O Buraco III
III
A maior parte daquela noite eu passei observando a interação dos descamisado com as outras pessoas do grupo.
Ele era realmente inocente, mas isso era cativante, as pessoas pareciam esperar pelo sorriso dele. Todos se agrupavam ao seu redor esperando tirar alguma reação dele. Eu não entedia o que acontecia ali, mas aparentemente eles o admiravam porém não perdiam a chance de rir da cara dele pelas costas. Era uma estranha interação familiar.
Mais tarde quando me recolhi aos meus aposentos eu percebi, enquanto contemplava o teto, que eu estava tão fascinado pelo sujeito que eu nem prestei atenção se alguém falou o nome dele durante a conversa...
Na manhã seguinte eu usei meu tempo livre para arrumar o material da pesquisa inicial, então não sai do meu quarto, fui interrompido somente por Margô que me trouxe o desjejum.
“Não se preocupe, querido, Noah é do mesmo jeito, se eu deixar ele não faz as refeições por causa do trabalho, pelo visto você é igualzinho.” Foi sua resposta quando notou meu olhar espantado.
Durante o almoço encontrei Noah no refeitório, almoçamos juntos enquanto eu arriscava olhares furtivos ao descamisado que , para variar, continuava sem camisa, não sei a desculpa dessa vez, ele deveria ter alergia a essa peça do vestuário. Ele estava em outra mesa conversando com um grupo de mineradores, a conversa animada não o permitiu notar minha presença e eu pude me focar em Noah, que parecia bem melhor naquele dia.
Durante o almoço uma cena curiosa sucedeu-se, um funcionário aproximou-se da nossa mesa.”Hey chefe, viu Beto por ai? Uma das maquinas do elevador quebrou.”
Noah ficou vermelho e então estufou comida furiosamente na boca. “Não, não o vejo desde ontem!”
O funcionário pareceu surpreso e tratou de dar o fora o mais rápido possível, ainda confuso vi que Pierre olhava de canto de olho e balançava a cabeça negativamente.
Depois do almoço Noah me levou até o escritório, enquanto atravessávamos o pátio algo caiu pesadamente dentro da oficina, paramos assustados olhando naquela direção, Noah balançou a cabeça e colocou a mãos nas minhas costas, me forçando a seguir em frente.
“Não foi nada, vamos.”
Depois daquilo ele passou um tempo meio irritado, mas à medida que eu ia fazendo as perguntas pertinentes a pesquisa e ele foi me falando mais sobre o dia a dia da mina ele foi alegrando-se mais, Noah amava de verdade seu trabalho.
Quando sai de seu escritório já devia ser por volta das quatro da tarde, fui surpreendido pelo descamisado me esperando na porta, na verdade trombei de frente com ele, e quando digo nele quero dizer no meio dos seus peitos, acabei por segurar em sua cintura para manter o equilíbrio. “Opaaa.” Ele disse me segurando pelos ombros para me auxiliar. “Vim te sequestrar, quero te mostrar uma coisa.”
E sem esperar por resposta ele saiu me puxando, ao invés de sairmos pelo pátio pegamos uma rota pela casa que nos levou até uma saída nos fundos. Mesmo eu podendo ver o ceu azul comum aquela época do ano dentro do Buraco estava escuro e frio, apesar daquela criatura descamisada na minha frente. Eu pensei em perguntar seu nome mais uma vez, mas ele iria acabar mudando de assunto sem me falar seu nome, era impressionante a capacidade dele de mudar de tópico de conversação, eu tentava meu melhor para acompanha-lo, e na verdade me divertia com isso.
Ele me levou até uma plataforma que ficava grudada a parede, numa estrutura que eu só podia definir como uma espécie de elevador.
“Vai, entra.” E fui empurrado para cima da plataforma de metal, ele me seguiu e fechou uma grade de segurança, depois puxou uma alavanca junto a uma mesa de controle ao lado e depois de alguns barulhos e solavancos começamos a subir, eu estava ao mesmo tempo amedrontado e maravilhado.
Amedrontado porque aquela coisa chacoalhava muito e maravilhado com a visão e com o sol que voltava a banhar minha pele, a medida que íamos subindo o Buraco ficava mais distante e eu tinha uma visão da mata que o rodeava.
“Se existia isso aqui porque o cara me trouxe pela estrada?”
“O Carlos? Ele é um babaca, estava metendo medo em você. Ninguém usa essa aquela estrada mais, até para transportar carga nós fazemos nessa plataforma, Betão sempre se assegura que ela esteja segura e em funcionamento, ela geme um pouco, mas nunca falhou.”
Eu olhei para baixo e soltei um assovio. “Se falhou também não sobrou ninguém para contar a historia.”
Isso ganhou uma gargalhada da parte dele. Eu percebi que eu estava agora como os outros, ansioso por merecer um riso dele.
O elevador atingiu a Borda do Buraco, se eu olhasse rente eu veria a mata na borda do outro lado, se eu olhasse para baixo veria a escuridão e algumas formas discerníveis nela das construções lá embaixo, entre o azul do céu, o verde da mata e o negro das sombras abaixo aquilo era uma obra de arte de tirar o fôlego, mas o que realmente me tirou o fôlego foi quando senti o forte peitoral colar às minhas costas, eu congelei, até que senti suas mãos em meus ombros.
“Lindo não é?”
Eu olhei para trás e ele olhava para a frente, admirando a paisagem, eu senti meu rosto corar furiosamente.
“Eu adoro esse lugar aqui em cima, é uma pena que é tão quente aqui.”
Eu me desvencilhei dele e entrei sai da plataforma, do outro lado tinha uma mata e uma estrada que dava a volta por metade da borda do buraco e se juntava a estrada principal, eu parei admirando a mata cerrada. Ele se posicionou silenciosamente ao meu lado.
“Se eu pudesse eu me lançaria em uma mata dessas, e viveria como um selvagem, correndo. Já teve essa vontade?”
Ele olhou para mim e deu um sorriso. “Toda vez que olho para ela.”
Ficamos em silencio observando a paisagem até o por do sol nos dar um show. Quando escureceu descemos.
“Não acho que o silencio seja algo costumeiro para você.” Já estávamos quase na porta de nossos quartos e ele não havia pronunciado quase nenhuma palavra.
Ele parou, me olhou por um tempo que quase me fez ficar embaraçado, então olhou para um lado e para outro. “Eu... é só cansaço, a gente se fala amanhã.”
Dito isso ele esgueirou para seu quarto e eu fiquei com cara de tacho no corredor,sem entender nada.
Aquela noite o sono não veio, acabei me esgueirando do quarto, a casa estava toda em silencio, em algum lugar deveria haver um vigia noturno,. Mas não topei com ele no caminho, já no pátio escutei barulhos vindos da oficina, me encolhi para um canto mais sombrio para não ser notado pelas duas figuras que discutiam, não era meu feitio espiar, mas algo naquele local cheirava a mistério intoxicante.
Do meu esconderijo nas sombras conseguia ver Noah discutindo com um moreno alto, pele bronzeada, não conseguia distinguir suas feições à distancia mas ele era tão grande quanto Noah, usava uma camiseta laranja que deixava os fortes braços a mostra, o suor refletia em seu corpo a luz da lâmpada que iluminava o pátio. Os dois discutiam fervorosamente, Noah parecia implorar algo.
Eu nunca havia visto aquele homem antes, então aquele só poderia ser o misterioso mecânico/ferreiro/assombração.
Eu não conseguia ouvir o que diziam e não queria arriscar ser descoberto, então tentei uma falha leitura labial.
A discussão terminou com Noah segurando o bíceps do moreno, os dois se olharam por alguns momentos e então e então o moreno se livrou de Noah com uma sacudida forte e desapareceu nas sombras da oficina.
Noah ficou desolado olhando para o nada, depois coçou os olhos e de ombros caídos voltou para seu quarto, ele parecia tão abalado que nem sequer notou minha presença, eu não estava tão bem oculto assim se alguém se aproximasse.
Depois que Noah se foi eu encarei por um tempo a oficina, minha curiosidade estava aguçada ao máximo, havia um mistério no Buraco, e eu estava mais do que disposto a desvendá-lo.