Desejo e degradação (parte 7)
Fredo, o rufião
No final da tarde seguinte, quando a jovem deixava a loja, arrumando o vestido salpicado de sêmen, colidiu com um engravatado alto e barrigudo, ladeado por dois guarda-costas também enormes.
- Olhe por onde anda seu idiota! – Gritou a moça.
- Vá tomar no seu cú, vagabunda! – Respondeu o homem.
Quando a comitiva entrou na loja, Roberto, que ainda vertia suor, sentiu suas pernas fraquejarem ainda mais do que na seção de sexo selvagem que acabara de ter com Helena.
- E aí Fre... Fre... Fredo. – Gaguejou. – Eu estava com todo o seu dinheiro, mas minha mãe fi... ficou doente e eu ti... tive de comprar remédios e...
Pow!
Um dos leões de chácara acertou-lhe um direto de esquerda bem no nariz.
Alfredo “Fredo” Mancinni, imigrante italiano, cinqüenta e três anos, oito deles na cadeia, responde a processos de extorsão, formação de quadrilha, anatocismo, rufianismo, tráfico de entorpecentes, porte ilegal de arma de fogo, homicídio doloso, sonegação fiscal e pensão alimentícia, chegou ao Brasil com dez anos de idade, depois de fugir da Itália escondido em um cargueiro, desembarcando em Santos com um relógio de ouro no pulso e um assassinato nas costas.
Fredo comandava as ruas por aquelas bandas, mantinha algumas boates na cidade e praticamente todas as salas comerciais daquela rua lhe pertenciam, inclusive o estúdio/loja de Roberto Farias.
- Se um desgraçado infeliz como você ainda tivesse mãe, a coitada já teria morrido de desgosto. – Falou o rufião do alto de seus dois metros e dois centímetros, chutando os rins do fotógrafo prostrado no chão que tentava estancar a hemorragia do nariz. – Você não me paga o aluguel, mas tem dinheiro para dar às putanas?
Roberto tentou balbuciar algo, mas Fredo continuava lhe chutando as costas.
- Se ainda fosse uma das minhas, mas nunca vi “una putana” tetuda assim. – Prosseguiu o cobrador, gesticulando com as duas mãos à frente de seu largo peitoral.
Às oito horas da manhã seguinte, Helena encontrou Roberto com o rosto inchado e o nariz quebrado.
- Foi só uma briga de bar com uns mendigos. – Disse ele. – Tenho uma proposta de emprego para você.
- A jovem foi correndo abraçá-lo e ele gemeu de dor quando ela lhe pressionou os músculos lombares.
- Qual é a agência?
- Na verdade não é bem uma agência, mas não deixa de ser uma espécie de desfile.
- Como assim? – Ela estava confusa.
- Tenho um amigo, um gentil senhor, muito rico por sinal, dono de uma danceteria muito badalada...
- Uma boate de strip-tease? – Cortou Helena subitamente irritada.
- Eco. – Disse uma voz de homem atrás dela que, ao se virar ficou de frente a enorme pança que quase a derrubou no dia anterior.
Sua intenção inicial era sair dali o mais rápido possível, mas o italiano a convenceu a ouvir sua proposta primeiro. Meia hora depois ela estava tentada a aceitar.
- Você dança usando lingerie, e o dinheiro que os clientes da boate jogarem no palco é todo seu. – Dizia Alfredo. – É claro que, se você tirar a parte de cima e mostrar as tetas, vai faturar muito mais.
- Eu vou ter onde ficar?
- Cada uma de minhas garotas tem o seu próprio apartamento. E eu tenho um prédio inteiro. A boate fica embaixo e as meninas moram em cima.
- Pense nisso como um trabalho temporário. – Ajuntou o fotógrafo com sua voz fanhosa. – Você ainda tem suas fotos e quando uma agência chamar, eu a avisarei lá na boate.
Helena pesou rapidamente as suas possibilidades; seria muito bom ter um apartamento para morar, além do mais, seu dinheiro acabara e já estava farta de chupar aquele seu senhorio fedorento em troca de um lugar para dormir.
No mesmo dia, algumas horas depois, ela se preparava para subir pela primeira vez num palco, e todos pareciam, de alguma forma, ter lucrado com isso.
Na loja, Roberto dormia tranquilamente pela primeira vez em anos, pois ganhara seis meses de aluguel; presente de Fredo Mancinni, que finalmente encontrara o perfeito chamariz para atrair clientes que gostavam de seios grandes; e atrás do prédio, mendigos se masturbavam olhando algumas fotos que encontraram na lixeira.
Quando Helena deixou o palco, exausta após horas de dança e rebolados sensuais em sua sumária e curtíssima fantasia de enfermeira, Fredo fitou as poucas moedas que ela trazia na mãozinha fechada com tanta força, que deixava os nós dos dedos esbranquiçados.
- Nunca vou tirar a roupa em público Fredo, não sou prostituta. – Disse a moça ao notar o muxoxo do cafetão que apenas deu de ombros.
Mas Helena sabia que a vida não se resumia ao que poderia ser adquirido com um punhado de moedas. Desde pequena ela sempre soube que não pertencia ao mundo pobre dos trabalhadores braçais e tampouco agora, não se contentaria em ser uma simples stripper, rebolando por teto e comida.
Ela queria mais, muito mais, pois estava predestinada a isso.
Foi com esse pensamento que, dois dias depois, ela já dançava com os enormes seios balançando nus por sobre um palco onde caiam cada vez mais notas de dez e vinte.
E no fim da semana ela ganhou sua primeira nota de cem, após ser possuída por um grupo de jovens estudantes num dos quartinhos que ficavam nos fundos da boate.
Ao portador de más notícias, a cólera
Numa sexta-feira à noite, com o expediente há muito encerrado, Cláudio deixou o estacionamento da empresa em direção ao clube, onde o pessoal do escritório já deveria estar na quinta rodada do obrigatório “happy hour”.
Cem metros a frente do Mercedes, ele viu o compacto popular de sua secretária disparando pela rodovia e sorriu ao lembrar que, poucos minutos antes ela estava debruçada sobre sua mesa, com a saia pela cintura, fechando mais uma vez com chave de ouro, outra exaustiva semana de trabalho.
Assim que chegou ao bar do clube, foi logo chamado à mesa de bilhar por um de seus mais promissores funcionários, que como sempre, já estava bastante alterado pelo Chivas Regall em seu copo.
- Vamos jogar uma partida chefe?
- Se você perder, digo para a senhora sua mãe que você anda bebendo mais do que as “cocas” que ela imagina. – Provocou Cláudio, sorrindo e escolhendo um dos tacos do suporte.
Henrique, o jovem promissor, começou três anos antes a trabalhar no departamento que Cláudio comandava, e lá fez a sua, até então, meteórica carreira.
Era um rapaz muito inteligente, de raciocínio ágil, arguto e lógico que galgou rapidamente os degraus do sucesso profissional, debutando como simples estagiário e chegando ao status de homem de confiança do gerente. Fazia parte de inúmeros grupos de trabalho e servia eficientemente, em importantes reuniões, como escada aos projetos lançados pelo superior, a quem demonstrava total fidelidade e admiração.
Sua única imperfeição: a pouca tolerância aos destilados.
Algumas partidas depois, com a bebida correndo solta e Henrique cada vez mais vacilante e estranhamente nervoso, um preocupado Cláudio o observava errando tacadas, “espanando” o taco e, por vezes, esmurrando a mesa.
- Ok, hora de chamar um táxi e ir pra casa. – Disse o gerente tirando o copo das mãos do jovem.
- Estou legal chefe. Estou legal. – Disse com a voz completamente engrolada.
- Venha vou te dar uma carona.
- Ao menos vamos tomar a “saideira”. – Propôs Henrique, fazendo sinal ao garçon. – Eu estou ótimo, acredite!
- Vai ficar ainda melhor amanhã cedo, quando acordar com a cabeça explodindo por causa da ressaca. – Zombou Cláudio.
- Pelo menos não é tão ruim como uma cabeça cheia de chifres.
- Você não está mais falando coisa com coisa. – Cláudio riu nervosamente, antevendo um possível desfecho desagradável naquela conversa ébria.
- Não? Certeza? – O jovem encarava o chefe com o típico olhar esbugalhado dos bêbados.
- Se quiser continue bebendo até parar na sarjeta, juro que não me importo! Estou indo pra casa. – Bradou Cláudio pegando o casaco e pisando forte em direção à porta.
Andando pelos jardins do clube em direção ao estacionamento, Henrique seguia o chefe de perto, revelando o que há tempos se comentava sobre a esposa do mesmo, pois a bebida finalmente havia liberado a válvula racionalidade em sua pessoa.
- Estou falando isso porque sou seu amigo e condeno as atitudes dela. – Arrematou ele, como que justificando uma intromissão num delicado assunto que, em absoluto, lhe dizia respeito.
- Já chega Henrique!
- Fiquei sabendo que hoje ela faria horas extras novamente... – Henrique esperava uma confirmação de Cláudio que continuava a sua rápida caminhada. – Resta apenas saber onde e com quem!
- Tenho plena confiança em minha esposa. – Retrucou o gerente com a voz trêmula e tentando encontrar as chaves do carro no bolso do paletó.
- Ao menos confirme a história chefe. – Implorava, segurando-o pelo braço ao lado do automóvel. – Ninguém nunca faz hora extra no departamento de RH, disse “eu” tenho certeza!
Cláudio já ouvira, por diversas vezes, rumores das aventuras da esposa, mas nunca tivera coragem para confirmar suas histórias de horas extras, viagens com amigas ou compras em outras cidades, e refutava com raiva toda e qualquer insinuação acerca do assunto.
Até mesmo Abigail já tentara alertá-lo, dizendo que nos círculos sociais inferiores da empresa, os funcionários apelidaram Helena de “A motosserra”, pois esta não conseguia ver um “pau” de pé, correndo imediatamente para derrubá-lo.
Na época ele repreendera severamente a secretária e esta nunca mais tocou no assunto.
- Lamento profundamente dizer uma coisa dessas ao senhor, mas o que se ouve por aí, é que ela já passou pela mão de todos os caras da seção e de muitos outros mais. – Henrique apertava com força o braço do gerente e o perscrutava com pena. – Sua esposa é igual corrimão de quartel, todo mundo já pegou.
Ouvindo tal afronta envolvendo o nome da esposa, Cláudio virou-se lentamente, colocando sua mão esquerda espalmada no peito do funcionário e livrando habilidosamente o braço que este segurava. Em seguida, o empurrou apenas o suficiente para dar espaço à aceleração de seu próprio punho e...
Pow! Pow! Pow! Direita, esquerda, direita.
Já no primeiro murro, que lhe rompera a cartilagem do nariz, Henrique desmaiou com o sangue esguichando de seu rosto, mas não chegou ao chão sem antes ser atingido pelos dois fortes e rápidos socos da seqüência.
Cláudio nunca havia brigado na rua ou agredido alguém fisicamente, mas ficou satisfeito e também impressionado com a eficiência do boxe que vinha praticando nos últimos anos, sozinho, em sua garagem, pois Henrique, apesar de muito jovem e visivelmente bêbado, tinha um compleição robusta, e seu superior jamais imaginara que poderia nocautear alguém tão forte com tal rapidez.
Depois de dar a partida e antes de sair arrancando com seu veículo, Cláudio deu mais uma olhadela no corpanzil que recobrava aos poucos os sentidos, ainda estendido ali ao lado, lembrando do dia em que decidira comprar o saco de areia que viria a ser seu único companheiro em tantas madrugadas de solidão.
Na época, começavam os rumores sobre a infidelidade de Helena, mas como Cláudio nunca teve coragem de colocar a mulher na parede, exigindo explicações mais detalhadas e verossímeis sobre saídas, viagens e horas extras, pois tinha verdadeiro pavor de ser abandonado pela mesma, era consumido pela raiva e pela incerteza. Sentimentos estes que poderiam ser (e foram) canalizados de forma positiva para o boxe.
“Não há nada como uma boa seqüência de jabs, diretos e cruzados num dos sacos da making bodies para aplacar o stress do dia-a-dia”. – Era o que dizia o anúncio de um outdoor que ele vira por mero acaso, e que o levou imediatamente a tal loja para, no mesmo dia, adquirir um.
Desde então, sempre que a esposa não estava em casa, ele passava horas e horas esmurrando o saco de pancadas, suando em bicas até chegar à exaustão que lhe permitiria um sono tranqüilo e sem os pesadelos que invariavelmente envolviam sua mãe e sua esposa.
Cláudio não sabia, mas geralmente, nas mesmas horas, Helena também suava e exauria suas energias, porém, sem socar sacos de areia.
CONTINUA...