SEGUNDA FEIRA
A segunda-feira chegou rápido demais. Na escola, minha cabeça estava a mil, mas meu corpo seguia no automático. Peguei os livros, sentei no meu lugar e tentei respirar fundo. O que eu menos queria era encarar Mateus depois do que aconteceu no parque.
Mas quando ele entrou na sala, foi como se nada tivesse acontecido.
— E aí, nerd, sobreviveu ao final de semana? — Ele se jogou na cadeira ao meu lado e abriu um sorriso casual.
Fiquei mudo por um segundo. Meu coração deu um salto estranho no peito.
— Uhum — murmurei, sem saber o que dizer.
— Bom, porque ainda quero ver você correr mais vezes. Foi divertido te ver quase desmaiando.
Ele riu, e eu forcei um sorriso. Não sabia se ficava aliviado ou irritado. Ele simplesmente… apagou aquilo da mente? Agiu como se não tivesse acontecido?
Antes que eu pudesse pensar em uma resposta, a voz da professora de geografia ecoou pela sala:
— Muito bem, turma. Hoje vocês vão apresentar os trabalhos sobre impactos ambientais.
Meu sangue gelou.
Apresentar?
Eu tinha feito todo o trabalho sozinho, e Gabriel e Thales nem se deram ao trabalho de perguntar como estava ficando. Agora, eu teria que falar na frente da turma inteira enquanto aqueles dois se aproveitavam do meu esforço?
Olhei para eles, que estavam jogados na cadeira, pareciam até despreocupados, o que me deixou levemente enfurecido.
A professora começou a chamar os grupos, e cada um ia para a frente apresentar. Meu estômago embrulhava mais a cada minuto. Quando o nome do meu grupo foi chamado, me levantei devagar, sentindo o olhar de todos sobre mim.
Gabriel e Thales vieram atrás, com aquela confiança irritante de quem não moveu um dedo.
Respirei fundo. Eu podia me encolher e falar o básico… ou podia fazer justiça.
Fui até a frente e encarei a turma.
— Bom, nosso trabalho é sobre os impactos ambientais causados pelo desmatamento, poluição e aquecimento global.
Pausa dramática.
— E, como eu fiz esse trabalho sozinho, vou apresentar sozinho também.
A sala ficou em silêncio. Senti os olhares surpresos sobre mim, e quando me virei, vi Gabriel e Thales me encarando com fúria.
— O quê? — Thales cuspiu, baixo, para que só eu ouvisse.
— Se quisessem participar, deviam ter ajudado — respondi, no mesmo tom, antes de continuar a apresentação.
Meus dedos tremiam, mas continuei. Falei tudo o que sabia, expliquei os pontos principais e, no final, o professor até elogiou o conteúdo bem estruturado.
Já os dois ao meu lado? Pareciam dois idiotas que nem sabiam do que o trabalho se tratava.
Quando voltei para o meu lugar, Gabriel sibilou um "você vai pagar por isso", mas dessa vez, eu não me encolhi.
E, pelo canto do olho, vi Mateus me olhando com um meio sorriso.
Mas eu não ia buscar conforto nele. Não depois de como ele agiu.
No intervalo, fui para o pátio e me sentei sob uma árvore, ainda sentindo meu coração disparado. Foi quando ouvi uma voz suave ao meu lado:
— Você foi incrível lá dentro.
Levantei os olhos e vi Sofia sorrindo para mim.
— Acho que fiz inimigos — murmurei, meio sem jeito.
— Ou talvez tenha mostrado que não é qualquer um que eles podem pisar.
Ela se sentou ao meu lado e tirou um livro da mochila.
— Quer fugir da realidade um pouco?
Sorri de canto.
— Por favor.
Ela abriu o livro e começou a ler em voz alta. Enquanto as palavras preenchiam o ar, senti um pouco do peso no meu peito diminuir.
A adrenalina do trabalho de geografia ainda corria nas minhas veias. Gabriel e Thales não gostaram nada de passarem vergonha na frente da turma, e eu sabia que não iam deixar isso barato.
Fiquei o máximo possível perto de Sofia durante o intervalo, aproveitando a paz que ela me trazia. Mas quando a última aula bateu, percebi que tinha um problema: precisava ir até a biblioteca devolver um livro.
Talvez fosse paranoia minha, mas sentia os olhares de Gabriel e Thales queimando minhas costas enquanto saía da sala. Fui direto para a biblioteca, tentando não demonstrar pressa. O espaço estava quase vazio, só algumas pessoas espalhadas pelas mesas.
Deixei o livro no balcão e, quando me virei para sair, senti um arrepio na espinha.
Gabriel e Thales estavam na porta, bloqueando a saída.
Merda.
Dei um passo para trás instintivamente, e eles avançaram.
— Achou que ia sair ileso depois da palhaçada que fez? — Gabriel sibilou, cruzando os braços.
— Vocês só precisavam ter feito a parte de vocês — murmurei, tentando não demonstrar o medo que subia pela minha garganta.
Thales riu de um jeito que me deu calafrios.
— E agora você acha que é esperto, né? Vamos ver se continua com essa marra depois que dermos um jeito nisso.
Eu olhei em volta, mas a bibliotecária estava ocupada, e as poucas pessoas ali pareciam não notar a tensão no ar.
Minha única saída estava bloqueada.
— O que foi? Travou? — Gabriel debochou, dando um passo à frente.
E então, antes que ele pudesse me encurralar ainda mais, uma voz conhecida ecoou pelo corredor.
— Vocês têm algum problema de audição ou só gostam de se meter onde não devem?
Meu coração quase parou quando vi Mateus parado na entrada, os braços cruzados e um olhar nada amigável.
Sofia apareceu logo ao lado dele, com um olhar firme, mas bem menos intimidador do que Mateus.
— Pedro, vem — ela chamou, me dando uma saída.
Mas Gabriel não gostou da intervenção.
— Qual é, Mateus? Isso não é da sua conta.
Mateus deu um passo à frente, e o jeito relaxado de sempre sumiu.
— Qualquer coisa que envolva o Pedro é da minha conta.
Fiquei sem reação. O que ele quis dizer com isso?
Os dois valentões se entreolharam. Eles sabiam que Mateus não era alguém para comprar briga. Depois de um momento tenso, Gabriel soltou um riso forçado.
— Relaxa, só estávamos conversando com ele.
— Então a conversa acabou — Mateus rebateu, sem tirar os olhos deles.
Thales bufou e puxou Gabriel pelo braço.
— Deixa pra lá.
Os dois saíram, e eu finalmente soltei o ar que nem tinha percebido que estava segurando.
Sofia se aproximou e tocou meu braço.
— Você tá bem?
— Tô… — murmurei, mas minhas mãos ainda tremiam.
Mateus deu um suspiro e bagunçou meu cabelo de leve.
— Precisa parar de se meter em encrenca, nerd.
Olhei para ele, sentindo um misto de alívio e confusão. Ele continuava agindo como se nada tivesse acontecido entre a gente… mas, ao mesmo tempo, agora estava ali, me defendendo como se importasse de verdade.
— Obrigado — falei baixinho.
Ele piscou para mim, com aquele sorrisinho de canto.
— Não precisa agradecer. Eu sempre vou estar por perto.
Meu coração deu um salto involuntário.
Sofia olhou de um para o outro e sorriu, mas não disse nada. Apenas me puxou pelo braço.
— Vamos embora antes que aqueles dois voltem com mais baboseira.
Saímos juntos da biblioteca, mas minha cabeça ainda estava presa naquelas palavras.
*"Eu sempre vou estar por perto."*
Talvez Mateus estivesse tentando me enlouquecer. E talvez… ele estivesse conseguindo.
O caminho para casa parecia mais longo do que o normal. O vento gelado batia no meu rosto enquanto eu segurava firme na cintura de Mateus, tentando ignorar o turbilhão de pensamentos na minha cabeça.
Desde o momento na biblioteca, uma coisa estava martelando dentro de mim.
Por quê?
Por que ele sempre aparecia quando eu precisava? Por que ele me beijou no parque e depois fugiu sem dizer nada? Por que agora estava agindo como se nada tivesse acontecido, mas ao mesmo tempo… não conseguia se afastar?
Eu não aguentava mais ficar nessa dúvida.
Quando ele parou a moto em frente à minha casa e desligou o motor, eu soltei a cintura dele devagar e desci. Mas antes que ele pudesse dizer qualquer coisa, me virei rápido e segurei seu pulso, impedindo-o de sair.
— O que você quer de mim, Mateus?
Ele piscou, surpreso, mas tentou manter a pose despreocupada.
— Como assim?
Soltei um riso sem humor e dei um passo à frente.
— Não se faz de idiota. Você me beija no parque e foge como se tivesse cometido um crime. Depois age como se nada tivesse acontecido, mas fica sempre por perto, me defendendo, me protegendo… Por quê?
Ele abriu a boca, mas não disse nada. Pela primeira vez, parecia sem resposta.
— Fala alguma coisa! — minha voz saiu mais alta do que eu esperava.
Mateus desviou o olhar, passando a língua pelos lábios, nervoso.
— Eu…
— Você o quê, Mateus? — insisti, meu coração disparado.
Ele respirou fundo, apertou o guidão da moto e olhou para mim. Mas não disse nada.
Só ficou ali, me encarando com um misto de conflito e algo que eu não conseguia decifrar.
O silêncio dele foi a pior resposta de todas.
Soltei seu pulso devagar, sentindo uma onda de frustração me consumir.
— Esquece — murmurei, dando um passo para trás. — Eu já devia saber que você nunca vai me dar uma resposta de verdade.
Virei-me para entrar em casa, mas antes que eu pudesse dar mais um passo, senti a mão dele segurar meu braço, firme, quente.
— Pedro…
Me virei para encará-lo de novo, esperando.
Mas tudo o que ele fez foi soltar um suspiro pesado, balançar a cabeça e soltar meu braço.
— Boa noite.
Subiu na moto e ligou o motor, sem me dar tempo de dizer mais nada.
E, então, foi embora.
Fiquei ali parado, olhando para a rua vazia, sentindo um nó se formar na minha garganta.
Mateus estava escondendo alguma coisa.
E, pior do que isso… estava escondendo de mim.
Continua...
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