O relógio marcava 7 horas quando Lívia acordou, os primeiros raios de sol infiltrando-se pelas frestas das cortinas da sala. Elas haviam adormecido no sofá, ainda enroscadas uma na outra, as micro-saias amassadas subindo pelas coxas. O filme que assistiam na noite anterior terminara há muito, a tela da TV exibindo apenas um menu estático. Lívia se levantou em silêncio, o corpo rígido pela posição desconfortável, e caminhou até a cozinha com passos leves, os saltos das botas da noite anterior abandonados ao lado do sofá.
Na cozinha, ela preparou o café com cuidado, o aroma forte enchendo o ar enquanto colocava a louça do jantar na pia para lavar. As mãos moviam-se quase por instinto, esfregando os pratos com uma esponja, o som da água corrente misturando-se ao gorgolejar da cafeteira. Quando terminou, serviu duas xícaras e voltou à sala, aproximando-se de Mariana com suavidade. "Mariana," chamou, tocando seu ombro com delicadeza. "O café está pronto."
Mariana abriu os olhos, o olhar ainda sonolento mas logo se acendendo com aquela autoridade natural. Ela se sentou, aceitando a xícara com um aceno de cabeça, e as duas tomaram o café em silêncio, o líquido quente trazendo um pouco de vida aos corpos cansados. Depois, levantaram-se e foram ao quarto trocar de roupa. Era segunda-feira, o dia de compras, salão e transformações, e Mariana já estava no comando.
Sem cerimônia, elas mantiveram as mesmas micro-saias da noite anterior — a de Mariana, preta e curtíssima, mal cobrindo a bunda, e a de Lívia, um pouco mais longa, mas ainda reveladora. Lívia, por conta própria, pegou uma micro-calcinha no armário, ajustando-a para conter o que Mariana agora chamava de "clitóris", evitando que balançasse enquanto andava. Ambas escolheram tops provocantes: o de Mariana, um modelo de couro com decote profundo, e o de Lívia, um cropped de renda que deixava os piercings nos mamilos bem visíveis sob o tecido fino. Completaram com sandálias de salto altíssimo — pretas para Mariana, vermelhas para Lívia —, passaram um batom vibrante nos lábios e saíram.
No carro, Mariana entregou as chaves a Lívia. "Você dirige," ordenou, já pegando o celular para fazer ligações. Enquanto Lívia manobrava o veículo pelas ruas da cidade, ainda um pouco hesitante com a exposição, Mariana marcava compromissos: manicure, pedicure, sobrancelhas e cílios postiços para as duas. "Pro shopping mais perto de casa," disse ela, sem tirar os olhos do telefone. Lívia, com a voz tímida, murmurou: "E se me reconhecerem? E se alguém lembrar do Lucas?"
Mariana riu, um som curto e cortante. "Para de ser boba. Se conheceram Lucas, azar o deles. Ele não existe mais. Você é Lívia agora, e ninguém vai questionar isso." O tom era final, e Lívia engoliu o medo, apertando o volante com mais firmeza enquanto dirigia.
No shopping, elas atraíram olhares desde o momento em que entraram. Os saltos ecoavam pelo chão polido, os tops e saias chamando atenção, os piercings de Lívia reluzindo sob as luzes artificiais. Foram direto às lojas de roupas, e Mariana comandou as escolhas com precisão: vestidos colados e curtos, saias ainda mais ousadas que as que usavam, tops que mal cobriam os seios, lingeries de renda e couro. "Tudo sensual, pra não dizer vulgar," disse ela, jogando uma saia de vinil no carrinho. Compraram também sandálias e sapatos de salto altíssimo, com plataformas ou detalhes de correntes, e uma quantidade absurda de bijuterias — brincos grandes, pulseiras barulhentas, colares que pendiam até o decote. Pareciam duas amigas em uma tarde de compras, rindo e experimentando peças, mas o brilho nos olhos de Mariana denunciava que aquilo era mais um passo na consagração de Lívia.
Depois, seguiram para o salão. Mariana entrou como uma rainha, os funcionários já a conhecendo pelo tom autoritário. "Serviço completo nas duas," anunciou, sentando-se em uma das cadeiras. "Unhas vermelhas, bem longas, e os cílios postiços mais exagerados que vocês tiverem." Lívia sentou-se ao lado, obediente, enquanto as manicures começavam o trabalho. Suas unhas foram lixadas, pintadas de um vermelho sangue brilhante, e os cílios postiços — longos e dramáticos — transformaram seu olhar em algo quase teatral. As sobrancelhas foram desenhadas finas e arqueadas, e a maquiagem completou o visual com sombras escuras e mais batom vermelho. Mariana passou pelo mesmo processo, emergindo com unhas afiadas como garras e cílios que faziam sombra no rosto.
Quando saíram do salão, o sol estava alto no céu, e elas caminhavam lado a lado, as sacolas balançando nas mãos. Lívia ainda sentia um leve desconforto com os olhares que recebia — alguns curiosos, outros desejosos —, mas Mariana parecia se alimentar deles, os ombros erguidos, o queixo alto. "Está vendo?" disse ela, dando um tapinha no braço de Lívia. "Você já é outra pessoa. E isso é só o começo. Vamos pra casa agora. Quero ver você experimentando tudo isso de novo, só pra mim."
Lívia sorriu, tímida mas entregue, sabendo que cada peça escolhida, cada detalhe ajustado, era mais um tijolo na construção do que Mariana queria que ela fosse. O medo de ser reconhecida estava se dissipando, substituído por uma aceitação crescente de sua nova identidade — uma identidade que, sob o comando de Mariana, não tinha limites nem volta atrás.