Apenas mais ma de amor - 05
6 anos antes
Eu estava vivendo o boom da classe média brasileira, passar as férias fora do Brasil, na Flórida, era uma realidade possível, reconheço que venho de uma família que ocupava um local de destaque, me permitindo viver tranquilamente, mas naquele momento, nunca foi tão possível. Não falo de um bom momento somente para mim, mas para Laura, também. Ela e eu passamos um ano inteiro planejando aquelas férias de verão, nossa amizade já vinha desde a infância, mas no ano anterior, no auge da adolescência, nos aproximamos ainda mais e, desde então, não nos largamos mais.
Nós estávamos muito animados, era a nossa primeira grande experiência soltos pelo mundo, mas não era uma viagem de dupla, meus pais estavam conosco, quer dizer, “estavam”, vamos precisar nossas localizações: eu estava em Orlando com a Laura, e meus pais estavam em Miami, duas cidades distantes, mas nem tanto, de avião demorava apenas 1h, e de carro, algo em torno de 3 a 4h, num dia de trânsito bom, obviamente.
Pode não parecer, mas meus pais não eram - tão - loucos a ponto de deixar dois adolescentes de 17 anos soltos numa cidade estrangeira, tudo aquilo foi acordado antes, eles estavam tendo uma nova lua de mel e dois adolescentes não estavam no pacote. Então uma parte da viagem era nossa e a outra seria dividida em pares.
Se eu estava feliz por enfim ter um pouco mais de liberdade, Laura estava muito mais feliz e animada, aquela não era somente a primeira vez dela em Orlando, era a primeira vez dela fora do país, então não é de se imaginar que ela queria conhecer tudo e juntos, queríamos conhecer todo mundo. Esse último ponto foi levado ao pé da letra por ela, que havia marcado de encontrar um primo seu lá.
Ela havia me explicado um pouco antes da viagem que esse primo estava já há algumas semanas em Orlando, ela também dizia constantemente que nós 3 éramos amiguinhos no jardim de infância, mas eu não tinha qualquer lembrança disso, nem deveria, a Laura tem uma super memória que foi muito útil a ela alguns meses depois, quando ela prestou vestibular com as fórmulas matemáticas decoradas. Ela não sabia executar, mas sabia decorar.
Mas naquele momento, sentado na cama, vestindo uma bermuda, uma camisa branca, um colete e um all star branco, enquanto via a Laura agachada, amarrando o cadarço do seu tênis vermelho, ao mesmo tempo em que o vento vindo da sacada agitava seu enorme cabelo cacheado, eu pensava na coisa mais óbvia e urgente de todas: estávamos completamente atrasados. Se quiséssemos ir a qualquer lugar, teríamos que pegar uma fila quilométrica, porque o horário do rush dos parques de Orlando já estava rolando:
- Laura - tentei dizer calmamente - eu não sei como te dizer de novo que nós estamos atrasados, a gente precisa sair agora, eu tô com fome, quero brincar e vou desmaiar em qualquer fila de restaurante, lanchonete ou parque.
- Ai João - ela disse enquanto se levantava, de modo que seus longos cabelos, que antes estavam jogados para frente, fossem projetados para trás - você é completamente exagerado, mas de todo modo, estou pronta. Vamos?! - Ela fazia parecer, como se fosse a coisa mais normal da vida estar sempre atrasada. “Se você quer ter uma diva, precisa pagar o preço”, era o que ela sempre me dizia quando demorava muito para se arrumar. Pra ser bem sincero, ela estava plagiando uma fala da Mariah Carey.
- Vamos! - eu me levantei num salto, senti imediatamente meus cachos subindo e descendo, essa era, de longe, minha sensação favorita no mundo, sempre gostei de dizer que meus cabelos ficavam felizes junto comigo. Eu pulo quando estou feliz e eles sempre me acompanharam nisso.
Corri imediatamente para abrir a porta, aproveitei para dar uma leve apressada na Laura, deixar ela fechar a porta poderia significar mais um atraso, então enquanto me responsabilizava por checar se o acesso magnético estava funcionando bem, pedi para ela já ir chamando o elevador, que daquela vez, rapidamente chegou ao andar, a distância de onde eu estava, para o elevador, era relativamente significativa,então foi preciso dar uma leve corridinha, que foi o suficiente para me lembrar que eu era um grande sedentário, quando enfim entrei no elevador, a Laura já estava lá dentro.
Quando as portas se fecharam, ela pegou o celular para checar por onde andava o primo:
- Amiga, qual é mesmo o nome do seu primo? - disse eu enquanto checava se o botão do térreo estava pressionado no painel do elevador.
- Daniel, mas nós o chamamos pelo sobrenome, Mathias.
Enquanto ela estava ali, distraída mexendo no celular, paramos no décimo andar, assim que as portas se abriram, um menino branco, usando as roupas padrões de turista confortável, entrou no elevador, imediatamente ele fixou os olhos na Laura, que permanecia focada no celular. Se ele focou na Laura, eu foquei nele, laterais do cabelo levemente aparadas na máquina, uma incipiente barba por fazer e um corpo, que sinceramente, para mim e qualquer outro mortal, seria visto como divino.
Estando em outro país, decidi falar na minha língua nativa com a Laura:
- Amiga, olha esse gatinho que acabou de entrar no elevador. - eu disse tentando fazer com que ele não notasse que estávamos falando dele.
- Obrigado pelo elogio, você também é lindo. - ele disse e logo em seguida soltou uma gargalhada. Por um momento, por um curto, porém interminável momento, eu senti todo o meu corpo gelar, não tendo onde enfiar o meu rosto, eu achei que fosse morrer. Tive a confirmação da morte certa quando a Laura enfim descolou o rosto do celular e disse a palavra que me fez quase desmaiar de nervoso:
- MATHIAS! - aquele elevador era razoavelmente grande, mas ela conseguiu torná-lo pequeno, porque no minuto seguinte estava agarrada junto ao primo, enquanto ambos sorriam e gargalhavam, devo admitir que apesar do meu desespero, aquela cena era, de fato, muito bonita. Foi ali, naquele elevador, enquanto ele ria, que seus olhos focaram em mim pela primeira vez, e ali, exatamente ali, eu senti novamente o meu corpo gelar, mas não era mais por vergonha, foi porque eu sabia que já estava rendido.
2018
Eu já estava em seguindo para o jornal, havia passado em casa e resolvido o que tinha para ser resolvido, enquanto dirigia, todas essas lembranças rodavam a minha mente em looping, durante todo o trajeto, os papéis do divórcio estiveram comigo e me traziam para a dura realidade dos fatos: meu american love havia terminado, estava selado. Mathias havia desistido de mim por acreditar que aquilo era o que eu queria, e na verdade ele não estava errado, durante meses aquilo foi um grande desejo meu, que ele enfim assinasse os papéis, mas depois de ter assinado, depois de ter chorado daquela forma na noite anterior, eu entendi que ainda valia a pena, que eu gostaria de tentar de novo, porque eu ainda o amava.
Mas antes, eu precisava chegar na redação do jornal, no Centro, o coração da cidade do Rio de Janeiro. Meu carro, dessa vez, ficou num edifício garagem, ficava bem mais próximo da redação. Naquele dia a minha cabeça orbitava em torno do Mathias, mas eu precisava trabalhar antes, além do que, naquele dia em especial, o jornal onde eu trabalhava estava passando por uma integração de pessoal, estávamos em processo de fusão com outro jornal e seríamos todos apresentados.
Eu cheguei atrasado, no meio do evento, praticamente, era, de fato um grande evento, deveriam ter ali aproximadamente 120 pessoas ou mais, era um evento à 13h da tarde, realmente não tinha condições, eu, que já detesto eventos corporativos, odiava muito mais aqueles de integração, especialmente em um dia onde eu precisava lidar com as minhas decisões.
Eu já estava cogitando a possibilidade de ir embora, quando toda a minha atenção foi chamada para o centro daquela integração, meu chefe, diretor de jornalismo do jornal, estava apresentando os novos sócios, enquanto ele falava, eu senti o meu corpo gelar novamente, mas de desespero, ao lado dele, de terno, estavam os dois novos sócios, dois homens, como era de se esperar, pai e filho, eu já sabia dessa informação.
O homem mais velho, eu conhecia apenas de nome, mas o mais jovem, seu filho, eu já conhecia e conhecia bem, era o Lucas, o menino do ato, que depois virou o menino do beijo na casa do meu então ex marido.
- João, meu caro, Lucas será meu parceiro na editoria cultura. - disse meu chefe, lá da frente, enquanto sorria animado.
Enquanto Lucas me encarava incrédulo, eu apenas conseguia pensar: aquele seria o dia de uma noite difícil.