanto nos vestíamos. “Onde está o menino? quero dizer, a menina? Esquecemos dela!”
Sem ser chamada, prova de que prestava atenção, Fabi abriu a porta do banheiro e submeteu-se a um rápido exame, que concluiu por uma excelente evolução. “Tu estás muito bem e muito linda! Vê se cuida dessa minha enteada para que ela pare de fazer loucuras.” Despediu-se e foi embora.
“Posso te fazer uma pergunta?”
“Não! Ou melhor, pergunta: prefiro te dizer do que tu inventar.”
Porque ela te chama de enteada?”
“Porque ela é companheira da minha mãe há uns seis anos.”
“Tua mãe sabe de vocês?”
“Espero que não!”
Naquela noite, me senti sozinha, e abracei a Fabi com carinho, como uma menina abraça seu ursinho de pelúcia quando está triste. Chorei quando ouvi sua vozinha chorosa: “obrigada por ser minha amiga; nunca ninguém me abraçou assim
As pessoas em geral pensam que as lésbicas, ou os gays, ou quaisquer diferentes, vivem vida-loca o tempo todo. Bem ao contrário. Trabalhamos, dormimos, comemos, cagamos, vemos televisão, fazemos compras, amamos igual as outras pessoas. De diferente, que nos frustramos mais, que buscamos nossos relacionamentos em guetos, exatamente por receio da exposição e do preconceito.
Os que mais se sobressaem publicamente aparecem por conta da ‘vida-loca', fazendo pensar que todos vivem assim.
Minha vida com a ‘roommate’ era normal. Eu cada vez a via mais como mulher, e cada vez me tocava mais de ternura ao vê-la sempre linda e cativante. Ao mesmo tempo, nutria um sentido maternal protetor diante da sua fragilidade.
O trabalho nas redes sociais cooptava muitos clientes, e o escritório passou a se movimentar bastante. Os acordos que fazíamos, quase sempre para evitar escândalos aos nossos opoentes, antecipava receita de honorários que só viriam muito tempo depois, quando findo cada processo. Eu compartilhava com ela um percentual do que eu ganhava por conta da captação.
Fabi usava seus proventos para comprar hormônios femininos, sob supervisão médica, por insistência minha. Também voltou a estudar, e tinha planos de concluir o ensino fundamental naquele ano e o ensino médio no ano seguinte, frequentando cursos para adultos a noite, o que eliminava constrangimentos nas visitas esporádicas da Dra. Denise. Os hormônios que moldavam seu corpo, os cuidados, a boa alimentação, a maquiagem de bom gosto e principalmente a recuperação da autoestima transformaram Fabi de linda a deslumbrante. Impossível não notá-la, e ao notá-la, impossível não sentir atração.
Foi numa dessas visitas da Dra. Denise, em uma sexta a noite, talvez a mais curta de todas, bem quando ela colocava as calças e ia embora pouco mais de dez minutos após ter chegado, que me bateu uma profunda tristeza, e uma esperança. Como uma adolescente apaixonada, me arrumei e me pintei da forma mais sedutora possível, e fui buscá-la de carro no curso de adultos.
“Estou cansada de ficar em casa; vamos sair, tomar alguma coisa, beber um pouco!” Convidei, disfarçando minhas intenções. Fomos a uma boate GLBT mal frequentada no centro da cidade, onde, porém, a bebida era gelada e o som excelente. Não ficamos despercebidas, e logo os olhares femininos, e os nem tão femininos, se voltaram para nós. Flertamos, bebemos, dançamos e quando percebi que Fabi trocava olhares com um cara muito bonito, gelei. E ataquei:
“Fabi. responde com sinceridade: o que tu sentes por mim?”
“Você é tudo na minha vida; você me devolveu uma vida que eu jamais pensei que teria. Faria qualquer coisa por você.”
“Não falo em gratidão, falo em sentimento…”
“Procuro nem pensar nisso; você tem a Doutora, você é gostosa, você é desejada por todas as mulheres; eu sou só um veadinho tentando achar meu caminho … além do que, nossas orientações sexuais não combinam …”
“Estou cagando se combinam ou não; eu te amo, não paro de pensar em ti”
Não deixei que respondesse, e sem medir as consequências, beijei-a ali mesmo, com toda a força. Ela quase desfaleceu, deixando seu corpo sustentar-se no meu abraço. Seu beijo era delicioso, e eu não desgrudava, nem ela. Ficamos, assim por muito tempo, só nós duas, beijando, dançando, trocando carinhos, até que a cerveja fez seu trabalho e nós duas sentimos vontade de mijar. Fomos juntas ao banheiro, o que é bem normal em uma boate LGBT, seja para namorar, seja para consumir drogas. Depois que usei o vaso, ela sentou, pôs seu pinto para baixo e senti que tinha dificuldades de dirigir o jato da urina para o fundo por conta de uma ereção. Ri um pouco, ela constrangeu, e consertei dizendo: “feliz que você tem ereção comigo”. Refizemos as maquiagens, usando batom diferentes que em seguida iriam se misturar e saímos em direção ao salão do bar, quando puxei-a para a ‘darkroom'.
Eu sempre gostei das ‘darkroom'. Concordo que é promiscuo. Concordo que é chulo. Mas é excitante demais transar em um ambiente desses, em meio a outras pessoas, todas anônimas. Praticamente todas as vezes que fui a lugares LGBT, acabei dando ou comendo alguém na sala escura.
Assustada com o escuro, com os gemidos das pessoas transando, abraçou-se em mim. Encostei-a na parede, agachei, levantei sua saia, baixei sua calcinha, e pus o pênis meio mole na boca pela primeira vez na vida. Custou um pouco a ficar durinho, até porque ela, atônita, tentava desvencilhar-se sem muita convicção, e quase nada de força. Manteve-se sem saber o que fazer, enquanto eu a chupava, até tentou empurrar minha cabeça pouco antes de ejacular. Mantive-me firme, e colhi todo o seu sémen com a boca.
A título de informação ao leitor que nunca chupou, o gosto da porra não é bom nem ruim; tem a consistência, o sabor e a acidez de um iogurte natural. O que diferencia é o fetiche de quem chupa e de quem está sendo chupado. No meu caso, de chupadora, o fetiche era extremo, até porque simbolizava minha aceitação ao corpo da Fabi em todas as suas características; já no caso dela, vim a saber depois, não havia fetiche: nunca entendera o que aquele pedaço de carne pendurado à sua virilha tinha a ver consigo, achava injusto que a suprema sensibilidade do prazer se encontrava em um órgão do qual se envergonhava, e fora responsável por praticamente todo o seu sofrimento.
Demorei a entender o simbolismo de tudo isso, bem como as diferentes percepções do que havia ocorrido entre nós: eu feliz, ela triste; eu realizada, ela assustada; eu apaixonada, ela tensa.
“Vamos para casa?” Convidou.
Deveria ter voltado de táxi, já que havia bebido, sem, entretanto, estar bêbada. Uma breve busca na internet do celular garantiu que não haveria barreiras de “balada segura” no trajeto até minha casa. Estava petrificada com o silêncio, até que Fabi inaugurou a 'DR':
“Eu devo a ti tudo o que sou agora. Talvez nunca consiga retribuir tudo o que tu me ofereceu. Mas não brinca com meus sentimentos.”
“Não brinquei. Há dias que não paro de pensar em ti.”
“Pensa como? Como objeto?”
“Como mulher, ora bolas!”
“Então porque você fez aquilo?”
“Porque chupei teu pau? É isso que tu queres saber? Chupei porque é por onde tu sentes prazer! Quis te dar prazer! Só isso!”
“Tenho nojo do meu pau!”
Segurei-lhe a mão e no rosto de ambas lágrimas começaram a escorrer. Tinha feito merda, arriscado tudo e perdido. Não sabia o que fazer nem dizer. Resolvi ser eu mesma e abrir o que estava sentindo: “Não vou te pedir desculpas porque fiz o que achava certo no momento. Tu és a mulher mais maravilhosa que eu já conheci. O que tu me disseste agora fez eu te querer mais ainda. Não quero te perder. Ainda não conheço o teu corpo.”
“Nem eu conheço meu corpo, nem sei como reage.
Antes que continuasse falando, beijei-a, sem lembrar do gosto de porra inda na minha boca. Ela correspondeu o beijo e sentenciou a frase que presidiu nossas discussões de relacionamento daí em diante: “Amo você desde o dia em que entrei na sua casa. Mas talvez eu não seja a mulher que você procura.”
“Pena que pena que coisa bonita, diga qual a palavra que nunca foi dita, qualquer maneira de amor vale o canto, qualquer maneira de amor vale a pena …” Repeti mentalmente a letra de Paula e Bebeto que minha mãe sempre cantava em casa. Pena que hoje pouco se ouve do Milton Nascimento.
Fomos para a cama, dormimos abraçadas, sem ousar palavras que pudessem desfazer nossa tênue harmonia. Acordei cedo, antes dela, e fiquei olhando seu corpo, seu rosto pontilhado por pequenos fios de barba que ainda nasciam todos os amanheceres. Talvez meu olhar a tenha feito despertar, e o fez com um sorriso tímido no rosto que dizia bom dia. Tentou levantar e eu segurei, e com a calma comecei uma exploração pelo seu corpo, tocando, beijando com leveza. Demorei bastante, já que tínhamos toda aquela manhã de sábado para nós duas. Beijei os pequenos seios que começavam a surgir, o que provocou tensão, e quando a senti relaxada virei-a de costas, e percorri com a língua e as mãos toda a distância entre os pés e o pescoço. Muitas vezes. Excitava, virou de frente, segurou meu rosto e me beijou, enquanto esfregava todo o seu corpo no meu. Fingi não sentir o esperma grudento que escorria do pau sobre a minha pele.
“Agora é minha vez! Não penso em outra coisa que não o gosto da tua buceta!”
Deitei de costas, abri as pernas, e senti sua língua brincando sobre minha virilha, enquanto as mãos macias,brincavam com meus seios. Gozei quando senti as unhas compridas arranharem levemente os meus mamilos e, enquanto Fabi recuperava o fôlego, reclamei: “Não para, quero mais”
Aproveitamos o resto do sábado fazendo coisas femininas: cabeleireiro, manicure, compras na feira. Ao final da tarde fomos ao cinema, sem ostentar nossa orientação, mas também sem esconder que éramos um casal de namoradas. Transamos novamente, eu cuidando para evitar o pênis da Fabi. Mas confesso que era fascinada por aquele pau.
O mesmo se repetiu na manhã de domingo e quando terminamos, arrisquei um assunto proibido:
“Não pensa que desisti do teu pau” - provoquei - “eu sou fissurada nele. Mas respeito o teu momento”.
“Momento que dura mais de dezoito anos. Cada vez que tu fala do meu pau, me vem a cabeça que é apenas isso que te atrai em mim.”
Estava pensando o que responder quando o telefone tocou: “Estou aqui embaixo. Dispensa o gurizinho que estou subindo.”
Aproveitei a deixa e respondi em voz alta, para que fosse bem ouvida: “Denise. A Fabi e eu começamos um relacionamento. Acho que a gente termina por aqui. Se tu quiser conversar a respeito, sobe.”
A Doutora desligou sem responder, e eu amei ver o sorriso de vitória no rosto da mulher que eu começava a amar. “Tu queres conversar sobre a Denise e eu?”
“Não. Está resolvido, está resolvido…”
Viver com a Fabi era bom, era tranquilo. Em casa compartilhávamos as poucas tarefas domésticas, na cama nos descobríamos a cada dia, sempre ousando novos prazeres. Passamos a usar brinquedos sexuais, que introduzimos em nossos ânus e na minha xereca. Mesmo sem o consentimento expresso, passei a chupá-la cada vez que enfiava um consolo no seu cu, o que multiplicava o nosso prazer. Nosso sexo foi ficando mais intenso e mais animal, como eu gostava.
Pelo trabalho de Fabi, passei a ser referência nas redes sociais como advogada e ativista da causa LGBT. Ela continuava os estudos, acrescentando o aprendizado de idiomas.
Eu, por óbvio, continuava me encontrando com a Doutora, enquanto Fabi frequentava as aulas noturnas.
Assumimos o relacionamento publicamente. O tratamento hormonal provocava alterações significativas no corpo e no rosto da Fabi, e o gênero masculino que ainda constava dos documentos de identidade passava quase despercebido. Mesmo assim, não escondíamos essa condição, e passamos a enfrentar um certo preconceito daqueles que também eram discriminados. Travesti-sapatão era o apelido pejorativo que se dizia à boca pequena nos meios sociais que frequentávamos. Eu simplesmente cagava para isso, mas ela se preocupava, por mim.
Já encaminhando o final dessa história, em que a afeição que o autor dedica às personagens resulta esticar a narrativa quase à exaustão do leitor, é digno de nota a audiência perante a Justiça com a família da Fabi. A semana que antecedeu fora tensa, ela monossilábica, eu apreensiva, muito menos pelo resultado, muito mais pela provação emocional a qual meu amor seria submetida.
Ambas estávamos exuberantes, apesar de vestidas e maquiadas com descrição - talvez o decote da minha blusa de seda estivesse um pouco acentuado, mas seios é uma arma que as mulheres tetudas têm que usar a seu favor.
Por emocionalmente envolvida, passei a condução da audiência ao meu colega enrustido. Feitos os procedimentos preliminares, a magistrada questionou as partes sobre a possibilidade de um acordo. Contrariando o que havíamos exaustivamente ensaiado, Fabi pediu a palavra, e fez o seguinte libelo, que ainda ecoa:
“Eu poderia ter nascido com paralisia cerebral, poderia ser portadora de síndrome de down, poderia ter tido má formação congênita. Mas nasci mulher em um corpo masculino. Não sou uma aberração. Não escolhi nem mereci essa condição, mas a vida toda fui culpada por isso. Veado sem-vergonha foi a pecha mais leve que ouvi todos os dias durante os 18 anos que vivi na casa dos meus pais, mesmo que eu só tenha tido minha primeira experiência sexual há bem pouco tempo. Meu pai trai minha mãe de forma reiterada; minha mãe tem amizades virtuais na internet; eu sequer tinha coragem de me masturbar. Mas a sem-vergonha era eu. Roubaram a minha infância, negaram a mim o carinho que sobrou ao meu irmão; por vergonha impediram que eu fosse à escola ou tivesse vida social. A mim sobraram as tarefas domésticas. Fizeram com que eu acreditasse que não tinha direito algum, que não devia ter nascido, que eu carregava uma culpa que envergonhava a minha família. O primeiro abraço que recebi na vida foi por caridade daqueles que me acolheram. Não quero indenização. Não quero dar aos meus pais a condição de vítimas. Eles são os algozes. Quero que carreguem essa culpa, se é que são capazes de entender o que eu estou dizendo. O castigo deles será a dor cada vez que souberem da minha felicidade. Não fui a escola quando devia, mas li mais livros em um ano que eles todos somados em toda vida. A uma transsexual como eu restaria a prostituição e, quando muito, cabeleireira ou manicure, que são as únicas profissões socialmente aceitas. Mas acredito em mim e no meu futuro. Não preciso do dinheiro dos meus pais, Sou melhor que eles. Só peço à juíza que decida um pagamento aos meus advogados, que me fizeram entender que sou um ser humano, e que tenho os mesmos direitos dos que nascem heterossexuais. Sou eternamente grata a eles e não há dinheiro do mundo que possa pagá-los. Sou eternamente grata a senhora Juíza por me deixar falar essas palavras que sepultam o meu passado e me trazem a uma nova vida. Obrigada”
À exceção do advogado dos pais e da própria Fabi, toda sala chorava. O silêncio se rompeu com a infeliz manifestação do procurador da família:
“Se a autora está desistindo do pedido, não há condenação dos réus a horários aos advogados da autora. O seu pedido deve ser indeferido.”
Irada, ainda com o lenço aos olhos, a Magistrada respondeu: “Não lhe franqueei a palavra e também não homologuei a desistência da autora, nem pretendo fazê-lo. Sugiro um acordo, que comece com honorários de cem mil reais aos advogados, mais plano de saúde e o custeio de todas as despesas de ensino da Senhorita Fabiana até que complete 29 anos de idade”.
O pai da Fabiana, que não desviara os olhos do meu decote durante toda a audiência, assentiu com um “ok”, ansioso para que aquela tortura acabasse. Enquanto assinávamos a ata da audiência e éramos parabenizados pela Juíza, o casal começava uma discussão sobre as denúncias de infidelidade trazidas no depoimento. Acrescentei uma pimenta na cizânia: “Espero que o senhor tenha prestado tanta atenção no depoimento da Fabi quanto prestou atenção nas minhas tetas. Aliás, sua filha adora meus seios.Pode ficar orgulhoso, pois a sua filha está pegando uma gostosa como eu, e está me fazendo muito feliz.”
Fabiana ainda tem problemas com a aceitação do seu pau, mas pelo menos desistiu da idéia de extirpá-lo.
Não gosto de rótulos nem carimbos nas pessoas. Mas há uma diferença, ao menos teórica entre travesti e transex feminino, diferença essa que explica, em parte, a rejeição de Fabi a seu pênis. Em linguagem simples, transex é uma mulher em corpo de homem, pensa e age como mulher. Já o travesti é um ser humano completo, que é homem e mulher ao mesmo tempo, que não rejeita a sua forma masculina, apesar de se apresentar como mulher. Há travestis que tem orgulho do seu pinto e usam seu órgão masculino para ter e proporcionar prazer. Fabi convive com seu pau, que eu adoro, mas não tem orgulho dele.
Decidimos ter filhos, porém ainda discutimos a forma. Eu quero um filho concebido no ato sexual e para tanto teria de haver penetração que ainda não aconteceu. Ela fala em fecundação in vitro, mas não sabe se do próprio sêmen ou de sêmen doado. Estamos juntas há seis anos e somos felizes, bem mais que poderíamos ser sozinhas.
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