Quando acontece o amor... 05
Mais um pequeno trecho para encerrar as atividades do final de semana.
O muro e o portão são daqueles antigos, baixinhos e fiquei ainda mais preocupada com a idéia de ela sozinha numa casa que qualquer um poderia invadir facilmente. Quando Marcela abriu a porta e veio correndo com a mesma roupa que usava quando a deixei, coloquei o pote no muro e do jeito que ela abriu o portão no mesmo movimento caiu nos meus braços chorando. Parecia realmente uma criança, soluçava baixinho, mas parecia aliviada. Depois de um tempo ela me soltou e envergonhada pediu desculpas.
— Eu juro que num dia normal eu não sou assim. Me perdoe, por favor, eu não sou essa criatura desequilibrada que pareço.
— Meu bem, o sorvete esta derretendo... – disse apontando para o pote.
Ela pegou a sacola com o pote numa mão, segurou meu pulso com a outra e me arrastou para dentro da casa. Fomos para a cozinha e sentamos em volta da mesa com o pote na nossa frente, Marcela me deu uma colher e tomou outra para si, abriu o pote e começou a comer, sem a menor delicadeza, direto nele. Em segundos os lábios dela estavam borrados de sorvete e era uma visão tão bonita que fiquei perdida olhando ela comer como se nada pudesse ser mais gostoso que aqueles lábios com sabor baunilha.
Quando me dei conta da linha de pensamento minha louca já estava gritando irritada:
— Nada pode ser mais gostoso Patrícia? É isso mesmo que você está pensando enquanto olha esta menina tomar sorvete? Perdeu de vez o juízo?
Fiquei muda de susto, de medo e de alegria ao vê-la sorrindo para mim enquanto levava a outra colher cheia de sorvete à minha boca.
— Será um absurdo tão grande assim admirar a beleza de uma menina que fica feliz por estar tomando seu sorvete predileto? – perguntei para mim mesma.
— Absurdo é você encontrar conotações sexuais nisso sua retardada! – respondeu a minha louca.
Mas então resolvi que queria curtir aquela sensação deliciosa, embora inominável desperta em mim por Marcela e afundei minha colher no pote e comi mais sorvete naquela noite que durante toda a minha vida adulta. E além do mais, com certeza aquele desejo que ameaçava brotar era só alguma sacanagem hormonal que a natureza estava fazendo comigo, ou um distúrbio neurológico passageiro, mas poderia ser carência, ou crise causada pela abstinência de sexo ou... sei lá o quê.
— Você deve ser uma pessoa muito especial, Paty. – disse ela me olhando nos olhos depois de comermos quase a metade do sorvete – Sempre fui muito “pé atrás” com todo mundo, ainda mais aqui no Brasil, no entanto com você, sei lá se foi pela situação ou o que foi, mas é como se tivesse gostado de você logo de cara, mas de um jeito que estou até um pouco assustada. Eu não sou de me afeiçoar a qualquer pessoa, talvez por que meu pai me arrastava pra todo canto e nem dava tempo de fazer amizade direito. Fico meio na neura de achar que todos que eu gosto acabarão me abandonando.
Eu queria dizer a ela que não pretendia ir a lugar algum por um bom tempo, mas como Marcela estava com o “modo falante” ligado e eu saquei que não acontecia sempre, apenas sorri e deixei que falasse.
— Esse prazer que sua companhia me dá é algo muito novo para mim. Minha terapeuta diz que tenho de aprender a confiar mais nas pessoas e que mesmo que elas me decepcionem isso faz parte da vida... Eu tenho feito um esforço muito grande para confiar nas pessoas e aí eu bato no seu carro, choro como uma destemperada na sua frente e do nada me vejo implorando para você vir me salvar da minha própria loucura. Esse lance do Elvis tá sendo difícil e pode até ser que num outro momento eu conseguiria processar o lance do acidente com facilidade e não ficaria desse jeito te perturbando, nem foi a primeira vez que me envolvi em algo assim... mas a verdade é que de uns dias para cá tenho me sentido muito frágil, parece que a qualquer momento vou bater o pé no chão e me estilhaçar inteira e... sei lá. Acho que precisava de colo e de alguém que me ajudasse a acreditar que tudo ficará bem.
— Eu não posso prometer nada, sou meio workaholic, nem sempre tenho tempo para as pessoas que gosto ou que gostam de mim. Mas eu também simpatizei muito com você de um jeito que nem entendo direito, mas se você quiser e aceitar o meu jeito doido, podemos ser amigas, com certeza. Mas esse lance do colo... eu nem sei como te ajudar com isso. Você não está sendo literal, está?
Ela riu sua primeira gargalhada comigo – se eu fosse do tipo romântica, diria que senti borboletas no estômago – e continuou falando.
— Me dar colo é isso que você fez, sair da sua casa e me fazer companhia, sem contar o sorvete mais maravilhoso que já provei na vida. É o tipo de coisa que a gente faz para quem representa alguma coisa. E mesmo que amanhã você não tenha mais tempo para mim, o que você está fazendo hoje é algo que nunca vou esquecer.